Sócios da SBPMat são editores de “focus issue” de periódico da MRS sobre nanomateriais para aplicações biomédicas.

Quatro jovens sócios da SBPMat formam parte da equipe de editores convidados da mais recente edição do Journal of Materials Research, periódico da Materials Research Society (MRS). São eles Bruno Vinícius Manzolli  Rodrigues (Universidade Brasil), Jorge Augusto de Moura Delezuk (IFPR), Mariana Amorim Fraga (Unifesp) e Rodrigo Sávio Pessoa (ITA).

A edição, que foi publicada online em 14 de junho, é dedicada a artigos sobre nanomateriais para aplicações médicas. Intitulada “(Nano)materials for Biomedical Applications”, a edição pode ser acessada em https://www.cambridge.org/core/journals/journal-of-materials-research/latest-issue

A partir da esquerda, Bruno Vinícius Manzolli Rodrigues (Universidade Brasil), Jorge Augusto de Moura Delezuk (IFPR), Mariana Amorim Fraga (Unifesp) e Rodrigo Sávio Pessoa (ITA).
A partir da esquerda, Bruno Vinícius Manzolli Rodrigues (Universidade Brasil), Jorge Augusto de Moura Delezuk (IFPR), Mariana Amorim Fraga (Unifesp) e Rodrigo Sávio Pessoa (ITA).

Da ideia à inovação: nanotecnologia para uma agricultura sustentável e produtiva.

krilltechUsar nanotecnologia para resolver problemas importantes da humanidade é, há muitos anos, uma meta pessoal de Marcelo Oliveira Rodrigues, professor da Universidade de Brasília (UnB) e sócio da Krilltech.

Um desses problemas é, sem dúvida, o da produção de alimentos. Dados da ONU e da FAO mostram que a demanda por alimentos crescerá mais de 50% até 2050, enquanto a expansão das áreas disponíveis para agricultura não acompanhará esse crescimento.

Lançada ao mercado neste ano como culminação de sete anos de pesquisa, desenvolvimento e testes, a Krilltech poderá fazer a sua contribuição, pela via da nanotecnologia, para uma agricultura mais produtiva e ecologicamente correta, que gere alimentos com melhor qualidade nutricional.  “Nossa tecnologia é uma revolução nos modos de produção e na forma como se faz agricultura sustentável”, diz Rodrigues.

Além de ter alguns projetos em desenvolvimento, a startup já conta com um portfólio de produtos, que inclui uma linha adaptável às necessidades do cliente. Os produtos podem ser aplicados no solo ou nas folhas das plantas, ou até mesmo na água, no caso de cultivos hidropônicos.

Os produtos da Krilltech aumentam as taxas de fotossíntese das plantas cultivadas, tornam mais eficiente seu consumo de água e aceleram seu metabolismo (bioestimulantes). Ao mesmo tempo, atuam como fertilizantes ao fornecer os micro e macro nutrientes necessários para o crescimento dos vegetais (nitrogênio, carbono, fósforo, potássio, entre outros). “Nossos nanoprodutos possuem multifunção”, diz Rodrigues. A startup também possui uma linha de produtos para incorporar sais minerais como zinco e ferro em grãos e vegetais. “Produzir batata, milho, lentilha e grão-de-bico enriquecidos com ferro e zinco irá contribuir para dirimir problemas de saúde pública associados à deficiência de sais minerais essenciais”, exemplifica o professor – pesquisador – empreendedor.

Por ser baseados em nanotecnologia, esses bioestimulantes – fertilizantes superam limitações das tecnologias convencionais e conseguem entregar muito mais nutrientes aos cultivos. “Estabilizar em meio aquosos todos os macro e micronutrientes em uma solução requer um material com elevada área superficial e extremamente hidrofílico. Sem recorrer à nanotecnologia é uma tarefa extremamente difícil”, explica Rodrigues.

De acordo com ele, os produtos da Krilltech não afetam a biota (conjunto de seres vivos) de solos e corpos de água, não se acumulam nos tecidos das plantas (são metabolizados), e não são tóxicos para fungos, bactérias e animais. Para garantir a não-toxicidade de seus produtos, a Krilltech conta com resultados de testes realizados com larvas, vermes, fungos, bactérias, peixes, diversas linhagens de células sadias e tumorais e cobaias.

Quanto aos processos produtivos da Krilltech, eles envolvem custos relativamente baixos, em parte devido ao sistema lean adotado pela startup, baseado na nivelação da produção de acordo com a demanda e no foco em aumentar a eficiência e evitar desperdício nos processos de produção. “Nós trabalhamos com produtos sofisticados, porém os processos de produção são eficientes e não necessitamos de equipamentos importados para produzir”, comenta Rodrigues. “Um investimento inicial de 70 mil reais é mais do que suficiente para produzirmos cerca de 150 kg/hora dos nossos produtos”, revela. Além disso, a Krilltech não utiliza reagentes tóxicos em seus processos e não gera resíduos, diz Rodrigues.

Com essas características da sua tecnologia, processos produtivos e produtos, a Krilltech quer conquistar um lugar no crescente mercado de bioestimulantes, atualmente dominado por empresas multinacionais sediadas principalmente na Europa, além da América do Norte e Índia. Segundo estimativas informadas pela Krilltech, a demanda por bioestimulantes aumentará principalmente na Ásia e América do Sul. Calcula-se que esse mercado movimentará cerca de US$ 3,5 bilhões em 2022.

Surgimento da startup: parceria UnB – Embrapa

Sócios da Krilltech. Acima: Ataílson Oliveira (diretor de tecnologia), Rogério Faria (diretor industrial) e Carime Vitória (diretora de P&D), todos doutorandos em Química na UnB. Em baixo: Marcelo Rodrigues e Marcelo Henrique (professores da UnB).
Sócios da Krilltech. Acima: Ataílson Oliveira (diretor de tecnologia), Rogério Faria (diretor industrial) e Carime Vitória (diretora de P&D), todos doutorandos em Química na UnB. Em baixo: Marcelo Rodrigues e Marcelo Henrique (professores da UnB).

“Transformar pesquisa científica em tecnologias absorvidas pelo mercado consumidor sempre foi um desejo pessoal”, diz o professor Rodrigues. Assim, em 2012, pouco depois de ingressar na UnB como professor adjunto, ele identificou projetos de seu grupo de pesquisa que tinham potencial de virar inovações. Em 2016, o grupo tinha desenvolvido uma nanoformulação à base de um fármaco de alto custo, usado no SUS (sistema único de saúde) para tratar infecções fúngicas. “Conseguimos reduzir a toxicidade e o custo do fármaco em cerca de 40 vezes, porém fomos frustrados com a falta de recurso para avançar nos estudos pré-clínicos de acordo com as normas Anvisa”, conta Rodrigues.

Ainda em 2016, o grupo começou a dialogar com uma unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa, a Embrapa Hortaliças, localizada em Brasília. Inicialmente, buscava-se o desenvolvimento de plásticos com propriedades ópticas especiais para uso em cultivo protegido (estufa e similares). “As conversas com o Dr. Juscimar Silva (Embrapa) evoluíram para o desenvolvimento dos nossos nanobioestimulantes”, diz Rodrigues.

O desenvolvimento laboratorial da tecnologia foi realizado na UnB, com participação de alunos de iniciação científica, mestrado e doutorado, e suporte das agências governamentais FAP-DF, CNPq e Capes por meio de bolsas e recursos para material de consumo. “O financiamento público foi essencial para os primeiros estágios de desenvolvimento”, frisa Rodrigues.

Com apoio da Embrapa, a tecnologia foi testada na cultura de tomate, pimentão e alface. “Hoje estamos avaliando nossos produtos nas grandes monoculturas do país em parceria com empresas nacionais e multinacionais”, conta o sócio da Krilltech.

Em 2018, startup entrou no programa de pré-incubação do Centro de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico (CDT) da UnB, que visa auxiliar no desenvolvimento do modelo e plano de negócios e na formalização da futura empresa.

Atualmente, a Krilltech, junto à UnB e Embrapa, está em fase final de depósito da patente relativa à tecnologia usada nos produtos. “A Krilltech tem direito a exclusividade para explorar as tecnologias”, afirma Rodrigues.

Confiante na alta performance de seus produtos e na agilidade no desenvolvimento de inovações, a Krilltech já tem novos parceiros e novos projetos. A startup tem uma parceria para viabilizar a cultura de lúpulo na região Centro-Oeste e está testando sua tecnologia em condições de microgravidade visando contribuir a projetos de cultivo fora do planeta Terra (space farming). Além disso, adianta Rodrigues, em breve uma segunda startup será criada para explorar nanobiopesticidas de baixíssima toxicidade desenvolvidos no grupo.

Veja nossa breve entrevista com Rodrigues, que se formou em Química pela Universidade Federal de Sergipe na graduação e mestrado e obteve seu diploma de doutor em Química em 2010 pela Universidade Federal de Pernambuco.

Boletim da SBPMat: – Quais foram os fatores mais importantes no sentido de viabilizar a criação e desenvolvimento da startup?

Marcelo Oliveira Rodrigues: – Sem dúvida, o suporte oferecido pela UnB, MCTI e pela EMBRAPA em termos das proteções das tecnologias, consultorias e treinamentos foram fundamentais para criação da Krilltech. Porém, gostaria de frisar que a crise induzida à qual a ciência brasileira vem sendo submetida e as dificuldades de se celebrar acordos de cooperação entre a Universidade e o setor privado foram dois fatores que contribuíram bastante para iniciarmos esse movimento de empreender.

