História do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron – parte 2. A construção, no Brasil, da fonte de luz síncrotron e de suas primeiras estações experimentais.

[Suíte da reportagem: História do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron – parte 1. O sonho de uma grande máquina de pesquisa no Brasil e os passos prévios à construção do laboratório.]

Durante a ditadura militar, o sonho de possuir no Brasil uma fonte de luz síncrotron tinha sido abraçado pelo CNPq e por equipes de cientistas que conseguiram transformá-lo em projeto. No final do período, foi criada a figura de Laboratório Nacional de Radiação Síncrotron (LNRS) e foi definida qual seria a cidade que o receberia: a paulista Campinas, sede da Unicamp.

Em 1985, com José Sarney como primeiro Presidente civil do Brasil, e com Renato Archer como ministro do recém-criado Ministério da Ciência e Tecnologia, um grupo de quatro pessoas ligadas ao LNRS realiza uma missão de trabalho de três meses nos Estados Unidos, no Stanford Linear Accelerator Center (SLAC), que possui uma fonte de luz síncrotron. Ali, a equipe do Brasil trabalha sob supervisão do cientista Helmut Wiedemann, especialista em luz síncrotron. “Nosso objetivo era aprender os rudimentos da teoria e tecnologia envolvidas na construção da nossa fonte de luz síncrotron”, diz Antonio Ricardo Droher Rodrigues, mais conhecido como Ricardo Rodrigues, que fez parte dessa missão.

Entretanto, o governo dá um passo atrás no projeto perante algumas demonstrações de resistência de grupos da comunidade científica: críticas à criação do síncrotron brasileiro e uma proposta de levar o laboratório para o Rio de Janeiro. Renato Archer decide então realizar uma nova avaliação e, em 30 de janeiro de 1986, cria uma comissão assessora, coordenada por Roberto Lobo, a qual emite um parecer favorável para a implantação efetiva do laboratório na cidade de Campinas.

No segundo semestre de 1986, é designada a primeira diretoria do laboratório, com Cylon Gonçalves da Silva (professor do Instituto de Física Gleb Wataghin, IFGW, da Unicamp) no cargo de diretor do laboratório, Aldo Craievich (pesquisador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, CBPF) como vice-diretor e chefe do departamento científico do laboratório, e Ricardo Rodrigues (professor do Instituto de Física e Química de São Carlos, da USP) como chefe de projeto (coordenador técnico). Trata-se, na verdade, a diretoria de um laboratório que ainda não existe, e ela tem como missão principal, justamente, a implantação do LNLS.

Da sala à casa, da casa ao galpão, e do galpão ao campus

A equipe trabalha numa sala emprestada no prédio da Reitoria da Unicamp até o final do ano. No primeiro semestre de 1987, muda-se para uma casa alugada, de quatro quartos, localizada no bairro campineiro Chácara Primavera. Nesse momento, o laboratório já tem seu nome definitivo, Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), e a equipe de trabalho é formada pelos membros da Diretoria, mais o professor do IFGW Daniel Wisnivesky e cerca de seis outros colaboradores.

“Inicialmente os membros da equipe recebiam como autônomos!”, conta Ricardo Rodrigues. “Esta situação trabalhista foi “regularizada”, inicialmente, por uma abertura de 35 vagas do CNPq e, para continuar o crescimento necessário, por meio de um convênio assinado entre o CNPq e a Fundação da Universidade de Campinas para o projeto e construção do acelerador linear (LINAC), injetor do futuro síncrotron brasileiro”, completa. Os impedimentos legais ou burocráticos para contratar pessoas só encontrarão melhor solução a partir de 1998, com a sanção da lei n°9.637, que criará a figura das organizações sociais (pessoas jurídicas privadas, sem fins lucrativos, dedicadas ao ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saúde). “A instituição das organizações sociais é fruto de um trabalho hercúleo do Cylon”, diz Ricardo Rodrigues.

