Pesquisadores sem remuneração: Bruno César da Silva.

Bruno da Silva em um laboratório de pesquisa em 2019, durante seu doutorado.
Bruno da Silva em um laboratório de pesquisa em 2019, durante seu doutorado.

No início de 2020, o jovem Bruno César da Silva estava muito entusiasmado. Depois de seis meses participando de um processo seletivo internacional, ele tinha conseguido uma vaga de pesquisador temporário em um instituto de pesquisa da cidade de Grenoble (França). Pago pelo governo francês, ele se dedicaria a estudar em detalhe as propriedades dos nanofios semicondutores e algumas de suas possíveis aplicações. De fato, esses fios diminutos poderão ser usados em dispositivos eletrônicos e optoeletrônicos no futuro, mas, para isso, precisam ser melhor compreendidos e controlados.

No mestrado e no doutorado em Física, realizados na UNICAMP, Bruno tinha estudado, precisamente, nanofios semicondutores, e, contando sempre com orientação de bons professores, tinha adquirido sólido conhecimento no conjunto de técnicas requeridos pela vaga. “Achar alguém que tenha um background em todos os tópicos que a vaga pedia é difícil, mas eu tive a sorte, a vontade e a oportunidade de ganhar experiência em todas essas áreas”, conta Bruno. Além disso, o jovem é autor principal de dois artigos publicados em periódicos científicos muito renomados (Nano Letters e Scientific Reports). Apesar de não contar com uma quantidade expressiva de artigos, a produção do Bruno, gerada no doutorado, chamava a atenção pela qualidade.

Mas a formação de Bruno em pesquisa científica começou já no ensino médio, dentro do programa Iniciação Científica Júnior do CNPq (o principal órgão de apoio à pesquisa no Brasil), e continuou na graduação em Física na Universidade de Lavras, como bolsista de iniciação científica da FAPEMIG (a fundação de apoio à pesquisa de Minas Gerais). Ainda na graduação, Bruno teve a sua primeira experiência de pesquisa no exterior, em uma universidade espanhola, como bolsista do programa Ciência sem Fronteiras, realizado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação em conjunto com o Ministério da Educação. “A minha formação é fruto de políticas e investimentos públicos”, diz Bruno. De fato, em todas as etapas, Bruno contou com bolsas financiadas com recursos públicos. Iniciou com menos de 100 reais na iniciação júnior e chegou a cerca de 3.600 reais no final do doutorado com uma bolsa da FAPESP, que é a fundação de apoio à pesquisa do Estado de São Paulo.

Mudança abrupta de planos

Bruno estava com passagem comprada e hospedagem reservada para começar a sua vida em Grenoble quando a OMS declarou a pandemia de Covid-19 em meados de março. Em consequência, a contratação no instituto de pesquisa foi suspensa, e Bruno começou a procurar outras oportunidades. Buscou no Brasil e no exterior. Buscou bolsas de pós-doutorado e empregos de pesquisador ou de cientista de dados – uma área profissional ligada à matemática e à computação.

Sem oportunidades e sem renda, Bruno, com 32 anos, voltou à casa dos pais em Jacareí (SP), solicitou o auxílio emergencial do governo e se dedicou a finalizar artigos científicos sobre resultados do doutorado e a fazer cursos online para redirecionar a carreira.

Finalmente, seis meses depois da data planejada, Bruno assumiu seu cargo temporário no instituto de pesquisa francês. E já está há mais de um mês trabalhando com os nanofios, muito feliz. “Aqui, nós, doutores recém-formados, somos tratados como profissionais, e pagamos impostos como qualquer trabalhador”, brinca o brasileiro, fazendo uma comparação implícita com a situação de bolsistas que os jovens doutores têm no Brasil. Depois da experiência em Grenoble, ele planeja prestar concurso para ser professor pesquisador em alguma universidade brasileira. No entanto, diz Bruno, se a situação de escassez de recursos para ciência se prolongar no Brasil, ele continuará construindo uma carreira no exterior. “Acho importante retornar para a sociedade brasileira o investimento na minha formação através da docência e da realização de pesquisas que possam contribuir para o desenvolvimento do meu país. Somos capazes de fazer ciência de qualidade no Brasil, mas precisamos das condições necessárias”, conclui.

Link para o CV Lattes de Bruno César da Silva http://lattes.cnpq.br/9372271927420661.

Artigo em destaque: Perovskitas aditivadas para células solares mais estáveis.

O artigo científico de autoria de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é: Effect of the incorporation of poly(ethylene oxide) copolymer on the stability of perovskite solar cells. Jeann Carlos da Silva, Francineide Lopes de Araújo, Rodrigo Szostak, Paulo Ernesto Marchezi, Raphael Fernando Moral, Jilian Nei de Freitas  and  Ana Flávia Nogueira. J. Mater. Chem. C, 2020,8, 9697-9706.

Perovskitas aditivadas para células solares mais estáveis

"Sanduíche" de materiais que forma a célula solar de perovskita desenvolvida pela equipe brasileira.
“Sanduíche” de materiais que forma a célula solar de perovskita desenvolvida pela equipe brasileira.

Graças às contribuições de grupos de pesquisa de diversos países, as células solares baseadas em perovskitas tornaram-se rapidamente competitivas em termos de eficiência de conversão de energia – a porcentagem de energia solar que é convertida em energia elétrica – alcançando valores acima de 25%. Infelizmente, a boa eficiência conquistada para essas células solares não se mantém ao longo de seu tempo de uso, principalmente por causa da instabilidade da sua camada ativa. Composta por materiais da família das perovskitas, essa camada do “sanduíche” de materiais que forma uma célula solar é a responsável por absorver a luz. Face à umidade, e até mesmo à própria luz, a perovskita se degrada e atenta contra a vida útil da célula solar.

O problema tem ocupado muitos pesquisadores da área, entre eles, os do Laboratório de Nanotecnologia e Energia Solar (LNES), da Unicamp, liderado pela professora Ana Flávia Nogueira. Em pesquisa recentemente reportada no Journal of Materials Chemistry C (fator de impacto 7,059), membros do LNES conseguiram produzir filmes de perovskita mais estáveis frente à umidade e iluminação. Com eles, fabricaram células solares que apresentaram perdas de eficiência menores ao longo do tempo.

A adição do copolímero P(EO/EP) melhorou a estabilidade da perovskita de MAPbI3.
A adição do copolímero P(EO/EP) melhorou a estabilidade da perovskita de MAPbI3.

A estratégia adotada foi a de adicionar à perovskita um composto que lhe outorga estabilidade sem interferir negativamente na sua estrutura cristalina, da qual emergem propriedades essenciais para seu uso em células solares. O aditivo escolhido, um copolímero (polímero formado por dois monômeros diferentes), foi adicionado em diferentes concentrações à solução de iodeto de chumbo e iodeto metilamônio, a qual, ao cristalizar, forma um filme de perovskita modificado e mais estável.

Os pesquisadores usaram a técnica de spin coating para preparar filmes de perovskita pura e de perovskita “aditivada”. Em um teste de degradação do material, os autores expuseram as amostras à luz e umidade ambiente durante nove dias e observaram sua degradação, que ficou visível a olho nu pelo amarelamento dos filmes, cuja cor original é quase preta. Nas amostras com aditivo, a degradação foi retardada em alguns dias com relação às amostras de perovskita pura.

Outro teste realizado pela equipe mostrou a capacidade dos filmes de se regenerarem após uma degradação inicial provocada pela exposição a um umidificador. As amostras aditivadas não apenas se degradaram menos, como também se regeneraram de forma espontânea, quase totalmente, trinta segundos após a retirada da fonte de umidade – um fenômeno conhecido como healing– como pode ser visto neste vídeo.

“Neste trabalho foi demonstrado que a incorporação de um copolímero a base de poli(óxido de etileno) à camada de perovskita consegue retardar e, em alguns casos, até reverter o processo de degradação do filme frente a umidade e iluminação”, resume Jeann Carlos da Silva, coautor do artigo.

boxPara estudar detalhadamente a estrutura e composição dos filmes, os autores usaram uma série de técnicas de caracterização, inclusive uma técnica de difração de raios X (in situ GWAXS), disponível no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), que permitiu monitorar o processo de fabricação dos filmes. A partir do conjunto de resultados da caracterização, os autores conseguiram explicar o mecanismo que gera o efeito protetor nos filmes de perovskita aditivados. De acordo com eles, o efeito ocorre, principalmente, devido à interação que o copolímero realiza, por meio de ligações de hidrogênio, com o cátion metilamônio da perovskita. Nos filmes não aditivados, luz e umidade fazem com que parte do metilamônio passe ao estado gasoso e acabe saindo da estrutura da perovskita, gerando a degradação, parcialmente irreversível.  Já nos filmes aditivados, o copolímero consegue reter o metilamônio, o que gera filmes mais estáveis e com maior capacidade de regeneração.

“Desse estudo, também foi possível investigar a dinâmica de cristalização da perovskita contendo o copolímero e entender os mecanismos de formação perovskita/copolímero em condições de umidade e iluminação”, destaca Francineide Lopes de Araújo, coautora do artigo. “Além disso, através do uso de técnicas de caracterização como a difração de raios-X in situ, o trabalho explora uma área importante para a compreensão do material, oferecendo uma enorme contribuição para a comunidade científica e abrindo novas perspectivas de investigações sobre a aplicação de polímeros no processo de formação e fabricação de células solares de perovskita”, completa.

Finalmente, a equipe científica fabricou células solares usando os filmes de perovskita com e sem aditivo como camada ativa, e comparou sua eficiência de conversão de energia. Inicialmente, a presença do copolímero diminuiu a eficiência dos dispositivos, já que, por ser um material isolante, ele prejudica a transferência de cargas elétricas. Contudo, nos testes de estabilidade, nos quais os dispositivos foram expostos a umidade e luminosidade durante vinte dias, as células de perovskita aditivada tiveram melhor desempenho.

