Cientista em destaque: Edson Roberto Leite.

Prof Edson Roberto Leite
Prof Edson Roberto Leite

Lembranças muito agradáveis marcam a história de Edson Roberto Leite com a ciência: o livro sobre foguetes na infância no interior de São Paulo, a oportunidade de utilizar um microscópio excepcional durante o período sabático nos Estados Unidos, a descoberta de um mecanismo de crescimento de nanocristais no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron…

Também fazem parte dessas belas memórias, vários momentos que ele viveu junto a seu tutor e pai científico, o professor José Arana Varela, proeminente cientista brasileiro da área de materiais falecido em 2016. Arana Varela foi homenageado pela SBPMat com a criação, em 2019, de um prêmio que leva seu nome, e que distingue anualmente um pesquisador de destaque do Brasil, o qual profere uma palestra plenária no evento anual da Sociedade. Na sua primeira edição, a distinção foi concedida, justamente, a Edson Roberto Leite, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e diretor científico do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano-CNPEM). Leite também é editor para América Latina do Journal of Nanoparticle Research (Springer).

Edson Roberto Leite formou-se em Engenharia de Materiais pela UFSCar em 1988. Na dúvida entre seguir uma carreira na indústria ou na academia, tentou, inicialmente, conciliar ambas.  Depois de formado, trabalhou na área de pesquisa e desenvolvimento da 3M, enquanto fazia o mestrado e iniciava o doutorado, ambos em Ciência e Engenharia de Materiais na UFSCar. Em 1992, saiu da empresa para poder se dedicar melhor ao doutorado, numa decisão que, segundo ele conta, não agradou o sogro, preocupado com o sustento da família que já contava com dois filhos. Entretanto, ao longo dos anos, os resultados dessa decisão foram muito positivos. Em 1994, pouco depois de defender o doutorado, Leite tornou-se professor do Departamento de Química da UFSCar e iniciou uma carreira de pesquisador em materiais que resultaria não apenas frutífera, como também prazerosa.

Coautor de mais de 400 artigos científicos publicados com mais de 19 mil citações, hoje Leite possui um índice h de 72 (Google Scholar). O cientista também é editor de três livros relacionados a materiais para energia e coautor de um livro sobre o processo de nucleação e crescimento em nanocristais. Leite recebeu vários prêmios, incluindo o Scopus Prize da Elsevier/ CAPES (2006), pela excelência do conjunto da sua produção científica, e a John Simon Guggenheim Memorial Foundation Fellowship (2009), outorgada a cientistas com excepcional capacidade em pesquisa. Em 2012, Edson Leite foi eleito membro da World Academy of Ceramics e da Academia de Ciências do Estado de São Paulo. Em 2014, foi um dos coordenadores do Spring Meeting da Materials Research Society, realizado em San Frascisco (EUA). Em 2019 foi eleito membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC).

Leia nossa entrevista e saiba mais sobre este cientista, suas principais contribuições e suas lembranças sobre o professor Arana Varela.

Boletim da SBPMat: Na escola, você tinha mais afinidade com disciplinas de ciências, certo? Você se lembra como nasceu esse gosto pela ciência? 

Edson Roberto Leite: A história de uma pessoa tem sempre a versão pessoal e a versão das pessoas que conviveram com ela. Vou passar a minha visão de como ocorreu.

Na escola sempre tive muita afinidade por Ciências e História. Algo marcante para mim foi quando estava no terceiro ano do ensino primário (atualmente ensino fundamental) e meu pai me levou na Biblioteca Municipal de Araras para tirar o cartão de associado e assim poder ter acessos aos livros. O primeiro livro que retirei foi sobre foguetes. Sempre adorei a conquista do espaço e a ciência por trás dos momentos históricos fundamentais. É importante salientar que o homem tinha chegado à lua apenas alguns anos antes, a energia nuclear era vista como a solução energética mundial e os semicondutores estavam apenas iniciando.

Além desta lembrança gostosa, tinha outros incentivos, inclusive um desenho animado muito legal que era Jonny Quest. Este desenho animado, além de aventuras, tinha muito de ficção científica, e o pai do Jonny (Dr. Benton Quest) era um cientista renomado e com um excelente laboratório de pesquisa na própria casa.

A minha infância então foi sempre marcada por uma forte influência das disciplinas de ciência. Acho que isso me levou facilmente me definir por Engenharia. No início minha idéia era de me tornar um engenheiro mecânico, porém durante meu cursinho preparatório para o vestibular conheci a Engenharia de Materiais, na UFSCar. Prestei no meio do ano de 1983 e passei. A partir daí já sabia o que eu queria e o que eu gostava.

Porém, uma dúvida ainda existia, ir para a área acadêmica ou ir para a indústria (meu pai era funcionário da Nestlé em Araras e o setor industrial sempre me chamou a atenção). Durante a graduação, fui morar na república do Celso V. Santilli (hoje um importante pesquisador na área de Materiais, Professor do IQ-UNESP-Araraquara) e ele me levou a fazer a iniciação científica com os professores Elson Longo e José Arana Varela. Foi aí que aprendi o que era ciência e meu gosto pela área acadêmica cresceu. Já em 1984 tive a primeira bolsa de IC da FAPESP com orientação do Prof. Varela (que era professor convidado do departamento de Engenharia de Materiais (DEMa) da UFSCar). Em 1988 me formei, entrei para o mestrado do DEMa-UFSCar e fui trabalhar como engenheiro de desenvolvimento na 3M do Brasil, em Sumaré, SP. Meu diretor na 3M era o engenheiro Aloysio Pizarro e ele me liberou para o mestrado (que defendi em 1990 com orientação do Prof. Elson) e para o doutorado (iniciado em 1990). No ano de 1992, vi que seria impossível conciliar a área de pesquisa e minhas atividades na 3M, então saí da 3M para me dedicar inteiramente a pesquisa acadêmica, voltando para São Carlos. Terminei o doutorado em 1993 com orientação do Prof. José A. Varela. Em janeiro de 1994, ingressei como professor adjunto no departamento de Química da UFSCar e ingressei ao LIEC (Laboratório Interdisciplinar de Eletroquímica e Cerâmica), fundado pelo Elson, Varela e Bulhões (Prof. Luís Otávio S. Bulhões). Voltei para a casa que me introduziu para a ciência.

Essas foram as minhas influências…

Boletim da SBPMat: Quais são, na sua própria avaliação, as suas principais contribuições à área de Materiais? 

Edson Roberto Leite: Desde a IC venho trabalhando principalmente com materiais inorgânicos, mais especificamente materiais cerâmicos. Assim, vou relatar as contribuições que acho mais importantes, segundo meu ponto de vista (na verdade pode ser que sejam as contribuições que eu mais gostei de trabalhar).

Desde 1994 venho trabalhando basicamente com química e físico-química de materiais e atuei em várias áreas, entre elas: síntese química de óxidos cerâmicos, síntese de nanopartículas com tamanho e morfologia controlada, crescimento de nanocristais, propriedades elétricas de óxidos cerâmicos, materiais para aplicação em dispositivos de energia alternativa e microscopia eletrônica de transmissão (TEM). Durante esse período, sempre desenvolvendo os trabalhos em colaboração com os professores Elson Longo e José A. Varela, no LIEC do DQ-UFSCar. Dentre estas diferentes áreas vou destacar minhas contribuições em crescimento de nanocristais e os trabalhos em energia alternativa.

No ano de 1998, ou seja, 4 anos após minha contratação, fui fazer um período sabático nos EUA, no grupo do Prof. Martin P. Harmer, em Lehigh University (Betlehem, PA). Nesse meu sabático, trabalhei na conversão de cerâmicas policristalinas em cerâmicas monocristalinas, usando o crescimento controlado de grãos. Foi um ano maravilhoso e minhas recordações daquele período são vivas na minha memória. Ainda lembro do cheiro do laboratório e das amizades vivenciadas. Do ponto de vista profissional, o trabalho me chamou a atenção para o processo de crescimento de cristais orientados no estado sólido. Minha contribuição ao projeto foi caracterizar o processo de crescimento usando técnicas avançadas de microscopia eletrônica de transmissão.  Nessa época tive a oportunidade de operar o microscópio eletrônico de transmissão analítico VG-603. Foram produzidos poucos microscópios iguais a esse, e me lembro até hoje as palavras do coordenador do laboratório de microscopia de Lehigh, Dr. Dave Ackland dizendo que: “poucos pesquisadores no mundo tiveram a honra de operar este equipamento”. Voltando ao Brasil em 1999, me dediquei muito à microscopia e, com a ajuda do recém-criado Laboratório de Microscopia Eletrônica do LNLS (idealizado em 1997 pelo Dr. Daniel Ugarte), comecei a estudar o processo de crescimento de nanocristais em solução coloidal. Rapidamente identifiquei, para nanocristais de SnO2, um mecanismo de crescimento recém descrito na literatura, conhecido como “Oriented Attachment” (OA). O primeiro artigo que publicamos sobre esse mecanismo de crescimento de nanocristais foi em 2003. Nesse período consegui criar um grupo de estudantes de mestrado e doutorado de alto nível (hoje esses estudantes são pesquisadores e professores), o que possibilitou explorar muito esse mecanismo de crescimento. Na realidade, nós publicamos, quase que simultaneamente com grupos americanos, o primeiro modelo cinético para descrever esse processo de crescimento, e logo depois publicamos dois artigos importantes, sendo um relacionado com o crescimento de nanocristais anisotrópicos e outro correlacionando o processo OA com um processo de polimerização. Ambos artigos considerados pioneiros na área. O reconhecimento internacional na área veio com o convite para publicar dois artigos de revisão (um na Nanoscale e outro na CrysEngComm), sendo um deles inclusive em colaboração com os maiores especialistas internacionais na área de cinética de crescimento de nanocristais por OA.

Em energia alternativa, comecei a trabalhar já em 2004, quando ajudei a organizar um simpósio sobre o tema no MRS Spring Meeting de San Francisco. Após isso, investimos nessa área e, com um novo grupo de estudantes brilhantes, conseguimos resultados fantásticos, entre 2007 e 2016, relativos ao desenvolvimento de fotoanodos de hematita para promover a foto-eletrólise da água, visando a produção de hidrogênio. Desenvolvemos um processo de fabricação de eletrodos baseado na deposição coloidal de nanocristais. Isso possibilitou as publicações de mais alto impacto da minha carreira, em jornais como o JACS e Energy Environ. Sci. Nesse mesmo período desenvolvemos um método de síntese de MoS2 (material 2D), combinando método sol-gel não hidrolítico e reação em microondas. Isso resultou novamente em materiais excelentes para eletrocatálise e para supercapacitores. Essa pesquisa também possibilitou publicações em jornais de alto impacto, tais como Chem. Comm e Advanced Energy Materials. Sem dúvida, este time de alunos nos colocou no estado da arte de desenvolvimento de materiais para energia alternativa.

Gostaria de destacar somente mais uma contribuição importante, que foi no estudo do processo de combustão em fornos de fusão de vidro, realizado com financiamento da White Martins/Praxair. Neste trabalho, realizado com o Prof. Carlos Paskocimas (atualmente na UFRN) e os Prof. Elson e Varela, caracterizamos a taxa de corrosão dos fornos e propusemos soluções tecnológicas para inibir esta corrosão. Este trabalho foi um sucesso na época e fomos convidados a apresentar os resultados na Corning Glass e na Praxair nos Estados Unidos.

Boletim da SBPMat: Você foi distinguido na primeira edição do prêmio José Arana Varela da SBPMat, que homenageia esse proeminente cientista brasileiro (falecido em 2016), ex-presidente da SBPMat.  O professor Varela foi seu orientador de doutorado e seu coautor em muitos artigos publicados. Você poderia compartilhar conosco alguma lembrança sobre o professor Varela e comentar a parceria científica que se desenvolveu entre vocês ao longo do tempo?  Fique à vontade para deixar também algum comentário mais pessoal.

Edson Roberto Leite: Como comentei acima, fui apresentado aos professores Varela e Elson durante a minha graduação e o Prof. Varela foi meu orientador de IC e de doutorado. Na verdade, fui o primeiro aluno de doutorado formado pelo Varela, isso em 1993. Ser o primeiro a ganhar este prêmio é uma honra, que me deixou muito feliz. Além de ter sido meu orientador, Prof. Varela foi um tutor e quase um pai, me ensinando e me introduzindo na comunidade científica nacional e internacional. Foi com ele que fiz minha primeira viagem ao exterior, em 1993, onde ele me apresentou os grandes nomes da Cerâmica internacional no congresso americano da American Ceramic Society. Foi nesta oportunidade que conheci o Prof. Gary Messing e Prof. Harmer. Me lembro dele me apresentar o famoso Prof. W.D. Kingery, o pai da Cerâmica moderna. Foi o Varela que me incentivou a ser membro da World Academy of Ceramics. Foram várias viagens, abrindo novas frentes de trabalho e novas áreas de pesquisa. Como tutor e orientador ele sabia me chamar a atenção e indicar meus erros. Me lembro, já mais recentemente, em um MRS Fall meeting em Boston (USA), uma longa discussão que tivemos onde ele sem titubear me “puxou a orelha” e me orientou nos problemas futuros que teria como líder de grupo na área de Química de Materiais. Sei que fui um aluno rebelde na visão dele, mas tenho certeza que ele se orgulhou da formação que me deu. A morte prematura dele me pegou de surpresa e sinto muito sua falta. Sinto falta das nossas discussões, das nossas conversas e principalmente de seus conselhos e orientações.

Boletim da SBPMat: Por favor, deixe uma mensagem para nossos leitores mais jovens que estão iniciando uma carreira de cientistas ou estão avaliando essa possibilidade.

Edson Roberto Leite: Não sou bom com as palavras, meus alunos e ex-alunos sabem que sou muito direto. Nunca me preocupei em planejar minha carreira, tudo foi acontecendo seguindo meus instintos. O que sou hoje se deve muito a meus estudantes e ao apoio de dois pais científicos, os professores Elson e Varela. O meu trabalho não é um trabalho, é um hobby. Assim minha mensagem é: Para atingir o sucesso em uma carreira científica é preciso gostar muito do que você faz.  

Boletim da SBPMat. 90ª edição.

 

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Boletim da
Sociedade Brasileira
de Pesquisa em Materiais

Edição nº 90. 29 de fevereiro de 2020.

