Da ideia à inovação: nanotecnologia para uma agricultura sustentável e produtiva.

krilltechUsar nanotecnologia para resolver problemas importantes da humanidade é, há muitos anos, uma meta pessoal de Marcelo Oliveira Rodrigues, professor da Universidade de Brasília (UnB) e sócio da Krilltech.

Um desses problemas é, sem dúvida, o da produção de alimentos. Dados da ONU e da FAO mostram que a demanda por alimentos crescerá mais de 50% até 2050, enquanto a expansão das áreas disponíveis para agricultura não acompanhará esse crescimento.

Lançada ao mercado neste ano como culminação de sete anos de pesquisa, desenvolvimento e testes, a Krilltech poderá fazer a sua contribuição, pela via da nanotecnologia, para uma agricultura mais produtiva e ecologicamente correta, que gere alimentos com melhor qualidade nutricional.  “Nossa tecnologia é uma revolução nos modos de produção e na forma como se faz agricultura sustentável”, diz Rodrigues.

Além de ter alguns projetos em desenvolvimento, a startup já conta com um portfólio de produtos, que inclui uma linha adaptável às necessidades do cliente. Os produtos podem ser aplicados no solo ou nas folhas das plantas, ou até mesmo na água, no caso de cultivos hidropônicos.

Os produtos da Krilltech aumentam as taxas de fotossíntese das plantas cultivadas, tornam mais eficiente seu consumo de água e aceleram seu metabolismo (bioestimulantes). Ao mesmo tempo, atuam como fertilizantes ao fornecer os micro e macro nutrientes necessários para o crescimento dos vegetais (nitrogênio, carbono, fósforo, potássio, entre outros). “Nossos nanoprodutos possuem multifunção”, diz Rodrigues. A startup também possui uma linha de produtos para incorporar sais minerais como zinco e ferro em grãos e vegetais. “Produzir batata, milho, lentilha e grão-de-bico enriquecidos com ferro e zinco irá contribuir para dirimir problemas de saúde pública associados à deficiência de sais minerais essenciais”, exemplifica o professor – pesquisador – empreendedor.

Por ser baseados em nanotecnologia, esses bioestimulantes – fertilizantes superam limitações das tecnologias convencionais e conseguem entregar muito mais nutrientes aos cultivos. “Estabilizar em meio aquosos todos os macro e micronutrientes em uma solução requer um material com elevada área superficial e extremamente hidrofílico. Sem recorrer à nanotecnologia é uma tarefa extremamente difícil”, explica Rodrigues.

De acordo com ele, os produtos da Krilltech não afetam a biota (conjunto de seres vivos) de solos e corpos de água, não se acumulam nos tecidos das plantas (são metabolizados), e não são tóxicos para fungos, bactérias e animais. Para garantir a não-toxicidade de seus produtos, a Krilltech conta com resultados de testes realizados com larvas, vermes, fungos, bactérias, peixes, diversas linhagens de células sadias e tumorais e cobaias.

Quanto aos processos produtivos da Krilltech, eles envolvem custos relativamente baixos, em parte devido ao sistema lean adotado pela startup, baseado na nivelação da produção de acordo com a demanda e no foco em aumentar a eficiência e evitar desperdício nos processos de produção. “Nós trabalhamos com produtos sofisticados, porém os processos de produção são eficientes e não necessitamos de equipamentos importados para produzir”, comenta Rodrigues. “Um investimento inicial de 70 mil reais é mais do que suficiente para produzirmos cerca de 150 kg/hora dos nossos produtos”, revela. Além disso, a Krilltech não utiliza reagentes tóxicos em seus processos e não gera resíduos, diz Rodrigues.

Com essas características da sua tecnologia, processos produtivos e produtos, a Krilltech quer conquistar um lugar no crescente mercado de bioestimulantes, atualmente dominado por empresas multinacionais sediadas principalmente na Europa, além da América do Norte e Índia. Segundo estimativas informadas pela Krilltech, a demanda por bioestimulantes aumentará principalmente na Ásia e América do Sul. Calcula-se que esse mercado movimentará cerca de US$ 3,5 bilhões em 2022.

