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Entre 6 e 10 de abril deste ano, o professor Roberto Mendonça Faria, presidente da nossa SBPMat, esteve em San Francisco (Califórnia, Estados Unidos), participando do “2015 MRS Spring Meeting”, um dos dois encontros anuais da Materials Research Society (MRS). Na ocasião, representando a SBPMat, o professor Faria realizou uma série de reuniões.
Numa delas, participaram o presidente, a vice-presidente e o diretor executivo da MRS, respectivamente, Oliver Kraft, Kristi S. Anseth e Todd M. Osman. Nessa reunião, os diretivos das duas sociedades acordaram a continuidade do contrato que disponibiliza as publicações da MRS aos sócios da SBPMat e discutiram formas de estabelecer colaborações entre os programas University Chapters de ambas as sociedades. Além disso, o presidente da SBPMat convidou os três diretivos da MRS a participarem do décimo quarto encontro da sociedade.
Em outra reunião, participaram, além do professor Faria, o professor Robert Chang, secretário geral da International Union of Materials Research Societies (IUMRS), e o professor José Alberto Giacometti, membro do Conselho da SBPMat. Os três professores definiram que serão coorganizadores do “simpósio U” do XIV Encontro da SBPMat, intitulado “Importance of social implications of nanotechnologies in Science popularization“. O simpósio já conta com dois palestrantes convidados: Guillermo Foladori (Universidad Autónoma de Zacatecas, México) e Noela Invernizzi (Universidade Federal do Paraná, Brasil). Na reunião, o professor Chang, que foi plenary speaker no XIII Encontro da SBPMat, confirmou sua presença no encontro deste ano.
Numa terceira reunião, o presidente da SBPMat conversou com representantes do Institute of Physics (IOP), e ambas as partes manifestaram o desejo de levar adiante o projeto da publicação “Science Impact”, a qual, de acordo com o professor Faria, está tendo uma excelente repercussão.
Em Fernando Galembeck, professor colaborador na Unicamp e diretor do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano) de 2011 a 2015, o interesse por pesquisa começou a se manifestar na adolescência, quando, trabalhando no laboratório farmacêutico do pai, percebeu a importância econômica que os novos produtos, resultantes de esforços de pesquisa científica, tinham na empresa. Hoje com 72 anos, Fernando Galembeck, olhando para sua própria trajetória científica, pode contar várias histórias nas quais o conhecimento gerado por ele junto a seus colaboradores, além de ser comunicado por meio de artigos científicos, teses e livros, plasmou-se em patentes licenciadas e produtos criados ou aprimorados.
Galembeck gradou-se em Química em 1964 pela Universidade de São Paulo (USP). Após a graduação, permaneceu na USP trabalhando como professor (1965-1980) e, simultaneamente, fazendo o doutorado em Química (1965-1970) com um trabalho de pesquisa sobre dissociação de uma ligação metal-metal. Depois do doutorado, realizou estágios de pós-doutorado nos Estados Unidos, nas universidades do Colorado na cidade de Denver (1972-3) e da Califórnia na cidade de Davis (1974), trabalhando na área de Físico-Química de sistemas biológicos. Em 1976, de volta à USP, teve a oportunidade de criar um laboratório de coloides e superfícies no Instituto de Química. A partir desse momento, Galembeck foi se envolvendo cada vez mais com o desenvolvimento de novos materiais, especialmente os poliméricos, e seus processos de fabricação.
Em 1980, ingressou como docente na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), onde se tornou professor titular em 1988, cargo no qual permaneceu até sua aposentadoria em 2011. Na UNICAMP ocupou cargos de gestão, notadamente o de vice-reitor da universidade, além de diretor do Instituto de Química e coordenador do seu programa de pós-graduação. Em julho de 2011 assumiu a direção do recém-criado LNNano, no Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais (CNPEM).
Ao longo de sua carreira, exerceu funções dirigentes na Academia Brasileira de Ciências (ABC), Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCT), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Sociedade Brasileira de Química (SBQ), Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e Sociedade Brasileira de Microscopia e Microanálise (SBMM), entre outras entidades.
Bolsista de produtividade de nível 1A no CNPq, Galembeck é autor de cerca de 250 artigos científicos publicados em periódicos internacionais com revisão por pares, os quais contam com mais de 2.300 citações, além de 29 patentes depositadas e mais de 20 livros e capítulos de livros. Orientou quase 80 trabalhos de mestrado e doutorado
Recebeu numerosos prêmios e distinções, entre eles o Prêmio Anísio Teixeira, da CAPES, em 2011; o Telesio-Galilei Gold Metal 2011, da Telesio-Galilei Academy of Science (TGAS); o Prêmio Almirante Álvaro Alberto de Ciência e Tecnologia 2006, do CNPq e Fundação Conrado Wessel; o Troféu José Pelúcio Ferreira, da Finep, em 2006; a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico, em 2000, e a Comenda Nacional do Mérito Científico, em 1995, ambos da Presidência da República. Também recebeu uma série de reconhecimentos de empresas e associações científicas e empresariais, como a CPFL, Petrobrás, Union Carbide do Brasil, Associação Brasileira dos Fabricantes de Tintas, Associação Brasileira da Indústria Química, Sindicato da Indústria de Produtos Químicos para fins Industriais do Estado do Rio de Janeiro, Associação Brasileira de Polímeros, Sociedade Brasileira de Química (que criou o Prêmio Fernando Galembeck de Inovação Tecnológica), Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo e da Electrostatic Society of America.
Segue uma entrevista com o cientista.
Boletim da SBPMat: – Conte-nos o que o levou a se tornar um cientista e a trabalhar em temas da área de Materiais.
Fernando Galembeck: – Meu interesse por atividade de pesquisa começou na minha adolescência quando eu percebi a importância do conhecimento novo, da descoberta. Eu percebi isso porque trabalhava, depois das aulas, no laboratório farmacêutico do meu pai e eu via a importância que tinham os produtos mais novos, os mais recentes. Eu via também como pesava economicamente para o laboratório o fato de depender de produtos importados que não eram fabricados no Brasil e que no país não havia competência para faze-los. Aí percebi o valor do conhecimento novo, a importância que tinha e o significado econômico e estratégico das descobertas.
Isso se incrementou quando eu fiz o curso de Química. Eu fui fazer o curso de Química porque um professor meu no colégio sugeriu que eu procurasse uma carreira ligada à pesquisa. Ele deve ter percebido alguma inclinação, alguma tendência minha. E eu fiz o curso de Química na Faculdade de Filosofia, num ambiente em que a atividade de pesquisa era muito forte. Por causa disso eu resolvi fazer o doutorado na USP. Naquela época não havia ainda cursos de pós-graduação regulares no Brasil. O orientador com quem eu defendi a tese, que foi o professor Pawel Krumholz, era um pesquisador muito bom e também tinha feito uma carreira muito importante trabalhando em empresa. Ele foi diretor industrial da Orquima, uma empresa muito importante na época. Isso aumentou meu interesse por pesquisa.
Trabalhei em Química por alguns anos e meu interesse por materiais veio de uma situação curiosa. Eu estava praticamente me formando, nas férias do meu último ano da graduação. Estava num apartamento, depois do almoço, descansando. Lembro-me de ter olhado as paredes do apartamento e percebido que, com tudo que eu tinha aprendido no curso de Química, eu não tinha muito a dizer sobre as coisas que eu enxergava: a tinta, os revestimentos etc. Aquilo era Química, mas também era Materiais, e naquela época não havia no curso de Química muito interesse por materiais. De fato, materiais se tornaram muito importantes em Química por causa dos plásticos e borrachas, principalmente, que nessa época ainda não tinham a importância que têm hoje. Estou falando de 1964, aproximadamente.
Bem, aí comecei a trabalhar em Físico-Química, depois trabalhei um pouco numa área mais voltada à Bioquímica, a Físico-Química Biológica, e, em 1976, recebi uma tarefa do Departamento na USP, que era a de instalar um laboratório de coloides e superfícies. Um dos primeiros projetos foi de modificação de superfície de plásticos, no caso, o teflon. E aí eu percebi que uma grande parte da Química de coloides e superfícies existia por causa de Materiais, porque ela se prestava para criar e desenvolver novos materiais. A partir daí eu fui me envolvendo cada vez mais com materiais, principalmente com polímeros, um pouco menos, com cerâmicos e, menos ainda, com metais.