Boletim da SBPMat: – Quais foram as principais dificuldades enfrentadas até momento pela startup?

Marcelo Oliveira Rodrigues: – Sair da zona de conforto implica em dificuldades que precisam ser superadas. Aprender a empreender requereu uma mudança cultural na forma como planejamos e desenvolvemos nossos projetos; creio que essa foi a grande dificuldade que superamos.

Boletim da SBPMat: – Qual é, na sua visão, a principal contribuição da startup para a sociedade?

Marcelo Oliveira Rodrigues: – Nossa tecnologia contribui para redução do impacto ambiental causado pela aplicação de fertilizantes convencionais. Por exemplo, quando fósforo e nitrogênio de fertilizantes são indevidamente lixiviados para rios, lagos e oceanos, eles podem induzir a formação de zonas mortas, já que o processo de eutrofização pode induzir o crescimento excessivo de algas que destroem o oxigênio da água.

Ao contrário dos nanomateriais convencionais (nanopartículas metálicas e de óxidos metálicos, micelas poliméricas etc), a nossa tecnologia viabiliza o emprego da nanotecnologia na agricultura. A Krilltech vem contribuir para uma reformulação da indústria de fertilizantes e fitoestimulantes, pois nossa tecnologia representa:

  • O desenvolvimento de uma agricultura sustentável baseada em agroquímicos ecológicos;
  • Contribuição para eliminar e reduzir o uso de insumos e práticas de agroquímicos perigosos (insumos químicos menos perigosos);
  • Mitigação dos riscos ambientais e de saúde humana devido à não- toxicidade dos nossos produtos (design de produtos químicos mais seguros);
  • Eliminação do impacto adverso da transferência trófica de nanopartículas convencionais na cadeia alimentar;
  • Um paradigma disruptivo necessário para a inovação na produção de alimentos com base em nanomateriais verdes.

Boletim da SBPMat: – Qual é sua meta/ seu sonho para a startup?

Marcelo Oliveira Rodrigues: – Teremos unidades da Krilltech espalhadas pelo mundo inteiro, veremos nossa tecnologia contribuir para o desenvolvimento sustentável e contribuiremos para reduzir o impacto da erosão nutricional e desnutrição.

Boletim da SBPMat: – Deixe uma mensagem para nossos leitores do boletim e seguidores das redes sociais que avaliam a possibilidade de criar uma startup.

Marcelo Oliveira Rodrigues: – Dominar bem a tecnologia, conhecer o mercado e não desistir com as dificuldades. O ambiente de inovação no Brasil é insalubre e se sobressair nessas condições aumenta as chances de sucesso.

Artigo em destaque: Nanoargilas para superar a toxicidade.

O artigo científico de autoria de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é: Reaching Biocompatibility with Nanoclays: Eliminating the Cytotoxicity of Ir(III) Complexes. Malte C. Grüner, Kassio P. S. Zanoni, Camila F. Borgognoni, Cristiane C. Melo, Valtencir Zucolotto, and Andrea S. S. de Camargo. ACS Applied Materials & Interfaces 2018 10 (32), 26830-26834. DOI: 10.1021/acsami.8b10842.

Nanoargilas para superar a toxicidade

Trabalhando em laboratórios do Instituto de Física de São Carlos – USP (IFSC-USP), uma equipe científica desenvolveu uma estratégia que elimina a citotoxicidade (capacidade de destruir células) de um grupo de compostos com propriedades fotofísicas muito interessantes para aplicações na área da saúde. O estudo tornou viável a utilização dessas substâncias, outrora tóxicas, no estudo de organismos vivos e no diagnóstico e tratamento de doenças. Além de eliminar a citotoxicidade, a estratégia modifica algumas propriedades dos compostos, agregando novas funções que podem ser aproveitadas para sensoriamento de oxigênio intracelular e para aprimorar a eficiência de dispositivos luminescentes, como OLEDs.

O trabalho foi reportado em artigo recentemente publicado no periódico ACS Applied Materials and Interfaces (fator de impacto 8,097).

Tudo começou numa conversa informal entre três bolsistas de pós-doutorado ligados a laboratórios do IFSC-USP: Malte C. Grüner e Kassio P. S. Zanoni, ambos ligados ao Laboratório de Espectroscopia de Materiais Funcionais (LEMAF), e Camila F. Borgognoni, do Grupo de Nanomedicina e Nanotoxicologia (Gnano). Zanoni tinha trabalhado com complexos de irídio(III) durante seu doutorado, e desejava aproveitar algumas propriedades desses compostos para utilizá-los como agentes de terapia fotodinâmica. Tal terapia se refere a um conjunto de tratamentos para tecidos doentes, como por exemplo os atingidos pelo câncer, nos quais uma fonte de radiação externa é utilizada para a ativação, no momento apropriado, de um composto inserido dentro do corpo, o qual se encarrega de destruir as células que precisam ser eliminadas.

O desejo do pós-doc Zanoni, entretanto, esbarrava na alta citotoxicidade dos complexos de irídio(III). O pós-doc Grüner, então, teve a ideia inovadora de tentar utilizar laponitas (materiais que ele tinha estudado em seu doutorado) para inibir a citotoxicidade dos compostos. A partir dessa ideia, Grüner e Zanoni realizaram o preparo e a caracterização dos materiais no LEMAF, coordenado pela professora Andrea S. S. de Camargo. No GNano, coordenado pelo professor Valtencir Zucolotto, a pós-doc Borgognoni e a mestranda Cristiane Melo se encarregaram de investigar as interações das nanopartículas com as células.

Os autores do artigo. A partir da esquerda: Kassio Zanoni, Camila Borgognoni, Malte Grüner, Cristiane Melo, Valtencir Zucolotto e Andrea de Camargo.
Os autores do artigo. A partir da esquerda: Kassio Zanoni, Camila Borgognoni, Malte Grüner, Cristiane Melo, Valtencir Zucolotto e Andrea de Camargo.

Estratégia e aplicações

Ilustração da adsorção de complexos de Ir(III) (esferas azuis) na superfície de nanodiscos de laponita (discos amarelos), em solução.
Ilustração da adsorção de complexos de Ir(III) (esferas azuis) na superfície de nanodiscos de laponita (discos amarelos), em solução.

Uma das principais propriedades dos complexos de irídio(III) é a sua intensa luminescência (emissão de luz não resultante do calor) numa ampla gama de cores. Essa característica pode ser útil para iluminar células no interior de organismos vivos em técnicas de bioimageamento, usadas tanto para pesquisa quanto para diagnóstico e tratamento de doenças.

Por sua vez, as laponitas, que são nanoargilas sintéticas totalmente compatíveis com tecidos vivos, têm sido frequentemente propostas na literatura científica como nanoplataformas para transporte de fármacos e de outros compostos dentro de organismos vivos. As laponitas possuem cerca de 25 nm de comprimento e apenas 1 nm de altura.

No trabalho da equipe do IFSC-USP, um novo material foi desenvolvido como resultado da adsorção de moléculas de complexos de irídio(III) na superfície de nanodiscos de laponita.

Os pesquisadores verificaram, no laboratório (in vitro) a capacidade de o novo material ser absorvido por células, sua luminescência dentro das células e sua baixa toxicidade com relação a elas. Para isso, eles utilizaram células de fígado e observaram sua interação com o novo nanomaterial, comparando-a com a interação com o complexo de irídio(III) puro. Os resultados foram sumamente favoráveis aos nanodiscos de laponita com irídio(III), que demonstraram ser inofensivos para as células, além de apresentar boa penetração e alta luminescência – características que os tornam muito adequados para aplicação em técnicas de bioimageamento.

Emissão de luz em várias cores dos nanomateriais desenvolvidos (complexos de Ir(III) adsorvidos em laponita) distribuídos em xerogéis (parte superior) e em células do tecido do fígado (parte inferior).
Emissão de luz em várias cores dos nanomateriais desenvolvidos (complexos de Ir(III) adsorvidos em laponita) distribuídos em xerogéis (parte superior) e em células do tecido do fígado (parte inferior).

“Neste trabalho, foi demonstrado pela primeira vez que a adsorção de complexos de Ir(III) (em geral, altamente tóxicos) na superfície de nanodiscos de laponita é capaz de extinguir por completo a citotoxicidade desses compostos”, resume o pós-doc Kassio Zanoni,  que em 2017 foi vencedor do Young Research Award da SBPMat. “Tal feito torna altamente viável o uso de compostos outrora tóxicos em meios celulares sem prejudicar a integridade do meio e, portanto, tem o potencial de expandir as pesquisas de novos materiais biocompatíveis para uso em mapeamento celular, medicina teranóstica e terapia fotodinâmica”, completa.

De acordo com os autores, o novo nanomaterial poderia agir como uma droga de terapia fotodinâmica, já que, ao ser irradiado com determinados tipos de radiação, produz uma molécula (o oxigênio singleto) que atua na destruição de células cancerígenas. Dessa maneira, o nanomaterial também se torna promissor no campo da medicina teranóstica, a qual propõe a combinação, numa mesma plataforma, do diagnóstico de doenças por bioimageamento com a sua cura por meio de terapias fotodinâmicas.