Surgimento da startup: parceria UnB – Embrapa

Sócios da Krilltech. Acima: Ataílson Oliveira (diretor de tecnologia), Rogério Faria (diretor industrial) e Carime Vitória (diretora de P&D), todos doutorandos em Química na UnB. Em baixo: Marcelo Rodrigues e Marcelo Henrique (professores da UnB).
Sócios da Krilltech. Acima: Ataílson Oliveira (diretor de tecnologia), Rogério Faria (diretor industrial) e Carime Vitória (diretora de P&D), todos doutorandos em Química na UnB. Em baixo: Marcelo Rodrigues e Marcelo Henrique (professores da UnB).

“Transformar pesquisa científica em tecnologias absorvidas pelo mercado consumidor sempre foi um desejo pessoal”, diz o professor Rodrigues. Assim, em 2012, pouco depois de ingressar na UnB como professor adjunto, ele identificou projetos de seu grupo de pesquisa que tinham potencial de virar inovações. Em 2016, o grupo tinha desenvolvido uma nanoformulação à base de um fármaco de alto custo, usado no SUS (sistema único de saúde) para tratar infecções fúngicas. “Conseguimos reduzir a toxicidade e o custo do fármaco em cerca de 40 vezes, porém fomos frustrados com a falta de recurso para avançar nos estudos pré-clínicos de acordo com as normas Anvisa”, conta Rodrigues.

Ainda em 2016, o grupo começou a dialogar com uma unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa, a Embrapa Hortaliças, localizada em Brasília. Inicialmente, buscava-se o desenvolvimento de plásticos com propriedades ópticas especiais para uso em cultivo protegido (estufa e similares). “As conversas com o Dr. Juscimar Silva (Embrapa) evoluíram para o desenvolvimento dos nossos nanobioestimulantes”, diz Rodrigues.

O desenvolvimento laboratorial da tecnologia foi realizado na UnB, com participação de alunos de iniciação científica, mestrado e doutorado, e suporte das agências governamentais FAP-DF, CNPq e Capes por meio de bolsas e recursos para material de consumo. “O financiamento público foi essencial para os primeiros estágios de desenvolvimento”, frisa Rodrigues.

Com apoio da Embrapa, a tecnologia foi testada na cultura de tomate, pimentão e alface. “Hoje estamos avaliando nossos produtos nas grandes monoculturas do país em parceria com empresas nacionais e multinacionais”, conta o sócio da Krilltech.

Em 2018, startup entrou no programa de pré-incubação do Centro de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico (CDT) da UnB, que visa auxiliar no desenvolvimento do modelo e plano de negócios e na formalização da futura empresa.

Atualmente, a Krilltech, junto à UnB e Embrapa, está em fase final de depósito da patente relativa à tecnologia usada nos produtos. “A Krilltech tem direito a exclusividade para explorar as tecnologias”, afirma Rodrigues.

Confiante na alta performance de seus produtos e na agilidade no desenvolvimento de inovações, a Krilltech já tem novos parceiros e novos projetos. A startup tem uma parceria para viabilizar a cultura de lúpulo na região Centro-Oeste e está testando sua tecnologia em condições de microgravidade visando contribuir a projetos de cultivo fora do planeta Terra (space farming). Além disso, adianta Rodrigues, em breve uma segunda startup será criada para explorar nanobiopesticidas de baixíssima toxicidade desenvolvidos no grupo.

Veja nossa breve entrevista com Rodrigues, que se formou em Química pela Universidade Federal de Sergipe na graduação e mestrado e obteve seu diploma de doutor em Química em 2010 pela Universidade Federal de Pernambuco.

Boletim da SBPMat: – Quais foram os fatores mais importantes no sentido de viabilizar a criação e desenvolvimento da startup?