Em julho de 1987, a equipe de trabalho, que já conta com cerca de 40 pessoas, se muda para o bairro campineiro de Fazenda Santa Cândida, ocupando um galpão de 1.800 m2 que tinha sido comprado pelo CNPq e reformado durante o primeiro semestre.  No final do ano, o grupo tem umas 50 pessoas. “Os primeiros membros eram, na maioria, físicos recém-graduados que “aprenderam fazendo” todo o conhecimento necessário”, conta Ricardo Rodrigues.

Em 1990, o governo do Estado de São Paulo compra e cede ao LNLS um terreno de aproximadamente 500 x 800m2 (o campus) no bairro Guará, distrito de Barão Geraldo, para sua instalação definitiva. Em 1992, a equipe do LNLS deixa o barracão de Santa Cândida e ocupa os novos prédios do campus, sede definitiva do LNLS.

A partir da esquerda, Cylon Gonçalves da Silva, Ricardo Rodrigues e Aldo Craievich, por volta de 1990, no prédio provisório do LNLS. (Fotografia gentilmente cedida pelo professor Aldo Craievich).

Mãos (e cérebros) à obra!

Entre 1987 e 1997, a equipe do LNLS, que chega a contar com 70 pessoas, trabalha diariamente na construção da fonte de luz síncrotron, cujo projeto prevê um acelerador linear ou LINAC e um acelerador circular conhecido como anel de armazenamento, além de uma série de linhas de luz ou estações experimentais (os laboratórios em volta do anel nos quais os usuários utilizam a radiação para estudar a matéria por meio de diversos instrumentos científicos ). “Ao longo de todos aqueles anos, quase que diariamente, víamos os problemas técnicos cedendo ao nosso ataque em equipe”, diz Ricardo Rodrigues, que conduziu a construção da fonte enquanto Aldo Craievich liderava a construção das primeiras sete linhas de luz e desenvolvia um extenso programa de cursos, escolas e oficinas visando à formação de novos usuários de luz síncrotron.

O primeiro componente da fonte que fica pronto, no final de 1989, é um LINAC capaz de acelerar os elétrons até uma energia de 50 a 60 milhões de elétrons-volt (MeV). Esse acelerador linear fará parte, mais adiante, do LINAC definitivo, de 18 m de comprimento e 120 MeV .

Ainda em 1989, é elaborado o projeto do acelerador circular, que, na verdade, não é um círculo e sim é um polígono de 93 metros de comprimento. O projeto prevê que o anel acelere os elétrons até uma energia de 1,15 bilhões de elétrons-volt (GeV). Entre 1990 e 1991, ainda no galpão, são construídos os protótipos de componentes desse acelerador circular.

A construção das linhas de luz avança em paralelo. Para financiá-la, são elaboradas solicitações de auxílios a agências de fomento, principalmente FAPESP e CNPq.

A partir de 1992, já na sede definitiva, no campus do bairro Guará, as obras civis avançam, as linhas de luz vão sendo instaladas e os componentes do acelerador circular são produzidos – alguns deles, em série, como os mais de 100 eletroímãs do anel.

Em 1995, começa a montagem do anel e sua conexão com o LINAC de 120 MeV, instalado num túnel subterrâneo.

No mesmo ano, a primeira linha de luz construída no LNLS (toroidal grating monochromator, TGM), é levada ao laboratório de luz síncrotron CAMD, nos Estados Unidos, onde é operada durante dois anos por membros do LNLS. Depois, volta a Campinas para fazer parte do LNLS. Mais um componente desenvolvido no LNLS, um monocromador de raios X, sai do país para ser testado, neste caso no laboratório síncrotron LURE, na França.

Em junho de 1996, a fonte de luz síncrotron está completa, montada e testada, e a equipe do LNLS consegue operá-la em 1,15 GeV. Em outubro desse ano, a luz síncrotron chega por primeira vez a uma estação experimental , a TGM.

Finalmente, em julho de 1997, o LNLS inicia suas atividades de laboratório nacional, contando com uma fonte de luz síncrotron operando a uma energia maior do que a projetada ( 1,37 GeV), sete linhas de luz prontas para o uso, uma organização capaz de manter o laboratório em funcionamento e avaliar por revisão por pares os projetos de pesquisa submetidos e uma comunidade de usuários desejosa de utilizar o laboratório. Só em 1997, 100 projetos são realizados nas estações experimentais do LNLS. 