Boletim da SBPMat: – Quais são, na sua própria avaliação, as suas principais contribuições à área de Materiais? Considere na sua resposta todos os aspectos da sua atividade profissional, inclusive os casos de transferência de conhecimento à indústria.
Fernando Galembeck: – Eu vou falar mais ou menos seguindo a história. Eu acho que o primeiro resultado importante na área de Materiais foi justamente uma técnica voltada à modificação de superfície de teflon, que é um material no qual é muito difícil alguma coisa grudar. Tanto que tem a expressão do “político teflon”, que é aquele em que nada que se joga gruda. Só que, em determinadas situações, a gente quer conseguir adesão no teflon, que determinada coisa grude. E por um caminho um pouco complicado, eu acabei percebendo que eu já sabia fazer uma modificação de teflon, mas que eu nunca tinha percebido que era importante. Eu conhecia o fenômeno; tinha observado ele durante minha defesa de tese. Eu sabia que acontecia uma transformação do teflon. Mas foi quando estava visitando um laboratório da Unilever em 1976, conversando com um pesquisador, que eu percebi que havia gente se esforçando para modificar a superfície do teflon e conseguir adesão. Aí, juntando o problema com a solução, logo que voltei ao Brasil tentei verificar se aquilo que eu tinha observado anteriormente realmente serviria, e deu certo. Isso deu origem à minha primeira publicação sozinho e a meu primeiro pedido de patente, numa época em que praticamente não se falava em patentes no Brasil, principalmente no ambiente universitário. Eu fiquei muito entusiasmado com o seguinte: fui procurado por empresas que tinham interesse em aproveitar aquilo que eu tinha feito; uma no próprio teflon, outra em outro polímero. Então eu me senti muito bem, porque tinha uma descoberta, tinha uma patente e tinha empresas que, pelo menos, queriam saber o que era para ver a possibilidade de utilizá-la. E mais uma coisa, logo depois da publicação do artigo eu recebi um convite para participar de um congresso nos Estados Unidos que abordava justamente a questão de modificação de superfícies. Superfícies de polímeros, de plásticos e borrachas, foi um assunto com o qual fiquei envolvido praticamente durante todo o resto da minha vida, até agora.
Eu vou mencionar um segundo fato, que até o momento não teve consequências do mesmo tipo. Eu descobri um método que permite fazer uma caracterização e uma separação de partículas muito pequenas. Foi um trabalho bastante interessante. Isso foi publicado, também gerou um depósito de patente, mas não teve uma consequência prática. Recentemente surgiram problemas ligados com nanopartículas, que é um assunto muito importante hoje em Materiais, e que representam uma possibilidade de aplicação daquilo que eu fiz há mais de 30 anos. O nome da técnica é osmossedimentação.
Em seguida veio um trabalho que fiz trabalhando em projetos junto com a Pirelli cabos. Com essa história de superfícies e polímeros acho que eu tinha me tornado mais ou menos conhecido e fui procurado pela Pirelli, que me contratou como consultor e também contratou projetos que fiz na Unicamp. Um resultado desses projetos, que eu acho mais importante, foi o desenvolvimento de um isolante para tensões elétricas muito altas. Esse não foi um trabalho só meu, mas sim de uma equipe bastante grande, da qual fiz parte. Tinha várias pessoas da Pirelli e várias na Unicamp. O resultado desse projeto foi que a Pirelli brasileira conseguiu ser contratada para fornecer os cabos de alta tensão do Eurotúnel, ainda nos anos 80. Eu acho que esse foi um caso bem importante que teve um produto e significou um resultado econômico importante. Aqui eu quero insistir que isso foi feito no Brasil, por uma equipe brasileira. A empresa não era brasileira, mas a equipe estava aqui.
Depois teve vários trabalhos feitos com nanopartículas, numa época em que a gente nem as chamava de nanopartículas; chamávamo-las de partículas finas ou simplesmente de partículas coloidais pequenas. O primeiro trabalho que eu publiquei sobre nanopartículas foi em 1978. Teve outras coisas feitas em seguida que, no fim, acabaram desaguando num trabalho sobre fosfato de alumínio, que deu origem a teses feitas no laboratório e publicações, e também foi licenciado por uma empresa chamada Amorphic Solutions, do grupo Bunge, que explora, basicamente, fosfato de alumínio. O assunto começou em meu laboratório, ficou no laboratório por vários anos, depois uma empresa do grupo Bunge aqui no Brasil se interessou, passou a participar, nós colaboramos. Isso se tornou um projeto bastante grande de desenvolvimento. A Bunge depois achou inviável tocar o projeto no Brasil e hoje está lá nos Estados Unidos. Eu acho uma pena que esteja lá, mas aí teve outras questões envolvidas, inclusive de desentendimento com a Unicamp, que é a titular das patentes. Se olhar a página da Amorphic Solutions na Internet você poderá ver várias aplicações do produto. Pelo que percebo, atualmente estão enfatizando o uso como material anticorrosivo para proteção de aço.
Mais ou menos na mesma época, num trabalho ligado também a nanopartículas, teve o desenvolvimento de nanocompósitos de borracha natural com argilas. Isso foi licenciado por uma empresa brasileira chamada Orbys, que lançou um produto chamado Imbrik, que é um produto que a empresa fornece, por exemplo, para fazer rolos de borracha para fabricação de papel.
Outro caso de produto. Eu tinha feito um projeto com a Oxiteno, que fabrica matérias primas para látex, os tensoativos. Ela queria ter uma ideia de quanto se consegue mudar o látex mudando o tensoativo. Eu fiz um projeto com eles, que considero um dos mais interessantes daqueles em que estive envolvido. O resultado foi que percebemos que, mudando um pouco o tensoativo, nós mudávamos muito o látex. Esses látex são usados em tintas, adesivos, resinas. Então a gente via que tinham uma variabilidade enorme. Esse trabalho foi divulgado, foi publicado. Não deu patente porque foi um trabalho de entendimento. Então, uma outra empresa, a Indústrias Químicas Taubaté (IQT) me procurou para fazer um látex catiônico, mas por um caminho novo. Látex catiônicos em geral são feitos com sais de amônio quaternários, os quais têm algumas restrições ambientais. A empresa queria uma alternativa que não tivesse essas restrições. No fim do projeto nós fizemos os látex catiônicos sem as restrições ambientais e a IQT colocou o produto no mercado.
Teve outro caso, que também foi muito interessante, apesar de que acabou morrendo. Aqui no Brasil havia uma grande fabricante de polietileno tereftalato, o PET, que é usado para muitas coisas, inclusive para garrafas. Eles souberam do trabalho que eu tinha feito com nanocompósitos, aquele da Orbys que eu mencionei, e me procuraram querendo fazer nanocompósitos do PET. Nós tivemos que procurar escapar daquilo que já estava patenteado no exterior e conseguimos um caminho totalmente novo. A empresa chamava-se Rhodia-Ster, e hoje ela faz parte de uma outra empresa, italiana, chamada Mossi e Ghisolfi. A empresa se entusiasmou e acabou patenteando isso no Brasil, e, em seguida depois, no exterior. Numa certa altura, eles resolveram que iam tocar o trabalho internamente, e o fizeram durante alguns anos. Um dia o meu contato na empresa me telefonou para me dizer o seguinte: “Olha, nós estávamos trabalhando com duas tecnologias; uma era essa aí com a Unicamp e a outra, em outro país. As duas estão funcionando, mas agora a empresa chegou num ponto em que optou por completar o desenvolvimento de uma”. Quando chegam na fase final de um desenvolvimento de materiais, os custos dos projetos ficam muito altos. Tem que usar grandes quantidades de materiais, fazer muitos testes com clientes. Então, a empresa decidiu tocar uma, que infelizmente não era aquela na qual eu tinha trabalhado. No fim das contas, foi um pouco frustrante, mas acho que foi interessante porque durante esse tempo todo, a empresa apostou bastante no caminho que a gente tinha iniciado aqui. Além disso, cada projeto desses significa recursos para o laboratório, significa dinheiro para contratar gente, empregos etc. Então, esses projetos acaba dando muitos benefícios, mesmo quando não chegam até o fim.