Notícias da SBPMat

Nova diretoria. Conheça um pouco os membros da nova diretoria executiva: formação e atuação acadêmica, temas de pesquisa e o que gostam de fazer quando não estão trabalhando. Veja aqui.

Cerimônia de posse. A nova diretoria executiva da SBPMat, presidida pela professora Mônica A. Cotta, tomou posse em cerimônia realizada no IFGW-Unicamp na manhã de 14 de fevereiro, com a presença de mais de 80 pessoas, inclusive autoridades do MCTIC, sociedades científicas, centros de pesquisa e universidades. Mulheres na ciência e impacto social da pesquisa foram assuntos recorrentes nos breves discursos proferidos. Veja nossa cobertura da cerimônia, com fotos e a íntegra do discurso da nova presidente.

– Nota em defesa da democracia. A SBPMat e dezenas de entidades científicas endossaram nota da SBPC em defesa da democracia, publicada em 26 de fevereiro. Saiba mais.

Artigo em Destaque

Um grupo de pesquisa do LNNano/CNPEM desenvolveu um memoristor e um transistor com materiais híbridos (orgânicos – inorgânicos) e microtubos feitos de nanomembranas autoenroladas. Os novos dispositivos podem contribuir ao desenvolvimento de aparelhos menores, flexíveis, mais baratos e que reúnam melhor desempenho e menor consumo de energia. Os trabalhos foram recentemente publicados na Nano Letters e na Nature Communications. Saiba mais.

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Da Ideia à Inovação

Contamos a interessante história do Kevlar, um material leve e super resistente usado em centenas de produtos de dezenas de mercados diferentes. A história começa com uma descoberta de ciência básica realizada por uma mulher sem doutorado, que encontrou nos laboratórios da empresa DuPont de meados do século passado um ambiente propício para desenvolver seu talento e paixão pela pesquisa científica. Veja aqui.

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Novidades dos Sócios SBPMat

– Prof. Victor Carlos Pandolfelli (DEMa-UFSCar), sócio da SBPMat, recebeu um prêmio da TMS (a sociedade de minerais, metais e materiais dos Estados Unidos) destinado a trabalhos que evidenciam a aplicação da ciência na solução de problemas práticos. Saiba mais.

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XIX B-MRS Meeting + IUMRS ICEM 2020
(Foz do Iguaçu, Brasil, 30 de agosto a 3 de setembro de 2020)

Site do evento: www.sbpmat.org.br/19encontro/

Notícia completa sobre o evento: https://www.sbpmat.org.br/pt/aberta-a-submissao-de-trabalhos-para-o-xix-b-mrs-meeting-iumrs-icem/

Aberta a submissão de resumos até 1º de abril!

Submissões. O prazo para submissão de trabalhos encerra em 1º de abril. Orientações para a elaboração dos resumos e acesso ao sistema de submissão, aqui. Orientações sobre as apresentações orais e de pôster, aqui.

Simpósios. 29 simpósios compõem o evento. Veja a lista, aqui.

Inscrições. O sistema de inscrições já está aberto. Os valores da taxa de inscrição incluem três almoços, além dos coffee breaks e o coquetel de boas-vindas. Mais informações e acesso ao sistema, aqui.

Expositores e patrocinadores. 15 empresas já confirmaram participação como expositoras – patrocinadoras do evento. O prazo para fechamento de patrocínios encerra em 31 de março. Empresas e outras organizações interessadas em participar do evento como expositoras, patrocinadoras ou apoiadoras, podem entrar em contato com Alexandre pelo e-mail comercial@sbpmat.org.br.

Prêmios para estudantes. Autores de trabalhos que sejam estudantes de graduação, mestrado ou doutorado poderão concorrer aos prêmios da SBPMat e ACS Publications submetendo resumos estendidos depois de receberem a notificação de aceitação de seus trabalhos. Mais informações nas instruções para autores, aqui.

Plenaristas internacionais. Renomados cientistas da China, Estados Unidos, Itália e Japão já confirmaram presença como palestrantes do evento. Saiba mais no site do evento.

Palestra José Arana Varela (plenarista nacional). O Prof. Edson Roberto Leite (LNNano – CNPEM) foi escolhido pela SBPMat para receber esta distinção e proferir a palestra no evento.

Palestra Memorial Joaquim da Costa Ribeiro. A distinção será para o Prof. Cid Bartolomeu de Araújo (UFPE), que proferirá a palestra no evento.

Local do evento. O evento será realizado no hotel Rafain Palace, localizado em Foz do Iguaçu (PR). Saiba mais.

Hospedagem. Veja opções de hospedagem da agência de turismo oficial do evento, aqui.

Evento conjunto. O evento reúne a 19ª edição do encontro anual da SBPMat e a 17ª edição da conferência internacional sobre materiais eletrônicos organizada bienalmente pela União Internacional de Sociedades de Pesquisa em Materiais (IUMRS).

Organização. Prof. Gustavo Martini Dalpian (UFABC) é o coordenador geral, Prof. Carlos Cesar Bof Bufon (LNNANO) é coordenador de programa e Prof. Flavio Leandro de Souza (UFABC) é o secretário geral. No comitê internacional, o evento conta com cientistas da América, Ásia, Europa e Oceania. Saiba mais no site do evento.

Dicas de Leitura

– Cientistas aumentam eficiência da conversão de CO2 em metanol ao desenvolver e usar uma membrana inteligente, cujos nanocanais escoam a água, mas impedem a passagem de gases. Membrana pode acelerar diversos processos industriais limitados pela presença de água (paper da Science). Saiba mais.

– Avanços brasileiros em síntese e caracterização de perovskitas: cientistas conseguem produzir nova perovskita 2D e também mapear individualmente grãos nanométricos de filmes de perovskita, abrindo possibilidades para aplicação desses materiais em LEDs e células solares (papers da Chemistry of Materials e Science Advances). Saiba mais.

– Pesquisadores brasileiros desenvolvem nanopartícula com tendência inusual a se ligar a bactérias, entre outras propriedades que a tornam muito promissora para liberar antibióticos diretamente nos patógenos, aumentando a eficácia do tratamento (capa da Advanced Functional Materials). Saiba mais.

– Colaboração entre pesquisadores brasileiros de materiais e de computação gera avanços no uso de inteligência artificial para o desenvolvimento de novos vidros (paper da Acta Materialia). Saiba mais.

Oportunidades

– Concursos para professor do DEMa-UFSCar em Materiais Cerâmicos. Saiba mais.

– Processo seletivo discente para o mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Materiais da UFTM (Uberaba-MG). Saiba mais.

Eventos

Pan American Ceramics Congress and Ferroelectrics Meeting of Americas (PACC-FMAs 2020). Panamá (Panamá). 19 a 23 de julho de 2020. Site.

International Conference on Science and Technology of Synthetic Materials (ICSM 2020). Glasgow (Escócia). 26 a 31 de julho de 2020. Site.

XVIII International Congress on Rheology. Rio de Janeiro, RJ (Brasil). 2 a 7 de agosto de 2020. Site.

XIX B-MRS Meeting + 2020 IUMRS ICEM (International Conference on Electronic Materials). Foz do Iguaçu, PR (Brasil). 30 de agosto a 3 de setembro de 2020. Site.

XLI Congresso Brasileiro de Aplicações de Vácuo na Indústria e na Ciência. Foz do Iguaçu, PR (Brasil). 5 a 7 de outubro de 2020. Site.

5th International Conference of Surfaces, Coatings and NanoStructured Materials – Americas (NANOSMAT-Americas). Foz do Iguaçu, PR (Brasil). 7 a 10 de outubro de 2020. Site.

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Artigo em destaque: Microtubos de nanomembranas e materiais híbridos para dispositivos eletrônicos avançados.

Os artigos científicos de autoria de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês são:

Ambipolar Resistive Switching in an Ultrathin Surface-Supported Metal–Organic Framework Vertical Heterojunction. Luiz G. S. Albano, Tatiana P. Vello, Davi H. S. de Camargo, Ricardo M. L. da Silva, Antonio C. M. Padilha, Adalberto Fazzio, Carlos C. B. Bufon. Nano Lett. 2020, 20, 2, 1080-1088. https://doi.org/10.1021/acs.nanolett.9b04355

Edge-driven nanomembrane-based vertical organic transistors showing a multi-sensing capability. Ali Nawaz, Leandro Merces, Denise M. de Andrade, Davi H. S. de Camargo & Carlos C. Bof Bufon. Nature Communications volume 11, Article number: 841 (2020). Disponível em https://www.nature.com/articles/s41467-020-14661-x (acesso livre)

Microtubos de nanomembranas e materiais híbridos para dispositivos eletrônicos avançados

Alguns dos desafios das próximas gerações de smartphones, sensores e outros aparelhos eletrônicos podem ser resolvidos com a ajuda de microtubos de nanomembranas (folhas feitas a partir de vários materiais, condutores da eletricidade ou não, com espessuras nanométrica e dimensões laterais micrométricas, que podem se autoenrolar formando microtubos).

Na cidade de Campinas (SP), no Laboratório Nacional de Nanotecnologia do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (LNNano/CNPEM), um grupo de cientistas vem desenvolvendo expertise em processos de síntese, fabricação e caracterização de nanomembranas e suas aplicações. Em trabalhos que foram publicados em janeiro e fevereiro deste ano nos periódicos Nano Letters e Nature Communications, os autores exploram algumas potencialidades das nanomembranas, principalmente relacionadas à sua flexibilidade e dimensões, para desenvolver novos memoristores e transistores – dois dispositivos eletrônicos amplamente utilizados.

Mais precisamente, os pesquisadores do LNNano mostram que os microtubos de nanomembrana podem ser peças-chave na confecção de componentes promissores utilizando materiais orgânicos e híbridos (orgânico-inorgânico) como os memoristores e transistores. Dessa maneira, as novidades propostas nos artigos podem contribuir ao desenvolvimento de aparelhos e equipamentos ainda menores, flexíveis, portáveis, mais baratos e que combinem melhor desempenho e mais funcionalidades com baixo consumo de energia.

Em entrevista ao Boletim da SBPMat, Carlos Cesar Bof Bufon, autor correspondente dos dois artigos, fala sobre o impacto científico, tecnológico e social das pesquisas e sobre as competências e infraestrutura envolvidas na sua realização. Bufon é pesquisador e chefe da Divisão de Dispositivos do LNNano/CNPEM.

Boletim da SBPMat: – Os artigos apresentam avanços, desenvolvidos no LNNano, em tecnologias para dispositivos eletrônicos (transistores e memoristores). Na sua opinião, quais são as principais contribuições tecnológicas e/ ou científicas que estes artigos apresentam? 

Carlos Cesar Bof Bufon: – O trabalho intitulado “Ambipolar Resistive Switching in an Ultrathin Surface-Supported Metal–Organic Framework Vertical Heterojunction” publicado na Nano Letters (doi: 10.1021/acs.nanolett.9b04355), reporta o desenvolvimento de um novo tipo de memoristor utilizando estruturas metal-orgânicas de superfície (SURMOFs). Os SURMOFs são estruturas híbridas compostas por íons metálicos conectados por ligantes orgânicos, altamente organizadas em superfícies recobertas com monocamadas quimicamente ativas (SAMs). Existem mais de 70 mil tipos de estruturas metal-orgânicas (MOFs) que podem ser preparadas como SURMOFs e que podem conferir novas funcionalidades a dispositivos eletrônicos. Além das novas funcionalidades, sua considerável flexibilidade mecânica e baixo custo despertam interesse na comunidade científica para aplicações. Porém, por se tratar de um material híbrido formando por elementos orgânicos e inorgânicos, a integração desta classe de materiais torna-se um desafio tecnológico. Com intuito de contornar essa limitação, este trabalho apresenta uma nova arquitetura para a integração dessas de estruturas SURMOFs e sua aplicação no desenvolvimento de um novo tipo de memoristor. A arquitetura proposta é baseada no contato elétrico superior de filmes ultrafinos de SURMOF HKUST-1 utilizando nanomembranas metálicas autoenroladas (microtubos). Os filmes de SURMOF explorados nesse trabalho apresentam espessuras da ordem de 20 nanômetros. Essa nova arquitetura abre caminhos promissores na área de dispositivos eletrônicos baseados em SURMOFs, bem como fornece uma plataforma tecnológica para a realização de estudos ainda não reportados na literatura para essa classe de materiais, como por exemplo, a investigação de como as cargas elétricas são conduzidas em camadas de SURMOFs ultrafinos.

Fotografia de um microchip fabricado utilizando fotolitografia e ilustração do contato elétrico no SURMOF realizado pela nanomembrana metálica autoenrolada. Cada microchip possui área de 81 mm2 contendo 32 memoristores.
Fotografia de um microchip fabricado utilizando fotolitografia e ilustração do contato elétrico no SURMOF realizado pela nanomembrana metálica autoenrolada. Cada microchip possui área de 81 mm2 contendo 32 memoristores.

Já o trabalho intitulado “Edge-driven nanomembrane-based vertical organic transistors showing a multi-sensing capability” publicado na Nature Communications (doi: 10.1038/s41467-020-14661-x), apresenta o desenvolvimento de uma plataforma de transistor orgânico em arquitetura vertical. Os transistores são os principais componentes de circuitos e processadores eletrônicos. Comparados aos transistores inorgânicos, os transistores orgânicos têm como vantagens o baixo custo e sua fácil fabricação, que o tornam atraentes para dispositivos eletrônicos flexíveis em várias áreas. Uma grande vantagem dos transistores verticais está em sua fácil integração com dispositivos emissores de luz e fotodetectores na formação de sistemas optoeletrônicos integrados. Os dispositivos apresentados neste trabalho foram processados inteiramente por meio de técnicas convencionais de microfabricação e fotolitografia, o que é uma vantagem do ponto de vista da viabilidade tecnológica. Um grande diferencial destes novos transistores está relacionado à utilização de nanomembranas metálicas autoenroladas como eletrodos de dreno (um dos contatos do transistor), promovendo assim a formação de um contato mecânico suave com a camada de semicondutor orgânico. Nesta arquitetura, a camada semicondutora pode atingir espessuras menores que 50 nanômetros. Os dispositivos fabricados mostraram altas densidades de corrente (~0,5 A/cm2) com baixas tensões de operação (≤ 3 V). Com base em nosso estudo teórico, foi possível prever uma melhoria na estrutura do transistor, resultando em projeções de dispositivos com densidades de corrente de até 10 A/cm2. Tais valores – obtidos com baixas tensões de operação em uma plataforma composta por camadas orgânicas ativas – destacam o potencial desses dispositivos para futuramente serem integrados em aplicações eletrônicas flexíveis e portáteis. Além disso, os novos transistores mostraram-se capazes de detectar diferentes níveis de umidade e de luz, graças à plataforma de dispositivo baseada em nanomembranas autoenroladas. Portanto, os transistores desenvolvidos também possuem um grande potencial para o avanço da tecnologia de sensores da próxima geração.