Um laboratório feito em casa

Em resumo, esse laboratório que trabalha sem parar há 17 anos viabilizando projetos de pesquisa científica e tecnológica da comunidade de Materiais e de outras áreas foi quase totalmente projetado e construído no Brasil, mais precisamente na cidade de Campinas, por uma equipe de cientistas e seus colaboradores, os quais foram superando, com sucesso, os diversos desafios tecnológicos, financeiros, macroeconômicos, legais, burocráticos, humanos, psicológicos e de outros tipos que apareceram ao longo de uma década.

Essa equipe foi além da elaboração do projeto e montagem da grande máquina científica. Seus membros fabricaram a maior parte das peças e componentes do grande laboratório, com exceção de peças de prateleira, como bombas e válvulas.

Ao menos uma parte desse trabalho poderia ter sido feito em colaboração com empresas industriais, mas isso não aconteceu. De acordo com Ricardo Rodrigues, a indústria nacional da época não estava equipada de modo a poder atender as demandas do projeto e não estava interessada em pequenos contratos que exigiam grande trabalho de engenharia. Por outro lado, existiam restrições de importação que dificultavam a participação de empresas estrangeiras. “A economia era bastante fechada em relação às empresas estrangeiras”, diz ele.

Por último, mas não menos importante, os líderes do projeto estavam interessados em treinar uma equipe interna que dominasse toda a tecnologia empregada nos aceleradores para que o LNLS tivesse uma vida longa por meio de aperfeiçoamentos contínuos – os quais têm, de fato, acontecido. O LNLS de 2014 tem componentes que o LNLS de 1997 não possuía, notadamente o acelerador intermediário (booster), um ondulador, dois wigglers e oito novas linhas de luz.

O treinamento da equipe do LNLS consistia, principalmente, no “aprender fazendo”, complementado por visitas de uma ou duas semanas em instituições do exterior análogas ao LNLS. Além disso, desde o início o LNLS contava com um comitê internacional de especialistas que participava de reuniões anuais em Campinas, nas quais a equipe brasileira apresentava os projetos e resultados para que fossem criticados.

Para Yves Petroff, que dirigiu centros de luz síncrotron na Europa, acompanhou a implantação do LNLS e foi seu diretor científico de novembro de 2009 a março de 2013, o “extremamente baixo” orçamento disponível somado ao fato de que quase tudo foi construído no laboratório dilataram a construção da máquina do LNLS, a qual demorou mais tempo do que o usual. “Porém, finalmente, isso foi uma vantagem, já que a equipe técnica adquiriu um conhecimento completo do acelerador. Hoje, se há um problema, ele pode ser consertado rapidamente; a confiabilidade da máquina (97%) está entre as melhores do mundo”, afirma Petroff. De acordo com o físico francês, essa experiência permitiu ao LNLS propor a construção do acelerador SIRIUS, que está sendo liderada por Ricardo Rodrigues. A máquina terá uma energia de 3 GeV e uma emissão de 0,28 nm.rad. “Será uma fantástica oportunidade para a comunidade de Ciência dos Materiais no Brasil e na América Latina”, diz Petroff.

Para saber mais:

– Cylon Gonçalves da Silva. The National Laboratory for Synchrotron Light. The Brazil experience. Disponível em: http://www.slac.stanford.edu/pubs/beamline/26/1/26-1-dasilva.pdf

– Aldo F. Craievich, Ricardo Rodrigues. The Brazilian synchrotron light source. Hyperfine Interactions 113 (1998) 465-475. (Springer) 

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BOX 1. Minientrevista com Cylon Gonçalves da Silva, primeiro diretor do LNLS (1986 – 1998).

Boletim da SBPMat: – Foi difícil para a equipe realizar um projeto desse porte, persistindo ao longo de uma década?