Em números: enquanto as células solares de perovskita pura iniciaram com 17% de eficiência e mantiveram 47% desse valor no final do teste, os dispositivos de perovskita contendo 1,5 mg mL-1 % de copolímero tiveram uma eficiência inicial de cerca de 15%, mas mantiveram 68% dela depois dos 20 dias de teste.

“O problema da estabilidade das células solares de perovskita infelizmente não pôde ser solucionado de maneira definitiva através dessa pesquisa, no entanto, foi explorada uma importante via de proteção do material, principalmente contra exposição agressiva à umidade e iluminação, que futuramente pode ser combinada com outros mecanismos de proteção”, resume Jeann Carlos da Silva. “A pesquisa também reforça a viabilidade de se incorporar compostos extrínsecos à perovskita como agentes de proteção”, completa.

Este trabalho foi iniciado no LNES em 2016, no mestrado de Jeann Carlos da Silva, logo após o desenvolvimento, nesse mesmo laboratório, do primeiro protótipo de célula solar de perovskita do Brasil. A pesquisa foi finalizada através da colaboração da pós doutoranda Francineide Lopes de Araújo e de outros membros e ex-membros do grupo, sempre sob orientação da professora Ana Flávia.

O estudo contou com financiamento das agências brasileiras FAPESP, CNPq e CAPES, e é tema do projeto “Células Solares de Perovskita para Fotossíntese Artificial” do Center for Innovation on New Energies (CINE) com apoio da Shell e da Fapesp.

Autores do artigo. A partir da esquerda: Jeann Carlos da Silva, Francineide Lopes de Araújo, Rodrigo Szostak, Paulo Ernesto Marchezi, Raphael Fernando Moral, Jilian Nei de Freitas e Ana Flávia Nogueira.
Autores do artigo. A partir da esquerda: Jeann Carlos da Silva, Francineide Lopes de Araújo, Rodrigo Szostak, Paulo Ernesto Marchezi, Raphael Fernando Moral, Jilian Nei de Freitas e Ana Flávia Nogueira.

Sócia da SBPMat no advisory board de dois periódicos da Royal Society of Chemistry.

Prof Ana Flávia Nogueira
Prof Ana Flávia Nogueira

A professora Ana Flávia Nogueira (UNICAMP), sócia da SBPMat, passou a integrar neste ano os advisory boards de dois renomados periódicos da área de Materiais, ambos da Royal Society of Chemistry (RSC). Trata-se do Journal of Materials Chemistry A (fator de impacto = 11,301), onde a cientista brasileira é a única representante da América Latina, e o Journal of Materials Chemistry C (fator de impacto = 7,059), onde a professora Ana Flávia e o professor Carlos Graeff, também sócio da SBPMat, são os únicos cientistas de instituições latino-americanas.

Artigo em destaque: Implantes dentários antimicrobianos.

Imagem de microscopia eletrônica de varredura do novo revestimento antibiofilme.
Imagem de microscopia eletrônica de varredura do novo revestimento antibiofilme.

Biofilmes são comunidades de microrganismos que convivem dentro de uma matriz polimérica produzida por eles mesmos formando uma estrutura tridimensional. Os biofilmes crescem aderidos às mais diversas superfícies, naturais ou artificiais, e podem incluir uma diversidade de bactérias e fungos. Quando encontradas sobre nossos dentes, essas comunidades de micróbios podem causar prejuízos à saúde bastante conhecidos, como a cárie dental. Ainda dentro da boca, onde a tendência a formar biofilmes não é pequena, implantes dentários também podem ser prejudicados pela ação de biofilmes. De fato, a principal causa de falha em implantes dentários está relacionada a infecções nos tecidos circundantes ao implante, devidas ao acúmulo de bactérias sobre os parafusos de titânio que são implantados pelo cirurgião-dentista no osso do maxilar ou mandíbula para fazer o papel de raízes das próteses dentárias.

Pensando nesse problema, uma equipe de pesquisadores de áreas relacionadas a odontologia e materiais desenvolveu um revestimento capaz de reduzir a adesão de bactérias e fungos à superfície do titânio, atacando assim a formação de biofilmes na sua primeira etapa. No novo revestimento, a adesão de bactérias foi oito vezes menor do que no titânio sem revestir. Além disso, o revestimento mudou a composição da população de micróbios nos biofilmes que chegaram a aparecer na superfície. Dessa maneira, a presença de bactérias diretamente responsáveis por gerar infecções em torno dos implantes foi sete vezes menor no revestimento do que no titânio sem revestir. “Nosso revestimento não apenas reduziu a adesão de microrganismos, mas também modificou a sua composição para um perfil menos agressivo ao hospedeiro”, resume o professor Valentim Adelino Ricardo Barão (UNICAMP), autor correspondente de artigo sobre o trabalho, recentemente publicado na ACS Applied Materials and Interfaces. Finalmente, além de gerar as propriedades antibiofilme no titânio, o revestimento manteve a biocompatibilidade desse material, permitindo o crescimento de células humanas em sua superfície, e aumentou sua resistência à corrosão.

De acordo com os autores do trabalho, este novo revestimento pode ser uma estratégia promissora para controlar a formação de biofilmes em implantes de titânio e assim reduzir o desenvolvimento de infecções microbianas. “Inúmeros revestimentos vêm sendo desenvolvidos nesta área”, contextualiza o professor Barão. “No entanto, os disponíveis no mercado objetivam, principalmente, melhorar propriedades biomecânicas e a biocompatibilidade, não sendo efetivos em reduzir o acúmulo de microrganismos”. Conforme os autores do artigo, para poder aplicar o titânio revestido em pacientes e disponibilizá-lo no mercado, seria necessário testar sua inserção como implante dentário em modelos animais e, finalmente, realizar um ensaio clínico controlado que contemple a inserção do material em seres humanos.

Do desenvolvimento do material aos estudos in vitro e in situ.

Os autores do artigo. A partir da esquerda do leitor: Joao Gabriel Silva Souza, Martinna M. Bertolini, Raphael Cavalcante Costa, Jairo Matozinho Cordeiro, Bruna Egumi Nagay, Amanda B Almeida, Belén Retamal-Valdes, Francisco Nociti, Magda Feres, Elidiane Cipriano Rangel, e Valentim Adelino Ricardo Barao.
Os autores do artigo. A partir da esquerda do leitor: Joao Gabriel Silva Souza, Martinna M. Bertolini, Raphael Cavalcante Costa, Jairo Matozinho Cordeiro, Bruna Egumi Nagay, Amanda B Almeida, Belén Retamal-Valdes, Francisco Nociti, Magda Feres, Elidiane Cipriano Rangel e Valentim Adelino Ricardo Barão.

A pesquisa foi realizada dentro do doutorado de João Gabriel Silva Souza, com orientação do professor Barão e financiamento das agências brasileiras Fapesp e Capes. A tese foi defendida em 2019 no Programa de Pós-Graduação em Clínica Odontológica da Faculdade de Odontologia de Piracicaba da UNICAMP.

O objetivo principal da tese, conta Souza, foi desenvolver um revestimento para o titânio, material amplamente usado em odontologia, com capacidade de reduzir o acúmulo microbiano, usando a tecnologia de plasma de baixa pressão. As buscas bibliográficas apontaram que uma superfície superhidrofóbica seria uma promissora alternativa para reduzir a adesão de bactérias em titânio e suas ligas. Considera-se que uma superfície é superhidrofóbica (ou seja, muito difícil de molhar) quando o ângulo formado entre ela e uma gota de água é maior que 150º. A superhidrofobicidade, por sua vez, tem como bases a alta rugosidade e a composição química da superfície.

 “Com base nessa ideia e estudos prévios já desenvolvidos pelo grupo de pesquisa do professor Barão, buscamos desenvolver um revestimento superhidrofóbico com a tecnologia de plasma, alterando diversos parâmetros, como pressão, gases etc.”, conta Souza.

O revestimento foi desenvolvido e caracterizado no Laboratório de Plasmas Tecnológicos da UNESP – Sorocaba, que engloba o Laboratório Multiusuário de Caracterização de Materiais, sob orientação da professora Elidiane Rangel. “A professora Elidiane tem ampla experiência na área e vem contribuindo amplamente com nosso grupo de pesquisa no desenvolvimento de revestimentos para aplicabilidade odontológica”, comenta o professor Barão.

Enquanto a literatura científica registrava revestimentos superhidrofóbicos fabricados, principalmente, em duas etapas (uma para obter rugosidade e a segunda para conseguir a hidrofobicidade), a professora Rangel conseguiu fabricar o revestimento em apenas uma etapa, usando a técnica de PECVD (plasma-enhanced chemical vapor deposition). Nessa técnica, forma-se, dentro de um reator, uma atmosfera de gases cuidadosamente selecionados (neste caso, oxigênio, argônio e hexametildissiloxano, de fórmula C6H18OSi2). Depois de aplicar uma tensão elétrica, essa atmosfera fica altamente energizada (em estado de plasma), os gases se decompõem e geram-se espécies (átomos, moléculas, íons) com muita propensão a reagir quimicamente. Essas espécies formam novos compostos que se depositam em estado sólido na superfície do material que se deseja revestir (neste caso, o titânio).

Para fabricar o revestimento superhidrofóbico por meio dessa técnica, a professora Elidiane realizou um processo único de 60 minutos. O resultado foi uma superfície baseada em silício e oxigênio, de aspecto semelhante à couve-flor, com uma rugosidade diversa. Fazendo uma analogia com o relevo do nosso planeta, o revestimento apresentou, na escala micrométrica, montanhas de diversas alturas e formatos, separadas por vales e cânions.