Além disso, o nanomaterial pode ser usado como sensor para determinar com exatidão a quantidade de oxigênio distribuído no interior de uma célula. “Conforme demonstrado no nosso trabalho, a intensidade da emissão desse nanomaterial é uma variável em função da concentração de oxigênio”, justifica Zanoni.

Por fim, o nanomaterial, na forma de um filme fino nanométrico, também poderia ser aplicado em diodos orgânicos emissores de luz (OLEDs) – dispositivos que já são usados, por exemplo, em telas de celulares. “Isso porque o complexo de Ir(III) adsorvido na laponita agrega propriedades fotofísicas, fotoquímicas e eletroquímicas que são estratégicas para o desenvolvimento de dispositivos mais eficientes”, explica Zanoni.

Esta pesquisa foi realizada com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

Diretora científica da SBPMat é nova editora associada da ACS Applied Nano Materials.

Prof. Mônica Cotta.
Prof. Mônica Cotta.

A professora Mônica Alonso Cotta (Instituto de Física Gleb Wataghin, UNICAMP) assumiu a função de editora associada do ACS Applied Nano Materials, periódico científico da editora da American Chemical Society (ACS Publications) lançado no início de 2018. A revista tem caráter interdisciplinar e cobre temas relacionados a aplicações de nanomateriais.

A professora Cotta, que cumpre seu segundo mandato como diretora científica da SBPMat e foi organizadora do XV B-MRS Meeting, somou-se em julho deste ano à equipe de editores associados da revista, formada por mais quatro cientistas dos Estados Unidos, Coreia do Sul, China e Cingapura.

Breves entrevistas com cientistas: Joan Ramón Morante Lleonart (Instituto de Pesquisa em Energia da Catalunha, Espanha).

Prof. Joan Ramón Morante Lleonart
Prof. Joan Ramón Morante Lleonart

Vilão no aquecimento global e na acidificação oceânica, o excesso de dióxido de carbono gerado pelas atividades humanas pode ser usado para produzir compostos muito úteis.

Um exemplo é a produção de combustíveis a partir de dióxido de carbono, água e luz solar por meio de processos semelhantes à fotossíntese, nos quais os materiais catalíticos podem desempenhar um papel fundamental ao aumentar significativamente a eficiência das reações.

Nesse contexto, pesquisadores de vários países estão trabalhando em uma série de desafios científicos e tecnológicos relacionados à “reciclagem” de dióxido de carbono. O objetivo final desses esforços é tornar real a chamada “economia circular de carbono” – um sistema baseado no uso de dióxido de carbono, energia renovável e materiais ecologicamente corretos, e no princípio de minimizar o desperdício e maximizar a reutilização.

Um desses cientistas é Joan Ramón Morante Lleonart, diretor do Instituto de Pesquisa em Energia da Catalunha (IREC) e professor da Faculdade de Física da Universidade de Barcelona. Morante, que obteve seu diploma de doutorado em Física pela Universidade de Barcelona, é também o editor-chefe do Journal of Physics D: Applied Physics (IOP Publishing). De acordo com o Google Scholar, sua produção científica tem mais de 24.000 citações e seu índice h é 82.

Este cientista espanhol estará em setembro no XVII Encontro da SBPMat, onde oferecerá uma palestra plenária intitulada “Materiais catalisadores para refinarias solares, combustíveis sintéticos e procedimentos para uma economia circular do CO2”.

Veja nossa breve entrevista com o professor Morante.

Boletim da SBPMat: – Quais materiais podem desempenhar um papel importante na economia circular do CO2?

Joan Ramón Morante Lleonart: – A economia circular de CO2 abrange diferentes materiais. Primeiro, o próprio CO2 que deve ser capturado e purificado. Esses processos não são diretos e exigem o aprimoramento dessas etapas, principalmente o desenvolvimento de materiais para membranas que ajudam a separar adequadamente o CO2 de outros componentes que, embora menores, como o enxofre, podem degradar os materiais catalíticos.

Isso é necessário tanto para a captura de CO2 do carbono de origem fóssil, quanto para o CO2 contido nos processos de fermentação e putrefação que produzem biogás.

No entanto, além do processo de “caking”, o ponto mais crítico que requer a contribuição de um profundo conhecimento dos materiais é o passo da transformação catalítica do CO2 para alcançar sua redução direta a produtos como CO, metanol, ácido fórmico, etc. Ou a sua transformação, utilizando outras matérias-primas, em metano (metano sintético) ou outros produtos, por exemplo, por hidrogenação de CO2 (metanização de acordo com a reação denominada reação de Paul Sabatier).

Esses processos exigem não apenas o desenvolvimento de catalisadores eficientes, mas também materiais para novos reatores que combinem resistência ao uso, sendo capazes de resistir a condições corrosivas, junto com capacidade de dissipação térmica em alguns casos, ou condutividade elétrica em outros casos, ou condições de iluminação para os casos em que a solução passa pela direta transformação de CO2 usando os fótons do sol.

O desenvolvimento desses materiais oferece uma oportunidade magnífica para aplicar nanomateriais, sendo necessário ter grandes superfícies ativas por grama de material e características controladas no nível nanométrico, evitando fenômenos de degradação.

Todas essas características constituem uma grande oportunidade para o desenvolvimento de ciência e tecnologia, promovendo, ao mesmo tempo, a transferência da ciência para um conhecimento maior, bem como novas oportunidades de negócios, respondendo a um verdadeiro problema de nossa sociedade, pois é o consumo de fontes de energia fóssil que gera mudanças climáticas.

Boletim da SBPMat: – Queremos saber um pouco mais sobre seu trabalho. Escolha sua contribuição científica favorita e descreva-a brevemente, além de compartilhar a referência.

Joan Ramón Morante Lleonart: – Há alguns anos, eu estava trabalhando na compatibilidade de diferentes materiais com os processos de microeletrônica, procurando apenas a integração de diferentes funcionalidades (sensores e atuadores) com as unidades de processamento. De certa forma, é uma atividade biomimética porque a comunidade científica tenta fazer algo semelhante aos seres vivos, isto é, colocar os sentidos (sensores) para ter um sinal como informação e conectá-lo a um cérebro (processadores) para processá-lo.

Nestas atividades foi necessário gerar sinais elétricos e controlá-los. A partir disso, passei a gerar sinais elétricos em diferentes ambientes, só que considerados não como sinais de informação, e sim como fontes de energia.

Também neste caso, os melhores resultados foram obtidos controlando esses fenômenos em escala nanométrica, e é por isso que agora minhas atividades estão focadas em “nano energia” para produzir GWh.

Atualmente, estou focado nos mecanismos de transferência de energia em interfaces sólidas envolvendo elétrons, fótons e fônons, bem como compostos químicos. Da mesma forma, sou especializado no desenvolvimento de dispositivos e sistemas de energia renovável para aplicações no campo da energia e meio ambiente baseados em nanoestruturas e sua funcionalização. Por isso, prestei atenção em materiais e estruturas avançadas para fotossíntese artificial, incluindo a produção de hidrogênio e combustíveis em refinarias solares. Um dos meus principais objetivos é armazenar a energia elétrica além do bombeamento hidráulico ou a capacidade limitada usando baterias. O armazenamento químico usando hidrogênio ou metano ou biometano sintético constitui meu principal objetivo, embora eu também esteja trabalhando em baterias eletroquímicas.

Então, se eu verificar meus últimos artigos publicados, por um lado, eu poderia destacar “Recent developments in organic redox flow batteries: A critical review ” publicado no Journal of Power Sources, que vai além das abordagens de íons de lítio para baterias. Por outro lado, eu gostaria de destacar “Enhanced photoelectrochemical water splitting of hematite multilayer nanowire photoanodes by tuning the surface state via bottom-up interfacial engineering” ou “A prototype reactor for highly selective solar-driven CO2 reduction to synthesis gas using nanosized earth-abundant catalysts and silicon photovoltaics”, ambos publicados no periódico Energy and Environmental Science. Especialmente o último é muito representativo das questões discutidas acima.

Boletim da SBPMat: – Escolha também uma contribuição tecnológica da qual você participou, um caso de transferência para a indústria ou uma patente, por exemplo, e faça uma breve descrição.

Joan Ramón Morante Lleonart: – Nosso instituto promove e incentiva a transferência de tecnologia e a geração de patentes apenas ligadas à sua exploração industrial.

Durante estes últimos anos, patenteamos alguns aspectos da tecnologia para produzir combustíveis solares ou sintéticos industriais. Assim, com um de nossos colaboradores industriais, algumas patentes foram realizadas como “fotoeletrônica de filtro-prensa, oxidação de água e célula de redução de CO2” ou “fotoeletrodos iluminados por interface eletrodo-substrato e suas células fotoeletroquímicas”.

No entanto, gostaria de indicar outra das patentes feitas em colaboração com outros grupos que abrem uma nova perspectiva para os materiais catalíticos para a conversão catalítica de CO2. Seu título é “procedimento para a redução de dióxido de carbono a metano por catalisador ativado por plasma DBD” e lida com o desenvolvimento de novos conceitos de materiais catalíticos que são submetidos à ação de um plasma que altera todas as condições das reações químicas que ocorrem na superfície do catalisador ao mesmo tempo que o próprio plasma contribui com uma energia complementar para ter um comportamento catalítico diferente. Isso permite desenvolver outros comportamentos e conceitos. Assim, foi conseguido em condições adiabáticas ter uma taxa de conversão de CO2 à temperatura ambiente comparável à de um processo de conversão termoquímica isotérmica padrão a 300-400 °C. Isso abre novas rotas para implementar reatores mais econômicos e de alto desempenho.