Agora, pulando alguns pedaços, vou chegar no último resultado, que é bem recente, de depois que eu sai da Unicamp e vim para o CNPEM. Um objetivo do CNPEM é o aproveitamento de materiais de fonte renovável para fazer materiais avançados. Tem toda uma filosofia por trás disso, relacionada ao esgotamento de recursos naturais, à sustentabilidade… Nós temos trabalhado bastante para conseguir fazer coisas novas com materiais derivados da biomassa, e o principal interesse está na celulose. Ela é o polímero mais abundante do mundo, mas é um polímero muito difícil de trabalhar. Você não consegue processar celulose como processa polietileno, por exemplo. Uma de nossas metas tem sido procurar formas de plastificar a celulose; ou seja, trabalhar a celulose da forma mais parecida possível àquela que usamos para trabalhar com polímeros sintéticos. Um resultado recente dentro dessa ideia é que nós conseguimos fazer adesivos de celulose em que o único polímero é a própria celulose, o que é uma coisa nova. Foi depositado um pedido de patente no começo do ano, nós estamos submetendo isso agora para publicação e pretendemos trabalhar com empresas interessadas no assunto. Já estamos discutindo um projeto para uma aplicação específica dessa celulose modificada, com uma empresa.
Esse é o caso mais recente. No meio do caminho, vários outros projetos foram feitos com empresas, em questões do interesse das empresas. Revestir uma coisa, colar outra, modificar um polímero para conseguir um certo resultado. Mas essas foram respostas a demandas das empresas, não foram pesquisas iniciadas no laboratório.
Boletim da SBPMat: – Deixe uma mensagem para nossos leitores que estão iniciando suas carreiras de cientistas.
Fernando Galembeck: – Em primeiro lugar, em qualquer carreira que a pessoa escolher, ela tem que ter uma dose de paixão. Não importa se a pessoa vai trabalhar no mercado financeiro, em saúde ou o que quer que ela vá fazer; antes de mais nada, o que manda é o gosto. A pessoa querer fazer uma carreira porque ela vai dar dinheiro, porque vai dar status… Eu acho que é ruim escolher assim. Se a pessoa fizer as coisas com gosto, com interesse, o dinheiro, o prestígio, o status virão por outros caminhos. O objetivo é que a pessoa faça uma coisa que a deixe feliz, que se sinta bem fazendo-a, que a deixe realizada. Isso vale não só para a carreira científica, mas para qualquer outra carreira também. Na científica, é fundamental.
Outra coisa é que tem que estar preparado para o trabalho duro. Não existe caminho fácil. Eu conheço pessoas jovens que procuram muito a grande sacada que vai lhes trazer sucesso com relativamente pouco trabalho. Bom, eu acho melhor não esperarem isso. Pode até acontecer, mas esperar isso é mais ou menos a mesma coisa do que esperar ganhar a Mega-Sena para ficar rico.
Eu já tenho mais de 70 anos, então já vi muita gente e muita coisa acontecer. Algo que me chama a atenção é como jovens que pareciam muito promissores acabam não dando muito certo. Francamente, eu penso que uma coisa que não é boa é um jovem dar certo muito cedo, porque eu tenho a impressão de que ele acostuma com a ideia de que sempre vai dar certo. E o problema é que não tem nada, nem ninguém, nem nenhuma empresa que sempre dê muito certo. Sempre vai ter o momento do fracasso, o momento da frustação. Se a pessoa está preparada para isso, quando chega o momento, ela supera, enquanto outros são destruídos – não conseguem superar. Por isso tem que ter cuidado para não se iludir com o sucesso, achar que, porque deu certo uma vez, sempre dará certo. Tem que estar preparado para lutar.
Quando eu fiz faculdade, pensar em fazer pesquisa parecia uma coisa muito estranha, coisa de maluco. As pessoas não sabiam muito bem o que era isso nem por que uma pessoa iria fazer isso. Tinha gente que dizia que a pesquisa era como um sacerdócio. Eu trabalhei sempre com pesquisa, associada com ensino, associada com consultoria e, sem que eu nunca tenha procurado ficar rico, consegui ter uma situação econômica que eu acho que é muito confortável. Mas eu insisto, meu objetivo era fazer o desenvolvimento, fazer o material, não o dinheiro que eu iria ganhar. O dinheiro veio, ele vem. Então, eu sugiro que as pessoas focalizem o trabalho, os resultados e a contribuição que o trabalho delas pode dar para outras pessoas, para o ambiente, para a comunidade, para o país, para o conhecimento. O resto virá por acréscimo.
Resumindo, a minha mensagem é: trabalhem seriamente, dedicadamente e com paixão.
Finalmente, eu gostaria de dizer que acho que o trabalho de pesquisa, o trabalho de desenvolvimento ajuda muito a pessoa a crescer como pessoa. Ele afasta a pessoa de algumas ideias que não são muito proveitosas e bota a pessoa dentro de atitudes que são importantes e realmente ajudam. Uma vez um estudante perguntou para Galileu: “Mestre, o que é o método?”. A resposta de Galileu foi: “O método é a dúvida”. Eu acho que isso é muito importante em atividade de pesquisa, a qual, em Materiais, em particular, é especialmente interessante porque o resultado final é uma coisa que a gente pega na mão. Na atividade de pesquisa a pessoa tem que estar o tempo todo se perguntando: “Eu estou pensando isto, mas será que estou pensando certo?”, ou “Fulano escreveu aquilo, mas qual é a base do que ele escreveu?”. Essa é uma atitude muito diferente da atitude dogmática, que é comum no domínio da política e da religião, e muito diferente da atitude da pessoa que tem que enganar, como o advogado do mafioso ou do traficante. O pesquisador tem que se comprometer com a verdade. Claro que também existem pessoas que se dizem pesquisadores e promovem a desinformação. Alguns anos atrás, falava-se de uma coisa chamada de “Bush science”, expressão que remete ao presidente Bush. A “Bush science” eram os argumentos criados por pessoas que ganhavam dinheiro como cientistas, mas que produziam argumentos para dar sustentação às políticas de Bush. Ou seja, o problema existe em ciência também, mas aí voltamos àquilo que falei no início. A pessoa não pode entrar nisto porque vai ganhar dinheiro, vai ter prestígio ou vai ser convidado para jantar com o presidente; ela tem que entrar nisto pelo interesse que ela tem pelo próprio assunto.
O artigo científico com participação de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é: Mechanisms of optical losses inthe 5D4 and 5D3 levels in Tb3+ doped low silica calcium aluminosilicate glasses. J. F. M. dos Santos, I. A. A. Terra, N. G. C. Astrath, F. B. Guimarães, M. L. Baesso, L. A. O. Nunes and T. Catunda. J. Appl. Phys. 117, 053102 (2015). DOI: 10.1063/1.4906781.
Revelando segredos da luminescência de um íon lantanídeo.
Uma equipe de cientistas de instituições brasileiras avançou na compreensão de mecanismos que limitam a eficiência da emissão de luz em materiais dopados com íon de térbio trivalente (Tb3+). Esse íon, do grupo das terras raras e subgrupo dos materiais lantanídeos, apresenta emissões luminescentes desde o ultravioleta até o infravermelho, sendo particularmente interessante, por seu interesse tecnológico, a sua intensa emissão verde, de cerca de 545 nm de comprimento de onda.
Alguns anos atrás, por exemplo, pesquisadores japoneses demonstraram emissão laser de fibras ópticas dopadas com Tb3+. Entretanto, o dispositivo apresentou baixa eficiência devido à saturação do seu ganho óptico, mesmo a baixas potências de excitação.

Retomando esse problema tecnológico, a equipe de cientistas do Brasil fez um estudo detalhado dos processos que causam a saturação da emissão verde. Para isso, utilizaram o Tb3+ como dopante de um material que, por suas propriedades, garante alta eficiência de emissão, principalmente no infravermelho: o vidro aluminosilicato de cálcio com baixa concentração de sílica, conhecido como LSCAS, de low-silica calcium aluminosilicate.