Cylon Gonçalves da Silva: – De meu ponto de vista, como responsável geral pelo projeto, a maior dificuldade foi financeiro-orçamentária. É bom lembrar que o LNLS foi construído em um dos piores períodos da história econômica do Brasil. Por anos a fio, com a inflação fora de controle, eu não sabia no começo do mês se haveria recursos para pagar os salários no final do mês. E isto era uma informação que eu tinha de guardar para mim mesmo, para não afetar o moral da equipe. Quanto aos recursos para custeio e investimento, lembro-me de um ano (1992) em que tivemos a fortuna de 800 mil dólares para tocar o projeto. Cada mês era uma luta, vencida com muito esforço, e com a ajuda de amigos do projeto no Conselho Diretor e em Brasília. Algum dia, será necessário registrar estes fatos e seus nomes. Tínhamos, no Congresso, um pequeno número de deputados que apoiavam o projeto, “a bancada do LNLS”. É interessante que ela compreendia todos os matizes do espectro político. O que facilitava (um pouquinho) nossa vida na hora de discutir o orçamento.

Contribuiu para a continuidade do projeto a incapacidade dos três diretores de sincronizar suas depressões. Se tivéssemos um grupo síncrono, o projeto teria falhado. Como os três nunca ficavam deprimidos ao mesmo tempo, os outros dois curavam o terceiro da depressão e o projeto continuava. Sem desprezar a incapacidade de chegarmos a um acordo sobre se primeiro a equipe se suicidaria e depois o diretor geral (como este queria) ou se primeiro o diretor geral se suicidaria e depois a equipe (como queria a equipe).

Com Ricardo na Diretoria Técnica, as dificuldades técnicas pareciam não existir. E com Aldo cuidando da parte científica, não precisava me preocupar. Provavelmente, eles terão outra visão das dificuldades que enfrentaram.

Boletim da SBPMat: – Quais foram, em suas lembranças, os momentos mais emocionantes dessa história?

Cylon Gonçalves da Silva: – O funcionamento do primeiro LINAC de 50 MeV (em dezembro de 1989), aquele que eu chamava do “Grande Projeto de Pós-Graduação” da equipe técnica, foi o primeiro indício de que estávamos no caminho certo e tínhamos reunido a equipe certa. As dificuldades de importar qualquer coisa eram imensas naquela época e havia componentes, como klystrons, que não podíamos fabricar ou adquirir no Brasil. Iniciamos a fabricação das estruturas aceleradoras, mas apareceu uma oportunidade de adquiri-las da China e encurtamos o caminho. Para as importações, até 1990, a ajuda do CERN foi decisiva. Mas, isto é outra história.

Os painéis internacionais de revisão do projeto mostraram, em poucos anos, o incrível crescimento profissional da jovem equipe. Especialmente no segundo painel, quando os jovens da equipe técnica começaram a falar com os grandes especialistas de aceleradores que trazíamos como colegas e não como estudantes.

Para mim, a construção do LNLS foi acima de tudo uma desculpa para formar profissionais de qualidade. O sucesso que tivemos está mais do que demonstrado pelo número de membros da nossa equipe que (infelizmente) emigraram e hoje ocupam posições de destaque em grandes laboratórios no exterior. É por esta razão que considero o Sirius um projeto importantíssimo também, pela oportunidade de formar técnicos e engenheiros de primeira linha. Não apenas para trabalhar no Laboratório, mas para contribuir na indústria e com a criação de empresas para a elevação do patamar tecnológico do Brasil. E para não se perder o que se alcançou com os primeiros passos dados pelo LNLS.

Apesar de todos os momentos difíceis que vivemos, que não foram poucos, de uma coisa nunca tive dúvida. De que se persistíssemos, o projeto chegaria a bom termo. O grande ceticismo que cercava nossa empreitada, pela maioria da comunidade científica, foi um bom estímulo para que prosseguíssemos. Sem querer e sem saber, até a oposição ajudou a concretizar o LNLS. As primeiras injeções e armazenamento de elétrons no anel e a visão da primeira luz síncrotron foram o coroamento emocionante desta certeza. Marcaram o ingresso do Brasil no grupo de países capazes de projetar e construir aceleradores de partículas de grande porte.