Depois de obter o revestimento, com o objetivo de testar sua efetividade como antibiofilme, a pesquisa envolveu grupos de pesquisa da Universidade de Guarulhos e da University of Connecticut Health Center (EUA), onde o então doutorando Souza realizou o chamado “período sanduíche de doutorado”. Além disso, o Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano) e o Laboratório Nacional de Biociências (LNBio) do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) foram utilizados para caracterização do revestimento e análise da composição de proteínas aderidas nele, respectivamente.

A equipe de cientistas fez então uma série de testes e análises microbiológicas, tanto em laboratório (in vitro), quanto na boca de voluntários (in situ), sempre comparando o titânio sem revestir e o titânio com o revestimento superhidrofóbico. Em um dos experimentos in vitro, utilizaram saliva natural como meio de cultivo de diversos microrganismos usualmente presentes em biofilmes que crescem em implantes. Em contato com esse meio, as amostras de titânio revestidas mostraram um desempenho antibiofilme muito bom com relação ao titânio sem revestir: a adesão do conjunto de micróbios foi oito vezes menor, e, em particular, a adesão de uma bactéria diretamente responsável pela formação da matriz dos biofilmes foi 17 vezes menor. Consequentemente, em uma etapa posterior do experimento, a formação de biofilme no revestimento foi escassa e esparsa.

Em outro interessante teste, realizado in situ, quatro voluntários usaram durante 3 dias um aparelho no palato, formado por alguns discos de titânio sem tratar e outros com o revestimento superhidrofóbico. Ao analisar a composição dos biofilmes formados nas duas superfícies, a partir da parceria com a professora Magda Feres da Universidade de Guarulhos, os pesquisadores se surpreenderam mais uma vez com o desempenho positivo do revestimento desenvolvido, que reduziu em sete vezes a presença de patógenos diretamente associados a infecções que levam a falhas em implantes dentários, alterando a composição de microrganismos presentes.

Acima à esquerda do leitor, reconstrução 3D baseada em microscopia confocal a laser mostra a densa formação de picos no novo revestimento. Alta rugosidade com relação ao titânio sem revestir (controle) também pode ser vista na imagem abaixo. No centro, superhidrofobicidade obtida: a gota de água não se espalha na superfície. À direita, imagens mostram o revestimento com proliferação de células humanas, mostrando biocompatibilidade (acima) e o reduzido acúmulo bacteriano (manchas verdes), abaixo.
Acima e à esquerda do leitor, reconstrução 3D baseada em microscopia confocal a laser mostra a densa formação de picos no novo revestimento. Alta rugosidade com relação ao titânio sem revestir (controle) também pode ser vista abaixo. No centro, superhidrofobicidade obtida: a gota de água não se espalha na superfície. À direita, imagens exibem o revestimento com proliferação de células humanas, mostrando biocompatibilidade (acima) e com reduzido acúmulo bacteriano (manchas verdes), abaixo.

Diretoria da SBPMat apoia “Moção da Unicamp à Sociedade”.

Reitor da Unicamp, Marcelo Knobel, que é sócio da SBPMat, fala frente a uma multidão no campus da Unicamp no dia 15. Foto: Antoninho Perri.
Reitor da Unicamp, Marcelo Knobel, que é sócio da SBPMat, fala frente a uma multidão no campus da Unicamp no dia 15. Foto: Antoninho Perri.

A Diretoria da SBPMat apoia a “Moção da Unicamp à Sociedade”, documento em defesa da universidade pública gratuita, laica, a serviço da sociedade e de qualidade.

A moção foi lida e aprovada nesta terça-feira (dia 15 de outubro) na primeira Assembleia Universitária Extraordinária da Unicamp – uma reunião única na história da Unicamp que congregou cerca de 8 mil pessoas no campus dessa universidade.

O documento foi elaborado pelos representantes da Reitoria, Associação dos Docentes da Unicamp (Adunicamp), Sindicato dos Trabalhadores da Unicamp (STU), Diretório Central dos Estudantes (DCE) e da Associação de Pós-Graduandos da Unicamp (APG).

Leia a íntegra do documento:


Moção da Unicamp à Sociedade

A comunidade acadêmica da Unicamp manifesta sua indignação diante dos reiterados ataques contra a educação e a ciência perpetrados no Brasil nos últimos meses, e conclama a sociedade a unir-se em defesa da universidade pública gratuita, laica, socialmente referenciada e de qualidade.

Neste momento preocupante da história nacional é vital que as universidades públicas reafirmem seu valor e ressaltem a importância da autonomia para o cumprimento de sua missão.

Como se sabe, a missão primordial de universidades como a Unicamp, mantidas com recursos provenientes de impostos, consiste em formar pessoas altamente qualificadas, desenvolver pesquisas de impacto e colocar o conhecimento que produzem à disposição da sociedade por meio de atividades de extensão e assistência.

Ao mesmo tempo, espera-se das universidades públicas que acompanhem as transformações acadêmicas, científicas, tecnológicas, sociais e culturais do mundo contemporâneo, buscando formas de promover a diversidade e a inclusão social em suas comunidades, de ampliar a transparência de seus processos e de atender aos objetivos de desenvolvimento sustentável.

Nada disso é possível sem que se observe o princípio da autonomia, garantido às universidades públicas pelo artigo 207 da Constituição Federal de 1988. Atentar contra a autonomia significa impedi-las de fazer suas próprias escolhas, fundamentais para a criação e manutenção de um ambiente estimulante, desafiador, criativo, dinâmico e, sobretudo, de respeito às pessoas e à diversidade de opiniões.

Os obstáculos que têm sido impostos às universidades públicas – seja por meio de cortes orçamentários diretos, diminuição dos recursos direcionados às agências de fomento ou pressões de natureza econômica, ideológica ou social – colocam em risco a estrutura do sistema nacional de ciência, tecnologia, inovação e ensino, deixando o país sujeito ao retrocesso e ao obscurantismo.

Os argumentos nos quais se baseiam os ataques recentes, fortemente marcados pelo anti-intelectualismo e por um profundo desprezo pelo conhecimento científico, revelam uma visão equivocada da função da educação superior e da ciência. Os recursos de que as universidades públicas necessitam para realizar suas atividades-fim não podem jamais ser encarados como um custo para o Estado, mas sim como um investimento no futuro do país.

No Brasil, assim como em todos os países desenvolvidos, a pesquisa nas universidades é financiada majoritariamente pelo Estado, por meio de suas agências de fomento. Interromper o fluxo de recursos para essas instituições constitui um equívoco que impedirá o país de enfrentar e resolver os grandes desafios sociais e econômicos que se apresentam.

Da mesma forma, as críticas a áreas específicas, como as humanidades e as artes, demonstram uma ignorância absoluta do papel fundamental que a busca por conhecimento exerce no desenvolvimento do pensamento crítico e criativo, bem como na formulação de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento social, à redução das desigualdades e ao respeito à diversidade.

Diante de tudo isso, cabe à Unicamp unir-se às demais instituições que buscam reagir às investidas contra as universidades públicas e, por conseguinte, ao violento processo de desmonte dos sistemas nacionais de educação superior e de ciência, tecnologia e inovação.

A comunidade acadêmica da Unicamp reafirma, aqui, o seu compromisso com a defesa das liberdades de cátedra e de livre organização associativa e estudantil. É preciso, neste momento, zelar pelo patrimônio inestimável que as universidades públicas representam para o Brasil. Urge uma consistente mobilização para evitar que os frutos de tantos anos de investimento de toda a sociedade sejam colocados em risco por uma política que ignora tanto o passado, quanto o presente, e ainda ameaça o futuro do país. A isso, é preciso reagir!

Cidade Universitária Zeferino Vaz, 15/10/2019


 

 

Artigo em destaque: Nanoplataforma magneto-luminescente de baixa toxicidade.

O artigo científico de autoria de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é: Fe3O4@SiO2 Nanoparticles Concurrently Coated with Chitosan and GdOF:Ce3+,Tb3+ Luminophore for Bioimaging: Toxicity Evaluation in the Zebrafish Model. Latif U. Khan, Gabriela H. da Silva, Aline M. Z. de Medeiros, Zahid U. Khan, Magnus Gidlund, Hermi F. Brito, Oscar Moscoso-Londoño, Diego Muraca, Marcelo Knobel, Carlos A. Pérez, Diego Stéfani T. Martinez. ACS Appl. Nano Mater. 2019, 2,6, 3414-3425. https://doi.org/10.1021/acsanm.9b00339.

Nanoplataforma magneto-luminescente de baixa toxicidade

Capa da ACS Applied Nano Materials destacando o artigo da equipe brasileira.
Capa do periódico científico destacando o artigo.

Em um trabalho de pesquisa realizado em uma série de laboratórios brasileiros, uma equipe científica multidisciplinar desenvolveu um nanomaterial magnético, luminescente e capaz de se ligar quimicamente a moléculas de interesse, como fármacos ou proteínas. O nanomaterial também apresentou baixa toxicidade em testes com organismos vivos. Tendo esse conjunto de características, o novo material pode ser visto como uma nanoplataforma multifuncional, promissora para o desenvolvimento de diversas aplicações, principalmente nas áreas de biotecnologia, saúde e ambiente. O estudo foi reportado em artigo publicado na ACS Applied Nano Materials (periódico da American Chemical Society lançado em 2018), e destacado em capa da edição de junho da revista.

As propriedades dessa nanoplataforma provêm da presença de diversos compostos e elementos com propriedades distintas: nanopartículas de óxido de ferro (Fe3O4, conhecido como magnetita) responsáveis pelo magnetismo; íons de elementos lantanídeos (Gd3+, Ce3+ e Tb3+, conhecidos como terras raras) responsáveis pela luminescência ou emissão de luz, e quitosana (biopolímero obtido a partir do exoesqueleto de crustáceos), fundamental para propiciar, na superfície na nanoplataforma, as ligações químicas com moléculas externas de interesse.