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Para mais informações sobre este palestrante e a palestra plenária que ele proferirá no XVII Encontro da SBPMat/B-MRS Meeting, clique na foto do palestrante e no título da palestra: https://www.sbpmat.org.br/17encontro/home/

Entrevista com Pulickel Ajayan (professor da Rice University, EUA).

PulickelAjayan2Apesar de todo o conhecimento sobre nanotecnologia gerado nas últimas décadas, aplicar nanomateriais em produtos comerciais ainda pode ser uma tarefa difícil. No XVI Encontro da SBPMat, o professor Pulickel Ajayan, uma das referências mundiais em nanomateriais e nanoestruturas, vai lançar luz sobre esse problema.

Na palestra plenária que proferirá em Gramado na manhã de 14 de setembro, Ajayan discorrerá sobre alguns desafios inerentes à aplicação de nanomateriais (particularmente, os de duas dimensões) em sistemas e dispositivos, abordando questões relativas à síntese, caracterização e modificação desses materiais.

De fato, desde o início de sua carreira científica, Ajayan tem se destacado no desenvolvimento de nanomateriais com diversas funcionalidades, aplicáveis a segmentos como, por exemplo, o de armazenamento e conversão de energia, catálise, eletrônica de baixo consumo, nanomedicina e preservação do meio ambiente. Entre suas contribuições mais famosas, desenvolvidas junto à sua equipe e colaboradores, estão os nanotubos de carbono recheados com material fundido que funcionam como moldes de nanofios (1993); a nanoescova de nanotubos de carbono, destacada pelo Guinness World Records como a menor do mundo (2005); a bateria de papel, feita de celulose e nanotubos (2007); o tapete de nanotubos ultra escuro, que reflete apenas 0,045% de luz (2008); a esponja de nanotubos reutilizável capaz de absorver óleo disperso em águas (2012).

Professor e diretor do Departamento de Ciência de Materiais e Nanoengenharia da Rice University (EUA), Pulickel Madhavapanicker Ajayan é dono de excepcionais indicadores de produção científica (índice h de 144 e mais de 95 mil citações segundo o Google Scholar), construídos ao longo de 30 anos de pesquisa.

Pulickel Ajayan nasceu em 1962 na Índia, numa pequena cidade do estado de Kerala, localizado ao sul do país. Ali cursou o ensino primário. Realizou os estudos secundários na capital do estado, numa escola que despertou seu entusiasmo por aprender, sua curiosidade e seu interesse em ciência.

Em 1985, Ajayan formou-se em Engenharia Metalúrgica na Banaras Hindu University (BHU), localizada no nordeste da Índia e, em seguida, foi fazer um doutorado em Ciência e Engenharia de Materiais na Northwestern University (EUA). Nesse momento, começou a incursionar na nanotecnologia. Em 1989, defendeu sua tese sobre partículas de ouro muito pequenas que, alguns anos mais tarde, começariam a ser chamadas de “nanopartículas”.

Em 1990, mudou-se para o Japão para fazer um estágio de pós-doutorado no Laboratório de Pesquisa Fundamental da NEC Corporation, onde permaneceu até 1993 no grupo responsável por uma série de estudos seminais sobre os nanotubos de carbono – inclusive a própria “descoberta” desses nanomateriais, atribuída a Sumio Iijima em 1991. Durante seu pós-doc, Ajayan obteve importantes resultados sobre a síntese de nanotubos em grande escala e sobre o enchimento de nanotubos com outros materiais.

Do Japão, foi para a França, onde atuou como pesquisador do Laboratório de Física dos Sólidos da Université Paris-Sud durante dois anos e, em seguida, para a Alemanha, onde trabalhou durante um ano e meio no Max-Planck-Institut für Metallforschung. Em 1997, mudou-se aos Estados Unidos ao se tornar professor assistente do Rensselaer Polytechnic Institute (RPI), a mais antiga universidade de pesquisa tecnológica do país, localizada no estado de Nova Yorque. No RPI, ocupou a cadeira Henri Burlage de Engenharia e trabalhou no grupo de pesquisa em nanotecnologia.

Em 2007, saiu do RPI e uniu-se ao corpo docente do Departamento de Engenharia Mecânica e Ciência de Materiais da Rice University, ocupando a cadeira Benjamin M. and Mary Greenwood Anderson de Engenharia. Em 2014, assumiu também a coordenação do recém-criado Departamento de Ciência de Materiais e Nanoengenharia.

Atualmente, além de lecionar e liderar um grupo de pesquisa de cerca de 40 membros na Rice University, Ajayan viaja muito, seja para dividir seus conhecimentos sobre nanotecnologia (já proferiu mais de 350 palestras a convite e é professor convidado em universidades da China, Índia e Japão), quer para cuidar de suas colaborações científicas. Além disso, Ajayan tem atuado em conselhos de diversos periódicos de Materiais e Nanotecnologia, de startups e de conferências internacionais.

O cientista recebeu importantes prêmios de diversas entidades como a Royal Society of Chemistry (Reino Unido), Alexander von Humboldt Foundation (Alemanha), Materials Research Society (EUA), Microscopic Society of America (EUA) e a famosa revista de divulgação científica Scientific American, bem como distinções de numerosas universidades do mundo, inclusive o doutorado honoris causa pela Université Catholique de Louvain (Bélgica). É membro eleito da Royal Society of Chemistry (Reino Unido), American Association for the Advancement of Science (AAAS), as academias nacionais de ciências da Índia e México, entre outras sociedades científicas.

Segue uma breve entrevista com o cientista

Boletim da SBPMat: – Gostaríamos que você escolhesse algumas de suas contribuições à nanotecnologia, a descrevesse brevemente e compartilhasse a referência do artigo em que foi publicada. Por favor, escolha aquela que você considera que causou ou causará mais impacto na sociedade e aquela que lhe deu mais satisfação pessoal.

Pulickel Ajayan: – Várias de nossas descobertas têm impacto comercial e social. Nas últimas duas décadas, alguns dos destaques da pesquisa do nosso laboratório foram arranjos de nanotubos de carbono como absorventes de luz extremos (para termofotovoltaica), arranjos de nanotubos como fitas de gecko, fibras de nanotubos de carbono de alta condutividade, membranas de óxido de grafeno para filtração de água, nanomateriais de carbono para armazenamento de energia, nanocompósitos de polímeros leves, desenvolvimento de materiais bidimensionais para eletrônicos e sensores, pontos quânticos baseados em carbono para catálise, por exemplo, redução de CO2 etc.

Um dos trabalhos mais emocionantes para mim foi relacionado à conversão de cebolas de carbono em nanopartículas de diamante por irradiação de elétrons. Este trabalho foi feito em colaboração com o Prof. Florian Banhart, quando visitei como pós-doc o Max Planck Intitute for Metallforschung, em Stuttgart, em meados da década de 90. Este trabalho publicado na revista Nature mostrou a observação direta da transição do grafite à fase de diamante sem aplicação de nenhuma pressão externa.

Boletim da SBPMat: – Alguma de suas contribuições já foi transferida a um produto comercial? Comente brevemente.

Pulickel Ajayan: – Duas empresas startup (Paper Battery Co. e Big Delta Systems) saíram do nosso trabalho; ambas envolvem tecnologias não convencionais de armazenamento de energia.

Boletim da SBPMat: – Deixe um convite para sua palestra plenária.

Pulickel Ajayan: – A nanotecnologia é uma abordagem de mudança de paradigma sobre como vamos construir materiais do futuro. Está no cerne da fabricação de baixo para cima (bottom-up) e afetará várias áreas das tecnologias futuras. Nosso trabalho nas últimas duas décadas tem se concentrado na criação de materiais nanoestruturados com vários tipos de blocos de construção em nanoescala.

 

Mais Informações

No site da reunião do XVI B-MRS, clique na foto de Pulickel Ajayan e veja seu mini CV e o resumo de sua palestra plenária:http://sbpmat.org.br/16encontro/home/

Participação da SBPMat na reunião anual da SBPC.

A partir da esquerda, Marcos Pimenta, Glaura Goulart Silva (diretora científica da SBPMat) e Aldo Zarbin em painel sobre nanoestruturas de carbono na 60ª Reunião Anual da SBPC.
A partir da esquerda, Marcos Pimenta, Glaura Goulart Silva (diretora científica da SBPMat) e Aldo Zarbin em painel sobre nanoestruturas de carbono na 60ª Reunião Anual da SBPC.

A SBPMat (B-MRS) esteve presente na 69ª Reunião Anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), representada por um dos membros de sua diretoria, a professora Glaura Goulart Silva (UFMG). Evento gratuito e aberto à sociedade, a reunião anual da SBPC é realizada desde 1948 em universidades públicas de diferentes estados do Brasil. Neste ano, a reunião foi realizada na UFMG, em Belo Horizonte (MG), de 16 a 22 de julho, com o tema central “Inovação – Diversidade – Transformações”.