A linha de luz operando no CAMD (Louisiana, EUA), uma exportação (temporária) do primeiro instrumento científico complexo do projeto, construído no Brasil, mostrou para nossa equipe e a comunidade internacional que não era apenas a construção do anel que avançava com qualidade, mas também o projeto e construção dos instrumentos necessários para utilizá-lo. Graças a esta operação, parte da equipe técnica começou a se familiarizar com as dificuldades envolvidas na vida real de um instrumento conectado a uma fonte de luz síncrotron, mesmo antes que tivéssemos a nossa própria.

A transformação em Organização Social (1998), depois de uma longa batalha, com a criação de um novo modelo institucional para a Ciência no Brasil, foi outro momento emocionante para mim. Talvez, a mais importante das contribuições que eu possa ter dado ao projeto. Aqui é preciso agradecer à ex-Deputada Federal Irma Passoni (PT-SP) por ter me levado para conhecer o Dr. Aloysio Campos da Paz (falecido em 2014) do Hospital Sarah de Brasília. Foi a partir da longa conversa com ele que concebi o modelo institucional que me levou a formular a proposta do Contrato de Gestão, muito antes do Ministro Bresser Pereira levantar a bandeira da Reforma do Estado (abandonada cedo demais, isto é certo). Esta é outra história que mereceria ser contada um dia.

Do ponto de vista pessoal, fiquei emocionado com a concessão do título de Pesquisador Emérito do LNLS quando deixei o Laboratório, o qual me dava o direito de manter uma sala e um vínculo com o Laboratório que havia ajudado a criar. Sempre imaginei voltar um dia a conviver com aquele ambiente extraordinário de pesquisa científica e tecnológica, acompanhando o trabalho e o entusiasmo de jovens pesquisadores, ainda que como mero espectador nas arquibancadas. Lamento que, anos mais tarde, tenha tido de devolver este título em circunstâncias muito desagradáveis. Não ter sido convidado para a visita que o então Ministro Raupp fez ao LNLS para a celebração dos 25 anos do Laboratório, nem para o lançamento da pedra fundamental do Sirius, se explica, sem dúvida, pelo fato de que, quando o CNPq me concedeu o título de Pesquisador Emérito, a comunicação a mim endereçada no LNLS foi devolvida com a observação “Destinatário desconhecido, devolver ao remetente”.  Sic transit gloria mundi.

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BOX 2. Minientrevista com Ricardo Rodrigues, coordenador técnico da implantação do LNLS e líder do projeto SIRIUS desde 2009.

Boletim da SBPMat: – Quais foram, em sua opinião, os principais desafios enfrentados durante a construção do LNLS?

Ricardo Rodrigues: – Como coordenador técnico, foi aceitar meus próprios erros de avaliação otimista dos prazos para contornar as dificuldades técnicas. Para contrapor essas frustrações sempre podíamos transferir a culpa para a desorganização do nosso País, onde projetos são aprovados, mas sem compromisso dos Governos. Esta era e continua sendo a grande dificuldade de qualquer projeto desse tipo. Neste aspecto tivemos a sorte de ter uma Direção Geral inteligente e apta para as extenuantes negociações necessárias para manter um ritmo razoável nas liberações de recursos. A falta de comprometimento dos governos com os projetos oficialmente aprovados induz à falta de foco na sua execução já que a demora na liberação de recursos financeiros permite que os projetos sejam continuamente revisados.

Boletim da SBPMat: – Foi difícil para a equipe realizar um projeto desse porte, persistindo ao longo de uma década?

Ricardo Rodrigues: – Não. As pessoas que se envolveram no Projeto estavam procurando grandes desafios tecnológicos. Sempre houve uma infraestrutura técnica adequada e em funcionamento de modo que, em tempos de pouco dinheiro, era possível testar novas ideias ou aperfeiçoar soluções técnicas com poucos recursos. Quase tudo podia ser feito “em casa”. Para jovens entusiastas de ciência e tecnologia isto é muito importante já que traz agilidade ao processo. Outro aspecto é a participação de todos nas decisões técnicas. Todos sentiam uma grande responsabilidade pelos resultados e grande orgulho pelos acertos.

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História do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron – parte 1. O sonho de uma grande máquina de pesquisa no Brasil e os passos prévios à construção do laboratório.