A nanoplataforma foi desenvolvida no Laboratório Nacional de Nanotecnologia do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (LNNano – CNPEM). O processo utilizado para sua síntese abrange uma série de etapas. Inicialmente, as nanopartículas de óxido de ferro que formam o núcleo das nanoplataformas são sintetizadas e revestidas com dióxido de silício (SiO2). Depois, os elementos luminescentes e a quitosana são incorporados às nanopartículas formando uma camada externa. O resultado são nanoplataformas de aproximadamente 170 nm de diâmetro (em média), denominada Fe3O4@SiO2/GdOF:xCe3+,yTb3+.

À esquerda, ilustração esquemática de uma das nanoplataformas, mostrando seu núcleo. À direita, solução com nanoplataformas sob efeito de um campo magnético (concentradas próximo dos ímãs) e irradiada com luz UV (gerando a emissão de luz verde).
À esquerda, ilustração esquemática de uma das nanoplataformas desenvolvidas, mostrando seu núcleo e a camada externa. No quadro preto à direita, fotografias de soluções aquosas com nanoplataformas. À esquerda do quadro, pode ser visto o efeito de se irradiar a solução com luz ultravioleta: as nanoplataformas emitem luz verde.  À direita, distingue-se o efeito da aplicação de um campo magnético: as nanoplataformas se concentram perto do ímã.

Para estudar as propriedades magnéticas e luminescentes da nanoplataforma e caracterizar sua estrutura e morfologia, participaram do trabalho grupos de pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade de São Paulo (USP), especialistas nesses estudos.

Além disso, os autores principais do trabalho decidiram avaliar a toxicidade das nanoplataformas com relação a organismos vivos – um passo fundamental quando se pensa em aplicações na área de saúde ou meio ambiente. Os cientistas optaram por realizar um ensaio in vivo bastante consolidado no meio acadêmico, no qual embriões de peixe-zebra, mais conhecidos pelo nome em inglês zebrafish (nome científico Danio rerio), são expostos ao material cuja toxicidade se deseja avaliar. Esses peixes de água doce, de fato, apresentam alta semelhança genética com a espécie humana (cerca de 70%) e, ao mesmo tempo, são mais baratos e fáceis de se estudar do que camundongos ou ratos , entre outras vantagens.

No ensaio de toxicidade, algumas dezenas de ovos de peixe-zebra recém-fecundados foram colocados em meio aquoso contendo as nanoplataformas em diversas concentrações. Os embriões foram examinados em diferentes momentos de seu desenvolvimento usando um microscópio óptico para conferir se ocorria mortalidade, malformação, edema ou mudanças no tamanho. Os testes incluíram embriões com e sem córion (membrana que protege o embrião nos estágios iniciais do desenvolvimento). Os resultados do ensaio, que foi realizado no LNNano, mostraram que as nanoplataformas, mesmo em elevadas concentrações (100 mg/L), apresentam baixa toxicidade para todos os grupos de embriões.

Embriões de zebrafish utilizados nos ensaios de nanotoxicidade. (A) Embriões de 24 horas de idade, na presença e ausência do córion, onde setas indicam o córion (membrana que protege os embriões nos estágios iniciais de desenvolvimento). (B) Embriões após 96 horas de desenvolvimento.
Embriões de zebrafish utilizados nos ensaios de nanotoxicidade. (A) Embriões de 24 horas de idade, na presença e ausência do córion, onde setas indicam o córion (membrana que protege os embriões nos estágios iniciais de desenvolvimento). (B) Embriões após 96 horas de desenvolvimento.

“Este trabalho traz uma contribuição inédita envolvendo a avaliação da toxicidade de nanomateriais híbridos utilizando o modelo zebrafish, um promissor método alternativo em nanotoxicologia, e a influência do córion”, destaca Diego Stéfani Teodoro Martinez , pesquisador do CNPEM no LNNano e um dos autores correspondentes do artigo.

Os embriões também foram analisados no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS – CNPEM) com o objetivo de verificar a distribuição e concentração das nanoplataformas no organismo dos embriões. Para isso, os cientistas utilizaram a técnica de microscopia por fluorescência de raios X com luz sincrotron (SXRF), a qual consegue fazer um mapeamento preciso de determinados elementos químicos em sistemas biológicos. Essa técnica está disponível em uma das estações experimentais do LNLS, coordenada pelo pesquisador Carlos Alberto Pérez, que é um dos autores correspondentes do artigo.

Análises de microscopia de fluorescência de raios X com luz sincrotron (SXRF) dos embriões de zebrafish após exposição à nanoplataforma por 72 horas. (A) Imagem de microscopia óptica dos embriões; (B) Imagem de SXRF dos embriões demonstrando a acumulação da nanoplataforma no trato intestinal; e (C) Espectro de fluorescência de raios-X, demonstrando a co-localização espacial dos elementos Fe e Gd no trato intestinal dos embriões de Zebrafish.
Análises de microscopia de fluorescência de raios X com luz síncrotron (SXRF) dos embriões de zebrafish após exposição à nanoplataforma por 72 horas. (A) Imagem de microscopia óptica dos embriões; (B) Imagem de SXRF dos embriões demonstrando a acumulação da nanoplataforma no trato intestinal; e (C) Intensidade de fluorescência de raios-X ao longo da linha branca indicada em (B), demonstrando a co-localização espacial dos elementos Fe e Gd no trato intestinal dos embriões de zebrafish.

As análises por SXRF mostraram que as nanoplataformas tinham se acumulado nos embriões em função do tempo de exposição, com concentrações maiores no trato gastrointestinal no caso dos embriões que já tinham a boca desenvolvida – um resultado que pode ser significativo, por exemplo, no contexto de aplicações na área de saúde envolvendo a ingestão das nanoplataformas por via oral.

O estudo foi realizado no contexto de um projeto de pós-doutorado do bolsista Latif Ullah Khan, também autor correspondente do artigo. A realização do projeto, afirma Martinez, foi possível graças à disponibilidade de competências e facilidades nos laboratórios multiusuários do CNPEM. Entretanto, parcerias com outros laboratórios também foram fundamentais, acrescenta o pesquisador do CNPEM. Na Unicamp, o grupo do professor Marcelo Knobel realizou os estudos de magnetometria. Na USP, os grupos dos professores Hermi Felinto Brito e Magnus Gidlund fizeram os estudos de luminescência e funcionalização. Finalmente, o professor Diego Muraca (Unicamp) e o pesquisador Jefferson Bettini (CNPEM) contribuíram com a caracterização estrutural e morfológica por técnicas de microscopia eletrônica de transmissão.

“Este artigo surgiu com a união da experiência de diferentes grupos brasileiros; um trabalho interdisciplinar na fronteira do conhecimento em nanobiotecnologia e nanotoxicologia”, diz Martinez, acrescentando que um dos principais desafios do trabalho foi a integração de conhecimentos e técnicas de diferentes áreas, como Materiais, Biologia e Toxicologia, no qual atuaram como coordenadores ele mesmo e Carlos Pérez.

Autores principais do artigo. A partir da esquerda: Latif Khan, Carlos Pérez e Diego Stéfani Martinez.
Autores principais do artigo. A partir da esquerda: Latif Khan, Carlos Pérez e Diego Stéfani Martinez.

O estudo contou com apoio financeiro das agências brasileiras CAPES (inclusive por meio do acordo CAPES-CNPEM), FAPESP e CNPq (inclusive por meio do INCT-Inomat); do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) por meio do SisNANO, e The World Academy of Sciences for the advancement of science in developing countries (TWAS). O estudo também contou com apoio financeiro do Centro Brasil-China Pesquisa e Inovação em Nanotecnologia (CBC-Nano).

Aplicações: biotecnologia, saúde e meio ambiente

De acordo com Martínez, a nanoplataforma desenvolvida abre perspectivas para aplicações em biotecnologia, saúde e meio ambiente, como, por exemplo, sistemas para imageamento de tecidos biológicos e células, kits para diagnósticos médicos e sistemas para detecção e remediação de poluentes ambientais.

As aplicações aproveitariam o interessante conjunto de propriedades da nanoplataforma. Por ser magnéticas, usando um ímã externo, as nanoplataformas poderiam ser direcionadas e retidas em determinado tecido biológico ou isoladas de, por exemplo, sangue ou águas contaminadas. Além disso, a luminescência do nanomaterial permitiria a visualização das nanoplataformas dentro dos tecidos biológicos e células de interesse. Finalmente, a presença de quitosana propiciaria a ligação química de fármacos e outras moléculas que serviriam ao diagnóstico e/ou tratamento de doenças. “Todavia, ainda é preciso muitos estudos para aplicações reais e comercialização desta nanoplataforma, uma vez que se trata de um novo material e que precisa ser testado em diferentes modelos futuramente”, esclarece Martinez.

Sócio da SBPMat é distinguido com título de Professor Honoris Causa da UFC.

Prof. Oswaldo Luiz Alves
Prof. Oswaldo Luiz Alves

O professor Oswaldo Luiz Alves (IQ – UNICAMP), sócio da SBPMat, foi agraciado com o título de Professor Honoris Causa da Universidade Federal do Ceará (UFC). O título lhe foi outorgado pelo Conselho Universitário da instituição no dia 17 de dezembro de 2018. Além de ser professor titular da UNICAMP, Alves é docente colaborador do Programa de Pós-Graduação em Física da UFC há mais de 30 anos.

Em outubro de 2018, o professor Alves recebeu mais uma importante distinção, a admissão na Ordem Nacional do Mérito Científico na classe Grã-Cruz.