Imagem de microscopia eletrônica de varredura (colorida artificialmente) do transistor orgânico vertical baseado em nanomembrana enrolada (tons de amarelo). A radiação incidente e as moléculas de água (artificialmente colocadas) ilustram as características de sensibilidade múltipla do novo dispositivo eletrônico.
Imagem de microscopia eletrônica de varredura (colorida artificialmente) do transistor orgânico vertical baseado em nanomembrana enrolada (tons de amarelo). A radiação incidente e as moléculas de água (artificialmente colocadas) ilustram as características de sensibilidade múltipla do novo dispositivo eletrônico.

Boletim da SBPMat: – De que maneira os resultados dos artigos poderiam impactar na vida cotidiana das pessoas (impacto social)? Você considera que as tecnologias propostas poderiam substituir as usadas atualmente ou criar novas aplicações? Se sim, quais seriam as vantagens destas novas tecnologias desenvolvidas no LNNano? Seria necessário dar muitos passos ainda para levar os resultados dos artigos ao mercado?

Carlos Cesar Bof Bufon: – O memoristor é considerado um dos quatro componentes eletrônicos fundamentais. Em um computador, é capaz de realizar as funções de processamento e de armazenamento de informação. Neste trabalho, o comportamento de memoristor foi observado em condições de alta umidade relativa (entre 90-70%). Análogo a uma espoja, as moléculas de água presentes no ambiente são absorvidas pelos nanoporos do SURMOF. Em determinado campo elétrico, essas moléculas facilitam a condução dos elétrons dentro do material através da alteração da sua resistência elétrica. A diferença na resistência elétrica pode chegar a 1 milhão de vezes utilizando baixas tensões de operação – menores que 2 V. Em uma aplicação prática, essa diferença pode corresponder a estados binários como 0 e 1. A total fabricação do dispositivo foi realizada com técnicas convencionais de fotolitografia, compatíveis com a produção em escala industrial. O fato de depender de umidade para seu funcionamento não limita sua aplicação comercial, pois isto pode ser facilmente contornado através de processos de encapsulamento, comuns na indústria de dispositivos eletrônicos.

Já a fabricação de transistores orgânicos em arquitetura vertical utilizando nanomembranas enroladas como eletrodos de dreno permite a redução da região de interesse para menos de 50 nanômetros (mais de mil vezes menor que a espessura de um fio de cabelo). Isso implica um avanço significativo na indústria eletrônica, porque a portabilidade de aplicações eletrônicas, como smartphones, computadores e televisores, depende da redução do número e do tamanho de transistores. O mecanismo de operação do dispositivo relatado neste trabalho amplia o entendimento atual sobre transistores orgânicos verticais, mostrando que as densidades de corrente podem ser melhoradas realizando-se manipulações cuidadosas na estrutura espacial do eletrodo metálico intermediário (fonte). Além disso, a preparação de microchips de transistores foi realizada com técnicas de microfabricação compatíveis com a escala industrial. Assim, esses dispositivos podem ser facilmente integrados em aplicações eletrônicas com algumas etapas adicionais, como o encapsulamento de microchips para evitar a degradação dos materiais orgânicos.

Os dois conceitos de dispositivos baseados em nanomembranas ampliam as possibilidades para o uso de materiais híbridos em eletrônica. Por mais que exista uma tendência para a substituição de uma tecnologia por outra, os conceitos desenvolvidos em nossos trabalhos buscam abrir novas fronteiras e possibilidades através o design de estruturas funcionais a partir de seus elementos fundamentais tais como átomos e moléculas.

Todas as tecnologias que desenvolvemos na área de dispositivos no LNNano/CNPEM estão firmemente calcadas tanto no entendimento dos conceitos fundamentais que governam as propriedades dos componentes como na aplicação tecnológica. Esses dois trabalhos foram iniciados fundamentalmente do zero. Em termos do seu nível de maturidade tecnológica (do inglês technology readiness level, TRL), os dispositivos alcançaram a validação funcional dos componentes em ambiente de laboratório (foi totalmente concluída). Dentro da escala TRL, atingimos o quarto nível de um total de 9, sendo este último a comercialização. Vale ainda ressaltar que o próximo nível a ser trabalhado precisa necessariamente envolver a participação do setor produtivo, que é, de fato, quem pode acelerar a chegada deste tipo de pesquisa ao mercado.

Boletim da SBPMat: – Conte-nos brevemente a história dos trabalhos reportados nos dois artigos: como e quando surgiu a ideia, se foi necessário reunir competências muito diversas, a infraestrutura utilizada, curiosidades etc.

Carlos Cesar Bof Bufon: – Os trabalhos são frutos de diferentes histórias, mas foram desenvolvidos no mesmo grupo de pesquisa com a ideia comum de explorar as potencialidades das nanomembranas na área de dispositivos funcionais. Esta temática faz parte do meu projeto Jovem Pesquisador financiado em 2016 pela FAPESP. A ideia da aplicação dos SURMOFs como memoristor, utilizando como contato superior as nanomembranas, foi desenvolvida em conjunto com o pós-doutorando Dr. Luiz Gustavo Simão Albano. O nosso grupo de pesquisa começou a avaliar a viabilidade tecnológica de utilizar os SURMOFs como materiais funcionais em dispositivos há cerca de 3 anos. Desde então, o grupo vem estabelecendo de forma continuada a implementação das rotas de síntese e integração para aplicações na área de componentes eletrônicos.

O trabalho foi realizado inteiramente no LNNano/CNPEM, e conta com uma lista de coautores que contribuíram ativamente para tornar possível a realização deste trabalho: Tatiana P. Vello (crescimento dos SURMOFs), Davi H. S. de Camargo (fabricação de dispositivos e ilustrações), Ricardo M. L. da Silva (fabricação de dispositivos), Dr. Antonio C. M. Padilha (simulações DFT) e Prof. Dr. Adalberto Fazzio (simulações DFT).

O trabalho com o transistor também segue o padrão do memoristor – combinação de materiais funcionais e nanomembranas. Há cerca de 15 anos comecei a me interessar pelas potencialidades do uso de camadas nanoestruturadas como blocos fundamentais em uma eletrônica vertical. Ao tomar conhecimento dos trabalhos do Prof. Ivo Hümmelgen, da UFPR (falecido em 2018), na área de transistores verticais, uma série de vantagens e desafios me chamaram a atenção. A ideia do trabalho surgiu ao antecipar que a melhoria no desempenho do dispositivo poderia ser alcançada com o uso de um eletrodo de dreno baseado em nanomembrana enrolada e um eletrodo intermediário (fonte) padronizado usando fotolitografia. Em maio de 2018, o Dr. Ali Nawaz (ex-aluno do Prof. Ivo!), natural do Paquistão, iniciou a execução do projeto no LNNano/CNPEM. Sendo um projeto de execução complexa, as infraestruturas avançadas para processamento e caracterização de dispositivos do LNNano/CNPEM foram fundamentais. E da mesma forma que o memoristor, a pesquisa dependeu de um conjunto de expertises variadas. Durante o projeto, o Dr. Leandro Merces prestou assistência crítica na investigação dos aspectos teóricos dos dispositivos, enquanto os colaboradores Davi Camargo (especialista em microfabricação) e Denise de Andrade (estagiária de graduação pela Universidade Estadual de Ponta Grossa), forneceram ao trabalho todo o suporte técnico necessário.

Autores principais dos trabalhos. A partir da esquerda: Carlos Cesar Bof Bufon, Luíz Gustavo Simão Albano e Ali Nawaz.
Autores principais dos trabalhos. A partir da esquerda: Carlos Cesar Bof Bufon, Luíz Gustavo Simão Albano e Ali Nawaz.

Artigo em destaque: Desvendando a desordem estrutural de nanomateriais.

O artigo científico de autoria de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é: Decreasing Nanocrystal Structural Disorder by Ligand Exchange: An Experimental and Theoretical Analysis. Gabriel R. Schleder, Gustavo M. Azevedo, Içamira C. Nogueira, Querem H. F. Rebelo, Jefferson Bettini, Adalberto Fazzio, Edson R. Leite. J. Phys. Chem. Lett. 2019 10 1471-1476. https://doi.org/10.1021/acs.jpclett.9b00439

Desvendando a desordem estrutural de nanomateriais

Sabe-se que é muito importante conhecer e controlar a estrutura de um material (ou seja, a forma como seus átomos se organizam tridimensionalmente no espaço) porque ela é, em grande parte, responsável pelas propriedades do material e, portanto, pelas suas aplicações. Um exemplo: regiões de desordem em materiais cristalinos (cujos átomos, idealmente, estão ordenados em padrões regulares) mudam alguns dos comportamentos esperados para esses materiais. Infelizmente, conhecer em detalhe a estrutura de alguns materiais pode ser uma tarefa difícil. Principalmente quando se trata de nanomateriais.

Reunindo diversas competências e recursos experimentais e teóricos, uma equipe brasileira desenvolveu um método que permite estabelecer o grau e a localização de desordem na estrutura de nanomateriais cristalinos e não cristalinos, interfaces e superfícies. O método, baseado na combinação de uma técnica experimental (microscopia eletrônica de transmissão), uma técnica de análise de dados (pair distribution function) e simulações computacionais, já está disponível para uso da comunidade científica no Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano), e deverá ajudar a desenvolver materiais que desempenhem melhor suas funções.

Além de desenvolver a técnica, a equipe a aplicou inicialmente no estudo da desordem estrutural de nanocristais, elementos básicos da nanotecnologia, presentes, por exemplo, em células solares e dispositivos eletrônicos. Apesar de terem, por definição, estruturas ordenadas, esses cristais de dimensão nanométrica podem apresentar, na prática, regiões com desordem estrutural.

Para realizar o estudo, os cientistas produziram nanocristais facetados, de cerca de 3,2 nm de diâmetro, formados por um núcleo de dióxido de zircônio (ZrO2), material inorgânico, e por uma casca composta por substâncias orgânicas conhecidas como ligantes. Os ligantes, cujos átomos estabelecem ligações químicas com os átomos que estão na superfície do núcleo inorgânico, têm a importante função de estabilizar os nanocristais e evitar que se aglomerem.

A equipe produziu uma primeira série de nanopartículas com ligantes contendo um anel aromático e a analisou usando o método desenvolvido. Depois, as amostras foram submetidas a um processo conhecido como troca de ligantes, no qual reações químicas acontecem no material na presença de um solvente a uma temperatura superior à da sua ebulição. Nessas reações, algumas ligações se quebram e novas ligações ocorrem. Como resultado da troca de ligantes, a equipe conseguiu produzir nanopartículas com cascas contendo ácido oleico, as quais também foram analisadas usando o método desenvolvido.

Esta figura mostra uma nanopartícula de ZrO2 antes e depois da troca de ligante. A figura inclui imagens de microscopia eletrônica de transmissão de alta resolução (acima), modelos estruturais (no meio) e padrões obtidos pela técnica de PDF.
Esta figura se refere a um nanocristal de ZrO2 antes e depois da troca de ligante. A figura inclui imagens de microscopia eletrônica de transmissão de alta resolução, modelos estruturais e padrões de PDF obtidos pelo método desenvolvido.

Os cientistas concluíram que, diferentemente do nanocristal ideal de dióxido de zircônio, os dois tipos de nanocristais analisados apresentavam um certo grau de desordem estrutural localizado na superfície do núcleo. Além disso, no segundo grupo de nanopartículas, a desordem era significativamente menor. Os pesquisadores interpretaram que essa redução se devia à alta temperatura do processo de troca de ligantes, que alterava as tensões da rede de átomos.

“Em nosso trabalho conseguimos avaliar diretamente o grau e localização da desordem em nanocristais, o que até então era tecnicamente inviável”, diz Gabriel Schleder, doutorando no Programa de Pós-Graduação em Nanociências e Materiais Avançados da Universidade Federal do ABC (UFABC).

Ao compreender melhor a desordem estrutural e suas causas, os pesquisadores puderam apontar um caminho para controla-la. “Qualquer propriedade que dependa sensivelmente da desordem estrutural localizada na superfície poderia ser, em princípio, controlada por esse tipo de processo de troca de ligantes”, diz Schleder. “Propriedades mecânicas, fotoluminescência, transporte eletrônico e propriedades catalíticas são algumas delas”, completa.

A pesquisa foi reportada em artigo recentemente publicado em The Journal of Physical Chemistry Letters (fator de impacto= 8,709).

Desafio superado por meio de colaborações

A ideia inicial do trabalho surgiu em uma reunião realizada no final de 2017 no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), localizado na cidade paulista de Campinas. Na reunião, discutiu-se a implementação no Sirius (próxima fonte de luz síncrotron brasileira) de uma técnica que permitisse analisar localmente questões estruturais tais como desordem e defeitos. Chamada de “pair distribution function” (PDF), a técnica escolhida descreve as distâncias entre pares de átomos por meio de uma função matemática. Para aplicar essa técnica, o especialista geralmente utiliza os resultados de medidas de difração de raios X – técnica experimental que traz informações sobre a estrutura dos materiais. Só que, para poder implementar a análise por PDF, o feixe de raios X incidido na amostra deve ser de energia muito alta – mais alta do que a proporcionada pela atual fonte de luz síncrotron brasileira.

Naquela reunião no CNPEM, o professor Gustavo de Medeiros Azevedo, pesquisador do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), e o professor Edson Leite, diretor científico do LNNano, decidiram, então, começar a aplicar PDF usando resultados de difração de elétrons, especialidade do pesquisador do LNNano Jefferson Bettini. Os feixes de elétrons seriam gerados pelo microscópio eletrônico de transmissão do LNNano. De fato, esse instrumento possibilita o controle do feixe de elétrons de modo que incida em uma diminuta área da amostra, permitindo a desejada análise local da estrutura. Por outro lado, ao alternar entre o “modo imagem” e o “modo difração” do microscópio, seria possível escolher com precisão a área da amostra a ser analisada.