O estudo envolveu dois grupos de pesquisa que mantêm colaboração há cerca de duas décadas, o grupo de espectroscopia de sólidos do Instituto de Física de São Carlos, da Universidade de São Paulo (IFSC – USP), e o grupo de fototérmica da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Os resultados foram reportados em um artigo recentemente publicado no Journal of Applied Physics.
Em primeiro lugar, amostras do vidro com diversas concentrações do dopante foram preparadas pelo grupo da UEM.

No IFSC – USP, as amostras foram excitadas por meio de um laser em dois comprimentos de onda distintos, 488 nm (visível) e 325 nm (ultravioleta), e seus espectros de absorção, emissão e excitação foram obtidos. Ao analisá-los, os cientistas do grupo de espectroscopia de sólidos observaram certas particularidades no comportamento de algumas das emissões luminescentes, como, por exemplo, uma forte saturação numa emissão verde semelhante à observada no laser dos cientistas japoneses, e, em outros comprimentos de onda, uma diminuição da luminescência ocorrendo a intensidades de excitação mais baixas do que o previsto. Dessa maneira, os pesquisadores brasileiros puderam concluir que o mecanismo associado na literatura às emissões de materiais dopados com Tb3+, conhecido como cross relaxation, não era suficiente para explicar a totalidade do comportamento das emissões, e nem sequer a saturação que ocorre nas emissões no verde, e propuseram a ação adicional de outros processos.
“Mecanismos de perdas adicionais, tais como emissões por defeitos na matriz, processos de conversão ascendente de energia, entre outros, exercem uma influência significativa no sistema que estudamos”, explica Tomaz Catunda, professor do IFSC e autor correspondente do artigo. “Estas vias de decaimento, até então ignoradas na literatura, apresentam grande relevância na fabricação de dispositivos ópticos em materiais dopados com Tb3+”, completa.
O estudo de vidros dopados com Tb3+ na equipe brasileira começou durante a pesquisa de doutorado de Idelma Terra, defendida em 2013 pela USP, que visava ao desenvolvimento de materiais para aumentar a eficiência de células solares. A tese foi agraciada com o “Prêmio Vale-Capes de Ciência e Sustentabilidade 2014”. O estudo desses materiais continuou no doutorado de Giselly dos Santos Bianchi, realizado na UEM e na dissertação de mestrado de Jéssica Fabiana Mariano dos Santos, defendido em 2014 pela EESC-USP.
O artigo do Journal of Applied Physics veio se agregar a um conjunto de dezenas de papers publicados em periódicos internacionais gerados a partir da colaboração entre os grupos do IFSC e da UEM, em alguns casos envolvendo também outros cientistas do Brasil e do exterior, sobre espectroscopia óptica de vidros de aluminato de cálcio dopados com íons de terras raras e suas aplicações em dispositivos emissores de luz.
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A SBPMat, representada por seu presidente, Roberto Mendonça Faria, faz parte do comitê organizador da IUMRS-ICAM 2015 (14º Conferência Internacional sobre Materiais Avançados organizada pela União Internacional de Sociedades de Pesquisa em Materiais). Em particular, o professor Faria compõe o conselho internacional da conferência junto a outros cientistas do mundo, entre eles, dirigentes das sociedades de pesquisa em Materiais da Austrália, Europa (E-MRS), Japão, Singapura e Taiwan.
A submissão de resumos para apresentar trabalhos nos simpósios da conferência está aberta até 31 de maio.
Saiba mais sobre a conferência: http://www.iumrs-icam2015.org/html/index.html
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Está aberta, até 30 de maio, a submissão de resumos do XIV Encontro da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Materiais (SBPMat). O evento será realizado de 27 de setembro a 1º de outubro no Rio de Janeiro, no Centro de Convenções SulAmérica.
São aceitos para avaliação trabalhos de pesquisadores e estudantes do Brasil e do exterior nas áreas dos simpósios do evento. Nesta edição do encontro anual da SBPMat, o número de simpósios superou todas as anteriores: são 27 simpósios e 2 workshops.
Os simpósios foram selecionados pelo comitê organizador do evento a partir das propostas recebidas numa chamada lançada em novembro do ano passado e direcionada à comunidade científica. De acordo com os coordenadores do evento, Marco Cremona e Fernando Lázaro Freire Junior, para esta edição houve mais de 50 propostas de simpósios e foi impossível acomodar todos por conta das limitações de tempo e espaço físico do Centro de Convenções SulAmérica. Para escolher os simpósios, levou-se em conta que contemplassem temas de fronteira em Ciência dos Materiais e que tivessem uma comunidade atuante no país.
Além de um variado leque de temas (nanomateriais, eletrônica e fotônica, biomateriais, modelagem, materiais para energia, entre outros), a lista de simpósios inclui um simpósio organizado pelos University Chapters da SBPMat, coordenado por estudantes, e dois workshops organizados em colaboração com indústrias. A relação de coordenadores de simpósios também é variada, incluindo pesquisadores de universidades e outras instituições de pesquisa das regiões Sul, Sudeste e Nordeste do Brasil, e do exterior (Alemanha, Argentina, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Inglaterra, Irlanda, Itália, Japão, Portugal e Suíça).
Sobre os Encontros da SBPMat
O encontro anual da SBPMat é um tradicional fórum internacional dedicado aos recentes avanços e perspectivas em ciência e tecnologia de Materiais. Além da apresentação de trabalhos que ocorre nos simpósios, o programa científico do evento conta com palestras plenárias de pesquisadores mundialmente destacados. Na edição de 2014, realizada na cidade de João Pessoa (PB), cerca de 2.000 trabalhos foram apresentados em 19 simpósios.
Relação de simpósios e workshops: http://sbpmat.org.br/14encontro/symposia/?lang=en
Instruções para elaboração e envio dos resumos: http://www.sbpmat.
Ao longo de meio século dedicado à pesquisa em Física da Matéria Condensada, o cientista Aldo Felix Craievich fez relevantes contribuições ao estudo de estruturas e transformações estruturais de sólidos, pesquisando vidros (tema no qual foi pioneiro em pesquisa científica no Brasil), parafinas, materiais obtidos por sol-gel e diversos nanomateriais. Essas pesquisas renderam mais de 200 artigos publicados em revistas internacionais com revisão por pares, os quais contam com mais de 3.600 citações.
Entretanto, o legado do trabalho de Craievich para a comunidade de Materiais vai além da sua produção científica. Durante 17 anos, o cientista foi um dos protagonistas das sucessivas fases da história da criação do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), cujos recursos para pesquisa têm impactado a comunidade de Materiais, não só no Brasil, como também em outros países, principalmente latino-americanos. Craievich também se dedicou intensamente à formação de usuários da luz síncrotron em cursos oferecidos em diversos países da América Latina e em dez escolas que dirigiu e nas quais participou como professor no Centro Internacional de Física Teórica (ICTP), em Trieste, Itália.
Nascido no interior da província de Santa Fé, na Argentina, Craievich se formou em Física em nível de graduação e doutorado pelo prestigiado Instituto Balseiro, localizado na cidade argentina de Bariloche, tendo desenvolvido seu trabalho de pesquisa de doutorado na França, no Laboratoire de Physique des Solides da Université Paris-Sud, sob supervisão de André Guinier, um dos maiores expoentes da cristalografia e das técnicas de caracterização por raios X do século XX.
Craievich começou a trabalhar no Brasil em 1973, ano em que assumiu tarefas de docência e pesquisa no Instituto de Física e Química de São Carlos (IFQSC), ligado à USP, a convite de Yvonne Mascarenhas. Em 1976 voltou ao Laboratoire de Physique des Solides para realizar um estágio de pós-doutorado de um ano, retornando depois ao IFQSC. Em 1980 mudou-se para o Rio de Janeiro para trabalhar como pesquisador no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), cargo no qual permaneceu até 1986. Em 1981 fez um segundo estágio de pós-doutorado na França, dessa vez no centro nacional de luz síncrotron LURE – laboratório que continuou freqüentando por períodos mais curtos nos anos seguintes. Dessa maneira, quando assumiu a coordenação do comitê executivo do projeto que visava à criação de um laboratório de luz síncrotron no Brasil, Aldo Craievich era um dos raríssimos cientistas (seriam dois em todo o país) que tinham experiência no uso dessa fonte de luz.