Artigo em destaque: Pontos quânticos com regras únicas.

O artigo científico com participação (liderança) de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é: Evidence of Band-Edge Hole Levels Inversion in Spherical CuInS2 Quantum Dots. Gabriel Nagamine, Henrique B. Nunciaroni, Hunter McDaniel, Alexander L. Efros, Carlos H. de Brito Cruz, and Lazaro A. Padilha. Nano Lett., 2018, 18 (10), pp 6353–6359. DOI: 10.1021/acs.nanolett.8b02707.

Pontos quânticos com regras únicas

glossarioUm trabalho liderado por pesquisadores da Unicamp revelou surpreendentes novidades sobre as regras que determinam os níveis de energia dos elétrons em pontos quânticos de dissulfeto de cobre e índio (CuInS2), os quais se destacam na família dos pontos quânticos por serem atóxicos. O trabalho foi recentemente reportado no periódico científico Nano Letters (fator de impacto 12,08).

Os resultados do estudo, confirmados por métodos experimentais e teóricos, mostraram uma situação na estrutura de bandas de energia que nunca antes tinha sido observada em outros materiais.

Diagrama simplicado da estrutura de bandas de um semiconductor. https://en.wikipedia.org/wiki/Valence_and_conduction_bands#/media/File:Semiconductor_band_structure_(lots_of_bands_2).svg
Diagrama simplicado da estrutura de bandas de um semiconductor. Link da fonte.

A estrutura de bandas é um modelo científico bem estabelecido que mostra quais estados ou níveis de energia os elétrons podem ocupar em um determinado material. Esses estados de energia são representados em forma de bandas permitidas (aquelas que os elétrons podem atingir) e bandas proibidas (aquelas em que os elétrons não podem ser encontrados).

Em semicondutores, as bandas de energia que são permitidas para um elétron e que determinam as propriedades de um material são a banda de valência e a de condução. Ambas estão separadas por uma banda proibida (band gap). Para que elétrons “pulem” da banda de valência à de condução, transpondo a banda proibida num processo denominado transição, é necessário que recebam energia extra, o que pode ocorrer quando o material absorve fótons. Ao perderem energia, esses elétrons podem voltar a ocupar seus lugares na banda de condução, e a energia excedente pode ser emitida em forma de fótons (luz). Essa emissão de luz decorrente da absorção de fótons é conhecida como fotoluminescência.

Foto dos estudantes Gabriel Nagamine (na frente) e Henrique Nunciaroni, os dois primeiros autores do paper, trabalhando no laboratório.
Foto dos estudantes Gabriel Nagamine (na frente) e Henrique Nunciaroni, os dois primeiros autores do paper, trabalhando no laboratório.

Fazendo experimentos no Laboratório de Fenômenos Ultrarrápidos do Instituto de Física Gleb Wataghin (UNICAMP), os pesquisadores brasileiros descobriram que os pontos quânticos que estavam estudando não seguiam as mesmas regras de transição que os demais materiais e nanomateriais semicondutores. “De forma geral, em semicondutores, bulk ou nanoestruturados, os estados que formam o topo da banda de valência e o fundo da banda de condução são tais que uma transição entre esses estados, por absorção de um fóton, é permitida”, contextualiza Lázaro Aurélio Padilha Junior, professor da UNICAMP e autor correspondente do artigo. “O que mostramos foi que, no material estudado (pontos quânticos de CuInS2), essa transição é proibida por absorção de um fóton, sendo necessária a interação com dois fótons para que essa transição ocorra. Até onde sabemos, esse é o primeiro sistema semicondutor que apresenta essa inversão de estados”, conta Padilha.

A descoberta, além de mostrar que as normas que regem os estados dos elétrons em semicondutores não valem para todos os materiais, pode ter impacto nas aplicações dos pontos quânticos estudados. De acordo com Padilha, as condições descobertas favorecem a emissão simultânea de dois fótons no material quando os elétrons voltam à banda de condução. “Isso poderia ser atrativo para sistemas lasers que emitiriam luz em duas cores distintas ao mesmo tempo, e com ajuste de cor em uma larga faixa espectral”, diz o professor. Além disso, acrescenta Gabriel Nagamine, primeiro autor do artigo, entender a estrutura de bandas do material pode melhorar o desempenho de aplicações já existentes, como os concentradores solares luminescentes – uma tecnologia que podem ser utilizadas tanto para gerar energia elétrica a partir da luz solar quanto para aumentar a produção de alimentos em estufas. “Todas essas aplicações advêm das características únicas das bandas eletrônicas desses materiais”, diz Nagamine.

História de um resultado experimental teoricamente anunciado

A história desta descoberta remonta ao ano de 2015, quando o professor Padilha, que trabalha com pontos quânticos desde 2010, seu aluno de mestrado Gabriel Nagamine e outros membros do grupo de pesquisa decidiram investir esforços em estudar os pontos quânticos de CuInS2. “Esse material chamou nossa atenção por não possuir metal pesado em sua composição, o que o tornava interessante para aplicações em Biologia e Medicina, como, por exemplo, marcadores biológicos fluorescentes”, conta Padilha. De fato, os pontos quânticos, que foram descobertos na década de 1980 e já estão presentes em produtos como telas de TV, apresentam propriedades muito interessantes para serem usados na detecção de doenças e outras aplicações na área de saúde, mas quase todos eles são tóxicos devido a sua composição química.

Esta figura mostra o espectro de absorção de dois fótons (pontos amarelos) e o espectro de absorção de um fóton (línea azul) em pontos quânticos de CuInS2 esféricos. As setas indicam os picos de absorção de dois fótons (setas amarelas) e de um fóton (seta azul). No canto superior esquerdo, há uma imagem de microscopia eletrônica de transmissão mostrando um dos pontos quânticos.
Espectro de absorção de dois fótons (pontos amarelos) e espectro de absorção de um fóton (línea azul) em pontos quânticos de CuInS2 esféricos. Setas: picos de absorção de dois fótons (setas amarelas) e de um fóton (seta azul). No canto superior esquerdo, imagem de MET mostrando um dos pontos quânticos.

A equipe da UNICAMP fez então uma colaboração com a empresa UbiQD, localizada em Los Álamos (Estados Unidos) e especializada na produção de pontos quânticos, pela qual a firma forneceu amostras de pontos quânticos esféricos e piramidais. A caracterização das amostras foi realizada parcialmente na empresa e também no Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano) do CNPEM, na cidade de Campinas (SP, Brasil).

Inicialmente, Padilha e sua equipe se propuseram a investigar quão forte era a absorção de dois fótons no material escolhido, já que esse processo óptico permite fazer imagens tridimensionais de material, que podem ser muito úteis na sua caracterização e também em sua aplicação em diversas áreas. Para isso, no início de 2016, a equipe realizou os experimentos principais do trabalho no IFGW-UNICAMP usando uma técnica de espectroscopia que permite detectar emissão de luz proveniente da absorção de dois fótons. “As primeiras medidas revelaram um pico de absorção de dois fótons a energias menores que as da absorção linear – fato nunca antes observado experimentalmente”, conta Padilha. “Achamos que poderia ser algum problema em nossa fonte laser e repetimos o experimento, obtendo os mesmos resultados”, relata. Esses resultados, que são exibidos na figura ao lado, surgiram dos experimentos realizados com pontos quânticos esféricos. Já nas amostras de pontos quânticos com formato de pirâmide, a predominância da absorção de dois fótons não foi observada.

Em maio do mesmo ano, Padilha encontrou-se com o Dr. Alexander Efros, do National Research Laboratory (EUA) em uma conferência na Coréia do Sul. “Ele, que é um dos mais respeitados teóricos que trabalham com estrutura eletrônica de pontos quânticos semicondutores, mencionou que havia feito uns cálculos que previam uma inversão na paridade dos estados nesses nanomateriais. Imediatamente notamos que eu tinha provado a teoria dele”, relata o professor da UNICAMP. Os cientistas começaram então a trabalhar juntos e a tentar entender outros aspectos do problema, até submeter o artigo à Nano Letters. O paper foi aceito em menos de dois meses.

A pesquisa que originou o artigo faz parte da dissertação de mestrado de Gabriel Nagamine, defendida em 2017 pelo IFGW-UNICAMP, e recebeu apoio financeiro de agências brasileiras de apoio à pesquisa (a paulista FAPESP e a federal CNPq), do serviço de apoio ao estudante (SAE) da UNICAMP e do Office of Naval Research (Estados Unidos).

Cientista em destaque: entrevista com Fernando Galembeck, que proferirá a palestra memorial no XVII Encontro da SBPMat (reedição atualizada de entrevista de maio de 2015).

Fernando Galembeck.
Fernando Galembeck.

Em Fernando Galembeck, o interesse por pesquisa começou a se manifestar na adolescência, quando percebeu o valor econômico do conhecimento científico enquanto trabalhava na empresa do segmento farmacêutico do pai. Hoje, com 75 anos, Fernando Galembeck pode olhar para sua própria trajetória científica e contar muitas histórias de geração e aplicação de conhecimento.

Sócio fundador da SBPMat, Galembeck foi escolhido neste ano para proferir a Palestra Memorial Joaquim da Costa Ribeiro – distinção outorgada anualmente pela SBPMat a um pesquisador de trajetória destacada na área de Materiais. A honraria é também uma homenagem a Joaquim da Costa Ribeiro, pioneiro da pesquisa experimental em Materiais no Brasil. A palestra, intitulada “Materiais para um futuro melhor”, ocorrerá na abertura do XVII Encontro da SBPMat, no dia 16 de setembro deste ano, e abordará temas como necessidades, escassez e promessas na área de Materiais.