Simulação de um nanocristal "ideal" de ZrO2.
Simulação de um nanocristal “ideal” de ZrO2.

A equipe de trabalho envolveu também as professoras Içamira Costa Nogueira, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e Querem Hapuque Felix Rebelo, da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), que contribuíram com a síntese dos nanocristais que seriam estudados e no desenvolvimento da metodologia de análise.

No desenvolvimento da técnica, mais um desafio precisou ser enfrentado. Para interpretar os resultados de PDF, seria necessário contar com a simulação de um nanocristal ideal – um modelo de nanocristal sem desorganização estrutural que pudesse ser usado como referência. Novas competências foram então incorporadas à equipe, que passou a contar com o professor Adalberto Fazzio, diretor geral do LNNano e líder de um grupo de pesquisa da UFABC dedicado a técnicas computacionais aplicadas a materiais, e seu estudante de doutorado Gabriel Schleder. Baseados na Teoria do Funcional da Densidade (DFT), método de modelagem computacional do âmbito da Física Quântica, os pesquisadores conseguiram simular o nanocristal ideal que serviu de modelo para a análise.

“Algo muito positivo que percebemos é que os principais resultados surgiram do processo de interação, discussão e troca de informações principalmente entre teoria/simulação computacional e experimentos. Sem isso, certamente não teríamos boas conclusões finais”, diz Schleder.

Autores do artigo. A partir da esquerda: Gabriel R. Schleder, Gustavo M. Azevedo, Içamira C. Nogueira, Querem H. F. Rebelo, Jefferson Bettini, Adalberto Fazzio e Edson R. Leite.
Autores do artigo. A partir da esquerda: Gabriel R. Schleder, Gustavo M. Azevedo, Içamira C. Nogueira, Querem H. F. Rebelo, Jefferson Bettini, Adalberto Fazzio e Edson R. Leite.

 

Programa Bolsas de Verão do CNPEM recebe inscrições de estudantes universitários.

Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) recebe no período de 3 a 14 de outubro de 2018 inscrições de interessados em participar da 28ª edição do Programa Bolsas de Verão, destinado a estudantes de graduação universitária, matriculados em cursos de áreas das Ciências da Vida e Ciências Exatas de instituições de ensino localizadas em países da América Latina e Caribe. O Programa estimula jovens com vocação para a pesquisa científica e o desenvolvimento tecnológico. Esta edição do Bolsas de Verão será realizada no campus do CNPEM em Campinas, interior de São Paulo, nos meses de janeiro e fevereiro de 2019.

Os estudantes interessados em participar do Programa devem se atentar aos requisitos para inscrição e à documentação exigida, informações que estão disponíveis no blog do Programa: pages.cnpem.br/bolsasdeverao, nos idiomas Português e Espanhol. Os alunos selecionados serão orientados – de modo individualizado – por um pesquisador e/ou tecnólogo qualificado de um dos Laboratórios Nacionais do CNPEM. A missão do estudante é desenvolver um projeto proposto pelo seu orientador e apresentar resultados em formas de comunicação oral (seminários) e comunicação escrita em forma de relatório final de pesquisa.

Dentre os benefícios ofertados a cada estudante selecionado incluem-se: passagem de ida-volta desde o local de origem até Campinas, hospedagem e alimentação. Leia mais sobre o que o programa oferece.

O CNPEM é uma instituição qualificada como Organização Social, que atua para cumprir metas fixadas em Contrato de Gestão com o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). No CNPEM estão agrupados quatro Laboratórios Nacionais: o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), o Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), o Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE) e o Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano). Conheça o CNPEM.

Cientista em destaque: entrevista com Fernando Galembeck, que proferirá a palestra memorial no XVII Encontro da SBPMat (reedição atualizada de entrevista de maio de 2015).

Fernando Galembeck.
Fernando Galembeck.

Em Fernando Galembeck, o interesse por pesquisa começou a se manifestar na adolescência, quando percebeu o valor econômico do conhecimento científico enquanto trabalhava na empresa do segmento farmacêutico do pai. Hoje, com 75 anos, Fernando Galembeck pode olhar para sua própria trajetória científica e contar muitas histórias de geração e aplicação de conhecimento.

Sócio fundador da SBPMat, Galembeck foi escolhido neste ano para proferir a Palestra Memorial Joaquim da Costa Ribeiro – distinção outorgada anualmente pela SBPMat a um pesquisador de trajetória destacada na área de Materiais. A honraria é também uma homenagem a Joaquim da Costa Ribeiro, pioneiro da pesquisa experimental em Materiais no Brasil. A palestra, intitulada “Materiais para um futuro melhor”, ocorrerá na abertura do XVII Encontro da SBPMat, no dia 16 de setembro deste ano, e abordará temas como necessidades, escassez e promessas na área de Materiais.

Galembeck gradou-se em Química em 1964 pela Universidade de São Paulo (USP). Após a graduação, permaneceu na USP trabalhando como instrutor (1965-1980) e, simultaneamente, fazendo o doutorado em Química (1965-1970), no qual desenvolveu uma pesquisa sobre dissociação de uma ligação metal-metal. Depois do doutorado, realizou estágios de pós-doutorado nos Estados Unidos, nas universidades do Colorado na cidade de Denver (1972-3) e da Califórnia na cidade de Davis (1974), trabalhando na área de Físico-Química de sistemas biológicos. Em 1976, de volta à USP, teve a oportunidade de criar um laboratório de coloides e superfícies no Instituto de Química, dentro de um acordo que envolveu o Instituto, a Unilever, a Academia Brasileira de Ciências e a Royal Society. A partir desse momento, Galembeck foi se envolvendo cada vez mais com o desenvolvimento de novos materiais, especialmente os poliméricos, e seus processos de fabricação.

Em 1980, ingressou como docente na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde se tornou professor titular em 1988, cargo no qual permaneceu até sua aposentadoria em 2011. Desde então, é professor colaborador da instituição. Na Unicamp, ocupou cargos de gestão, notadamente o de vice-reitor da universidade, além de diretor do Instituto de Química e coordenador do seu programa de pós-graduação. Em julho de 2011, assumiu a direção do recém-criado Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano), no Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais (CNPEM), permanecendo no cargo até 2015.

Ao longo de sua carreira, exerceu funções de direção ou coordenação na Academia Brasileira de Ciências (ABC), Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCT), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Sociedade Brasileira de Química (SBQ), Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e Sociedade Brasileira de Microscopia e Microanálise (SBMM), entre outras entidades.

Bolsista de produtividade de nível 1A no CNPq, Galembeck é autor de cerca de 279 artigos científicos publicados em periódicos com revisão por pares, os quais contam com mais de 3.700 citações, além de 35 patentes depositadas e mais de 20 livros e capítulos de livros. Orientou quase 80 trabalhos de mestrado e doutorado.

Fernando Galembeck recebeu numerosos prêmios e distinções, entre eles o Prêmio Anísio Teixeira, da CAPES, em 2011; o Telesio-Galilei Gold Metal 2011, da Telesio-Galilei Academy of Science (TGAS); o Prêmio Almirante Álvaro Alberto de Ciência e Tecnologia 2006, do CNPq e Fundação Conrado Wessel; o Troféu José Pelúcio Ferreira, da Finep, em 2006; a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico, em 2000, e a Comenda Nacional do Mérito Científico, em 1995, ambos da Presidência da República. Também recebeu uma série de reconhecimentos de empresas e associações científicas e empresariais, como a CPFL, Petrobrás, Union Carbide do Brasil, Associação Brasileira dos Fabricantes de Tintas, Associação Brasileira da Indústria Química, Sindicato da Indústria de Produtos Químicos para fins Industriais do Estado do Rio de Janeiro, Associação Brasileira de Polímeros, Sociedade Brasileira de Química (que criou o Prêmio Fernando Galembeck de Inovação Tecnológica), Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo e da Electrostatic Society of America.

O cientista é fellow da TWAS (The World Academy of Sciences) desde 2010 e da Royal Society of Chemisty desde 2014.

Nesta entrevista, você poderá conhecer um pouco mais sobre este pesquisador brasileiro e o trabalho dele.

Boletim da SBPMat: – Conte-nos o que o levou a se tornar um cientista e a trabalhar em temas da área de Materiais.

Fernando Galembeck: – Meu interesse pela atividade de pesquisa começou na minha adolescência quando eu percebi a importância do conhecimento novo, da descoberta. Eu percebi isso quando trabalhava, depois das aulas, no laboratório farmacêutico do meu pai e eu via a importância que tinham os produtos mais novos, os mais recentes. Eu via também como pesava economicamente para o laboratório o fato de depender de matérias-primas importadas que não eram fabricadas no Brasil, e que no país não havia competência para produzir. Aí percebi o valor do conhecimento novo, a importância que tinha e o significado econômico e estratégico das descobertas.

Isso se incrementou quando eu fiz o curso de Química. Eu fui fazer o curso de Química porque um professor meu no colégio, Hermann Nabholz, sugeriu que eu procurasse uma carreira ligada à pesquisa. Ele deve ter percebido alguma inclinação, alguma tendência minha. E eu fiz o curso de Química na Faculdade de Filosofia, num ambiente em que a atividade de pesquisa era muito forte. Por causa disso eu resolvi fazer o doutorado na USP. Naquela época não havia ainda cursos de pós-graduação regulares no Brasil. O orientador com quem eu defendi a tese, o professor Pawel Krumholz, era um pesquisador muito bom e também tinha se destacado trabalhando em empresa. Ele foi diretor industrial da Orquima, uma empresa muito importante na época. Isso aumentou meu interesse por pesquisa.

Trabalhei em Química por alguns anos. Meu interesse por Materiais veio de uma situação curiosa. Eu estava praticamente me formando, nas férias do meu último ano da graduação. Estava num apartamento, depois do almoço, descansando. Lembro-me de ter olhado as paredes do apartamento e percebido que, com tudo que eu tinha aprendido no curso de Química, eu não tinha muito a dizer sobre as coisas que eu enxergava: a tinta, os revestimentos etc. Aquilo era Química, mas também eram Materiais, e naquela época não havia no curso de Química muito interesse por materiais. De fato, materiais se tornaram muito importantes em Química por causa dos plásticos e borrachas, principalmente, que nessa época ainda não tinham a importância que têm hoje. Estou falando de 1964, quando a petroquímica era praticamente inexistente, no Brasil

Bem, aí comecei a trabalhar em Físico-Química, depois trabalhei um pouco numa área mais voltada à Bioquímica, a Físico-Química Biológica, e, em 1976, recebi uma tarefa do Departamento na USP, que era a de instalar um laboratório de coloides e superfícies. Um dos primeiros projetos foi de modificação de superfície de plásticos, no caso, o teflon. E aí eu percebi que uma grande parte da Química de coloides e superfícies existia por causa de Materiais, porque ela se prestava para criar e desenvolver novos materiais. A partir daí eu fui me envolvendo cada vez mais com materiais, principalmente com polímeros, um pouco menos, com cerâmicos e, menos ainda, com metais.

Boletim da SBPMat: – Quais são, na sua própria avaliação, as suas principais contribuições à área de Materiais?

Fernando Galembeck: – Eu vou falar mais ou menos seguindo a história. Eu acho que o primeiro resultado importante na área de Materiais foi justamente uma técnica voltada à modificação de superfície de teflon, que é um material no qual é muito difícil alguma coisa grudar. Tanto que tem a expressão do “político teflon”, que é aquele em que nenhuma denúncia “gruda”. Só que, em determinadas situações, a gente quer conseguir adesão no teflon, para fazer algum equipamento. E por um caminho um pouco complicado, eu acabei percebendo que eu já sabia fazer uma modificação de teflon, mas que eu nunca tinha percebido que era importante. Eu conhecia o fenômeno; tinha observado ele durante meu trabalho de tese. Eu sabia que acontecia uma transformação do teflon. Mas foi quando estava visitando um laboratório da Unilever em 1976, conversando com um pesquisador, que eu percebi que havia gente se esforçando justamente para modificar a superfície do teflon e conseguir adesão. Aí, juntando o problema com a solução, logo que voltei ao Brasil tentei verificar se aquilo que eu tinha observado anteriormente realmente serviria, e deu certo. Isso deu origem à minha primeira publicação sozinho e a meu primeiro pedido de patente, numa época em que praticamente não se falava em patentes no Brasil, principalmente no ambiente universitário. Eu fiquei muito entusiasmado depois, quando fui procurado por empresas que tinham interesse em aproveitar aquilo que eu tinha feito; uma no próprio teflon, outra em outro polímero. Então eu me senti muito bem, porque tinha uma descoberta, tinha uma patente e tinha empresas que, pelo menos, queriam saber o que era para ver a possibilidade de utilizá-la. E mais uma coisa, logo depois da publicação do artigo eu recebi um convite para participar de um congresso nos Estados Unidos que abordava justamente a questão de modificação de superfícies. Superfícies de polímeros, de plásticos e borrachas passaram a ser um tema com o qual fiquei envolvido praticamente durante todo o resto da minha vida, até agora.

Eu vou mencionar um segundo fato, que até o momento não teve consequências do mesmo tipo. Eu descobri um método que permite fazer uma caracterização e uma separação de partículas muito pequenas. Foi um trabalho bastante interessante, que foi publicado, também gerou um depósito de patente, mas não teve uma consequência prática. Recentemente surgiram problemas ligados com nanopartículas, que é um assunto muito importante hoje em Materiais, e que representam uma possibilidade de aplicação daquilo que eu fiz há mais de 30 anos. O nome da técnica é osmossedimentação.

Em seguida veio um trabalho que fiz trabalhando em projetos junto com a Pirelli Cabos. Com essa história de superfícies e polímeros acho que eu tinha me tornado mais ou menos conhecido e fui procurado pela Pirelli, que me contratou como consultor em projetos que fiz na Unicamp. O resultado desses projetos que eu acho mais importante foi o desenvolvimento de um isolante para tensões elétricas muito altas. Esse não foi um trabalho só meu, mas sim de uma equipe bastante grande, da qual fiz parte. Tinha várias pessoas da Pirelli e várias na Unicamp. O resultado desse projeto foi que a Pirelli brasileira conseguiu ser contratada para fornecer os cabos de alta tensão do Eurotúnel, ainda nos anos 80. Eu acho que esse foi um caso bem importante que teve um produto e significou um resultado econômico importante. Aqui eu quero insistir que isso foi feito no Brasil, por uma equipe brasileira. A empresa não era brasileira, mas a equipe estava aqui.