“A 69a Reunião Anual da SBPC constitui-se como um espaço de resistência ao desmonte da ciência e tecnologia no Brasil”, diz a diretora científica da SBPMat. “A comunidade brasileira atuante em ciência, em todas as suas idades, origens e funções, uniu-se numa mensagem clara: ciência e educação são investimentos, só nesta base temos como construir um futuro para nosso povo”, afirma.

Dentro da programação do evento, a professora Goulart Silva participou da mesa redonda “Nanoestruturas de carbono: a próxima revolução tecnológica? ”, que ocorreu no dia 17 de julho das 15:30 às 18:00 horas. Além da diretora científica da SBPMat, participaram da mesa o professor Aldo Zarbin (UFPR), presidente da Sociedade Brasileira de Química (SBQ), e o professor Marcos Pimenta (UFMG), coordenador do INCT de Nanomateriais de Carbono e do Centro de Tecnologia em Nanomateriais (CTNano), do qual a professora Goulart Silva é vice-coordenadora.

Na mesa redonda, que contou com grande audiência e muitas perguntas, foram apresentados os nanomateriais de carbono, sua estrutura, propriedades e aplicações com o foco em seu potencial para contribuir em diversas áreas tecnológicas. “Discutimos como a nanotecnologia pode ser impactante em uma nova era tecnológica que tenha a sustentabilidade como requisito fundamental”, relata a diretora científica da SBPMat. “Os membros da mesa e os participantes evoluíram para uma visão conjunta de que uma grande gama de nanomateriais vai ocupar espaços relevantes nas tecnologias futuras. Não só os nanomateriais de carbono, mas, sem dúvida, os nanotubos de carbono e o grafeno são sistemas muito importantes nesse conjunto”, reporta ela.

De acordo com Goulart Silva, todos participantes da sessão enfatizaram a necessidade de investimentos em ciência e tecnologia no Brasil, a fim de que os avanços feitos em áreas como a nanotecnologia tenham continuidade.

Especial: Sirius, o novo síncrotron brasileiro de última geração.

Antes da virada desta década, o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), localizado no município de Campinas (SP), deve começar a receber pesquisadores do Brasil e do resto do mundo para utilizarem o Sirius, o síncrotron brasileiro de quarta geração que substituirá ou complementará o UVX – atual síncrotron brasileiro, de segunda geração, que está em funcionamento desde 1997 e é o único síncrotron da América Latina.

Muito apreciados pela comunidade científica de Materiais, e de muitas outras áreas, os síncrotrons são as melhores fontes de feixes de raios X e de luz ultravioleta, dois tipos de radiação de grande utilidade no estudo da matéria. O processo para obter a radiação começa quando elétrons são acelerados até atingirem uma velocidade próxima à da luz e submetidos a desvios na sua trajetória. Quando desviados, os elétrons perdem parte de sua energia na forma de luz síncrotron, a qual é filtrada por monocromadores, encarregados de liberar a passagem de radiação apenas no comprimento de onda desejado. Assim, feixes de raios X ou de luz ultravioleta são levados até as estações experimentais ou linhas de luz, em volta do acelerador, que têm diversos instrumentos científicos. Ali ficam os usuários dos síncrotrons, aproveitando a radiação para analisar sua interação com a matéria por meio dos instrumentos científicos e, dessa maneira, obter informações sobre a estrutura e propriedades dos materiais em escala micro e nanométrica.

Voltando ao Sirius, como sugere seu nome, que remete à estrela mais brilhante do céu noturno, ele será capaz de gerar feixes de luz de altíssimo brilho (até um bilhão de vezes mais alto do que o brilho do UVX) – uma característica muito importante para poder fazer mais e melhores experimentos.

Essa radiação de altíssimo brilho, em combinação com avançados instrumentos científicos e poderosos computadores para processar rapidamente uma grande quantidade de dados, permitirá a realização de uma diversidade de experimentos que devem gerar resultados científicos e tecnológicos em segmentos como Agricultura, Biologia, Geologia, Energia e Saúde, além, é claro, na transversal área de Materiais.

Localização das fontes de luz síncrotron em construção e em operação no mundo. Crédito: LNLS-CNPEM.

Para isso, cerca de 300 pessoas estão trabalhando no projeto e construção do Sirius, uma obra de grande dimensão e complexidade que envolve vários desafios. Um deles é o desenvolvimento da fonte de luz síncrotron. De fato, o Sirius será uma das primeiras fontes de quarta geração do mundo (existe apenas mais uma, em construção, na Suécia, e nenhuma operando). Desafios também estão presentes na construção do prédio, que deve garantir a quase absoluta ausência de vibrações, por menores que sejam. Os desafios continuam, por exemplo, no desenvolvimento de um sistema de monitoramento, diagnóstico e correção da estabilidade da trajetória do sensível feixe de elétrons.

Este grande empreendimento brasileiro, cujo valor é estimado em 1,3 bilhões de reais, está sendo realizado pelo LNLS, que desenvolveu o UVX e cuida da sua operação, manutenção e atualização há 19 anos. A direção geral da equipe está sob a responsabilidade do atual diretor do LNLS, Antonio José Roque da Silva. Professor titular da Universidade de São Paulo (USP), Roque da Silva tem graduação e mestrado em Física pela Unicamp, e doutorado (PhD), também em Física, pela University of California at Berkeley. É autor de mais de 120 artigos publicados em periódicos científicos indexados, muitos deles referentes a estudos sobre materiais. Suas publicações contam com mais de 4.400 citações, segundo o Google Scholar.

Veja a entrevista do Boletim da SBPMat com Roque da Silva sobre as características técnicas do Sirius, as possibilidades que oferecerá à comunidade de Materiais, o andamento do projeto e o futuro do UVX, entre outros assuntos.

Boletim da SBPMat: – O Sirius será uma fonte de luz síncrotron de alto brilho. Qual é a importância do brilho para as pesquisas em Ciência e Tecnologia de Materiais?

Antonio José Roque da Silva: – Para uma dada frequência da radiação, o seu brilho é diretamente proporcional ao fluxo (número de fótons por unidade de tempo) e inversamente proporcional ao produto (tamanho do feixe x divergência angular do feixe). Esse último produto é a emitância do feixe. Portanto, quanto menor a emitância, maior o brilho.

Um alto brilho influencia as análises de materiais de diferentes formas:

a.  Quanto maior o brilho da luz produzida pela fonte de luz síncrotron, maior é o número de amostras que podem ser analisadas num mesmo espaço de tempo; isso permite, inclusive, fazer experimentos com resolução temporal, em que se acompanha a evolução de reações ou processos, por exemplo, em função do tempo.

b.  Quanto maior o brilho, melhor é a relação sinal-ruído de diversas técnicas de análise.

c.  A menor emitância, e portanto maior brilho, permite que menores escalas espaciais sejam sondadas pelas técnicas de análise. Isso abre oportunidades para estudos com feixes de poucos nanometros, importantes para áreas como nanotecnologia, dentre outras.

As primeiras 13 linhas de luz que serão instaladas no Sirius. Dados fornecidos pelo LNLS-CNPEM.

d. Um maior brilho permite que novas técnicas surjam ou sejam exploradas mais efetivamente. Isso ocorre, por exemplo, com a técnica de Coherent Diffraction Imaging. As técnicas de imagem, tomografia e microscopia irão ser bastante beneficiadas pelo maior brilho.

Boletim da SBPMat: – Quais são as limitações do síncrotron UVX que serão superadas pelo Sirius? Por exemplo, nas estações experimentais do Sirius haverá técnicas de caracterização de materiais que não podem ser instaladas no UVX?

Antonio José Roque da Silva: – A primeira diferença entre as duas máquinas é a faixa de energia em que trabalham. Os elétrons no anel de armazenamento do Sirius serão acelerados até a energia de 3 GeV, mais que o dobro da energia do UVX. Isso faz com que raios X de maior energia sejam produzidos e permite que materiais como aço, concreto e rochas sejam estudados mais profundamente devido à penetração dos raios X de até alguns centímetros, contra alguns micrômetros do UVX.
Também pela diferença de energia, o número de elementos químicos que podem ser estudados por espectroscopia de absorção de raios X moles também é diferente. No UVX pouco menos da metade dos elementos químicos pode ser estudada, enquanto no Sirius quase todos os elementos da Tabela Periódica poderão ser estudados.

O baixo brilho e alta emitância (ver acima) do UVX limitam sobremaneira as técnicas mais modernas de síncrotron disponíveis para a comunidade do país. Nanotomografia, imagem por difração coerente, nanomicroscopia de fluorescência, análise de nanocristais, estudos de materiais em condições extremas (altas pressões e altas temperaturas), espalhamento inelástico, acompanhamento temporal de diversos processos, acompanhado de resolução espacial nanométrica e resolução química (importante, por exemplo, para processos catalíticos), dentre várias outras técnicas, não são possíveis de serem realizadas no UVX, ou são realizadas com grandes limitações, e todas poderão ser executadas no Sirius em alto padrão.

Boletim da SBPMat: – O que acontecerá com o UVX? Será desmontado?