Galembeck gradou-se em Química em 1964 pela Universidade de São Paulo (USP). Após a graduação, permaneceu na USP trabalhando como instrutor (1965-1980) e, simultaneamente, fazendo o doutorado em Química (1965-1970), no qual desenvolveu uma pesquisa sobre dissociação de uma ligação metal-metal. Depois do doutorado, realizou estágios de pós-doutorado nos Estados Unidos, nas universidades do Colorado na cidade de Denver (1972-3) e da Califórnia na cidade de Davis (1974), trabalhando na área de Físico-Química de sistemas biológicos. Em 1976, de volta à USP, teve a oportunidade de criar um laboratório de coloides e superfícies no Instituto de Química, dentro de um acordo que envolveu o Instituto, a Unilever, a Academia Brasileira de Ciências e a Royal Society. A partir desse momento, Galembeck foi se envolvendo cada vez mais com o desenvolvimento de novos materiais, especialmente os poliméricos, e seus processos de fabricação.

Em 1980, ingressou como docente na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde se tornou professor titular em 1988, cargo no qual permaneceu até sua aposentadoria em 2011. Desde então, é professor colaborador da instituição. Na Unicamp, ocupou cargos de gestão, notadamente o de vice-reitor da universidade, além de diretor do Instituto de Química e coordenador do seu programa de pós-graduação. Em julho de 2011, assumiu a direção do recém-criado Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano), no Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais (CNPEM), permanecendo no cargo até 2015.

Ao longo de sua carreira, exerceu funções de direção ou coordenação na Academia Brasileira de Ciências (ABC), Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCT), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Sociedade Brasileira de Química (SBQ), Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e Sociedade Brasileira de Microscopia e Microanálise (SBMM), entre outras entidades.

Bolsista de produtividade de nível 1A no CNPq, Galembeck é autor de cerca de 279 artigos científicos publicados em periódicos com revisão por pares, os quais contam com mais de 3.700 citações, além de 35 patentes depositadas e mais de 20 livros e capítulos de livros. Orientou quase 80 trabalhos de mestrado e doutorado.

Fernando Galembeck recebeu numerosos prêmios e distinções, entre eles o Prêmio Anísio Teixeira, da CAPES, em 2011; o Telesio-Galilei Gold Metal 2011, da Telesio-Galilei Academy of Science (TGAS); o Prêmio Almirante Álvaro Alberto de Ciência e Tecnologia 2006, do CNPq e Fundação Conrado Wessel; o Troféu José Pelúcio Ferreira, da Finep, em 2006; a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico, em 2000, e a Comenda Nacional do Mérito Científico, em 1995, ambos da Presidência da República. Também recebeu uma série de reconhecimentos de empresas e associações científicas e empresariais, como a CPFL, Petrobrás, Union Carbide do Brasil, Associação Brasileira dos Fabricantes de Tintas, Associação Brasileira da Indústria Química, Sindicato da Indústria de Produtos Químicos para fins Industriais do Estado do Rio de Janeiro, Associação Brasileira de Polímeros, Sociedade Brasileira de Química (que criou o Prêmio Fernando Galembeck de Inovação Tecnológica), Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo e da Electrostatic Society of America.

O cientista é fellow da TWAS (The World Academy of Sciences) desde 2010 e da Royal Society of Chemisty desde 2014.

Nesta entrevista, você poderá conhecer um pouco mais sobre este pesquisador brasileiro e o trabalho dele.

Boletim da SBPMat: – Conte-nos o que o levou a se tornar um cientista e a trabalhar em temas da área de Materiais.

Fernando Galembeck: – Meu interesse pela atividade de pesquisa começou na minha adolescência quando eu percebi a importância do conhecimento novo, da descoberta. Eu percebi isso quando trabalhava, depois das aulas, no laboratório farmacêutico do meu pai e eu via a importância que tinham os produtos mais novos, os mais recentes. Eu via também como pesava economicamente para o laboratório o fato de depender de matérias-primas importadas que não eram fabricadas no Brasil, e que no país não havia competência para produzir. Aí percebi o valor do conhecimento novo, a importância que tinha e o significado econômico e estratégico das descobertas.

Isso se incrementou quando eu fiz o curso de Química. Eu fui fazer o curso de Química porque um professor meu no colégio, Hermann Nabholz, sugeriu que eu procurasse uma carreira ligada à pesquisa. Ele deve ter percebido alguma inclinação, alguma tendência minha. E eu fiz o curso de Química na Faculdade de Filosofia, num ambiente em que a atividade de pesquisa era muito forte. Por causa disso eu resolvi fazer o doutorado na USP. Naquela época não havia ainda cursos de pós-graduação regulares no Brasil. O orientador com quem eu defendi a tese, o professor Pawel Krumholz, era um pesquisador muito bom e também tinha se destacado trabalhando em empresa. Ele foi diretor industrial da Orquima, uma empresa muito importante na época. Isso aumentou meu interesse por pesquisa.

Trabalhei em Química por alguns anos. Meu interesse por Materiais veio de uma situação curiosa. Eu estava praticamente me formando, nas férias do meu último ano da graduação. Estava num apartamento, depois do almoço, descansando. Lembro-me de ter olhado as paredes do apartamento e percebido que, com tudo que eu tinha aprendido no curso de Química, eu não tinha muito a dizer sobre as coisas que eu enxergava: a tinta, os revestimentos etc. Aquilo era Química, mas também eram Materiais, e naquela época não havia no curso de Química muito interesse por materiais. De fato, materiais se tornaram muito importantes em Química por causa dos plásticos e borrachas, principalmente, que nessa época ainda não tinham a importância que têm hoje. Estou falando de 1964, quando a petroquímica era praticamente inexistente, no Brasil

Bem, aí comecei a trabalhar em Físico-Química, depois trabalhei um pouco numa área mais voltada à Bioquímica, a Físico-Química Biológica, e, em 1976, recebi uma tarefa do Departamento na USP, que era a de instalar um laboratório de coloides e superfícies. Um dos primeiros projetos foi de modificação de superfície de plásticos, no caso, o teflon. E aí eu percebi que uma grande parte da Química de coloides e superfícies existia por causa de Materiais, porque ela se prestava para criar e desenvolver novos materiais. A partir daí eu fui me envolvendo cada vez mais com materiais, principalmente com polímeros, um pouco menos, com cerâmicos e, menos ainda, com metais.

Boletim da SBPMat: – Quais são, na sua própria avaliação, as suas principais contribuições à área de Materiais?

Fernando Galembeck: – Eu vou falar mais ou menos seguindo a história. Eu acho que o primeiro resultado importante na área de Materiais foi justamente uma técnica voltada à modificação de superfície de teflon, que é um material no qual é muito difícil alguma coisa grudar. Tanto que tem a expressão do “político teflon”, que é aquele em que nenhuma denúncia “gruda”. Só que, em determinadas situações, a gente quer conseguir adesão no teflon, para fazer algum equipamento. E por um caminho um pouco complicado, eu acabei percebendo que eu já sabia fazer uma modificação de teflon, mas que eu nunca tinha percebido que era importante. Eu conhecia o fenômeno; tinha observado ele durante meu trabalho de tese. Eu sabia que acontecia uma transformação do teflon. Mas foi quando estava visitando um laboratório da Unilever em 1976, conversando com um pesquisador, que eu percebi que havia gente se esforçando justamente para modificar a superfície do teflon e conseguir adesão. Aí, juntando o problema com a solução, logo que voltei ao Brasil tentei verificar se aquilo que eu tinha observado anteriormente realmente serviria, e deu certo. Isso deu origem à minha primeira publicação sozinho e a meu primeiro pedido de patente, numa época em que praticamente não se falava em patentes no Brasil, principalmente no ambiente universitário. Eu fiquei muito entusiasmado depois, quando fui procurado por empresas que tinham interesse em aproveitar aquilo que eu tinha feito; uma no próprio teflon, outra em outro polímero. Então eu me senti muito bem, porque tinha uma descoberta, tinha uma patente e tinha empresas que, pelo menos, queriam saber o que era para ver a possibilidade de utilizá-la. E mais uma coisa, logo depois da publicação do artigo eu recebi um convite para participar de um congresso nos Estados Unidos que abordava justamente a questão de modificação de superfícies. Superfícies de polímeros, de plásticos e borrachas passaram a ser um tema com o qual fiquei envolvido praticamente durante todo o resto da minha vida, até agora.

Eu vou mencionar um segundo fato, que até o momento não teve consequências do mesmo tipo. Eu descobri um método que permite fazer uma caracterização e uma separação de partículas muito pequenas. Foi um trabalho bastante interessante, que foi publicado, também gerou um depósito de patente, mas não teve uma consequência prática. Recentemente surgiram problemas ligados com nanopartículas, que é um assunto muito importante hoje em Materiais, e que representam uma possibilidade de aplicação daquilo que eu fiz há mais de 30 anos. O nome da técnica é osmossedimentação.

Em seguida veio um trabalho que fiz trabalhando em projetos junto com a Pirelli Cabos. Com essa história de superfícies e polímeros acho que eu tinha me tornado mais ou menos conhecido e fui procurado pela Pirelli, que me contratou como consultor em projetos que fiz na Unicamp. O resultado desses projetos que eu acho mais importante foi o desenvolvimento de um isolante para tensões elétricas muito altas. Esse não foi um trabalho só meu, mas sim de uma equipe bastante grande, da qual fiz parte. Tinha várias pessoas da Pirelli e várias na Unicamp. O resultado desse projeto foi que a Pirelli brasileira conseguiu ser contratada para fornecer os cabos de alta tensão do Eurotúnel, ainda nos anos 80. Eu acho que esse foi um caso bem importante que teve um produto e significou um resultado econômico importante. Aqui eu quero insistir que isso foi feito no Brasil, por uma equipe brasileira. A empresa não era brasileira, mas a equipe estava aqui.