Depois teve vários trabalhos feitos com nanopartículas, numa época em que a gente nem as chamava de nanopartículas; chamávamo-las de partículas finas ou simplesmente de partículas coloidais pequenas. O primeiro trabalho que eu publiquei sobre nanopartículas foi em 1978. Teve outras coisas feitas em seguida que, no fim, acabaram desaguando num trabalho sobre fosfato de alumínio, que deu origem a teses feitas no laboratório e publicações, e também foi licenciado por uma empresa do grupo Bunge, que explora, basicamente, fosfatos. O assunto começou em meu laboratório, ficou no laboratório por vários anos, depois uma empresa do grupo Bunge aqui no Brasil se interessou, passou a participar, nós colaboramos. Este se tornou um projeto bastante grande de desenvolvimento. A Bunge depois achou inviável tocar o projeto no Brasil e hoje está lá nos Estados Unidos. Eu acho uma pena que esteja lá, mas aí teve outras questões envolvidas, inclusive de desentendimento com a Unicamp, que é a titular das patentes. Recentemente, a empresa do grupo que trabalhava com esses fosfatos era a Amorphic Solutions, que oferecia o produto na Internet, para várias aplicações. Pelo que percebo, atualmente estão enfatizando o uso como material anticorrosivo para proteção de aço. Tenho informação recente de que a Bunge negociou os direitos sobre esses produtos com uma grande empresa do setor químico, mas não sei detalhes.

Mais ou menos na mesma época, num trabalho ligado também a nanopartículas, trabalhei no desenvolvimento de nanocompósitos de borracha natural com argilas. Isso foi licenciado por uma empresa brasileira chamada Orbys, que lançou um produto chamado Imbrik, que se mostrou vantajoso em rolos de borracha para fabricação de papel.

Outro caso de produto. Eu tinha feito um projeto com a Oxiteno, que fabrica matérias primas para látex, os tensoativos. Ela queria ter uma ideia de quanto se consegue mudar o látex mudando o tensoativo. Eu fiz um projeto com eles, que considero um dos mais interessantes daqueles em que estive envolvido. O resultado foi que percebemos que, mudando um pouco o tensoativo, nós mudávamos muito o látex. Esses látex são usados em tintas, adesivos, resinas. Então a gente via que tinham uma versatilidade enorme. Esse trabalho foi divulgado, foi publicado. Não deu patente porque foi um trabalho de entendimento. Entretanto, uma outra empresa, a Indústrias Químicas Taubaté (IQT) me procurou para fazer um látex catiônico, mas por um caminho novo. Látex catiônicos em geral são feitos com sais de amônio quaternários, os quais têm algumas restrições ambientais. A empresa queria uma alternativa que não tivesse essas restrições. No fim do projeto nós fizemos os látex catiônicos sem as restrições ambientais e a IQT colocou o produto no mercado.

Minha participação em um projeto da Marinha, de desenvolvimento de fibras de carbono, foi um grande desafio que me deu muita satisfação. Meu grupo participou sintetizando copolímeros de acrilonitrila, até a escala de dez litros. Os resultados foram transferidos para uma empresa que fez a produção em escala piloto, na antiga planta da Rhodia-Ster e Radicci, em São José dos Campos. O copolímero selecionado foi fiado e depois pirolisado, no Centro Tecnológico da Marinha, em São Paulo. Resultou uma fibra de carbono de alto desempenho, que foi usada na fabricação de centrífuga, usada em Aramar. O desafio era encontrar o copolímero que mostrasse bom desempenho nas etapas posteriores de produção da fibra, o que foi conseguido.

Teve outro caso, que também foi muito interessante, apesar de que acabou morrendo. Aqui no Brasil havia uma grande fabricante de polietileno tereftalato, o PET, que é usado para muitas coisas, inclusive para garrafas. Eles souberam do trabalho que eu tinha feito com nanocompósitos, aquele da Orbys que eu mencionei, e me procuraram querendo fazer nanocompósitos do PET. Nós tivemos que procurar escapar daquilo que já estava patenteado no exterior e conseguimos um caminho totalmente novo. A empresa chamava-se Rhodia-Ster, e foi vendida para uma outra empresa, italiana, chamada Mossi e Ghisolfi. A empresa se entusiasmou e acabou patenteando isso no Brasil, e, em seguida depois, no exterior. Numa certa altura, eles resolveram que iam tocar o trabalho internamente, e o fizeram durante alguns anos. Um dia o meu contato na empresa me telefonou para me dizer o seguinte: “Olha, nós estávamos trabalhando com duas tecnologias; uma era essa aí com a Unicamp e a outra, em outro país. As duas estão funcionando, mas agora a empresa chegou num ponto em que optou por completar o desenvolvimento de uma”. Quando se chega na fase final de um desenvolvimento de materiais, os custos dos projetos ficam muito altos. Tem que usar grandes quantidades de materiais, fazer muitos testes com clientes. Então, a empresa decidiu tocar uma das alternativas, que infelizmente não era aquela na qual eu tinha trabalhado. No fim das contas, foi um pouco frustrante, mas acho que foi interessante porque durante esse tempo todo, a empresa apostou bastante no caminho que a gente tinha iniciado aqui. Além disso, cada projeto desses significa recursos para o laboratório, significa dinheiro para contratar gente, empregos na Unicamp e na empresa, etc. Então, esses projetos acabam dando muitos benefícios, mesmo quando não chegam até o fim.

Agora, pulando alguns pedaços, vou chegar num resultado mais recente, do meu trabalho no CNPEM, onde estive até 2015. Um objetivo do CNPEM é o aproveitamento de materiais de fonte renovável para fazer materiais avançados. Tem toda uma filosofia por trás disso, relacionada ao esgotamento de recursos naturais, à sustentabilidade… Uma meta era fazer coisas novas com materiais derivados da biomassa, e o principal interesse está na celulose. Ela é o polímero mais abundante do mundo, mas é um polímero muito difícil de trabalhar. Você não consegue processar celulose como processa polietileno, por exemplo. Uma meta é plastificar a celulose; ou seja, trabalhar a celulose da forma mais parecida possível àquela que usamos para trabalhar com polímeros sintéticos. Um primeiro resultado dentro dessa ideia foi a criação de adesivos de celulose em que o único polímero é a própria celulose. Em seguida, já fora do CNPEM, obtivemos a esfoliação de grafite, o que gerou uma família de tintas, pastas e adesivos condutores, que são o objeto de um projeto PIPE recém-aprovado pela Fapesp.

Vários outros projetos foram feitos com empresas, em questões do interesse das empresas. Revestir uma coisa, colar outra, modificar um polímero para conseguir um certo resultado. Mas essas foram respostas a demandas das empresas, não foram pesquisas iniciadas no laboratório.

Boletim da SBPMat: – Deixe uma mensagem para nossos leitores que estão iniciando suas carreiras de cientistas.

Fernando Galembeck: – Em primeiro lugar, em qualquer carreira que a pessoa escolher, ela tem que ter uma dose de paixão. Não importa se a pessoa vai trabalhar no mercado financeiro, em saúde ou o que quer que ela vá fazer; antes de mais nada, o que manda é o gosto. A pessoa querer fazer uma carreira porque ela vai dar dinheiro, porque vai dar status… Eu acho que é ruim escolher assim. Se a pessoa fizer as coisas com gosto, com interesse, o dinheiro, o prestígio, o status virão, mas por outros caminhos. O objetivo é que a pessoa faça uma coisa que a deixe feliz, que se sinta bem fazendo o seu trabalho, que a deixe realizada. Isso vale não só para a carreira científica, mas para qualquer outra carreira também. Na científica, é fundamental.

Além disso, é preciso estar preparado para o trabalho duro. Não existe caminho fácil. Eu conheço pessoas jovens que procuram muito a grande sacada que vai lhes trazer sucesso com relativamente pouco trabalho. Bom, eu acho melhor não esperarem isso. Pode até acontecer, mas esperar isso é mais ou menos a mesma coisa do que esperar ganhar a Mega-Sena para ficar rico.

Eu já tenho 75 anos, conheci muita gente e vi muita coisa acontecer. Algo que me chama a atenção é o caso de jovens que pareciam muito promissores mas acabaram não dando muito certo. Francamente, eu penso que não é bom para um jovem dar muito certo muito cedo, porque eu tenho a impressão de que ele se acostuma com a ideia de que sempre vai dar certo. E o problema é que não tem nada, nem ninguém, nem nenhuma empresa que sempre dê muito certo. Sempre vai ter o momento do fracasso, o momento da frustação. Se a pessoa está preparada para isso, quando chega o momento, ela supera, enquanto outros são destruídos, não conseguem superar. Por isso tem que ter cuidado para não se iludir com o sucesso, achar que, porque deu certo uma vez, sempre dará certo. Tem que estar preparado para lutar.

Quando eu fiz faculdade, pensar em fazer pesquisa parecia uma coisa muito estranha, coisa de maluco. As pessoas não sabiam muito bem o que era isso nem por que uma pessoa iria fazer isso. Tinha gente que dizia que a pesquisa era como um sacerdócio. Eu trabalhei sempre com pesquisa, associada com ensino, associada com consultoria e, sem que eu nunca tenha procurado ficar rico, consegui ter uma situação econômica que eu acho muito confortável. Mas eu insisto, meu objetivo era fazer o desenvolvimento, fazer o material, não o dinheiro que eu iria ganhar. O dinheiro veio, ele vem. Então, eu sugiro que as pessoas focalizem o trabalho, os resultados e a contribuição que o trabalho delas pode dar para outras pessoas, para o ambiente, para a comunidade, para o país, para o conhecimento. O resto virá por acréscimo.

Resumindo, a minha mensagem é: trabalhem seriamente, dedicadamente e com paixão.

Finalmente, eu gostaria de dizer que acho que o trabalho de pesquisa, o trabalho de desenvolvimento ajuda muito a pessoa a crescer como pessoa. Ele afasta a pessoa de algumas ideias que não são muito proveitosas e a coloca dentro de atitudes que são importantes e realmente ajudam. Uma vez um estudante perguntou para Galileu: “Mestre, o que é o método? ”. A resposta de Galileu foi: “O método é a dúvida”. Eu acho que isso é muito importante em atividade de pesquisa, a qual, em Materiais, em particular, é especialmente interessante porque o resultado final é uma coisa que a gente pega na mão. Na atividade de pesquisa, a pessoa tem que estar o tempo todo se perguntando: “Eu estou pensando isto, mas será que estou pensando certo? ”, ou “Fulano escreveu aquilo, mas qual é a base do que ele escreveu? ”. Essa é uma atitude muito diferente da atitude dogmática, que é comum no domínio da política e da religião, e muito diferente da atitude da pessoa que tem que enganar, como o advogado do mafioso, do corrupto ou do traficante. O pesquisador tem que se comprometer com a verdade. Claro que também existem pessoas que se dizem pesquisadores e promovem a desinformação. Alguns anos atrás, falava-se de uma coisa chamada de “Bush science”, expressão que remete ao presidente Bush. “Bush science” eram os argumentos criados por pessoas que ganhavam dinheiro como cientistas e produziam argumentos para dar sustentação às políticas de Bush. Esse problema existe em ciência, e aí voltamos àquilo que falei no início. Uma pessoa não deve tornar-se cientista porque vai ganhar dinheiro, vai ter prestígio ou vai ser convidado para jantar com o presidente; ela tem que entrar nisto pelo interesse que ela tem pela própria ciência.


Para mais informações sobre este palestrante e a palestra plenária que ele proferirá no XVII Encontro da SBPMat/B-MRS Meeting, clique na foto do palestrante e no título da palestra: https://www.sbpmat.org.br/17encontro/home/

Artigo em destaque: Lápis e papel para fazer um sensor eletroquímico.

O artigo científico com participação de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é: Direct Drawing Method of Graphite onto Paper for High-Performance Flexible Electrochemical Sensors. Santhiago, Murilo; Strauss, Mathias; Pereira, Mariane P.; Chagas, Andreia S.; Bufon, Carlos C. B. ACS Appl. Mater. Interfaces, 2017, 9 (13), pp 11959–11966. DOI: 10.1021/acsami.6b15646

 

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Lápis e papel para fazer um sensor eletroquímico

Talvez muitos de nós não tenhamos pensado nisto antes: pintar uma folha de papel com lápis de grafite gera, além de um desenho, uma camada de material condutor da eletricidade (o grafite, formado por átomos de carbono) sobre um substrato flexível, barato e amplamente disponível (o papel). Em outras palavras, esse método extremamente simples e rápido produz uma plataforma muito atrativa para fabricar sensores e outros dispositivos.

Baseando-se nesse método de transferência de grafite do lápis para o papel, uma equipe de cientistas brasileiros desenvolveu um sensor eletroquímico flexível. O dispositivo demonstrou ter um desempenho excepcional entre sensores similares na detecção de um composto biológico difícil de detectar, porém muito relevante por estar presente em todas as células, cumprindo importantes funções no metabolismo dos seres vivos.

O trabalho foi realizado, principalmente, no Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano) do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM). Algumas análises foram feitas no Laboratório Multiusuário de Espectroscopia Óptica Avançada do Instituto de Química da UNICAMP.

Pesquisadores do Laboratório de Dispositivos e Sistemas Funcionais (LNNano/CNPEM): à esquerda, Carlos Bufon (coordenador) e à direita, Murilo Santhiago.
Pesquisadores do Laboratório de Dispositivos e Sistemas Funcionais (LNNano/CNPEM): à esquerda, Carlos Bufon (coordenador) e à direita, Murilo Santhiago.

“Uma das principais contribuições do trabalho foi mostrar a eficiência de dispositivos eletroquímicos preparados através de um processo de transferência direta de grafite sobre papel”, destaca Carlos César Bof Bufon, autor correspondente de um artigo científico sobre o estudo, que foi recentemente publicado no periódico ACS Applied Materials and Interfaces (fator de impacto= 7,504). Além de Bufon, que é pesquisador do LNNano e professor orientador na UNICAMP e na UNESP, assinam o artigo mais quatro pesquisadores do Laboratório de Dispositivos e Sistemas Funcionais do LNNano, inclusive o doutor Murilo Santhiago, que liderou a pesquisa junto a Bufon.

