Gente da nossa comunidade: entrevista com o pesquisador Helio Chacham.


Durante sua infância e adolescência em Belo Horizonte, nas décadas de 1960 e 1970, não faltaram estímulos para que começasse a crescer em Helio Chacham a semente de cientista.  Na fase dos estudos universitários, após iniciar o curso de Engenharia Elétrica, Chacham acabou optando pela Física. E foi nessa área que realizou, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sua graduação, mestrado e doutorado.

Pouco depois de finalizar o doutorado, ingressou na UFMG como professor adjunto e, em seguida, partiu para os Estados Unidos para fazer um estágio de pós-doutorado de cerca de dois anos na Universidade de Califórnia em Berkeley. De volta a Minas Gerais, coordenou o programa de pós-graduação em Física da UFMG, entre 1995 e 1997. De 1999 a 2000 retornou aos Estados Unidos para realizar um segundo estágio de pós-doutorado, na Universidade de Texas em Austin. Em 2004, tornou-se professor titular da UFMG.

Ao longo de 30 anos de atividade científica, o professor Chacham tem estudado diversos materiais a partir da investigação teórica, baseada no uso intensivo de cálculos computacionais, embora em numerosas oportunidades ele tenha trabalhado em colaboração com grupos de pesquisa experimental. No início de sua carreira, Chacham fez aportes importantes ao estudo das propriedades de materiais sob ultra-alta pressão. Desde meados da década de 1990, o pesquisador tem se dedicado, junto a seu grupo e colaboradores, a prever, verificar e explicar fenômenos que ocorrem em nanomateriais e materiais bidimensionais, realizando, também nesse tema, contribuições significativas.

Atualmente com 55 anos, Helio Chacham é bolsista de produtividade do CNPq de nível 1 A. É autor de cerca de 100 artigos publicados em periódicos internacionais de revisão por pares, os quais contam com mais de 1.800 citações. Chacham é subcoordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Nanomateriais de Carbono. Em dezembro de 2014, foi eleito membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC).

Segue uma entrevista com o cientista.

Boletim da SBPMat: – Como se despertou seu interesse pela ciência? O que o levou a se tornar um cientista e a trabalhar em Física da Matéria Condensada?

Helio Chacham: – Minha infância se passou nas décadas de 60 e 70, quando havia um grande interesse por ciência e tecnologia – em parte devido à corrida espacial e a ida à lua. Na infância e adolescência, sempre tive acesso a livros de divulgação científica – lembro-me do “O Universo” de Isaac Asimov – e também de ficção científica (vários também do Asimov). Nesta época também colecionei kits de experimentos de ciência que eram vendidos em bancas de jornal – eram ótimos kits com materiais e instruções para experimentos, incluindo também pequenos textos sobre os cientistas associados aos experimentos.  Nas escolas que frequentei a partir da 5ª série (Centro Pedagógico da UFMG e Colégio Técnico da UFMG) havia bons laboratórios e bons professores de ciência, que também me estimularam nesta direção.

Ao entrar na universidade (UFMG) iniciei como estudante de Engenharia Elétrica, mas após o primeiro ano verifiquei que meu interesse maior era nas áreas e Física e Computação. Mudei para o curso de Física e fiquei por algum tempo como estudante de iniciação em Ciência da Computação. Passei na seleção ao mestrado em ambos – Física e Computação – e acabei optando pelo primeiro. A partir daí, dediquei-me à pesquisa em Física da matéria condensada, talvez por estar de alguma forma relacionada aos meus interesses anteriores (engenharia e computação).

Boletim da SBPMat: –  Quais são, na sua própria avaliação, as suas principais contribuições à área de Materiais?

Helio Chacham: – Nos anos 90 dediquei-me principalmente à investigação teórica de propriedades de materiais sob ultra-alta pressão. Estas propriedades são relevantes, por um lado, sob o ponto de vista acadêmico, porque permitem investigar condições similares às de interiores planetários. Por outro, estas propriedades determinam limites de dureza de materiais, como o diamante. Minhas maiores contribuições nesta área foram a determinação da pressão acima da qual o hidrogênio se torna um metal – o que ocorre no interior de Júpiter – e a determinação teórica de uma das medidas de dureza do diamante, o ideal shear strength.

A partir de meados dos anos 90 iniciei uma linha de pesquisa em nanomateriais. Esta tem sido uma das áreas de pesquisa mais ativas em materiais, desde a descoberta dos fulerenos e nanotubos de carbono. Minhas primeiras contribuições na área, em colaboração com estudantes, foram a previsão de morfologias de fulerenos de nitreto de boro e a previsão da transformação das propriedades eletrônicas de nanotubo de carbono – de isolante para metálico – quando submetidos a compressão. Este último fenômeno só foi comprovado experimentalmente vários anos depois, em um trabalho em colaboração com experimentais em meu próprio departamento – o departamento de Física da UFMG. Estas colaborações teórico/experimental tiveram uma profícua continuidade até os dias de hoje, o que nos tem permitido prever, verificar e explicar diversos novos fenômenos em nanotubos de carbono, grafeno e materiais bidimensionais, fenômenos estes tais como: a compressibilidade dinâmica negativa em grafeno; a cristalização de rugas em nitreto de boro; e a exfoliação do talco até o limite de única camada, de maneira semelhante à do grafeno, e a determinação das propriedades deste novo material bidimensional.

Durante todos estes projetos sempre me preocupei em formar mestres e doutores, cujas teses versaram em propriedades eletrônicas e estruturais de nanotubos, fulerenos, DNA, nanopartículas, nanofios, grafeno, e outros materiais bidimensionais. Estes ex-estudantes são agora professores e pesquisadores tanto na UFMG como em outras universidades, e tem realizado diversos projetos, principalmente na área de nanomateriais.

Boletim da SBPMat: – No ano passado você foi eleito membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Comente o que significa para você essa distinção e como você vê seu papel dentro da ABC.

Helio Chacham: Agradeço profundamente o apoio de meus colegas da Academia na eleição. Tomarei posse em maio, e poderei a partir de então procurar formas de contribuição à ABC, seja pela participação em comissões ou em projetos específicos da Academia, como a colaboração com Academias de Ciências de outros países, em uma das quais já participei (Brasil/Índia) antes de ingressar como membro. Como já venho prestado serviços à comunidade, seja por exemplo como membro de comitê assessor do CNPq ou coordenando projetos em nanomateriais, creio que minha eleição me permitirá continuar a contribuir para a comunidade de pesquisadores em diversas formas.

Boletim da SBPMat: –  Deixe uma mensagem para nossos leitores que estão iniciando suas carreiras de cientistas.

Helio Chacham: – Baseando-me em minha experiência profissional até o momento, eu talvez possa dar algumas sugestões – que podem ser úteis ou não dependendo da personalidade de cada um, é claro:

a)      Trabalhe naquilo que realmente o entusiasme – a carreira de pesquisador é uma das poucas que lhe permitem isto.

b)      Procure áreas de pesquisa em que há muitos problemas a serem resolvidos, ou novos materiais sendo produzidos, e que estejam consistentes com o ítem (a) acima. Para isto, é importante estar sempre em dia com a literatura científica da área.

c)       Domine as metodologias que usa tão profundamente quanto possível. Isto lhe permitirá atacar problemas difíceis e relevantes.

d)      Esteja disposto a sempre estudar e aprender novas metodologias – isto lhe dará a flexibilidade e a habilidade de procurar novos problemas e áreas de pesquisa, assim como colaborar com pesquisadores que utilizam outras metodologias. A ciência evolui continuamente, e sempre.


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