Antonio José Roque da Silva: – É importante salientar que tudo o que o UVX faz hoje poderá ser feito muito melhor no Sirius. Além do enorme número de novos experimentos que são impossíveis de serem realizados pelo UVX, como citado acima. É uma preocupação do LNLS que durante o período de comissionamento das linhas de luz do Sirius, o UVX seja mantido operacional, garantindo que a comunidade não sofra nenhuma descontinuidade. Entretanto, após o Sirius ficar totalmente operacional, não se sabe ainda se a máquina atual será mantida ou desativada. Sabemos que o instrumental científico hoje disponível em algumas estações experimentais do UVX será transferido para o Sirius. Além disso, é necessário avaliar os custos e a viabilidade da manutenção e operação simultânea de duas fontes de luz síncrotron, bem como do pessoal necessário (engenheiros, técnicos, pesquisadores etc.) para operação de ambas as fontes. É necessário avaliar, ainda, qual será a demanda dos usuários pelas estações experimentais do UVX, uma vez que o Sirius esteja em operação.

Boletim da SBPMat: – A competência de profissionais (cientistas, engenheiros, técnicos) e empresas do Brasil desenvolvida durante a construção do UVX é/será aproveitada no Sirius? Se sim, de que maneira?

Antonio José Roque da Silva: – O projeto Sirius não seria possível sem a competência dos profissionais formados pelo LNLS ao longo dos anos, particularmente durante a construção do UVX. Esse corpo profissional (cientistas, engenheiros, técnicos) de alta capacidade e especialização, formado ao longo dos últimos 30 anos, é essencial para o sucesso do Sirius. O amálgama de profissionais experientes, originários da construção do UVX, com jovens é estratégia central do LNLS. Para o Sirius e para o futuro do laboratório. Do ponto de vista técnico, o conhecimento acumulado pelos nossos engenheiros e técnicos na construção e operação do UVX é que permite projetar um síncrotron como o Sirius, no estado da arte. Essa experiência será crucial também para a operação do novo síncrotron.  O mesmo vale para os cientistas. O envolvimento com a construção e operação das linhas de luz e estações experimentais do UVX é fator importantíssimo para os projetos das sofisticadas linhas de luz do Sirius. O contínuo envolvimento desses pesquisadores no treinamento de novos usuários, o que é feito regularmente pelo LNLS, é também algo fundamental, e que remonta desde o início da construção do UVX. Vale mencionar que todo esse conhecimento adquirido ao longo de décadas também depende de forte interação com a comunidade internacional de síncrotrons. O LNLS está fortemente inserido nessa comunidade.

Do ponto de vista de empresas, o número envolvido na construção do UVX foi pequeno. O UVX foi não somente projetado, mas também construído em grande parte dentro do LNLS. Entretanto, algumas empresas, como a Termomecânica, que foram parceiros importantes do UVX, também estão participando da construção do Sirius. Mas o LNLS estruturou programas específicos, com sucesso, para envolver empresas brasileiras no desenvolvimento e construção de diversos componentes para o Sirius. Programas esses em parceria com agências de fomento como FAPESP e FINEP. Esse desenvolvimento de parcerias com empresas brasileiras será importante também para o futuro. Por último, o conhecimento desenvolvido pelas empresas brasileiras que colaboram (e que ainda irão colaborar) com o projeto é de uma relevância que extrapola os limites do próprio projeto. Este é o motivo pelo qual consideramos o Sirius um projeto “estruturante”, cujos desenvolvimentos podem se refletir em novas tecnologias, em novos produtos e processos que trarão benefícios para a cadeia produtiva brasileira de alta tecnologia.

Boletim da SBPMat: – Por ser uma obra de engenharia muito complexa, de alto padrão de exigência e pioneira (não tem outro síncrotron de 4ª geração pronto no mundo), a construção do Sirius apresenta desafios sem precedentes, não é mesmo? Enquanto diretor do projeto, com que você conta para resolver esses desafios?

Antonio José Roque da Silva: – Contamos principalmente com a experiência, conhecimento e arrojo da equipe de cientistas, engenheiros e técnicos do LNLS. A coragem dessa equipe para enfrentar desafios é um dos maiores legados que remontam da construção do UVX. A bela história da construção do UVX já foi abordada em outros boletins da SBPMAT [Nota do boletim: veja aqui a primeira e segunda parte dessa história). A cultura do “yes, we can do”, que vem desde o início do LNLS, é fundamental para vencermos os desafios. Uma das estratégias é aumentar o quadro de profissionais, fundamental dadas as dimensões do Sirius, mesclando jovens com os profissionais mais experientes, garantindo a manutenção da cultura e conhecimento existentes na casa. Além dessa experiência, competência e coragem, a constante interação com outros laboratórios é fundamental. Investimos fortemente nessa área, tanto enviando profissionais do LNLS para o exterior, quanto trazendo especialistas do exterior para visitarem o laboratório. Nesse aspecto, é também importante o processo de avaliação das nossas soluções por renomados especialistas internacionais. Isso é feito através de comitês de avaliação que vêm de forma regular ao LNLS, e através da apresentação dos nossos resultados em conferências e workshops especializados. É importante, também, o investimento em infra-estrutura de ponta, tanto para fabricação quanto para metrologia. Finalmente, uma parte relevante é a gestão e coordenação das atividades e da equipe, garantindo a execução eficiente dos processos necessários.

Boletim da SBPMat: – Comente a participação de empresas e instituições externas ao CNPEM, nacionais e internacionais, no desenvolvimento do Sirius.

Antonio José Roque da Silva: – O projeto Sirius tem como um dos seus objetivos estimular o desenvolvimento da indústria brasileira, por meio da indução de demandas de desenvolvimentos tecnológicos, serviços, matérias-primas, processos e equipamentos. A meta é aplicar entre 65% a 70% dos recursos financeiros do projeto dentro do país. Vale lembrar que o projeto, em si, é 100% nacional.
Dentre parcerias já estabelecidas, cita-se, como exemplo, a realizada com a empresa Termomecânica São Paulo, que desenvolveu o processo para fabricação da matéria prima para as câmaras de vácuo do anel de armazenamento, bem como dos fios de cobre ocos para os eletroímãs, que permitem circulação de água para refrigeração (desenvolvimento este que remonta ao UVX). Outro exemplo é a empresa WEG Indústrias (SC), tradicional fabricante de motores elétricos, que irá fabricar os mais de 1.350 eletroímãs do Sirius, projetados pela equipe técnica do LNLS. Essa é uma parceria excepcional, ligada a sofisticados desenvolvimentos de processos produtivos e que tem sido extremamente bem sucedida.
Existem também exemplos de parcerias com empresas de menor porte, como a FCA Brasil (Campinas, SP), para a fabricação das câmaras de vácuo do Booster, e com a empresa EXA-M Instrumentação do Nordeste (BA), para o desenvolvimento e fabricação dos dispositivos para aquecimento das câmaras de vácuo do anel de armazenamento, e com a Engecer de São Carlos para fabricação de câmaras especiais de vácuo feitas de cerâmica.

Para ampliar a participação de empresas nacionais no projeto Sirius, outras ações sistemáticas foram realizadas. Negociações junto Finep e FAPESP culminaram no lançamento, em 2014, da primeira chamada pública para seleção de empresas paulistas para o desenvolvimento de 20 das demandas tecnológicas do projeto Sirius, com recursos da ordem de R$ 40 milhões. Esses recursos foram disponibilizados no âmbito do Programa PIPE/PAPPE Subvenção Econômica, de modo que cada proposta pudesse solicitar até R$ 1,5 milhão para seu desenvolvimento. Foram selecionadas oito empresas que desenvolverão 13 projetos de pesquisa para a realização dos desafios propostos no edital.
Em 2015 uma segunda chamada pública de propostas foi lançada para o desenvolvimento de 13 novos desafios tecnológicos, com recursos da ordem de R$ 20 milhões no âmbito do mesmo programa. O prazo final para envio das propostas pelas empresas foi encerrado em fevereiro, e atualmente estão em fase de análise pela FAPESP. A expectativa para o segundo semestre de 2016 é que se tenha pelo menos outras treze empresas aprovadas para o desenvolvimento dos desafios da segunda chamada FAPESP/Finep de apoio ao projeto Sirius.

Do ponto de vista internacional, como já mencionado, a constante interação com vários laboratórios tem sido fundamental ao projeto. Um movimento interessante é que hoje, como estamos na fronteira e com várias soluções inovadoras, há naturalmente um interesse de grupos internacionais em interagirem com o LNLS. Ou seja, o Sirius é naturalmente um enorme vetor de internacionalização.

Boletim da SBPMat: – Cite quais são as fontes de financiamento do projeto.

Antonio José Roque da Silva: – O projeto é majoritariamente financiado pelo Governo Federal, através do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, MCTI. Inclusive, é importante salientar que o projeto Sirius recentemente foi incluído no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), estando na lista dos primeiros projetos do MCTI a fazerem parte do Programa.

Outros recursos importantes foram fornecidos pelo Governo do Estado de São Paulo. Por exemplo, o terreno de 150 mil metros quadrados onde será instalado o Sirius foi adquirido pelo Governo Estadual e cedido ao CNPEM.

Além disso, a FAPESP tem sido importante parceira nos programas de interação com empresas e no apoio a eventos e na aquisição de instrumental científico que será instalado nas estações experimentais (linhas de luz) do Sirius.

Boletim da SBPMat: – Em que estágio o projeto se encontra neste momento? Qual é, atualmente, a previsão de inauguração da fonte de luz e das primeiras estações experimentais?