O trabalho começou com o objetivo de fabricar dispositivos eletroquímicos de carbono e/ou híbridos que detectassem compostos biológicos com eficiência, conta Bufon. Uma revisão bibliográfica mostrou à equipe de cientistas que vários tipos de eletrodos de carbono preparados por uma grande diversidade de métodos já tinham sido reportados, e que todos eles trocavam elétrons lentamente quando testados com algumas moléculas modelo. Em outras palavras, não eram sensores eletroquímicos eficientes para as moléculas biológicas. A equipe escolheu então o método de preparação de eletrodos de carbono mais simples (o desenho a lápis) e resolveu investigar por que o material obtido não apresentava bons resultados ao ser usado como sensor eletroquímico dessas moléculas. “Resolvemos então trabalhar nessa questão mapeando os problemas observados em outros trabalhos e melhorando aspectos da superfície do grafite”, relata Santhiago.

A equipe pôde verificar, por exemplo, que o processo de transferência de grafite do lápis para o papel deixava micro e nanodetritos na superfície do eletrodo. Para removê-los, os pesquisadores realizaram no eletrodo um rápido tratamento eletroquímico, que gera bolhas de oxigênio na superfície, as quais ajudaram a remover do filme de carbono os detritos e outras impurezas e repeli-los para longe. “Após esse tratamento, verificamos que a resposta do sensor era uma das melhores já observadas para esse tipo de material”, afirma Santhiago. Procurando explicar o desempenho excepcional, os cientistas analisaram o filme de carbono antes e depois do tratamento usando diversas técnicas de caracterização de materiais, e constataram que o tratamento eletroquímico imprimia mudanças à estrutura e à composição química da superfície do filme de carbono.

Depois de otimizar o eletrodo de carbono sobre papel, a equipe procedeu a testar sua capacidade de detectar moléculas biológicas e escolheu como analito o dinucleótido de nicotinamida e adenina (NAD, na sigla em inglês). Essa molécula costuma ser usada em testes, não apenas devido à sua relevância (participa de mais de 300 processos biológicos), mas também pelos desafios que sua detecção apresenta. Dessa maneira, os cientistas tiveram que fazer alguns ajustes no eletrodo com o objetivo de torna-lo mais seletivo (que detecte apenas NAD) e mais sensível (que detecte pequenas quantidades da molécula).

Fotografia do sensor eletroquímico de papel.
Fotografia do sensor eletroquímico de papel.

Então, a equipe científica inseriu na superfície do eletrodo um composto que facilita a transferência de elétrons, o corante Azul de Meldola. Nos testes de detecção de NAD, a versão final do sensor mostrou um excelente desempenho, apresentando os melhores resultados já reportados referentes à seletividade e velocidade de detecção entre eletrodos baseados em papel. “Agora, o método mais simples também é o que apresenta a melhor eficiência e maior potencial de aplicação”, conclui Murilo Santhiago.

Depois do sucesso conseguido na fabricação de eletrodos de grafite de alta eficiência pintados a lápis, a equipe deu continuidade às pesquisas sobre o tema. Os cientistas estão agora estudando outras aplicações do material em dispositivos eletroquímicos, inclusive vestíveis, para detecção de espécies de interesse biológico e ambiental. Simultaneamente, eles estão trabalhando a escalabilidade do processo de fabricação para minimizar pequenas variações entre dispositivos – um ponto nada trivial se consideramos que o método se baseia no uso manual de um lápis de grafite, entre outros processos manuais. “Atingir a escalabilidade e, ao mesmo tempo, materiais com alta eficiência nem sempre é uma tarefa fácil”, diz Bufon, citando o exemplo do grafeno, que foi isolado inicialmente usando uma fita adesiva por meio de um processo simples, manual e com problemas de reprodutibilidade.

A pesquisa contou com financiamento do CNPq e FAPESP, e utilizou infraestrutura do Sistema Nacional de Laboratórios em Nanotecnologia (SisNANO) presente no LNNano.

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Gente da comunidade: entrevista com o cientista Adalberto Fazzio, diretor do LNNano.

Prof. Adalberto Fazzio
Prof. Adalberto Fazzio

Desde abril deste ano, o Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano) do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) é dirigido pelo cientista Adalberto Fazzio, 66 anos, natural de Sorocaba.

Há mais de quatro décadas dedicado a estudar materiais por meio de ferramentas computacionais, Adalberto Fazzio foi pioneiro no Brasil no uso de cálculos ab initio, hoje amplamente utilizados no estudo de propriedades dos materiais, e fez significativas contribuições à compreensão de metais de transição, sistemas amorfos, filmes finos de ouro (Au) e prata (Ag), nanoestruturas de carbono, silício e isolantes topológicos, entre outros materiais. Para isso, Fazzio tem contado com seu grupo de pesquisa no Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), conhecido como SAMPA (acrônimo de “Simulações Aplicadas a Materiais: Propriedades Atomísticas”), e com vários colaboradores do Brasil e do exterior, tanto teóricos quanto experimentais.

Formado em Física na graduação e pós-graduação, Adalberto Fazzio cursou o bacharelado (1970-1972) e o mestrado (1973-1975) na Universidade de Brasília (UnB) e o doutorado (1975-1978) na USP.

Fazzio tornou-se professor do Instituto de Física da USP em 1979, pouco depois de terminar o doutorado. Em 1985 obteve o título de livre-docente dessa universidade e, em 1991, o cargo de professor titular. Em maio de 2015, aposentou-se da USP.  Foi pesquisador visitante no National Renewable Energy Laboratory (Estados Unidos) de 1983 a 1984 e no Fritz-Haber-Institut der Max-Planck-Gesellschaft (Alemanha) de 1989 a 1990. Também foi professor visitante sênior na Universidade Federal do ABC (UFABC) em 2016.

Ao longo de sua trajetória, Fazzio ocupou diversos cargos de gestão. Citando apenas alguns deles, foi presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF) de 2003 a 2007; reitor pro tempore da UFABC de 2008 a 2010; coordenador geral de micro e nanotecnologias da Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) em 2011; secretário adjunto na Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do MCTI de 2011 a 2013, e diretor do Instituto de Física da USP de 2014 a 2015.

Entre outras distinções, recebeu a comenda da Ordem Nacional do Mérito Científico em 2006 e, em 2010, foi promovido à classe de Grã-Cruz. Além disso, foi eleito fellow da TWAS (The World Academy of Sciences) em 2013. É membro de diversas sociedades científicas, como a Academia Brasileira de Ciências e a Academia de Ciências do Estado de São Paulo no Brasil, e a American Physical Society, American Chemical Society e Materials Research Society nos Estados Unidos.

Bolsista de produtividade 1 A do CNPq, Fazzio é autor de mais de 270 artigos publicados em periódicos científicos indexados. Sua produção científica conta com cerca de 8000 citações, de acordo com o Google Scholar. Orientou aproximadamente 40 trabalhos de mestrado e doutorado.

Segue uma entrevista com o cientista.

Boletim da SBPMat: –  Conte-nos o que o levou a se tornar um cientista e, em particular, a atuar na área de Física da Matéria Condensada.

Adalberto Fazzio: – Quando terminei meu curso de Física na Universidade de Brasília, em 1972, conheci o professor José David Mangueira Vianna, que havia chegado da Suíça com muitos projetos sobre Física Molecular. Na época falávamos de Química Quântica. Apresentou um projeto de mestrado que era um melhoramento nos modelos semi-empíricos baseado no método de Hartree-Fock. Devido à baixa capacidade computacional existente naquele tempo, esses métodos originários da aproximação ZDO (Zero Differential Overlap) eram os mais utilizados para desvendar as propriedades eletrônicas de moléculas. Após meu mestrado, fui ao Instituto de Física da USP no grupo dos professores Guimarães Ferreira e José Roberto Leite (meu orientador de doutorado), mudando das moléculas para os sólidos e do Hartree-Fock para o DFT (Density Functional Theory). Nesse momento virei um Físico de Matéria Condensada em um Departamento de Física dos Materiais criado pelo prof. Mário Schemberg. Minha tese foi sobre impurezas profundas em semicondutores (deep levels). É importante observar que estávamos em 1976 e a questão era como tratar um cristal que perdeu a sua simetria translacional. Enfim, desenvolvi um modelo, ”Modelo de Cluster Molecular para Impurezas em Semicondutores Covalentes”.

Boletim da SBPMat: –  Quais são, na sua própria avaliação, as suas principais contribuições à área de Materiais? Gostaríamos de pedir que você vá além da enumeração de resultados e descreva brevemente as contribuições que considera de mais impacto ou mais destacadas. Ao refletir sobre sua resposta, sugerimos que considere todos os aspectos da atividade científica. Fique à vontade para compartilhar referências de artigos e livros, se pertinente.

Adalberto Fazzio: – Sempre que pensamos nas principais contribuições em uma determinada área, olhamos para os artigos mais citados, que nem sempre coincidem com os artigos que os autores esperariam que fossem os mais citados. Mas vou tentar fazer uma breve descrição de alguns temas nos quais acho que dei uma contribuição que se destacou. No estudo de defeitos e impurezas em semicondutores, destaco o estudo de metais de transição (MT) em semicondutores. Na época – até 1984 -, havia uma riqueza de dados experimentais referente à posição dos níveis de impurezas no gap e às excitações óticas de toda linha dos MT-3d. E os cálculos teóricos baseados em uma teoria de campo médio não explicavam esses dados. Quando estava em meu pós-doc no NREL (National Renewable Energy Laboratory) em 1983/84, desenvolvemos um modelo para a descrição dos dados experimentais. Era um modelo que acoplava a teoria de campo cristalino com DFT, que descrevia efeitos de multipletos oriundos das impurezas de MT. Foram vários artigos publicados aplicando este modelo. No Phys. Rev. B 30, 3430 (84) o modelo é apresentado em detalhes. Esse trabalho foi em colaboração com os pesquisadores Alex Zunger e Marilia Caldas. E esses resultados levaram a uma letter no Appl. Phys. Lett. (1984) que seria de grande interesse para os físicos experimentais, cujo título foi “A Universal trend in the binding energies of deep impurities in semiconductors”. Uma grande mudança nesta área ocorre no final da década de 80, com os cálculos de “Large Unit Cell”, método DFT e pseudo potenciais. Hoje chamamos simplesmente de “métodos ab initio” ou “parameters free”. Acompanhando esse desenvolvimento, na época, eu estava no Instituto Max Planck, em Berlim, trabalhando com Matthias Scheffler. Com meus alunos de doutoramento (T. Schmidt e P. Venezuela), fomos pioneiros no Brasil no uso desse tipo de metodologia, até hoje amplamente utilizada. Depois desses trabalhos, comecei a trabalhar com sistemas amorfos. Como podíamos trabalhar agora com sistemas contendo uma célula unitária de muitos átomos, decidimos acoplar os cáculos ab initio utilizando estruturas geradas por simulações de Monte Carlo. Destaco dois trabalhos: um em a-SiN (PRB, 58, 8323 (1998)) e a-Ge:N (PRL 77, 546 (96)).

Já no final da década de 90, no LNLS, o professor Daniel Ugarte executava belos experimentos com HTEM, onde observava em filmes finos de Au e  Ag a formação de cadeias lineares de átomos. Nosso grupo na USP, em cooperação com Edison Zacarias da UNICAMP, iniciou estudos para entender a formação das cadeias lineares de átomos de Au. Algumas das perguntas eram como essas cadeias se rompem e como poderíamos explicar as grandes distâncias que apareciam entre os átomos. Foi um momento muito rico, essa interação experimento-teoria. Vários trabalhos foram publicados, um bastante citado “How do gold nanowire break?” (PRL 87, 196803 (2001)). Esse trabalho foi capa do PRL e destaque pelo editor da Science. E, posteriormente, mostramos como o oxigênio atua para prender os átomos de Au nos fios (PRL 96, 01604 (2006)) e quais são os efeitos da temperatura e os efeitos quânticos na ruptura e estabilidade dos fios, importantes aspectos para entender as observações experimentais (PRL 100, 0561049 (2008)).

No mesmo período, no nosso grupo na USP, focamos o estudo de nanoestruturas de carbono, silício, etc. Embora tínhamos fortes ferramentas para a descrição das propriedades eletrônicas, magnéticas, ópticas e mecânicas, para o entendimento dos materiais faltavam as propriedades de transporte eletrônico. Nesse contexto, desenvolvemos um código computacional baseado na teoria de Landauer-Büttiker. Esse código envolveu vários alunos de doutorado, e é conhecido como TRANSAMPA. E, na minha opinião, vários trabalhos importantes foram feitos para melhor entender o comportamento das propriedades de transporte eletrônico. Para exemplificar, fomos pioneiros em descrever o transporte em fitas de grafeno dopadas (PRL 98,196803 (2007)). Aqui também vale a pena destacar a colaboração com o prof. Alexandre Reilly do IFT (Instituto de Física Teórica da UNESP), que na época era pós-doc, para um melhoramento muito importante nesse código, que permitiu tratar materiais com as dimensões realísticas utilizadas nos experimentos. Em 2008, em um trabalho intitulado ”Designing Real Nanotube-based Gas Sensor” (PRL 100, 176803), mostramos como os nanotubos podem funcionar como sensores de tamanhos realísticos, com defeitos. Usando cálculos de primeiros princípios, podíamos ter sistemas de dimensões micrométricas ao nosso alcance.

Atualmente, minha pesquisa está mais voltada para a busca de dispositivos formados por materiais 2D cuja interface é construída por interações prioritariamente van der Waals. Por exemplo, recentemente, como o grafeno, foi isolado um novo material 2D a partir da exfoliação do black-fosforo chamado fosforeno. Estudamos a interface grafeno/fosforeno (PRL 114, 066803(20015)), mostrando como é possível construir um dispositivo.