Depois teve vários trabalhos feitos com nanopartículas, numa época em que a gente nem as chamava de nanopartículas; chamávamo-las de partículas finas ou simplesmente de partículas coloidais pequenas. O primeiro trabalho que eu publiquei sobre nanopartículas foi em 1978. Teve outras coisas feitas em seguida que, no fim, acabaram desaguando num trabalho sobre fosfato de alumínio, que deu origem a teses feitas no laboratório e publicações, e também foi licenciado por uma empresa do grupo Bunge, que explora, basicamente, fosfatos. O assunto começou em meu laboratório, ficou no laboratório por vários anos, depois uma empresa do grupo Bunge aqui no Brasil se interessou, passou a participar, nós colaboramos. Este se tornou um projeto bastante grande de desenvolvimento. A Bunge depois achou inviável tocar o projeto no Brasil e hoje está lá nos Estados Unidos. Eu acho uma pena que esteja lá, mas aí teve outras questões envolvidas, inclusive de desentendimento com a Unicamp, que é a titular das patentes. Recentemente, a empresa do grupo que trabalhava com esses fosfatos era a Amorphic Solutions, que oferecia o produto na Internet, para várias aplicações. Pelo que percebo, atualmente estão enfatizando o uso como material anticorrosivo para proteção de aço. Tenho informação recente de que a Bunge negociou os direitos sobre esses produtos com uma grande empresa do setor químico, mas não sei detalhes.

Mais ou menos na mesma época, num trabalho ligado também a nanopartículas, trabalhei no desenvolvimento de nanocompósitos de borracha natural com argilas. Isso foi licenciado por uma empresa brasileira chamada Orbys, que lançou um produto chamado Imbrik, que se mostrou vantajoso em rolos de borracha para fabricação de papel.

Outro caso de produto. Eu tinha feito um projeto com a Oxiteno, que fabrica matérias primas para látex, os tensoativos. Ela queria ter uma ideia de quanto se consegue mudar o látex mudando o tensoativo. Eu fiz um projeto com eles, que considero um dos mais interessantes daqueles em que estive envolvido. O resultado foi que percebemos que, mudando um pouco o tensoativo, nós mudávamos muito o látex. Esses látex são usados em tintas, adesivos, resinas. Então a gente via que tinham uma versatilidade enorme. Esse trabalho foi divulgado, foi publicado. Não deu patente porque foi um trabalho de entendimento. Entretanto, uma outra empresa, a Indústrias Químicas Taubaté (IQT) me procurou para fazer um látex catiônico, mas por um caminho novo. Látex catiônicos em geral são feitos com sais de amônio quaternários, os quais têm algumas restrições ambientais. A empresa queria uma alternativa que não tivesse essas restrições. No fim do projeto nós fizemos os látex catiônicos sem as restrições ambientais e a IQT colocou o produto no mercado.

Minha participação em um projeto da Marinha, de desenvolvimento de fibras de carbono, foi um grande desafio que me deu muita satisfação. Meu grupo participou sintetizando copolímeros de acrilonitrila, até a escala de dez litros. Os resultados foram transferidos para uma empresa que fez a produção em escala piloto, na antiga planta da Rhodia-Ster e Radicci, em São José dos Campos. O copolímero selecionado foi fiado e depois pirolisado, no Centro Tecnológico da Marinha, em São Paulo. Resultou uma fibra de carbono de alto desempenho, que foi usada na fabricação de centrífuga, usada em Aramar. O desafio era encontrar o copolímero que mostrasse bom desempenho nas etapas posteriores de produção da fibra, o que foi conseguido.

Teve outro caso, que também foi muito interessante, apesar de que acabou morrendo. Aqui no Brasil havia uma grande fabricante de polietileno tereftalato, o PET, que é usado para muitas coisas, inclusive para garrafas. Eles souberam do trabalho que eu tinha feito com nanocompósitos, aquele da Orbys que eu mencionei, e me procuraram querendo fazer nanocompósitos do PET. Nós tivemos que procurar escapar daquilo que já estava patenteado no exterior e conseguimos um caminho totalmente novo. A empresa chamava-se Rhodia-Ster, e foi vendida para uma outra empresa, italiana, chamada Mossi e Ghisolfi. A empresa se entusiasmou e acabou patenteando isso no Brasil, e, em seguida depois, no exterior. Numa certa altura, eles resolveram que iam tocar o trabalho internamente, e o fizeram durante alguns anos. Um dia o meu contato na empresa me telefonou para me dizer o seguinte: “Olha, nós estávamos trabalhando com duas tecnologias; uma era essa aí com a Unicamp e a outra, em outro país. As duas estão funcionando, mas agora a empresa chegou num ponto em que optou por completar o desenvolvimento de uma”. Quando se chega na fase final de um desenvolvimento de materiais, os custos dos projetos ficam muito altos. Tem que usar grandes quantidades de materiais, fazer muitos testes com clientes. Então, a empresa decidiu tocar uma das alternativas, que infelizmente não era aquela na qual eu tinha trabalhado. No fim das contas, foi um pouco frustrante, mas acho que foi interessante porque durante esse tempo todo, a empresa apostou bastante no caminho que a gente tinha iniciado aqui. Além disso, cada projeto desses significa recursos para o laboratório, significa dinheiro para contratar gente, empregos na Unicamp e na empresa, etc. Então, esses projetos acabam dando muitos benefícios, mesmo quando não chegam até o fim.

Agora, pulando alguns pedaços, vou chegar num resultado mais recente, do meu trabalho no CNPEM, onde estive até 2015. Um objetivo do CNPEM é o aproveitamento de materiais de fonte renovável para fazer materiais avançados. Tem toda uma filosofia por trás disso, relacionada ao esgotamento de recursos naturais, à sustentabilidade… Uma meta era fazer coisas novas com materiais derivados da biomassa, e o principal interesse está na celulose. Ela é o polímero mais abundante do mundo, mas é um polímero muito difícil de trabalhar. Você não consegue processar celulose como processa polietileno, por exemplo. Uma meta é plastificar a celulose; ou seja, trabalhar a celulose da forma mais parecida possível àquela que usamos para trabalhar com polímeros sintéticos. Um primeiro resultado dentro dessa ideia foi a criação de adesivos de celulose em que o único polímero é a própria celulose. Em seguida, já fora do CNPEM, obtivemos a esfoliação de grafite, o que gerou uma família de tintas, pastas e adesivos condutores, que são o objeto de um projeto PIPE recém-aprovado pela Fapesp.

Vários outros projetos foram feitos com empresas, em questões do interesse das empresas. Revestir uma coisa, colar outra, modificar um polímero para conseguir um certo resultado. Mas essas foram respostas a demandas das empresas, não foram pesquisas iniciadas no laboratório.

Boletim da SBPMat: – Deixe uma mensagem para nossos leitores que estão iniciando suas carreiras de cientistas.

Fernando Galembeck: – Em primeiro lugar, em qualquer carreira que a pessoa escolher, ela tem que ter uma dose de paixão. Não importa se a pessoa vai trabalhar no mercado financeiro, em saúde ou o que quer que ela vá fazer; antes de mais nada, o que manda é o gosto. A pessoa querer fazer uma carreira porque ela vai dar dinheiro, porque vai dar status… Eu acho que é ruim escolher assim. Se a pessoa fizer as coisas com gosto, com interesse, o dinheiro, o prestígio, o status virão, mas por outros caminhos. O objetivo é que a pessoa faça uma coisa que a deixe feliz, que se sinta bem fazendo o seu trabalho, que a deixe realizada. Isso vale não só para a carreira científica, mas para qualquer outra carreira também. Na científica, é fundamental.

Além disso, é preciso estar preparado para o trabalho duro. Não existe caminho fácil. Eu conheço pessoas jovens que procuram muito a grande sacada que vai lhes trazer sucesso com relativamente pouco trabalho. Bom, eu acho melhor não esperarem isso. Pode até acontecer, mas esperar isso é mais ou menos a mesma coisa do que esperar ganhar a Mega-Sena para ficar rico.

Eu já tenho 75 anos, conheci muita gente e vi muita coisa acontecer. Algo que me chama a atenção é o caso de jovens que pareciam muito promissores mas acabaram não dando muito certo. Francamente, eu penso que não é bom para um jovem dar muito certo muito cedo, porque eu tenho a impressão de que ele se acostuma com a ideia de que sempre vai dar certo. E o problema é que não tem nada, nem ninguém, nem nenhuma empresa que sempre dê muito certo. Sempre vai ter o momento do fracasso, o momento da frustação. Se a pessoa está preparada para isso, quando chega o momento, ela supera, enquanto outros são destruídos, não conseguem superar. Por isso tem que ter cuidado para não se iludir com o sucesso, achar que, porque deu certo uma vez, sempre dará certo. Tem que estar preparado para lutar.

Quando eu fiz faculdade, pensar em fazer pesquisa parecia uma coisa muito estranha, coisa de maluco. As pessoas não sabiam muito bem o que era isso nem por que uma pessoa iria fazer isso. Tinha gente que dizia que a pesquisa era como um sacerdócio. Eu trabalhei sempre com pesquisa, associada com ensino, associada com consultoria e, sem que eu nunca tenha procurado ficar rico, consegui ter uma situação econômica que eu acho muito confortável. Mas eu insisto, meu objetivo era fazer o desenvolvimento, fazer o material, não o dinheiro que eu iria ganhar. O dinheiro veio, ele vem. Então, eu sugiro que as pessoas focalizem o trabalho, os resultados e a contribuição que o trabalho delas pode dar para outras pessoas, para o ambiente, para a comunidade, para o país, para o conhecimento. O resto virá por acréscimo.

Resumindo, a minha mensagem é: trabalhem seriamente, dedicadamente e com paixão.

