O artigo científico com participação de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é: Exploring Au Droplet Motion in Nanowire Growth: A Simple Route toward Asymmetric GaP Morphologies. Bruno C. da Silva*, Douglas S. Oliveira, Fernando Iikawa, Odilon D. D. Couto Jr., Jefferson Bettini, Luiz F. Zagonel, and Mônica A. Cotta*. Nano Lett., 2017, 17 (12), pp 7274–7282. DOI: 10.1021/acs.nanolett.7b02770
Nanopartículas movediças para nanofios assimétricos.
Em artigo recentemente publicado no periódico NanoLetters (fator de impacto 12,712), uma equipe de cientistas do Brasil apresentou um processo que permite produzir nanofios semicondutores de morfologia assimétrica, distintos dos tradicionais nanofios cônicos ou cilíndricos. Vale lembrar que nanofios são estruturas com diâmetro ou espessura nanométrica e sem limitações de tamanho quanto ao comprimento.
“Nossa principal contribuição consiste em demonstrar uma alternativa para o controle da morfologia no crescimento de nanoestruturas semicondutoras tipo nanofio”, afirma Bruno César da Silva, autor correspondente do artigo. Essa possibilidade de se produzir, de forma controlada, nanofios com formatos diferenciados e sem defeitos, pode ter impacto em diversas aplicações, inclusive a fabricação de células solares e LEDs.
Os autores descobriram o processo enquanto estudavam a produção de nanofios que fossem interessantes para o desenvolvimento de dispositivos optoeletrônicos. Entre os candidatos promissores, os cientistas escolheram, pelas suas propriedades, nanofios de fosfeto de gálio (GaP) com uma determinada estrutura cristalina conhecida como wurtzita. O trabalho estava sendo realizado dentro do mestrado de Bruno da Silva, iniciado em 2014 com orientação dos professores Luiz Fernando Zagonel e Mônica Alonso Cotta, ambos do Instituto de Física Glew Wataghin (Unicamp). Nos primeiros meses de trabalho, enquanto analisavam os nanofios obtidos, os cientistas encontraram uma quantidade significativa de nanoestruturas de fosfeto de gálio com formato assimétrico. “Além disso, vimos que esses nanofios, especificamente, tinham estrutura cristalina hexagonal (wurtzita) e baixíssima densidade de defeitos cristalográficos, o que nos motivou a estudar posteriormente em detalhes as causas da formação desta estrutura singular”, relata da Silva.
A técnica escolhida pela equipe da Unicamp para produzir os nanofios foi a epitaxia por feixe químico (CBE, na sigla em inglês), precedida por um aquecimento (annealing) do substrato no qual crescem os nanofios. Na CBE, coloca-se, dentro de uma câmara, um substrato de material adequado – neste caso, arseneto de gálio (GaAs). Depois são introduzidos na câmara, compostos químicos em forma de vapor, contendo elementos do material com o qual se deseja formar os nanofios – neste caso, fosfeto de gálio. O material vai se depositando em cima do substrato, camada sobre camada. Dessa maneira, a técnica gera filmes. Para promover o crescimento de nanofios, depositam-se no substrato nanopartículas metálicas (neste caso, de ouro), antes de expô-lo ao vapor. Durante a exposição ao vapor, essas nanopartículas catalisadoras fazem com que o material se deposite preferencialmente debaixo delas, formando estruturas relativamente compridas.
Voltando à história do trabalho dos nanofios assimétricos, em 2016, defendido o mestrado e iniciado o doutorado, Bruno da Silva e sua orientadora Mônica Cotta começaram a levantar e testar hipóteses para a causa da formação dessas peculiares estruturas. Após diversos experimentos e análises, a dupla concentrou esforços num fenômeno que chamou a sua atenção: nos estágios iniciais do processo, as nanopartículas de ouro se deslocavam espontaneamente sobre o substrato. Nesse momento, os cientistas notaram que não eram os únicos curiosos por compreender o fenômeno das nanopartículas movediças; diferentes grupos de pesquisa no mundo estavam começando a investigá-lo.
A equipe brasileira empreendeu então um trabalho sistemático de aquecimento do substrato com nanopartículas catalisadoras e de crescimento de nanofios sob diversas condições, e analisou as amostras resultantes usando microscópios eletrônicos de varredura e de transmissão e microscópio de força atômica. Dessa maneira, a dupla e seus colaboradores do IFGW-Unicamp e do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano) conseguiram descobrir por que o processo de crescimento utilizado resultava em nanofios assimétricos. O principal responsável por gerar tal morfologia era, de fato, o movimento das nanopartículas de ouro, o qual se ativava termicamente com o tratamento térmico (annealing) inicial. Além ter uma explicação, a equipe possuía agora uma receita para produzir nanofios semicondutores de formato assimétrico. “Nosso trabalho foi o primeiro a mostrar que a instabilidade mecânica da nanopartícula catalisadora pode ser utilizada para modificar o crescimento de nanofios semicondutores, no nosso caso, impactando principalmente a sua morfologia”, diz Bruno da Silva.
O mecanismo de formação dos nanofios assimétricos apresentado no artigo é, em grandes linhas, o seguinte. Ao serem aquecidas junto ao substrato no tratamento térmico, as nanopartículas começam a se movimentar e avançam pelo substrato enquanto consomem a camada de óxido que naturalmente recobre o arseneto de gálio e consomem também parte do próprio arseneto de gálio em si. Assim, as nanopartículas vão formando sulcos assimétricos de poucos nanometros de profundidade e poucas centenas de nanometros de comprimento. Esses rastros tornam-se terra fértil para o crescimento dos nanofios, já que a taxa de deposição do material é maior ali do que no resto do “chão”, recoberto pelo óxido. Então, um pedestal se forma ao longo dos sulcos e, a partir do momento em que a nanopartícula se descola do substrato, o nanofio cresce em cima do pedestal num formato assimétrico. “Mostramos que o movimento da partícula gera uma zona de deposição preferencial, e que a combinação deste fenômeno com o crescimento axial “vapor –líquido – sólido” leva à formação da assimetria no nanofio”, resume da Silva.
Além de descrever o mecanismo de formação dos nanofios assimétricos, o trabalho da equipe brasileira gerou conhecimento detalhado sobre o movimento das nanopartículas metálicas. “Nós mostramos que, além da temperatura, as condições de vácuo e a qualidade da superfície do substrato são cruciais para a estabilidade da nanopartícula, e que a direção do movimento está relacionada com a assimetria da dissolução de ouro em superfícies semicondutoras III-V”, detalha o doutorando.
O trabalho experimental que originou o artigo da Nano Letters foi realizado no Laboratório de Nano e Biossistemas do IFGW-Unicamp (síntese do material e caracterização por microscopia de força atômica), no Grupo de Propriedades Ópticas do IFGW-Unicamp (medidas ópticas), no Laboratório de Microscopia Eletrônica do Laboratório Nacional de Nanotecnologia do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (LNNano-CNPEM), e no Laboratório de Caracterização Estrutural do Departamento de Engenharia de Materiais da Universidade Federal de São Carlos (DEMA-UFSCAR). O trabalho contou com financiamento da Unicamp, por meio do fundo FAEPEX, das agências brasileiras federais CNPq e CAPES e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).