Outra classe de materiais que venho trabalhando são os badalados isolantes topológicos. Um Isolante Topológico (TI) é um material que apresenta estados sem gap de energia “nas bordas” e cujo “bulk” é isolante! Estes estados são topologicamente protegidos e robustos contra perturbações. No caso de materiais bidimensionais (2D), são conhecidos como isolantes que apresentam Quantum Spin Hall (QSH). O espalhamento em estados da borda é protegido por simetria de reversão temporal (TR), levando a um transporte eletrônico sem dissipação de energia. Juntamente com o grupo da UFU, em 2011, mostramos como as impurezas magnéticas em isolantes topológicos têm sua textura de spin modificada (PRB 84, 245418 (2011)). Recentemente, em colaboração com o grupo do prof. Zhang do Rensseler Polytecnic Institute, apresentamos um modelo geral para a descrição da interface topologico/trivial. No caso, mostramos, como exemplo, a interface do Bi2Se3/GaAs. Havia réplicas do cone de Dirac que surgiam da interação na interface incluindo estados do semiconductor (Nature Comm. 6, 7630(2015)). O fosforeno é um material 2D que tem propriedades semicondutoras. Em cooperação com o grupo do prof. Alez Zunger, da University of Colorado, estudamos esse material sob ação de um campo elétrico e mostramos que para três ou quatro camadas de fosforeno, sob a ação do campo, este apresenta uma transição topológica (NanoLett. 15, 1222 (2015)).

Finalmente, gostaria de salientar uma atividade que estou iniciando, que é a utilização de técnicas de Machine-Learning para propriedades de materiais. Em particular, tenho focado os isolantes topológicos. Enfim, como disse no início, ao mencionar os trabalhos de maior impacto certamente deixei muitos de fora.

Quanto a contribuições de outros tipos, construí junto com José Roque um grupo muito produtivo no IF-USP, conhecido como SAMPA (Simulação Aplicada a Materiais – Propriedades Atomísticas) onde formamos inúmeros doutores e mestres, e com vários pós-docs. Posso dizer que tudo isso foi possível graças principalmente ao apoio da Fapesp, via projetos temáticos. Fui chefe do departamento de Física dos Materiais, Diretor do IFUSP e Reitor pro tempore da Universidade Federal do ABC. Do ponto de vista de gestão, gostaria de destacar minha passagem pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, onde fui sub-Secretário da Setec (Secretaria de Inovação Tecnológica) e da SCUP (Secretaria das Unidades de Pesquisa). E me orgulho de ter coordenado a criação da Iniciativa Brasileira de Nanotecnologia, onde um dos braços é o sistema SISNANO – um conjunto de laboratórios dedicados a pesquisa e desenvolvimento tecnológicos.

Também escrevi dois livros que vêm sendo adotados: “Introdução à Teoria de Grupos: aplicada em moléculas e sólidos”, em conjunto com Kazunori Watari e “Teoria Quântica de Moléculas e Sólidos”, em conjunto com José David Vianna e Sylvio Canuto.

Boletim da SBPMat: –  Você acaba de assumir a direção do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano). Compartilhe com a comunidade de Materiais seus planos para o LNNano. Como você enxerga o cenário da pesquisa em nanociência e nanotecnologia no Brasil frente aos mais recentes cortes orçamentários?

Adalberto Fazzio: – Assumi a direção do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano), um dos quatro Laboratórios Nacionais do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), há duas semanas. Esse é um laboratório de reconhecida excelência, dedicado à produção de conhecimento em nanotecnologia, passando da ciência básica à inovação tecnológica.

Fiquei muito contente e espero poder dar continuidade aos trabalhos dos pesquisadores que estiveram à frente do LNNano e que me antecederam, como Daniel Ugarte, Fernando Galembeck e Marcelo Knobel. Esse é o laboratório que mantém um contrato de gestão com o MCTIC integralmente dedicado à nanotecnologia.  Este tem como uma das suas missões o atendimento aos usuários externos através de equipamentos abertos. Como exemplo, o parque de microscopia eletrônica e de sondas é certamente o mais equipado da América Latina. O LNNano é o principal executor das políticas governamentais na área. Temos uma intensa atividade de pesquisas orientadas por missão in-house, com trabalhos de impacto. Atualmente estamos fazendo pequenas reestruturações para melhor atender os usuários externos e fortalecer as pesquisas em andamento.

A plataforma nanotecnológica tem angariado recursos consideráveis em todos países desenvolvidos do mundo. Por exemplo, o governo americano tem colocado anualmente algo da ordem de US$ 1.8 Bi. Infelizmente, no Brasil, temos tido dificuldades mesmo para dar continuidade a programas bem mais modestos. Entretanto, a comunidade tem respondido com muita competência com o desenvolvimento de produtos nanotecnológicos. Hoje, por exemplo, ancoradas no sistema SISNANO, temos cerca de 200 empresas buscando inovação na área de Nano; e, em particular, a atuação do LNNano tem sido de destaque.

O que não podemos é todo ano nos depararmos com cortes orçamentários em ciência e tecnologia. Estamos vivendo um momento muito delicado em nossa economia, com baixo crescimento, mas é imperioso preservar as conquistas obtidas nas últimas décadas no campo da ciência e tecnologia. Os programas na área de pesquisa e desenvolvimento tecnológico devem ser preservados. Pois, quando a crise passar, o país deve estar preparado para continuar crescendo. E, portanto, é fundamental continuar gerando novos conhecimentos, buscando a inovação tecnológica e formando recursos humanos qualificados. Ou seja, a desaceleração da economia não deve ser acompanhada com cortes no investimento em pesquisa e desenvolvimentos tecnológicos.

Boletim da SBPMat: –  Deixe uma mensagem para os leitores que estão iniciando suas carreiras científicas.

Adalberto Fazzio: – O que temos de mais rico em nosso país é o capital humano. O Brasil tem uma população grande de jovens que muitas vezes ficam no meio do caminho, em suas carreiras científicas e tecnológicas, por não vislumbrarem no horizonte um reconhecimento e um respeito a uma atividade fundamental, que é a busca pelo conhecimento. Aqueles que buscam a carreira científica devem ser perseverantes e bastante dedicados aos estudos.

Oportunidades para pesquisadores no CNPEM.

Vaga 97582

Localização: Laboratório LNNano localizado em Campinas/ São Paulo, Brasil.

Posição: CLT

Departamento: Caracterização Process. Metais – CPM

Atividades envolvidas: Participará no desenvolvimento de projetos de pesquisa fundamental e aplicada, em particular, projetos com parceiros industriais envolvendo o processo de soldagem por atrito (friction stir welding – FSW). Compreendem atividades a serem desenvolvidas: Planejamento e avaliação de experimentos de soldagem, caracterização metalúrgica de materiais (microscopia óptica e eletrônica de varredura, dureza, etc.), ensaios mecânicos (tração, dobramento, Charpy, CTOD); gerenciamento de projetos de pesquisa (reuniões com parceiros, cronogramas, acompanhamento financeiro, etc.). Também está compreendida a prospecção de novos projetos em parceria com empresas e/ou agências de fomento, a manutenção e melhoria das instalações laboratoriais, a divulgação de resultados de pesquisa em periódicos e congressos e a supervisão de estagiários, alunos e funcionários.

Requisitos:

  • Graduação em Engenharia de Materiais, Metalúrgica ou Mecânica.
  • Possuir doutorado.
  • Sólida experiência em caracterização de materiais, com metalurgia de soldagem.
  • Conhecimento em microscopia eletrônica de varredura.
  • Residir em Campinas ou região.

Interessados, favor enviar CV e histórico escolar para mariana.stevanatto@cnpem.br no campo assunto, colocar “Vaga 97582”, caso contrário o CV será desconsiderado.


Vaga 96150

Localização: Laboratório CTBE localizado em Campinas/ São Paulo, Brasil.

Posição: CLT

Departamento: Divisão de produção de biomassa-prod

Atividades envolvidas: Atuará na parte industrial do projeto sucre, com destaque para a área de queima de biomassa em caldeiras para a geração de energia elétrica. Visitará Usinas do projeto Sucre, avaliará a qualidade das caldeiras, rendimentos operacionais, manutenção e indicadores de desempenho da produção de eletricidade.

Requisitos

  • Graduação em Engenharia Mecânica.
  • Desejável possuir mestrado ou doutorado.
  • Sólida experiência em rota termoquímica.
  • Residir em Campinas ou região.

Interessados, favor enviar CV e histórico escolar para mariana.stevanatto@cnpem.br no campo assunto, colocar “96150”, caso contrário o CV será desconsiderado.

Gente da nossa comunidade: entrevista com o pesquisador Fernando Galembeck.

Em Fernando Galembeck, professor colaborador na Unicamp e diretor do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano) de 2011 a 2015, o interesse por pesquisa começou a se manifestar na adolescência, quando, trabalhando no laboratório farmacêutico do pai, percebeu a importância econômica que os novos produtos, resultantes de esforços de pesquisa científica, tinham na empresa. Hoje com 72 anos, Fernando Galembeck, olhando para sua própria trajetória científica, pode contar várias histórias nas quais o conhecimento gerado por ele junto a seus colaboradores, além de ser comunicado por meio de artigos científicos, teses e livros, plasmou-se em patentes licenciadas e produtos criados ou aprimorados.

Galembeck gradou-se em Química em 1964 pela Universidade de São Paulo (USP). Após a graduação, permaneceu na USP trabalhando como professor (1965-1980) e, simultaneamente, fazendo o doutorado em Química (1965-1970) com um trabalho de pesquisa sobre dissociação de uma ligação metal-metal. Depois do doutorado, realizou estágios de pós-doutorado nos Estados Unidos, nas universidades do Colorado na cidade de Denver (1972-3) e da Califórnia na cidade de Davis (1974), trabalhando na área de Físico-Química de sistemas biológicos. Em 1976, de volta à USP, teve a oportunidade de criar um laboratório de coloides e superfícies no Instituto de Química. A partir desse momento, Galembeck foi se envolvendo cada vez mais com o desenvolvimento de novos materiais, especialmente os poliméricos, e seus processos de fabricação.  

Em 1980, ingressou como docente na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), onde se tornou professor titular em 1988, cargo no qual permaneceu até sua aposentadoria em 2011. Na UNICAMP ocupou cargos de gestão, notadamente o de vice-reitor da universidade, além de diretor do Instituto de Química e coordenador do seu programa de pós-graduação. Em julho de 2011 assumiu a direção do recém-criado LNNano, no Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais (CNPEM).

Ao longo de sua carreira, exerceu funções dirigentes na Academia Brasileira de Ciências (ABC), Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCT), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Sociedade Brasileira de Química (SBQ), Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e Sociedade Brasileira de Microscopia e Microanálise (SBMM), entre outras entidades.

Bolsista de produtividade de nível 1A no CNPq, Galembeck é autor de cerca de 250 artigos científicos publicados em periódicos internacionais com revisão por pares, os quais contam com mais de 2.300 citações, além de 29 patentes depositadas e mais de 20 livros e capítulos de livros. Orientou quase 80 trabalhos de mestrado e doutorado

Recebeu numerosos prêmios e distinções, entre eles o Prêmio Anísio Teixeira, da CAPES, em 2011; o Telesio-Galilei Gold Metal 2011, da Telesio-Galilei Academy of Science (TGAS); o Prêmio Almirante Álvaro Alberto de Ciência e Tecnologia 2006, do CNPq e Fundação Conrado Wessel; o Troféu José Pelúcio Ferreira, da Finep, em 2006; a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico, em 2000, e a Comenda Nacional do Mérito Científico, em 1995, ambos da Presidência da República. Também recebeu uma série de reconhecimentos de empresas e associações científicas e empresariais, como a CPFL, Petrobrás, Union Carbide do Brasil, Associação Brasileira dos Fabricantes de Tintas, Associação Brasileira da Indústria Química, Sindicato da Indústria de Produtos Químicos para fins Industriais do Estado do Rio de Janeiro, Associação Brasileira de Polímeros, Sociedade Brasileira de Química (que criou o Prêmio Fernando Galembeck de Inovação Tecnológica), Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo e da Electrostatic Society of America.

Segue uma entrevista com o cientista.

Boletim da SBPMat: – Conte-nos o que o levou a se tornar um cientista e a trabalhar em temas da área de Materiais.

Fernando Galembeck: – Meu interesse por atividade de pesquisa começou na minha adolescência quando eu percebi a importância do conhecimento novo, da descoberta. Eu percebi isso porque trabalhava, depois das aulas, no laboratório farmacêutico do meu pai e eu via a importância que tinham os produtos mais novos, os mais recentes. Eu via também como pesava economicamente para o laboratório o fato de depender de produtos importados que não eram fabricados no Brasil e que no país não havia competência para faze-los. Aí percebi o valor do conhecimento novo, a importância que tinha e o significado econômico e estratégico das descobertas.

Isso se incrementou quando eu fiz o curso de Química. Eu fui fazer o curso de Química porque um professor meu no colégio sugeriu que eu procurasse uma carreira ligada à pesquisa. Ele deve ter percebido alguma inclinação, alguma tendência minha. E eu fiz o curso de Química na Faculdade de Filosofia, num ambiente em que a atividade de pesquisa era muito forte. Por causa disso eu resolvi fazer o doutorado na USP. Naquela época não havia ainda cursos de pós-graduação regulares no Brasil. O orientador com quem eu defendi a tese, que foi o professor Pawel Krumholz, era um pesquisador muito bom e também tinha feito uma carreira muito importante trabalhando em empresa. Ele foi diretor industrial da Orquima, uma empresa muito importante na época. Isso aumentou meu interesse por pesquisa.

Trabalhei em Química por alguns anos e meu interesse por materiais veio de uma situação curiosa. Eu estava praticamente me formando, nas férias do meu último ano da graduação. Estava num apartamento, depois do almoço, descansando. Lembro-me de ter olhado as paredes do apartamento e percebido que, com tudo que eu tinha aprendido no curso de Química, eu não tinha muito a dizer sobre as coisas que eu enxergava: a tinta, os revestimentos etc. Aquilo era Química, mas também era Materiais, e naquela época não havia no curso de Química muito interesse por materiais. De fato, materiais se tornaram muito importantes em Química por causa dos plásticos e borrachas, principalmente, que nessa época ainda não tinham a importância que têm hoje. Estou falando de 1964, aproximadamente.

Bem, aí comecei a trabalhar em Físico-Química, depois trabalhei um pouco numa área mais voltada à Bioquímica, a Físico-Química Biológica, e, em 1976, recebi uma tarefa do Departamento na USP, que era a de instalar um laboratório de coloides e superfícies. Um dos primeiros projetos foi de modificação de superfície de plásticos, no caso, o teflon. E aí eu percebi que uma grande parte da Química de coloides e superfícies existia por causa de Materiais, porque ela se prestava para criar e desenvolver novos materiais. A partir daí eu fui me envolvendo cada vez mais com materiais, principalmente com polímeros, um pouco menos, com cerâmicos e, menos ainda, com metais.