Marcelo Oliveira Rodrigues: – Sem dúvida, o suporte oferecido pela UnB, MCTI e pela EMBRAPA em termos das proteções das tecnologias, consultorias e treinamentos foram fundamentais para criação da Krilltech. Porém, gostaria de frisar que a crise induzida à qual a ciência brasileira vem sendo submetida e as dificuldades de se celebrar acordos de cooperação entre a Universidade e o setor privado foram dois fatores que contribuíram bastante para iniciarmos esse movimento de empreender.

Boletim da SBPMat: – Quais foram as principais dificuldades enfrentadas até momento pela startup?

Marcelo Oliveira Rodrigues: – Sair da zona de conforto implica em dificuldades que precisam ser superadas. Aprender a empreender requereu uma mudança cultural na forma como planejamos e desenvolvemos nossos projetos; creio que essa foi a grande dificuldade que superamos.

Boletim da SBPMat: – Qual é, na sua visão, a principal contribuição da startup para a sociedade?

Marcelo Oliveira Rodrigues: – Nossa tecnologia contribui para redução do impacto ambiental causado pela aplicação de fertilizantes convencionais. Por exemplo, quando fósforo e nitrogênio de fertilizantes são indevidamente lixiviados para rios, lagos e oceanos, eles podem induzir a formação de zonas mortas, já que o processo de eutrofização pode induzir o crescimento excessivo de algas que destroem o oxigênio da água.

Ao contrário dos nanomateriais convencionais (nanopartículas metálicas e de óxidos metálicos, micelas poliméricas etc), a nossa tecnologia viabiliza o emprego da nanotecnologia na agricultura. A Krilltech vem contribuir para uma reformulação da indústria de fertilizantes e fitoestimulantes, pois nossa tecnologia representa:

  • O desenvolvimento de uma agricultura sustentável baseada em agroquímicos ecológicos;
  • Contribuição para eliminar e reduzir o uso de insumos e práticas de agroquímicos perigosos (insumos químicos menos perigosos);
  • Mitigação dos riscos ambientais e de saúde humana devido à não- toxicidade dos nossos produtos (design de produtos químicos mais seguros);
  • Eliminação do impacto adverso da transferência trófica de nanopartículas convencionais na cadeia alimentar;
  • Um paradigma disruptivo necessário para a inovação na produção de alimentos com base em nanomateriais verdes.

Boletim da SBPMat: – Qual é sua meta/ seu sonho para a startup?

Marcelo Oliveira Rodrigues: – Teremos unidades da Krilltech espalhadas pelo mundo inteiro, veremos nossa tecnologia contribuir para o desenvolvimento sustentável e contribuiremos para reduzir o impacto da erosão nutricional e desnutrição.

Boletim da SBPMat: – Deixe uma mensagem para nossos leitores do boletim e seguidores das redes sociais que avaliam a possibilidade de criar uma startup.

Marcelo Oliveira Rodrigues: – Dominar bem a tecnologia, conhecer o mercado e não desistir com as dificuldades. O ambiente de inovação no Brasil é insalubre e se sobressair nessas condições aumenta as chances de sucesso.

Artigo em destaque: Mamão e canela, ingredientes de filmes antimicrobianos para embalar alimentos.

O artigo científico com participação de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é:

Caio G. Otoni, Márcia R. de Moura, Fauze A. Aouada, Geany P. Camilloto, Renato S. Cruz, Marcos V. Lorevice, Nilda de F.F. Soares, Luiz H.C. Mattoso. Antimicrobial and physical-mechanical properties of pectin/papaya puree/cinnamaldehyde nanoemulsion edible composite films. Food Hydrocolloids. Volume 41, December 2014, Pages 188–194. DOI: 10.1016/j.foodhyd.2014.04.013.

Mamão e canela: ingredientes de filmes antimicrobianos para embalar alimentos.

Mamão e componentes da canela foram utilizados na fórmula dos filmes comestíveis antimicrobianos. À direita, um dos filmes. Crédito da foto: Flávio Anselmo Faria Ubiali – Núcleo de Comunicação Organizacional, Embrapa Instrumentação.