Em 1987, voltou ao estado de São Paulo. Até 1997, liderou o planejamento, projeto e construção das primeiras sete linhas de luz do LNLS na cidade de Campinas e desenvolveu um extenso programa de formação de novos usuários. Simultaneamente, a partir de 1987, Craievich deu aulas no Instituto de Física da USP, na cidade de São Paulo e, a partir de 1997, dedicou-se em tempo integral a seu cargo de professor titular nessa instituição, na qual foi chefe do departamento de Física Aplicada de 2002 a 2006.
Aldo Craievich também participou da criação da nossa SBPMat desde as primeiras reuniões e intercâmbios de mensagens eletrônicas, ocorridos no ano 2000. Além disso, seu nome consta entre os cientistas que compuseram a “comissão interdisciplinar de Materiais”, encarregada de elaborar os estatutos da SBPMat.
Entre outras distinções, Craievich recebeu homenagens outorgadas pela comunidade de usuários e pela equipe do LNLS (1997 e 2010), pela Sociedade Brasileira de Cristalografia (2000), pelo Instituto Balseiro (2011) e pela Asociación Argentina de Cristalografía (2014). Recebeu duas vezes o Prêmio Mercosul de Ciência e Tecnologia em 2004 e em 2010, por sua participação em trabalhos de pesquisa sobre os temas “Energia para o Mercosul” e “Nanotecnologia para o Mercosul”, respectivamente. É membro titular da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (ACIESP) desde 1980. Em dezembro de 2014, foi eleito membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC).
Atualmente com 75 anos de idade, Aldo Craievich continua realizando atividades de pesquisa no IFUSP enquanto professor sênior (aposentado) e pesquisador 1A do CNPq. É também membro do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Nanotecnologia e Nanociências (NAP-NN) da USP e do corpo editorial de várias revistas científicas; entre elas o Journal of Synchrotron Radiation (IUCr, Chester, UK), no qual atua como coeditor.
Segue uma entrevista com o pesquisador.
Boletim da SBPMat: – Quando se despertou seu interesse pela ciência?
Aldo Craievich: – Iniciei meus estudos universitários na Faculdad de Ciencias Exactas, Físicas y Naturales de la Universidad Nacional de Córdoba, Argentina, em março de 1959, ingressando na carreira de engenharia aeronáutica. Durante meus primeiros anos na universidade tinha que dividir meu tempo entre o estudo e meu trabalho nas Indústrias Aeronáuticas e Mecânicas do Estado (IAME). A decisão de minha escolha de Engenharia Aeronáutica deveu-se à relação entre essa carreira e a área do meu trabalho no IAME, onde eu pensava continuar minhas atividades após minha formatura. No entanto, limitações do meu tempo disponível, causadas por minhas atividades de trabalho, me fizeram perceber que a qualidade e o ritmo de avanço de meus estudos universitários eram insatisfatórios.
Depois de completar dois anos de engenharia aeronáutica, em março de 1961, enquanto fazia minha inscrição para o terceiro ano, li acidentalmente um cartaz que mencionava a abertura de um concurso de ingresso a um curso oferecido pelo Instituto de Física de São Carlos de Bariloche na Argentina (hoje Instituto Balseiro). Um dos requisitos para o ingresso, que eu satisfazia, era ter aprovado o segundo ano de estudos de Física ou Engenharia. Fiquei particularmente interessado nessa possibilidade, principalmente pelo fato de o Instituto Balseiro, além de oferecer uma formação de excelente qualidade, concedia bolsas de estudo integrais para todos seus alunos de graduação. Sem refletir muito no assunto me apresentei no concurso de ingresso, que aprovei. Assim, desde agosto 1961 até dezembro 1964 completei meu bacharelado em Física no Instituto Balseiro. Nesse Instituto tive de fato a possibilidade de me dedicar exclusivamente ao estudo, num ambiente adequado e sem dividir minha atenção com outras preocupações.
Meu real interesse pela ciência nasceu pouco depois de meu ingresso ao Instituto Balseiro. Durante a parte básica de meus estudos nesse Instituto, tive vários professores de qualidade singular, entre os quais José Balseiro (fundador e diretor do Instituto), Enrique Gaviola (físico experimental argentino de prestígio internacional) e Guido Beck (renomado físico teórico de origem austríaca). Balseiro teve uma abnegada, entusiasta e eficiente atuação como diretor e professor, e exerceu uma forte influência sobre seus colegas e alunos assim como sobre as gerações posteriores do Instituto. A pesar de o período da minha interação com Balseiro ter sido breve (ele faleceu em março de 1962), foi suficiente para que me fizesse descobrir a importância das Ciências Físicas. Hoje penso que minha interação com os professores exemplares que tive durante meus primeiros anos no Instituto Balseiro, foi o que despertou meu interesse pela ciência, que perdura até hoje.
Boletim da SBPMat: – O que o levou a se tornar um cientista e a trabalhar na área de Materiais, mais precisamente em Física da Matéria Condensada?
Aldo Craievich: – Durante a fase final de meus estudos de Física no Instituto Balseiro, comecei a refletir sobre o tipo de área de investigação específica aonde deveria orientar meu futuro profissional. Nessa época de dúvidas ouvi o conselho de Conrado Varotto, mais tarde fundador da empresa INVAP (spin-off do Instituto Balseiro) e agora diretor executivo da Comissão Nacional de Atividades Espaciais (CONAE) da Argentina, que me propôs realizar meu trabalho final de graduação sobre propriedades estruturais e eletrônicas de ligas metálicas. Logo depois de formado no Instituto Balseiro, ingressei ao Instituto de Matemática, Astronomia e Física (IMAF, depois FaMAF) da Universidad Nacional de Córdoba, Argentina, como assistente de ensino, em março de 1965. Minha intenção inicial foi trabalhar num tema experimental de Física da Matéria Condensada, sem ainda ter decidido a área específica. Sabendo de meu interesse, o diretor do IMAF, Alberto Maiztegui, me sugeriu implantar um laboratório de raios X para pesquisas de materiais utilizando um difratômetro previamente adquirido. Nessa oportunidade recebi o apoio de Alberto Bonfiglioli, pesquisador da Comissão Nacional de Energia Atômica de Buenos Aires. Bonfiglioli me sugeriu completar inicialmente minha formação de base na área, realizando minha tese de doutorado no Laboratoire de Physique des Solides da Université Paris Sud, em Orsay, França, sob a supervisão do eminente professor André Guinier. Guinier foi um dos criadores e diretor do Laboratoire de Physique des Solides e autor de pesquisas pioneiras sobre o a relação entre a estrutura de sólidos imperfeitos e as características do espalhamento difuso dos raios X. Ele foi também pioneiro em aplicações da técnica de espalhamento de raios-X a baixos ângulos (SAXS) ao estudo de materiais, um dos descobridores das conhecidas zonas Guinier-Preston em ligas de alumínio e autor de vários livros clássicos nessa área de pesquisa.
Em resumo, meu interesse pela pesquisa na área de materiais, mais precisamente pelos estudos da estrutura e das transformações na matéria condensada, foi inicialmente despertado durante meu trabalho final da graduação no Instituto Balseiro supervisado por C. Varotto, cresceu com minhas primeiras atividades em IMAF em colaboração com A. Bonfiglioli e se consolidou durante minha tese de doutorado na França sob orientação de A. Guinier.
Boletim da SBPMat: – E por que você veio ao Brasil?
Aldo Craievich: – Em 1969, após meu regresso da França e recentemente doutorado, iniciei a implantação do Laboratório de Raios X no IMAF em Córdoba, Argentina, com o objetivo de aplicar as técnicas de difração de raios X e de SAXS em estudos de materiais vítreos. Depois de vários anos de trabalho e de ter conseguido já alguns resultados, percebi que o desenvolvimento do laboratório ocorria mais lentamente do que eu esperava. Os motivos eram diversos, entre eles, dificuldades financeiras para adquirir equipamentos e um excessivo envolvimento em atividades administrativas, o que reduzia significativamente meu tempo para a pesquisa. Foi assim que, no fim de 1971, decidi realizar um estágio de pós-doutorado no exterior para poder privilegiar durante algum tempo minha dedicação à pesquisa.