Boletim da SBPMat: – Quais são, na sua própria avaliação, as suas principais contribuições à área de Materiais? Considere na sua resposta todos os aspectos da sua atividade profissional, inclusive os casos de transferência de conhecimento à indústria.

Fernando Galembeck: – Eu vou falar mais ou menos seguindo a história. Eu acho que o primeiro resultado importante na área de Materiais foi justamente uma técnica voltada à modificação de superfície de teflon, que é um material no qual é muito difícil alguma coisa grudar. Tanto que tem a expressão do “político teflon”, que é aquele em que nada que se joga gruda. Só que, em determinadas situações, a gente quer conseguir adesão no teflon, que determinada coisa grude. E por um caminho um pouco complicado, eu acabei percebendo que eu já sabia fazer uma modificação de teflon, mas que eu nunca tinha percebido que era importante. Eu conhecia o fenômeno; tinha observado ele durante minha defesa de tese. Eu sabia que acontecia uma transformação do teflon. Mas foi quando estava visitando um laboratório da Unilever em 1976, conversando com um pesquisador, que eu percebi que havia gente se esforçando para modificar a superfície do teflon e conseguir adesão. Aí, juntando o problema com a solução, logo que voltei ao Brasil tentei verificar se aquilo que eu tinha observado anteriormente realmente serviria, e deu certo. Isso deu origem à minha primeira publicação sozinho e a meu primeiro pedido de patente, numa época em que praticamente não se falava em patentes no Brasil, principalmente no ambiente universitário. Eu fiquei muito entusiasmado com o seguinte: fui procurado por empresas que tinham interesse em aproveitar aquilo que eu tinha feito; uma no próprio teflon, outra em outro polímero. Então eu me senti muito bem, porque tinha uma descoberta, tinha uma patente e tinha empresas que, pelo menos, queriam saber o que era para ver a possibilidade de utilizá-la. E mais uma coisa, logo depois da publicação do artigo eu recebi um convite para participar de um congresso nos Estados Unidos que abordava justamente a questão de modificação de superfícies. Superfícies de polímeros, de plásticos e borrachas, foi um assunto com o qual fiquei envolvido praticamente durante todo o resto da minha vida, até agora.

Eu vou mencionar um segundo fato, que até o momento não teve consequências do mesmo tipo. Eu descobri um método que permite fazer uma caracterização e uma separação de partículas muito pequenas. Foi um trabalho bastante interessante. Isso foi publicado, também gerou um depósito de patente, mas não teve uma consequência prática. Recentemente surgiram problemas ligados com nanopartículas, que é um assunto muito importante hoje em Materiais, e que representam uma possibilidade de aplicação daquilo que eu fiz há mais de 30 anos. O nome da técnica é osmossedimentação.

Em seguida veio um trabalho que fiz trabalhando em projetos junto com a Pirelli cabos. Com essa história de superfícies e polímeros acho que eu tinha me tornado mais ou menos conhecido e fui procurado pela Pirelli, que me contratou como consultor e também contratou projetos que fiz na Unicamp. Um resultado desses projetos, que eu acho mais importante, foi o desenvolvimento de um isolante para tensões elétricas muito altas. Esse não foi um trabalho só meu, mas sim de uma equipe bastante grande, da qual fiz parte. Tinha várias pessoas da Pirelli e várias na Unicamp. O resultado desse projeto foi que a Pirelli brasileira conseguiu ser contratada para fornecer os cabos de alta tensão do Eurotúnel, ainda nos anos 80. Eu acho que esse foi um caso bem importante que teve um produto e significou um resultado econômico importante. Aqui eu quero insistir que isso foi feito no Brasil, por uma equipe brasileira. A empresa não era brasileira, mas a equipe estava aqui.

Depois teve vários trabalhos feitos com nanopartículas, numa época em que a gente nem as chamava de nanopartículas; chamávamo-las de partículas finas ou simplesmente de partículas coloidais pequenas. O primeiro trabalho que eu publiquei sobre nanopartículas foi em 1978. Teve outras coisas feitas em seguida que, no fim, acabaram desaguando num trabalho sobre fosfato de alumínio, que deu origem a teses feitas no laboratório e publicações, e também foi licenciado por uma empresa chamada Amorphic Solutions, do grupo Bunge, que explora, basicamente, fosfato de alumínio. O assunto começou em meu laboratório, ficou no laboratório por vários anos, depois uma empresa do grupo Bunge aqui no Brasil se interessou, passou a participar, nós colaboramos. Isso se tornou um projeto bastante grande de desenvolvimento. A Bunge depois achou inviável tocar o projeto no Brasil e hoje está lá nos Estados Unidos. Eu acho uma pena que esteja lá, mas aí teve outras questões envolvidas, inclusive de desentendimento com a Unicamp, que é a titular das patentes. Se olhar a página da Amorphic Solutions na Internet você poderá ver várias aplicações do produto. Pelo que percebo, atualmente estão enfatizando o uso como material anticorrosivo para proteção de aço.

Mais ou menos na mesma época, num trabalho ligado também a nanopartículas, teve o desenvolvimento de nanocompósitos de borracha natural com argilas. Isso foi licenciado por uma empresa brasileira chamada Orbys, que lançou um produto chamado Imbrik, que é um produto que a empresa fornece, por exemplo, para fazer rolos de borracha para fabricação de papel.

Outro caso de produto. Eu tinha feito um projeto com a Oxiteno, que fabrica matérias primas para látex, os tensoativos. Ela queria ter uma ideia de quanto se consegue mudar o látex mudando o tensoativo. Eu fiz um projeto com eles, que considero um dos mais interessantes daqueles em que estive envolvido. O resultado foi que percebemos que, mudando um pouco o tensoativo, nós mudávamos muito o látex. Esses látex são usados em tintas, adesivos, resinas. Então a gente via que tinham uma variabilidade enorme. Esse trabalho foi divulgado, foi publicado. Não deu patente porque foi um trabalho de entendimento. Então, uma outra empresa, a Indústrias Químicas Taubaté (IQT) me procurou para fazer um látex catiônico, mas por um caminho novo. Látex catiônicos em geral são feitos com sais de amônio quaternários, os quais têm algumas restrições ambientais. A empresa queria uma alternativa que não tivesse essas restrições. No fim do projeto nós fizemos os látex catiônicos sem as restrições ambientais e a IQT colocou o produto no mercado.

Teve outro caso, que também foi muito interessante, apesar de que acabou morrendo. Aqui no Brasil havia uma grande fabricante de polietileno tereftalato, o PET, que é usado para muitas coisas, inclusive para garrafas. Eles souberam do trabalho que eu tinha feito com nanocompósitos, aquele da Orbys que eu mencionei, e me procuraram querendo fazer nanocompósitos do PET. Nós tivemos que procurar escapar daquilo que já estava patenteado no exterior e conseguimos um caminho totalmente novo. A empresa chamava-se Rhodia-Ster, e hoje ela faz parte de uma outra empresa, italiana, chamada Mossi e Ghisolfi. A empresa se entusiasmou e acabou patenteando isso no Brasil, e, em seguida depois, no exterior. Numa certa altura, eles resolveram que iam tocar o trabalho internamente, e o fizeram durante alguns anos. Um dia o meu contato na empresa me telefonou para me dizer o seguinte: “Olha, nós estávamos trabalhando com duas tecnologias; uma era essa aí com a Unicamp e a outra, em outro país. As duas estão funcionando, mas agora a empresa chegou num ponto em que optou por completar o desenvolvimento de uma”. Quando chegam na fase final de um desenvolvimento de materiais, os custos dos projetos ficam muito altos. Tem que usar grandes quantidades de materiais, fazer muitos testes com clientes. Então, a empresa decidiu tocar uma, que infelizmente não era aquela na qual eu tinha trabalhado. No fim das contas, foi um pouco frustrante, mas acho que foi interessante porque durante esse tempo todo, a empresa apostou bastante no caminho que a gente tinha iniciado aqui. Além disso, cada projeto desses significa recursos para o laboratório, significa dinheiro para contratar gente, empregos etc. Então, esses projetos acaba dando muitos benefícios, mesmo quando não chegam até o fim.

Agora, pulando alguns pedaços, vou chegar no último resultado, que é bem recente, de depois que eu sai da Unicamp e vim para o CNPEM. Um objetivo do CNPEM é o aproveitamento de materiais de fonte renovável para fazer materiais avançados. Tem toda uma filosofia por trás disso, relacionada ao esgotamento de recursos naturais, à sustentabilidade… Nós temos trabalhado bastante para conseguir fazer coisas novas com materiais derivados da biomassa, e o principal interesse está na celulose. Ela é o polímero mais abundante do mundo, mas é um polímero muito difícil de trabalhar. Você não consegue processar celulose como processa polietileno, por exemplo. Uma de nossas metas tem sido procurar formas de plastificar a celulose; ou seja, trabalhar a celulose da forma mais parecida possível àquela que usamos para trabalhar com polímeros sintéticos. Um resultado recente dentro dessa ideia é que nós conseguimos fazer adesivos de celulose em que o único polímero é a própria celulose, o que é uma coisa nova. Foi depositado um pedido de patente no começo do ano, nós estamos submetendo isso agora para publicação e pretendemos trabalhar com empresas interessadas no assunto. Já estamos discutindo um projeto para uma aplicação específica dessa celulose modificada, com uma empresa.

Esse é o caso mais recente. No meio do caminho, vários outros projetos foram feitos com empresas, em questões do interesse das empresas. Revestir uma coisa, colar outra, modificar um polímero para conseguir um certo resultado. Mas essas foram respostas a demandas das empresas, não foram pesquisas iniciadas no laboratório.

Boletim da SBPMat: – Deixe uma mensagem para nossos leitores que estão iniciando suas carreiras de cientistas.

Fernando Galembeck: – Em primeiro lugar, em qualquer carreira que a pessoa escolher, ela tem que ter uma dose de paixão. Não importa se a pessoa vai trabalhar no mercado financeiro, em saúde ou o que quer que ela vá fazer; antes de mais nada, o que manda é o gosto. A pessoa querer fazer uma carreira porque ela vai dar dinheiro, porque vai dar status… Eu acho que é ruim escolher assim. Se a pessoa fizer as coisas com gosto, com interesse, o dinheiro, o prestígio, o status virão por outros caminhos. O objetivo é que a pessoa faça uma coisa que a deixe feliz, que se sinta bem fazendo-a, que a deixe realizada. Isso vale não só para a carreira científica, mas para qualquer outra carreira também. Na científica, é fundamental.

Outra coisa é que tem que estar preparado para o trabalho duro. Não existe caminho fácil. Eu conheço pessoas jovens que procuram muito a grande sacada que vai lhes trazer sucesso com relativamente pouco trabalho. Bom, eu acho melhor não esperarem isso. Pode até acontecer, mas esperar isso é mais ou menos a mesma coisa do que esperar ganhar a Mega-Sena para ficar rico.

Eu já tenho mais de 70 anos, então já vi muita gente e muita coisa acontecer. Algo que me chama a atenção é como jovens que pareciam muito promissores acabam não dando muito certo. Francamente, eu penso que uma coisa que não é boa é um jovem dar certo muito cedo, porque eu tenho a impressão de que ele acostuma com a ideia de que sempre vai dar certo. E o problema é que não tem nada, nem ninguém, nem nenhuma empresa que sempre dê muito certo. Sempre vai ter o momento do fracasso, o momento da frustação. Se a pessoa está preparada para isso, quando chega o momento, ela supera, enquanto outros são destruídos – não conseguem superar. Por isso tem que ter cuidado para não se iludir com o sucesso, achar que, porque deu certo uma vez, sempre dará certo. Tem que estar preparado para lutar.

Quando eu fiz faculdade, pensar em fazer pesquisa parecia uma coisa muito estranha, coisa de maluco. As pessoas não sabiam muito bem o que era isso nem por que uma pessoa iria fazer isso. Tinha gente que dizia que a pesquisa era como um sacerdócio. Eu trabalhei sempre com pesquisa, associada com ensino, associada com consultoria e, sem que eu nunca tenha procurado ficar rico, consegui ter uma situação econômica que eu acho que é muito confortável. Mas eu insisto, meu objetivo era fazer o desenvolvimento, fazer o material, não o dinheiro que eu iria ganhar. O dinheiro veio, ele vem. Então, eu sugiro que as pessoas focalizem o trabalho, os resultados e a contribuição que o trabalho delas pode dar para outras pessoas, para o ambiente, para a comunidade, para o país, para o conhecimento. O resto virá por acréscimo.

Resumindo, a minha mensagem é: trabalhem seriamente, dedicadamente e com paixão.

Finalmente, eu gostaria de dizer que acho que o trabalho de pesquisa, o trabalho de desenvolvimento ajuda muito a pessoa a crescer como pessoa. Ele afasta a pessoa de algumas ideias que não são muito proveitosas e bota a pessoa dentro de atitudes que são importantes e realmente ajudam. Uma vez um estudante perguntou para Galileu: “Mestre, o que é o método?”. A resposta de Galileu foi: “O método é a dúvida”. Eu acho que isso é muito importante em atividade de pesquisa, a qual, em Materiais, em particular, é especialmente interessante porque o resultado final é uma coisa que a gente pega na mão. Na atividade de pesquisa a pessoa tem que estar o tempo todo se perguntando: “Eu estou pensando isto, mas será que estou pensando certo?”, ou “Fulano escreveu aquilo, mas qual é a base do que ele escreveu?”. Essa é uma atitude muito diferente da atitude dogmática, que é comum no domínio da política e da religião, e muito diferente da atitude da pessoa que tem que enganar, como o advogado do mafioso ou do traficante. O pesquisador tem que se comprometer com a verdade. Claro que também existem pessoas que se dizem pesquisadores e promovem a desinformação. Alguns anos atrás, falava-se de uma coisa chamada de “Bush science”, expressão que remete ao presidente Bush. A “Bush science” eram os argumentos criados por pessoas que ganhavam dinheiro como cientistas, mas que produziam argumentos para dar sustentação às políticas de Bush. Ou seja, o problema existe em ciência também, mas aí voltamos àquilo que falei no início. A pessoa não pode entrar nisto porque vai ganhar dinheiro, vai ter prestígio ou vai ser convidado para jantar com o presidente; ela tem que entrar nisto pelo interesse que ela tem pelo próprio assunto.