As embalagens comestíveis são filmes que podem ser ingeridos sem causar danos à saúde. Podem ser usados para cobrir alimentos no intuito de protegê-los, melhorar seu aspecto ou proporcionar alguma textura ou sabor. Filmes desse tipo já estão presentes no mercado substituindo tecidos animais em embutidos cárneos ou algas no sushi, por citar apenas alguns exemplos.

Além de ser interessantes do ponto de vista ambiental porque podem utilizar resíduos de frutas e hortaliças na sua composição, eles se tornam mais atrativos quando são dotados de propriedades antimicrobianas, pois permitem reduzir a quantidade de conservantes nos alimentos que recobrem.

No Brasil, uma equipe multidisciplinar composta por engenheiros de materiais, químicos e engenheiros de alimentos desenvolveu, a partir de fontes renováveis (pectina, mamão e óleo essencial de canela), filmes comestíveis com propriedades antimicrobianas.

O trabalho foi desenvolvido em três etapas principais. A primeira foi realizada no Laboratório Nacional de Nanotecnologia para o Agronegócio da unidade de Instrumentação da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e consistiu na obtenção e caracterização de nanoemulsões de cinamaldeído, componente majoritário do óleo essencial de canela. Por meio de agitação mecânica praticada de forma controlada em diversas velocidades, os pesquisadores obtiveram emulsões com partículas de cinamaldeído de diferentes tamanhos, de 40 a 270 nm de diâmetro.

Na segunda etapa, conduzida também na Embrapa Instrumentação, os pesquisadores fabricaram os filmes baseados em pectina (polímero natural presente em tecidos vegetais e conhecido por seu poder geleificante) e adicionados de polpa de mamão e das emulsões produzidas. Finalmente, a equipe realizou a caracterização dos filmes. Suas propriedades mecânicas e antimicrobianas foram analisadas no Laboratório de Embalagens da Universidade Federal de Viçosa (UFV, MG) e suas propriedades de barreira à umidade, avaliadas na Embrapa Instrumentação. Também participaram do trabalho professores da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS, BA) e da Universidade Estadual de São Paulo (UNESP, SP) que estavam em período de pós-doutorado nos laboratórios da Embrapa e da UFV.

Os resultados do estudo foram publicados recentemente no periódico Food Hydrocolloids.

Os filmes

A incorporação da nanoemulsão de cinamaldeído aos filmes inibiu o crescimento das quatro bactérias patógenas testadas pela equipe de pesquisadores (Escherichia coli, Salmonella enterica, Listeria monocytogenes e Staphylococcus aureus).

“O resultado mais interessante é que a redução do tamanho das partículas da nanoemulsão notoriamente potencializou a atividade inibitória dos filmes”, destaca o primeiro autor do paper, Caio Otoni, estudante de Mestrado em Ciência e Engenharia de Materiais na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). “Isto pode impactar a utilização de embalagens poliméricas com finalidades antimicrobianas para uso em alimentos, dado que a mesma segurança alimentar garantida pela embalagem ativa pode ser atingida usando-se menores teores de conservantes, se encapsulados em partículas menores, o que é vantajoso para fabricantes (menor custo de produção) e consumidores (ingestão de menor carga de conservante)”, completa Otoni, que desenvolveu o trabalho, junto aos outros sete autores, durante um de seus estágios de iniciação científica enquanto cursava Engenharia de Alimentos na UFV.

Além de conferir as propriedades antibacterianas aos filmes, a nanoemulsão tornou-os menos permeáveis à umidade e menos plásticos (mais rígidos e menos capazes de se esticarem). Já a polpa de mamão teve o efeito inverso no que diz respeito a essas características.

Os autores Luiz Henrique Capparelli Mattoso, Marcos Vinicius Lorevice e Caio Gomide Otoni (da esquerda para a direita) na planta piloto da Embrapa Instrumentação, em São Carlos (SP). Crédito da foto: Flávio Anselmo Faria Ubiali – Núcleo de Comunicação Organizacional, Embrapa Instrumentação.