Nessa mesma época, em uma reunião da Sociedade Chilena de Física realizada em Valdivia, Chile, em janeiro de 1972, tive meu primeiro contato com Yvonne Mascarenhas, professora do Instituto de Física e Química de São Carlos – IFQSC/USP (hoje IFSC/USP), São Carlos, que me convidou para realizar um estágio de um ano em seu Laboratório de Cristalografia. Aceitei o convite e, em março 1973, iniciei minhas tarefas de pesquisa e ensino no IFQSC. No Laboratório de Cristalografia havia nessa época um difratômetro de raios X em operação para estudos de policristais e um aparelho de SAXS adquirido pouco tempo antes. O que era esperado de mim, além de realizar tarefas de docência, era instalar o novo aparelho de SAXS e iniciar linhas de pesquisa em temas de meu próprio interesse e em colaboração com outros cientistas locais.
Depois de iniciado meu estágio no Brasil, a situação política geral na Argentina e particularmente as condições para o ensino e a pesquisa nas universidades se foram deteriorando, o que me induziu a estender várias vezes meu estágio temporário no IFQSC. Mais tarde, em minhas várias visitas à Argentina durante a parte final da década de 1970, percebi um declínio adicional e também uma situação política e social inquietante. Essas constatações e, por outro lado, os interessantes novos desafios que se apresentaram no IFQSC e o forte apoio que recebi da comunidade local e das agências de fomento (FAPESP e CNPq), me levaram a decidir transformar meu estágio temporário numa transferência definitiva. Percebi nesse momento que no Brasil tinha encontrado as condições básicas necessárias e promissoras para que eu pudesse realizar um bom trabalho em pesquisa.
Boletim da SBPMat: – Quais são, na sua própria avaliação, as suas principais contribuições à área de Materiais? Considere na sua resposta todos os aspectos da sua atividade profissional.
Aldo Craievich: As principais pesquisas que desenvolvi desde 1965 até hoje podem ser classificadas em cinco grandes linhas que descrevo a seguir (Menciono algumas referências relevantes associadas a cada linha de trabalho).
(i)Separação de nanofases em sólidos vítreos
Após minha transferência ao Brasil em 1973 iniciei estudos experimentais mediante a técnica de SAXS para determinar os mecanismos responsáveis pelas primeiras etapas do processo isotérmico de separação de nanofases em vidros de B2O3-PbO-Al2O3. Dessa forma continuava a linha de pesquisa que tinha iniciado no IMAF, na Argentina. Para interpretar os resultados utilizei um modelo termodinâmico proposto por John Cahn, chamado decomposição espinodal, para sistemas correspondentes ao centro do gap de miscibilidade, e o modelo clássico de nucleação e crescimento para composições e temperaturas próximas à fronteira binodal. Observei, em particular, a existência de um desvio sistemático dos resultados experimentais de SAXS com respeito às previsões do modelo de Cahn, que atribui a um efeito de relaxação de tensões iniciais na matriz vítrea, produzidas pelo processo preliminar de quenching. Como consequência dessas pesquisas, redigi os dois primeiros artigos publicados em revistas indexadas referentes a pesquisas sobre materiais vítreos realizadas no Brasil [Craievich, Phys.Chem.Glasses 16, 133 (1975); Craievich, Phys.Stat.Sol. 28, 09 (1975)].
Verifiquei também que o modelo da decomposição espinodal não descreve adequadamente os estágios avançados da separação de nanofases no sistema vítreo B2O3-PbO-Al2O3. Foi então feita uma comparação dos resultados das experiências de SAXS que realizei no IFQSC em 1973/74, referentes aos estágios avançados do processo, com as predições da nova teoria estatística desenvolvida por Joel Lebowitz et al. no fim da década de 1970. Os resultados conduziram a um artigo que redigi em colaboração com Juan M. Sanchez (ex-aluno do IMAF e hoje vice-president for research da Texas University) no qual demonstramos, por primeira vez quantitativamente para materiais vítreos, que a evolução temporal da função de estrutura experimental exibe as propriedades de escala dinâmica previstas pela teoria [Craievich and Sanchez, Phys.Rev.Lett. 47, 1308 (1981)].
(ii)Estrutura e transições de fases em cristais moleculares
De volta ao IFQSC de São Carlos, em 1977, depois de completar um estágio de pós-doutorado na França, trabalhei, em colaboração com Jean Doucet doLaboratoire de Physique des Solides, Orsay, França, e um aluno de doutorado, em estudos sistemáticos das estruturas e das transições de fase de um conjunto de cristais de parafinas, compostos por moléculas lineares CnH2n+2. Todas as parafinas estudadas exibem uma estrutura formada pela superposição de camadas de moléculas de CnH2n+2, com os seus eixos maiores paralelos e com empacotamento lateral compacto. Associamos as características da expansão térmica e das transições de fase destes sólidos a variações da amplitude das librações das moléculas lineares em torno do seu eixo principal. Como resultado destas pesquisas, publicamos, em poucos anos, mais de 10 artigos, todos os quais receberam um alto número de citações. Em particular, um deles, sobre os estudos de fases “rotatórias” observadas em três parafinas com n = 17, 19 e 21, recebeu até hoje 209 citações [Doucet et al, J.Chem.Phys. 75, 1523 (1981)].
(iii)Processos de formação de nanomateriais pelo método sol-gel
Durante a década de 1980 realizei uma série de pesquisas in situ de transformações estruturais mediante o uso da linha de SAXS associada à fonte de luz síncrotron francesa (LURE). Interessaram-me em particular as transformações estruturais que ocorrem durante um novo processo, denominado sol-gel, para a obtenção de materiais nanoestruturados. Este processo complexo consta de uma sequência de passos que se inicia a partir de um precursor na forma de solução líquida coloidal, continua com a agregação das partículas coloidais e subsequente transição sol-gel, para eventualmente ser completado por secagem e sinterização do material nanoporoso resultante.
Realizei os primeiros trabalhos nesta linha em colaboração com grupos de pesquisa liderados por Jerzy Zarzycki (Laboratoire de Verres du CNRS, Université de Montpellier, France) e André Aegerter (IFQSC-São Carlos). A maioria desses estudos experimentais visava à análise da cinética de processos e foram feitos utilizando a técnica de SAXS in situ [Lours et al, J.Non-Cryst.Solids 100, 207 (1988)]. Isso foi possível mediante a utilização de uma linha de SAXS associada a uma fonte de luz síncrotron de alta intensidade, o que permitiu medições com alta resolução temporal. Em vários casos, utilizamos novos conceitos de geometria fractal para conseguir uma caracterização precisa das estruturas, o que nos permitiu identificar de forma clara os mecanismos de agregação.
Durante a década de 1990, continuei meus estudos sobre as estruturas de vários nanomateriais e de processos de tipo sol-gel com a participação de Luis Esquivias e seus colaboradores (Universidade de Cádiz, Espanha), e com os pesquisadores do grupo liderado por Celso Santilli (UNESP-Araraquara). Com o grupo de Luis Esquivias trabalhamos em diversos temas, com ênfase em pesquisas da influência do uso controlado de ultrassom sobre as características estruturais dos “sonogéis” finais. Com Celso Santilli e seu grupo pesquisamos uma série de nanomateriais, mediante estudos de SAXS in situ, que contribuíram, em particular, para um melhor conhecimento da estrutura, dos mecanismos da formação e das relações com as propriedades de vários tipos de nanocompósitos híbridos organo-inorgânicos [Dahmouche et al, J.Phys.Chem. B 103, 4937 (1999)].