Antonio José Roque da Silva: – As obras civis do edifício que abrigará o Sirius estão cerca de 20% concluídas. Já foi construída parte da superestrutura da edificação principal e parte da estrutura metálica da cobertura da edificação principal. Um marco importante é a liberação do túnel para início da montagem dos aceleradores ao final de 2017.

Diversos componentes do acelerador estão em fase de produção. Todos os quadrupolos e corretoras do booster já foram fabricados (pela WEG) e já foram entregues. Na semana passada foi entregue o lote-piloto do sextupolo, e a fabricação dos sextupolos será iniciada em duas semanas. Os dipolos do booster terão seus protótipos entregues até o fim do mês de março, e sua produção deve ser iniciada no começo de maio. O acelerador linear, Linac já está pronto e passando por testes no Instituto de Física de Xangai. Além disso, outros componentes terminaram a fase de desenvolvimento e estão aguardando a liberação do início da produção, como é o caso das câmaras de vácuo do booster e parte das câmaras de vácuo do anel de armazenamento. As cavidades de RF do booster já foram encomendadas, e as cavidades de RF do anel de armazenamento estão prestes a serem encomendadas. Vários outros subsistemas estão em fase final de prototipagem ou início de produção.

No que se refere às estações experimentais (linhas de luz), seus projetos estão entrando na fase de detalhamento técnico e construção e/ou aquisição de componentes. Os projetos das linhas Ipê, Carnaúba, Ema e Cateretê estão entrando agora em uma fase de detalhamento de componentes das estações experimentais, desenhos técnicos e construção/encomenda de componentes como onduladores e espelhos, que tem tempo de entrega de até dois anos e meio. Praticamente todos os protótipos importantes das linhas de luz estarão concluídos até o final de 2016. De maneira geral, o cronograma do Sirius está dentro do previsto, com previsão de primeiro feixe e início da fase de comissionamento em 2018, para que em 2019 a máquina possa receber os primeiros pesquisadores.

Boletim da SBPMat: – Deseja acrescentar algum comentário ou informação?

Antonio José Roque da Silva: – É importante salientar que o Sirius é uma decorrência da evolução tanto da capacidade interna do laboratório quanto do amadurecimento da comunidade científica do Brasil. O conceito de Laboratório Nacional Aberto, que no caso do LNLS visa prover um equipamento extremamente sofisticado e único para a comunidade de CT&I, está no cerne da cultura do laboratório. O seu funcionamento em alta performance exige investimento constante na formação de recursos humanos altamente especializados (cientistas, engenheiros, técnicos), na manutenção de equipamentos e infraestrutura de ponta (aceleradores, linhas de luz, estações experimentais, grupos de apoio, metrologia, técnicas de fabricação, etc.), treinamento de usuários, desenvolvimento de novas tecnologias, comunicação e gestão de excelência. O projeto síncrotron do Brasil, desde o UVX até o Sirius, é algo que todos os brasileiros podem e devem se orgulhar, tendo saído da “estaca zero” e em trinta anos coloca o Brasil no estado da arte, com enorme impacto na formação de recursos humanos, em ciência de alto nível, em inovação, no desenvolvimento de alta tecnologia e na internacionalização.

Simulação do edifício do Sirius (redondo, acima à esquerda) implantado junto ao campus no CNPEM. Crédito: LNLS – CNPEM.

Links relacionados:

Sobre o Sirius

Sobre o UVX

Artigo em destaque: Delivery de genes com nanomateriais funcionalizados.

Artigo científico com participação de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é: Functionalized nanomaterials: are they effective to perform gene delivery to difficult-to-transfect cells with no cytotoxicity? Tonelli, F.M.P. ; Lacerda, S. M. S. N.; Paiva, N. C. O.; Pacheco, F. G.; Scalzo Junior, S. R. A.; de Macedo, F. H. P.; Cruz, J. S.; Pinto, M. C. X.; Correa Junior, J. D.; Ladeira, L. O.; França, L. R.; Guatimosim, S.; Resende, R. R. Nanoscale, 2015,7, 18036-18043. DOI: 10.1039/C5NR04173B.

Delivery de genes com nanomateriais funcionalizados

Nanomateriais podem ser úteis em processos nos quais o ser humano introduz genes (segmentos de DNA) de maneira controlada em determinadas células. Esses processos são chamados de transfecções, e podem ter como objetivo a cura de uma doença provocada pela falta de um gene (terapia génica) ou a obtenção de organismos transgênicos, citando apenas alguns exemplos.

Em um estudo realizado no Brasil por uma equipe multidisciplinar, foi testada a eficiência de diversos nanomateriais para entregar genes a diferentes tipos de células de camundongos e de humanos, todas consideradas de difícil transfecção.

Resultados do trabalho foram recentemente publicados em forma de communication no periódico científico Nanoscale e foram objeto de pedidos de patente sobre usos afins submetidos ao INPI.

A pesquisa, que foi realizada em apenas 6 meses, contando desde o delineamento do projeto até a submissão do artigo, envolveu o trabalho de 13 cientistas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que estavam organizados numa rede de pesquisa em Nanobiotecnologia iniciada em parceria com a FAPEMIG. “A multidisciplinaridade do grupo foi essencial para a realização do trabalho em curto intervalo de tempo e de maneira a ser aceito para publicação na Nanoscale”, conta Rodrigo Resende, professor do Departamento de Bioquímica e Imunologia da UFMG e autor correspondente do artigo publicado na Nanoscale.

Painel de fotos dos autores do artigo. Da esquerda para a direita e de cima para baixo: Fernanda Tonelli, Nicole Paiva, Mauro Xavier, Rodrigo Resende, Samyra Nassif, Luiz França, Sérgio Scalzo, Silvia Guatimosim, Flávia Pacheco, Luiz Ladeira, José Dias, Jader Cruz.

 A ideia que deu origem à pesquisa surgiu a partir da dissertação de Fernanda Maria Policarpo Tonelli, desenvolvida com orientação de Resende para a obtenção do diploma de mestre em Bioquímica e Imunologia. “O trabalho envolveu espermatogônias-tronco de tilápias (cultura primária), que são células de difícil transfecção”, relata o professor. “Ao tentar entregar genes de interesse a estas células, percebeu-se que esta era tarefa árdua”, conta. Quando a estudante conferiu que o uso de nanotubos de carbono de paredes múltiplas funcionalizados facilitou o processo, surgiu a ideia de verificar sistematicamente a capacidade de uma série de nanomateriais funcionalizados para entregar genes a células de difícil transfecção.

De fato, nanomateriais são interessantes candidatos a veículos de entrega de genes, não apenas pela variedade de tamanhos, formatos e propriedades que podem ser obtidos por meio da funcionalização e dos diversos métodos de síntese, mas também por oferecerem alta proteção ao gene que devem entregar. “Previnem a degradação do ácido nucleico durante o tráfego extra e intracelular”, diz Resende. “Além disso, dentre os nanomateriais, os nanobastões de ouro oferecem ainda uma característica muito útil ao gene delivery: a possibilidade de liberação fototérmica; ou seja, a liberação de genes pode ser induzida com incidência de luz no comprimento de onda correto sobre o nanocomplexo”, completa o professor.

Para realizar a pesquisa experimental que originou o artigo da Nanoscale, Resende e seus colaboradores procederam à fabricação de alguns nanomateriais. Assim, nanotubos de carbono, nanobastões de ouro, nanodiamantes e óxido de nanografeno foram sintetizados no Laboratório de Nanomateriais do Instituto de Ciências Exatas e no Laboratório de Sinalização Celular e Nanobiotecnologia da UFMG, enquanto nanocompósitos de fosfato foram produzidos no Laboratório de Interações Químico-biológicas e Reprodução Animal do Departamento de Morfologia da mesma universidade.

Na sequência, todos os nanomateriais foram funcionalizados; ou seja, grupos de átomos foram adicionados a suas superfícies de modo a conseguir determinadas propriedades químicas nos materiais. Essa parte da pesquisa, assim como quase todos os experimentos seguintes, foi realizada no Laboratório de Sinalização Celular e Nanobiotecnologia do Departamento de Bioquímica e Imunologia, e no Laboratório de Biologia Celular do Departamento de Morfologia, sempre na UFMG. A efetiva funcionalização dos nanomateriais foi confirmada por análises de espectroscopia no infravermelho próximo por transformada de Fourier (FI-NIR), realizadas no Centro de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear (CDNT), localizado no campus da UFMG. Graças à funcionalização, os nanomateriais grudaram ao DNA que continha o gene de interesse, formando nanocomplexos.

Então, células de difícil transfecção, de camundongos e de humanos, obtidas em laboratórios dos departamentos de Fisiologia e Farmacologia e de Bioquímica e Imunologia da UFMG, foram expostas aos nanocomplexos.

Finalmente, os cientistas observaram, para cada material e para cada tipo de célula estudada, se o gene de interesse tinha ingressado na célula e se estava realizando suas funções na nova morada.

Esquema das etapas principais do estudo. Os nanomateriais foram funcionalizados para associarem-se ao DNA plasmidial contendo o gene de interesse (neste caso o gene da proteína fluorescente ciano). As células de difícil transfecção foram então expostas aos nanocomplexos nanomaterial funcionalizado – DNA plasmidial, e observou-se a expressão de proteína fluorescente.