Finalmente, eu gostaria de dizer que acho que o trabalho de pesquisa, o trabalho de desenvolvimento ajuda muito a pessoa a crescer como pessoa. Ele afasta a pessoa de algumas ideias que não são muito proveitosas e a coloca dentro de atitudes que são importantes e realmente ajudam. Uma vez um estudante perguntou para Galileu: “Mestre, o que é o método? ”. A resposta de Galileu foi: “O método é a dúvida”. Eu acho que isso é muito importante em atividade de pesquisa, a qual, em Materiais, em particular, é especialmente interessante porque o resultado final é uma coisa que a gente pega na mão. Na atividade de pesquisa, a pessoa tem que estar o tempo todo se perguntando: “Eu estou pensando isto, mas será que estou pensando certo? ”, ou “Fulano escreveu aquilo, mas qual é a base do que ele escreveu? ”. Essa é uma atitude muito diferente da atitude dogmática, que é comum no domínio da política e da religião, e muito diferente da atitude da pessoa que tem que enganar, como o advogado do mafioso, do corrupto ou do traficante. O pesquisador tem que se comprometer com a verdade. Claro que também existem pessoas que se dizem pesquisadores e promovem a desinformação. Alguns anos atrás, falava-se de uma coisa chamada de “Bush science”, expressão que remete ao presidente Bush. “Bush science” eram os argumentos criados por pessoas que ganhavam dinheiro como cientistas e produziam argumentos para dar sustentação às políticas de Bush. Esse problema existe em ciência, e aí voltamos àquilo que falei no início. Uma pessoa não deve tornar-se cientista porque vai ganhar dinheiro, vai ter prestígio ou vai ser convidado para jantar com o presidente; ela tem que entrar nisto pelo interesse que ela tem pela própria ciência.


Para mais informações sobre este palestrante e a palestra plenária que ele proferirá no XVII Encontro da SBPMat/B-MRS Meeting, clique na foto do palestrante e no título da palestra: https://www.sbpmat.org.br/17encontro/home/

Artigo em destaque: Nanopartículas movediças para nanofios assimétricos.

O artigo científico com participação de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é: Exploring Au Droplet Motion in Nanowire Growth: A Simple Route toward Asymmetric GaP Morphologies. Bruno C. da Silva*, Douglas S. Oliveira, Fernando Iikawa, Odilon D. D. Couto Jr., Jefferson Bettini, Luiz F. Zagonel, and Mônica A. Cotta*. Nano Lett., 2017, 17 (12), pp 7274–7282. DOI: 10.1021/acs.nanolett.7b02770

Nanopartículas movediças para nanofios assimétricos.

Imagem de microscopia eletrônica de varredura de nanofios assimétricos de fosfeto de gálio (GaP).
Imagem de microscopia eletrônica de varredura de nanofios assimétricos de fosfeto de gálio (GaP).

Em artigo recentemente publicado no periódico NanoLetters (fator de impacto 12,712), uma equipe de cientistas do Brasil apresentou um processo que permite produzir nanofios semicondutores de morfologia assimétrica, distintos dos tradicionais nanofios cônicos ou cilíndricos. Vale lembrar que nanofios são estruturas com diâmetro ou espessura nanométrica e sem limitações de tamanho quanto ao comprimento.

“Nossa principal contribuição consiste em demonstrar uma alternativa para o controle da morfologia no crescimento de nanoestruturas semicondutoras tipo nanofio”, afirma Bruno César da Silva, autor correspondente do artigo. Essa possibilidade de se produzir, de forma controlada, nanofios com formatos diferenciados e sem defeitos, pode ter impacto em diversas aplicações, inclusive a fabricação de células solares e LEDs.

Os autores descobriram o processo enquanto estudavam a produção de nanofios que fossem interessantes para o desenvolvimento de dispositivos optoeletrônicos. Entre os candidatos promissores, os cientistas escolheram, pelas suas propriedades, nanofios de fosfeto de gálio (GaP) com uma determinada estrutura cristalina conhecida como wurtzita. O trabalho estava sendo realizado dentro do mestrado de Bruno da Silva, iniciado em 2014 com orientação dos professores Luiz Fernando Zagonel e Mônica Alonso Cotta, ambos do Instituto de Física Glew Wataghin (Unicamp). Nos primeiros meses de trabalho, enquanto analisavam os nanofios obtidos, os cientistas encontraram uma quantidade significativa de nanoestruturas de fosfeto de gálio com formato assimétrico. “Além disso, vimos que esses nanofios, especificamente, tinham estrutura cristalina hexagonal (wurtzita) e baixíssima densidade de defeitos cristalográficos, o que nos motivou a estudar posteriormente em detalhes as causas da formação desta estrutura singular”, relata da Silva.

box aplicaçõesA técnica escolhida pela equipe da Unicamp para produzir os nanofios foi a epitaxia por feixe químico (CBE, na sigla em inglês), precedida por um aquecimento (annealing) do substrato no qual crescem os nanofios. Na CBE, coloca-se, dentro de uma câmara, um substrato de material adequado – neste caso, arseneto de gálio (GaAs). Depois são introduzidos na câmara, compostos químicos em forma de vapor, contendo elementos do material com o qual se deseja formar os nanofios – neste caso, fosfeto de gálio. O material vai se depositando em cima do substrato, camada sobre camada. Dessa maneira, a técnica gera filmes. Para promover o crescimento de nanofios, depositam-se no substrato nanopartículas metálicas (neste caso, de ouro), antes de expô-lo ao vapor. Durante a exposição ao vapor, essas nanopartículas catalisadoras fazem com que o material se deposite preferencialmente debaixo delas, formando estruturas relativamente compridas.

Voltando à história do trabalho dos nanofios assimétricos, em 2016, defendido o mestrado e iniciado o doutorado, Bruno da Silva e sua orientadora Mônica Cotta começaram a levantar e testar hipóteses para a causa da formação dessas peculiares estruturas. Após diversos experimentos e análises, a dupla concentrou esforços num fenômeno que chamou a sua atenção: nos estágios iniciais do processo, as nanopartículas de ouro se deslocavam espontaneamente sobre o substrato. Nesse momento, os cientistas notaram que não eram os únicos curiosos por compreender o fenômeno das nanopartículas movediças; diferentes grupos de pesquisa no mundo estavam começando a investigá-lo.

Imagem de microscopia de força atômica de uma nanopartícula de ouro sobre substrato de GaAs evidenciando o rastro deixado pelo movimento da mesma.
Imagem de microscopia de força atômica de uma nanopartícula de ouro sobre substrato de GaAs evidenciando o rastro deixado pelo movimento da mesma.

A equipe brasileira empreendeu então um trabalho sistemático de aquecimento do substrato com nanopartículas catalisadoras e de crescimento de nanofios sob diversas condições, e analisou as amostras resultantes usando microscópios eletrônicos de varredura e de transmissão e microscópio de força atômica. Dessa maneira, a dupla e seus colaboradores do IFGW-Unicamp e do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano) conseguiram descobrir por que o processo de crescimento utilizado resultava em nanofios assimétricos. O principal responsável por gerar tal morfologia era, de fato, o movimento das nanopartículas de ouro, o qual se ativava termicamente com o tratamento térmico (annealing) inicial. Além ter uma explicação, a equipe possuía agora uma receita para produzir nanofios semicondutores de formato assimétrico. “Nosso trabalho foi o primeiro a mostrar que a instabilidade mecânica da nanopartícula catalisadora pode ser utilizada para modificar o crescimento de nanofios semicondutores, no nosso caso, impactando principalmente a sua morfologia”, diz Bruno da Silva.

O mecanismo de formação dos nanofios assimétricos apresentado no artigo é, em grandes linhas, o seguinte. Ao serem aquecidas junto ao substrato no tratamento térmico, as nanopartículas começam a se movimentar e avançam pelo substrato enquanto consomem a camada de óxido que naturalmente recobre o arseneto de gálio e consomem também parte do próprio arseneto de gálio em si. Assim, as nanopartículas vão formando sulcos assimétricos de poucos nanometros de profundidade e poucas centenas de nanometros de comprimento. Esses rastros tornam-se terra fértil para o crescimento dos nanofios, já que a taxa de deposição do material é maior ali do que no resto do “chão”, recoberto pelo óxido. Então, um pedestal se forma ao longo dos sulcos e, a partir do momento em que a nanopartícula se descola do substrato, o nanofio cresce em cima do pedestal num formato assimétrico.  “Mostramos que o movimento da partícula gera uma zona de deposição preferencial, e que a combinação deste fenômeno com o crescimento axial “vapor –líquido – sólido” leva à formação da assimetria no nanofio”, resume da Silva.

Além de descrever o mecanismo de formação dos nanofios assimétricos, o trabalho da equipe brasileira gerou conhecimento detalhado sobre o movimento das nanopartículas metálicas. “Nós mostramos que, além da temperatura, as condições de vácuo e a qualidade da superfície do substrato são cruciais para a estabilidade da nanopartícula, e que a direção do movimento está relacionada com a assimetria da dissolução de ouro em superfícies semicondutoras III-V”, detalha o doutorando.

O trabalho experimental que originou o artigo da Nano Letters foi realizado no Laboratório de Nano e Biossistemas do IFGW-Unicamp (síntese do material e caracterização por microscopia de força atômica), no Grupo de Propriedades Ópticas do IFGW-Unicamp (medidas ópticas), no Laboratório de Microscopia Eletrônica do Laboratório Nacional de Nanotecnologia do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (LNNano-CNPEM), e no Laboratório de Caracterização Estrutural do Departamento de Engenharia de Materiais da Universidade Federal de São Carlos (DEMA-UFSCAR). O trabalho contou com financiamento da Unicamp, por meio do fundo FAEPEX, das agências brasileiras federais CNPq e CAPES e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).