(iv)Proteínas em solução
Participei desde a década de 1980 em numerosas colaborações sobre estudos estruturais de proteínas em solução. Particularmente, colaborei num estudo da estrutura terciária da albumina que resultou ser a primeira pesquisa publicada com resultados experimentais obtidos exclusivamente no LNLS[Castelletto et al, J.Chem.Phys. 109, 2825 (1998)]. Mais tarde, publicamos um trabalho sobre a variação da densidade média das proteínas com a massa molecular que na literatura estava sendo considerada invariante [Fischer et al, Protein Sci. 13, 2825 (2004)]. Este artigo teve durante uma década mais de 200 citações na literatura. Mais recentemente, desenvolvemos um novo método de determinação da massa molecular de proteínas em solução utilizando exclusivamente resultados de experiências de SAXS em escala relativa [Fischer et al, J.Appl.Cryst. 43, 101 (2010)].
(v)Estrutura e estabilidade de fases de nanopartículas metálicas e soluções sólidas de óxidos nanoestruturadas
Durante a última década participei num conjunto de estudos sobre estrutura, mecanismos de formação e estabilidade de fases de diversos nanomateriais, em colaboração com vários grupos de pesquisa.
Com Guinther Kellerman, um dos meus alunos de tese e hoje professor na UFPR, publicamos vários artigos pioneiros sobre os mecanismos de formação de nanopartículas de Bi e Ag em matriz vítrea e sobre a relação entre o tamanho das nanopartículas de Bi e suas temperaturas de fusão e de cristalização. Os resultados experimentais foram também quantitativamente comparados com as previsões teóricas correspondentes [Kellermann and Craievich, Phys.Rev. B 78, 054106 (2008)].
Em colaboração com Felix Requejo e seu grupo da Universidad Nacional de La Plata, Argentina, pesquisamos diversas características estruturais de nanopartículas de metais nobres suportadas em matrizes porosas [Giovanetti et al, Small 8, 468 (2012)] e, mais recentemente, de arranjos de nanoplacas de CoSi2 enterradas e coerentes num substrato de Si monocristalino.
Com Diego Lamas da Universidad Nacional de San Martín, Argentina, e membros de seu grupo realizamos um conjunto de pesquisas de soluções sólidas de óxidos nanoestruturadas. No caso particular do sistema nanoestruturado zircônia-escândia, demonstramos que é possível reter a temperatura ambiente fases de estrutura cúbica e tetragonal, com propriedades interessantes, que são estáveis somente a altas temperaturas nesses mesmos materiais quando compostos por cristais micro ou macroscópicos [Abdala et al, RSC Adv. 2, 5205 (2012)].
b. Participação na criação e gestão de instituição de pesquisa
No final de 1986 fui designado vice-diretor e chefe do departamento científico do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) em Campinas. Nessa época o diretor e o chefe de projeto do LNLS eram Cylon Gonçalves da Silva e Ricardo Rodrígues, respectivamente. No LNLS iniciou-se em 1987 a construção de uma fonte de luz síncrotron composta por um acelerador linear de elétrons de 120 MeV, um anel de armazenamento de elétrons (UVX) de 1,37 GeV e um conjunto de linhas de luz.
Durante minha gestão no LNLS fui responsável pelo projeto das primeiras sete linhas de luz do LNLS, que foram desenvolvidas paralelamente à construção do acelerador linear e do anel de armazenamento. Também realizei um esforço persistente para promover a formação dos futuros usuários do LNLS, organizando numerosos eventos (cursos de curta duração, oficinas etc.) nos quais diversos especialistas (principalmente pesquisadores estrangeiros) ministraram palestras e/ou participaram em sessões de treinamento.
Além das tarefas administrativas e técnicas associadas a minhas funções como vice-diretor, continuei realizando pesquisas experimentais durante períodos de uma a duas semanas por ano no laboratório de luz síncrotron LURE, na França. Os conhecimentos de primeira mão adquiridos nesses estágios no exterior foram úteis para meu trabalho relacionado com o planejamento e a construção das primeiras linhas de luz do LNLS.
A fase de construção da fonte UVX e do primeiro conjunto de linhas de luz findou durante o primeiro semestre de 1997 [Rodrigues et al, J.Synchr.Rad. 5, 1157 (1998)] sendo em seguida abertas ao uso pela comunidade científica.
Quando a fonte de luz síncrotron foi concluída, em julho de 1997, considerei que tinha chegado o momento de afastar-me de minha função de vice-diretor do LNLS e continuar meu trabalho com dedicação exclusiva no Instituto de Física da USP, a partir de 1998. Considerei que dessa forma eu poderia continuar minhas atividades como pesquisador usuário da fonte de luz e também contribuir de forma mais direta à formação de estudantes e ao crescimento da comunidade de usuários do LNLS.
c. Participação na criação de grupos e laboratórios de pesquisa
Durante meus 50 anos de atividades de ensino e pesquisa trabalhei sucessivamente em cinco instituições: IMAF/UNC na Argentina (1965-1972), IFQSC/USP em São Carlos (1973-1980), CBPF em Rio de Janeiro (1981-1986), LNLS em Campinas (1987-1997) e IF/USP em São Paulo (1998-…). As minhas contribuições à criação e ao desenvolvimento de grupos e linhas de pesquisa nessas instituições são suscintamente expostas a seguir.
(i)IMAF (Córdoba, Argentina): Criei e organizei no IMAF o seu primeiro laboratório de raios X, iniciei uma nova linha de pesquisa sobre separação de fases de sólidos vítreos e contribui à formação de jovens estudantes na área de Ciência dos Materiais. Publiquei em 1973 o primeiro artigo em colaboração sobre a estrutura de um material vítreo associado a pesquisas realizadas no IMAF.
(ii)IFQSC/USP (São Carlos): Implantei no IFQSC em 1973 o primeiro laboratório de SAXS em funcionamento no Brasil. Nesse mesmo ano iniciei uma linha de pesquisa sobre materiais vítreos que se desenvolveu fortemente mais tarde pela ação principal de Edgar Zanotto (hoje diretor do LaMaV na UFSCar, São Carlos), a quem orientei na sua dissertação de mestrado. Finalmente, em colaboração com Yvonne Mascarenhas e um aluno de pós-graduação, concluímos em 1984 pesquisas estruturais pioneiras de proteínas em solução realizadas mediante uso de SAXS.
(iii)CBPF (Rio de Janeiro): Implantei o primeiro laboratório de raios X do CBPF composto por um difratômetro de policristais e uma câmara de SAXS. Minha principal atividade no CBPF durante o período 1981-86 foi a participação nos estudos de viabilidade, tarefas de difusão e sessões de discussão que conduziram à criação, em 1986, do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron.
(iv)LNLS (Campinas): Durante meu trabalho no LNLS, além de realizar as atividades associadas à construção da fonte de luz sincrotron descritas anteriormente, promovi e coordenei um dos projetos da primeira série aprovada em 1996 pelo Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (PRONEX) do CNPq. Neste projeto sobre “Pesquisa e caracterização estrutural e magnética de materiais” participaram 22 pesquisadores/docentes do LNLS, IF/USP, IF/UNICAMP, IQ/UNESP e DF/UFPR.
(v)IFUSP (São Paulo): Contribui à consolidação do Laboratório de Cristalografia do IFUSP, principalmente mediante minha participação no planejamento do projeto e na incorporação de um novo aparelho de SAXS de última geração com feixe de seção pontual. Este aparelho permite estudos de SAXS e GISAXS a temperatura ambiente e a altas temperaturas com sistema automatizado de coleta de dados. Esse moderno equipamento foi o primeiro em operação no Brasil e provavelmente também em América Latina.
d. Contribuição em política científica
Após realizar um estágio sabático no laboratório de luz síncrotron LURE, Orsay, França, de volta ao CBPF em 1982, participei em reuniões de um grupo pequeno de pesquisadores que discutia a eventual viabilidade da construção uma fonte de luz síncrotron no Brasil. Nesse mesmo ano, o presidente do CNPq depois de manifestar o seu apoio à iniciativa, decidiu criar o Projeto Radiação Sincrotrónica (PRS/CNPq) coordenado pelo diretor do CBPF, Roberto Lobo. No contexto desse projeto atuei como coordenador do Comitê Executivo e membro do Conselho Técnico Científico (CTC). Em minha função de coordenador do Comitê Executivo organizei reuniões, palestras e visitas de especialistas estrangeiros. Também colaborei na elaboração de um primeiro projeto conceitual de uma fonte de radiação síncrotron e participei na redação de uma proposta de plano diretor para sua implantação. Detalhes dos trabalhos desenvolvidos foram expostos no artigo “Proposta preliminar de estudo de viabilidade de um Laboratório Nacional de Radiação Síncrotron” [Lobo et al, CBPF/PRS 1 (1983)] e no relatório “PRS: Atividades e Perspectivas” [Craievich, CBPF/PRS 14 (1984)]. Coordenei também um programa de bolsas do CNPq que permitiram a jovens brasileiros acessar por primeira vez fontes de luz síncrotron no exterior e adquirir assim experiência no seu uso.