Os resultados publicados na Nanoscale mostram que, de modo geral, os nanomateriais são bons veículos de entrega de genes para células de difícil transfecção, igualando ou superando, em alguns casos, a capacidade de reagentes disponíveis no mercado. Detalhe: a síntese dos nanomateriais tem custo inferior à compra de alguns reagentes.

Além disso, os autores da communication conferiram a citotoxicidade de cada nanomaterial frente às diversas células estudadas, e puderam determinar as respectivas taxas de morte celular. Os cientistas concluíram que, em concentrações adequadas, os nanomateriais estudados têm baixa citotoxicidade.

Essas descobertas da equipe da UFMG já podem ser aplicadas em pesquisas que envolvem gene delivery. “Por exemplo, caso se deseje estudar a função de uma determinada proteína em cardiomiócitos e seja necessário se fazer a expressão dessa proteína nestas células, nanotubos de carbono de paredes múltiplas funcionalizados são uma opção mais eficiente que a lipofecção com o reagente comercial Lipofectamina 2000”, ilustra o professor.

“Quanto a aplicações um pouco mais distantes, também encontra-se uma possibilidade de adaptação da metodologia para viabilização de terapia gênica e também transgenia mediada por nanomateriais”, continua Resende, que comenta que seu grupo de pesquisa já está realizando estudos complementares in vitro e in vivo para desenvolver essas aplicações.

De acordo com Resende, outro desdobramento do artigo pode surgir perante a diferença de comportamento observada nas diferentes células frente a diferentes nanomateriais. “Isso oferece a possibilidade de desenvolver estudos a respeito de como os genes entregues são internalizados por cada célula e por qual razão há a diferença de eficiência observada em nosso estudo”, diz o professor.

A pesquisa foi financiada com recursos do CNPq, FAPEMIG, INCT de Nanomateriais de Carbono e Instituto Nanocell, uma entidade independente fundada pelo grupo de pesquisa do professor Rodrigo Resende para a promoção da ciência e educação.

Gente da nossa comunidade: entrevista com o pesquisador Helio Chacham.

Durante sua infância e adolescência em Belo Horizonte, nas décadas de 1960 e 1970, não faltaram estímulos para que começasse a crescer em Helio Chacham a semente de cientista.  Na fase dos estudos universitários, após iniciar o curso de Engenharia Elétrica, Chacham acabou optando pela Física. E foi nessa área que realizou, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sua graduação, mestrado e doutorado.

Pouco depois de finalizar o doutorado, ingressou na UFMG como professor adjunto e, em seguida, partiu para os Estados Unidos para fazer um estágio de pós-doutorado de cerca de dois anos na Universidade de Califórnia em Berkeley. De volta a Minas Gerais, coordenou o programa de pós-graduação em Física da UFMG, entre 1995 e 1997. De 1999 a 2000 retornou aos Estados Unidos para realizar um segundo estágio de pós-doutorado, na Universidade de Texas em Austin. Em 2004, tornou-se professor titular da UFMG.

Ao longo de 30 anos de atividade científica, o professor Chacham tem estudado diversos materiais a partir da investigação teórica, baseada no uso intensivo de cálculos computacionais, embora em numerosas oportunidades ele tenha trabalhado em colaboração com grupos de pesquisa experimental. No início de sua carreira, Chacham fez aportes importantes ao estudo das propriedades de materiais sob ultra-alta pressão. Desde meados da década de 1990, o pesquisador tem se dedicado, junto a seu grupo e colaboradores, a prever, verificar e explicar fenômenos que ocorrem em nanomateriais e materiais bidimensionais, realizando, também nesse tema, contribuições significativas.

Atualmente com 55 anos, Helio Chacham é bolsista de produtividade do CNPq de nível 1 A. É autor de cerca de 100 artigos publicados em periódicos internacionais de revisão por pares, os quais contam com mais de 1.800 citações. Chacham é subcoordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Nanomateriais de Carbono. Em dezembro de 2014, foi eleito membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC).

Segue uma entrevista com o cientista.

Boletim da SBPMat: – Como se despertou seu interesse pela ciência? O que o levou a se tornar um cientista e a trabalhar em Física da Matéria Condensada?

Helio Chacham: – Minha infância se passou nas décadas de 60 e 70, quando havia um grande interesse por ciência e tecnologia – em parte devido à corrida espacial e a ida à lua. Na infância e adolescência, sempre tive acesso a livros de divulgação científica – lembro-me do “O Universo” de Isaac Asimov – e também de ficção científica (vários também do Asimov). Nesta época também colecionei kits de experimentos de ciência que eram vendidos em bancas de jornal – eram ótimos kits com materiais e instruções para experimentos, incluindo também pequenos textos sobre os cientistas associados aos experimentos.  Nas escolas que frequentei a partir da 5ª série (Centro Pedagógico da UFMG e Colégio Técnico da UFMG) havia bons laboratórios e bons professores de ciência, que também me estimularam nesta direção.

Ao entrar na universidade (UFMG) iniciei como estudante de Engenharia Elétrica, mas após o primeiro ano verifiquei que meu interesse maior era nas áreas e Física e Computação. Mudei para o curso de Física e fiquei por algum tempo como estudante de iniciação em Ciência da Computação. Passei na seleção ao mestrado em ambos – Física e Computação – e acabei optando pelo primeiro. A partir daí, dediquei-me à pesquisa em Física da matéria condensada, talvez por estar de alguma forma relacionada aos meus interesses anteriores (engenharia e computação).

Boletim da SBPMat: –  Quais são, na sua própria avaliação, as suas principais contribuições à área de Materiais?

Helio Chacham: – Nos anos 90 dediquei-me principalmente à investigação teórica de propriedades de materiais sob ultra-alta pressão. Estas propriedades são relevantes, por um lado, sob o ponto de vista acadêmico, porque permitem investigar condições similares às de interiores planetários. Por outro, estas propriedades determinam limites de dureza de materiais, como o diamante. Minhas maiores contribuições nesta área foram a determinação da pressão acima da qual o hidrogênio se torna um metal – o que ocorre no interior de Júpiter – e a determinação teórica de uma das medidas de dureza do diamante, o ideal shear strength.

A partir de meados dos anos 90 iniciei uma linha de pesquisa em nanomateriais. Esta tem sido uma das áreas de pesquisa mais ativas em materiais, desde a descoberta dos fulerenos e nanotubos de carbono. Minhas primeiras contribuições na área, em colaboração com estudantes, foram a previsão de morfologias de fulerenos de nitreto de boro e a previsão da transformação das propriedades eletrônicas de nanotubo de carbono – de isolante para metálico – quando submetidos a compressão. Este último fenômeno só foi comprovado experimentalmente vários anos depois, em um trabalho em colaboração com experimentais em meu próprio departamento – o departamento de Física da UFMG. Estas colaborações teórico/experimental tiveram uma profícua continuidade até os dias de hoje, o que nos tem permitido prever, verificar e explicar diversos novos fenômenos em nanotubos de carbono, grafeno e materiais bidimensionais, fenômenos estes tais como: a compressibilidade dinâmica negativa em grafeno; a cristalização de rugas em nitreto de boro; e a exfoliação do talco até o limite de única camada, de maneira semelhante à do grafeno, e a determinação das propriedades deste novo material bidimensional.

Durante todos estes projetos sempre me preocupei em formar mestres e doutores, cujas teses versaram em propriedades eletrônicas e estruturais de nanotubos, fulerenos, DNA, nanopartículas, nanofios, grafeno, e outros materiais bidimensionais. Estes ex-estudantes são agora professores e pesquisadores tanto na UFMG como em outras universidades, e tem realizado diversos projetos, principalmente na área de nanomateriais.

Boletim da SBPMat: – No ano passado você foi eleito membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Comente o que significa para você essa distinção e como você vê seu papel dentro da ABC.

Helio Chacham: Agradeço profundamente o apoio de meus colegas da Academia na eleição. Tomarei posse em maio, e poderei a partir de então procurar formas de contribuição à ABC, seja pela participação em comissões ou em projetos específicos da Academia, como a colaboração com Academias de Ciências de outros países, em uma das quais já participei (Brasil/Índia) antes de ingressar como membro. Como já venho prestado serviços à comunidade, seja por exemplo como membro de comitê assessor do CNPq ou coordenando projetos em nanomateriais, creio que minha eleição me permitirá continuar a contribuir para a comunidade de pesquisadores em diversas formas.

Boletim da SBPMat: –  Deixe uma mensagem para nossos leitores que estão iniciando suas carreiras de cientistas.

Helio Chacham: – Baseando-me em minha experiência profissional até o momento, eu talvez possa dar algumas sugestões – que podem ser úteis ou não dependendo da personalidade de cada um, é claro:

a)      Trabalhe naquilo que realmente o entusiasme – a carreira de pesquisador é uma das poucas que lhe permitem isto.

b)      Procure áreas de pesquisa em que há muitos problemas a serem resolvidos, ou novos materiais sendo produzidos, e que estejam consistentes com o ítem (a) acima. Para isto, é importante estar sempre em dia com a literatura científica da área.

c)       Domine as metodologias que usa tão profundamente quanto possível. Isto lhe permitirá atacar problemas difíceis e relevantes.

d)      Esteja disposto a sempre estudar e aprender novas metodologias – isto lhe dará a flexibilidade e a habilidade de procurar novos problemas e áreas de pesquisa, assim como colaborar com pesquisadores que utilizam outras metodologias. A ciência evolui continuamente, e sempre.