No período 1983-1985, apresentei na Argentina o projeto do síncrotron brasileiro, no Instituto Balseiro de Bariloche, na CNEA de Constituyentes, em reunião da Associação Física Argentina (AFA) em La Plata e no Simpósio Latino Americano de Física do Estado Sólido (SLAFES) em Mar del Plata.
Por outro lado, participei na fase de fundação de duas novas organizações científicas: a Sociedade Brasileira de Pesquisa de Materiais (SBPMat) no ano 2000, que até hoje organizou treze encontros anuais, e a Rede Latino Americana Matéria, que promoveu desde 1995 doze reuniões científicas (Simpósios Matéria) em oito diferentes países da América Latina.
e. Formação de novos cientistas
Desde 1965 até 2009 ministrei diversas disciplinas de graduação e pós-graduação nas diferentes instituições da Argentina e do Brasil onde trabalhei. Por outro lado, desde 1982 até hoje, participei em cursos curtos, escolas e oficinas de formação e treinamento de usuários de luz síncrotron em diversas cidades do Brasil, Argentina, Chile, Uruguai, Peru, Colômbia, Venezuela, Cuba e México. Também contribui à formação de usuários da luz síncrotron fora da América Latina, atuando como diretor e professor de uma série de escolas sobre aplicações da luz síncrotron organizadas pelo Centro Internacional de Física Teórica (ICTP), em Trieste, Itália. Essa atividade no ICTP se prolongou durante quase 20 anos, num total de dez escolas sucessivas de quatro semanas cada uma, realizadas bianualmente desde 1991 até 2008.
Por outro lado, orientei 18 alunos de pós-graduação (nove mestrandos e nove doutorandos). A maioria de meus antigos orientandos continuou atuando como pesquisadores e professores em diversas universidades, nos estados de São Paulo, Bahia e Paraná, e em centros de pesquisa em Rio de Janeiro e São Paulo. Um deles trabalha numa empresa industrial do interior do Estado de São Paulo e outro, de origem francesa, que orientei na modalidade de cotutela com pesquisador da Université Paris V, atua em laboratório de pesquisa industrial na Bélgica. Mantenho ainda colaborações com dois de meus antigos orientandos em pesquisas de propriedades estruturais e transições de fase de nanomateriais e em estudos mediante SAXS de proteínas e outras macromoléculas em solução.
Boletim da SBPMat: – O que o motivou a participar da história do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron?
Aldo Craievich: – Em 1981, já havendo ingressado ao CBPF, em Rio de Janeiro, decidi passar um ano sabático no laboratório de luz síncrotron LURE, em Orsay, França. A minha motivação para esse estágio surgiu da possibilidade que se me apresentava de acessar um novo tipo de instrumentação experimental que me permitiria realizar pesquisas de meu interesse, impossíveis em laboratórios clássicos, tais como estudos cinéticos in situ de variações estruturais rápidas a altas temperaturas de materiais vítreos.
Finalizado meu ano sabático no LURE e já de retorno ao CBPF, em setembro de 1982, fui convidado pelo Diretor do CBPF para participar nas atividades formais que visavam à futura construção de uma fonte de luz sÍncrotron no Brasil. Minha motivação para participar no CBPF nos trabalhos preliminares desse projeto e depois no LNLS na fase de construção da fonte de luz foi consequência de uma conjunção de razões. Eu considerei que (i) a eventual futura disponibilidade local de uma fonte de luz síncrotron seria de grande relevância para o desenvolvimento da ciência brasileira, (ii) a disponibilidade de um sÍncrotron no Brasil seria, em particular, muito útil para o avanço de minhas linhas de pesquisa em andamento, e (iii) eu havia adquirido, já em 1982, a competência e a experiência necessárias para participar de forma ativa nas tarefas propostas.
Boletim da SBPMat: – Deixe uma mensagem para nossos leitores que estão iniciando suas carreiras de cientistas.
Aldo Craievich: – Considero que uma condição necessária e importante para ser um bom cientista na área na qual eu trabalho é sentir um forte interesse por entender e tratar de explicar a natureza essencial e as propriedades relevantes da matéria que nos rodeia. Por isso minha primeira mensagem é para encorajar nas suas carreiras científicas os jovens estudantes que de fato sentem esse tipo de interesse.
Os estudos que transformam um jovem estudante num bom cientista dependem menos da natureza dos temas específicos e muito mais da forma como os novos conhecimentos são apresentados e adquiridos. O estudante e o professor devem considerar cada novo tema de estudo como um desafio a ser enfrentado. Por outro lado, o estudante deve valorizar o trabalho mais difícil dos professores que apresentam cada novo tema visando sua compreensão profunda, evitando caminhos fáceis. Nesse sentido minha segunda mensagem aos jovens estudantes é a de, na medida do possível, procurar os ensinamentos, conselhos e orientação de professores não somente destacados, mas também exigentes.
As contribuições pessoais de todo pesquisador para o progresso da ciência devem ser consideradas por eles, em geral, como relativamente modestas. A minha terceira mensagem está relacionada com uma qualidade importante que, a meu ver, deve possuir todo pesquisador novo e também aqueles com maior experiência: uma atitude permanente de respeito pelo trabalho alheio. Uma mensagem muito clara sobre este tema foi mencionada por Balseiro, diretor do Instituto de Física onde realizei meus estudos de graduação, em seu discurso aos alunos recém-formados na primeira turma desse Instituto em 1958. Ele disse “Não creio que haja um índice mais patético de incultura, excetuando a violência, que a falta de respeito pelo trabalho alheio. Essa falta de respeito é uma forma de destruição e quem destrói o fruto do trabalho alheio bem pode ser qualificado de selvagem, isto é, a incultura em sua mais prístina forma” [http://www.ib.edu.ar/index.php/historia-del-ib/primera-graduacion.html].
Para saber mais sobre o professor Aldo Craievich: artigo “Un físico del Mercosur” publicado pela revista “Ciencia e Investigación. Reseñas”, tomo 1, no 3, disponível aquí: http://aargentinapciencias.org/images/stories/R-tomo1-3/RevRes-1-3xArt/7a24Craievich-ceiRes-1-3.pdf.

O Programa University Chapters (UCs) da SBPMat conta agora com uma unidade na região Norte do Brasil, mais precisamente na cidade de Belém (PA), na Universidade Federal do Pará (UFPA). Participam desse UC dezessete estudantes de graduação e pós-graduação envolvidos em trabalhos de pesquisa relacionados à Ciência dos Materiais, além de dois professores tutores.
“Ao tomarmos conhecimento do que é o programa University Chapter vimos que a nossa participação seria uma oportunidade singular de termos contato com outros estudantes da área e com isso aumentarmos nossa troca de experiências com alunos de outras instituições que, assim como nós, atuam na área de Materiais”, diz o presidente do UC, o doutorando Gregório Barbosa Corrêa Júnior. De acordo com ele, a partir deste ano, o UC vai organizar eventos como workshops e escolas. “Esperamos também obter uma visão global do que vem a ser nosso ramo de atuação científica e com isso ter uma ideia sólida das oportunidades e das perspectivas profissionais oferecidas pela área”, completa.
Conheça o Programa University Chapters da SBPMat e as seis unidades que possui até o momento nos estados de Minas Gerais, Pará, Piauí, Rio Grande do Sul e São Paulo: http://sbpmat.org.br/