Fotografia do LNLS mostrando tanto o acelerador principal quanto as linhas de luz. Créditos: Julio Fujikawa / Divulgação LNLS.

Desde 1997, no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), na cidade de Campinas (SP), elétrons acelerados até uma velocidade muito próxima à da luz e comprimidos num feixe da espessura de um fio de cabelo percorrem um polígono de 93 metros de comprimento, chamado “anel de armazenamento”, gerando um tipo de radiação de brilho ímpar com importantes aplicações no estudo da matéria orgânica e inorgânica, a luz síncrotron.

Em diversos pontos em volta do anel, cientistas, principalmente do meio acadêmico e também da indústria, trabalham simultaneamente em diversos pequenos laboratórios, conhecidos como “estações experimentais” ou “linhas de luz”, cujos instrumentos científicos utilizam os feixes gerados pela fonte de luz síncrotron depois de ser filtrados por monocromadores. Graças a esses filtros, cada experimento recebe o tipo de radiação do espectro eletromagnético que necessita, do infravermelho até os raios X.

Ainda hoje, a fonte de luz síncrotron do LNLS é a única da América Latina. Desde a inauguração do laboratório, o uso das estações experimentais é gratuito e aberto à comunidade científica internacional. Os interessados submetem seus projetos de pesquisa a um comitê composto por membros da comunidade científica, que os encaminha à revisão por pares. As propostas aceitas conseguem um espaço na lotada agenda do LNLS, durante o dia ou à noite. Nos últimos tempos, o laboratório tem beneficiado cerca de 1.500 pesquisadores por ano, originários do Brasil (a maioria), da Argentina (cerca de 17%) e, em menores proporções, de outros países.

As possibilidades de pesquisa experimental disponíveis no LNLS são aproveitadas em trabalhos das mais variadas áreas do conhecimento, como Química, Física, Biologia, Ciências do Meio Ambiente, Geociências e, principalmente, Ciência e Engenharia de Materiais. “Para um número expressivo de pesquisadores dessa área no Brasil, as linhas de luz do LNLS são alguns dos principais instrumentos de medição nos seus programas de pesquisa”, diz Harry Westfahl Jr., diretor científico do LNLS desde março de 2013.

De acordo com Aldo Felix Craievich, cientista que teve uma importante participação ao longo de todo o processo de criação do LNLS e foi seu primeiro diretor científico, um dos objetivos do laboratório, desde o início, foi oferecer aos pesquisadores de Ciência e Engenharia de Materiais uma infraestrutura experimental única e de boa qualidade para suas pesquisas. “O funcionamento do LNLS durante 17 anos já permitiu a muitos cientistas e engenheiros de Materiais utilizarem as diversas linhas de luz, que lhes permitiram realizar pesquisas em condições muito favoráveis, a maior parte das quais seriam impossíveis em laboratórios clássicos”, completa.  De fato, a alta intensidade e outras características singulares da luz síncrotron permitem estudar os materiais com maior detalhe do que a radiação que pode ser produzida por fontes encontradas nos laboratórios das universidades. “Hoje, muitos materiais são nanomateriais e, neste contexto, os melhores tubos de raios X não conseguem concorrer com a radiação síncrotron”, afirma Yves Petroff, físico francês que dirigiu centros de luz síncrotron na Europa e foi diretor científico do LNLS de novembro de 2009 a março de 2013.

Contando com técnicas experimentais como difração de raios X (XRD), espalhamento de raios X a baixos ângulos (SAXS), absorção de raios X (EXAFS, XANES), foto-emissão de elétrons (PES), espectroscopia VUV e microtomografia, as linhas de luz síncrotron permitem um amplo e profundo estudo da estrutura e propriedades dos materiais. “Os pesquisadores trazem ao LNLS os materiais criados em seus laboratórios, como, por exemplo, plásticos mais resistentes, catalisadores mais eficientes ou metais com propriedades eletrônicas e magnéticas inusitadas, para compreender em nível microscópico a manifestação dessas propriedades inovadoras descobertas, ou mesmo para guiar novas rotas de síntese”, exemplifica Harry Westfahl Jr.

De acordo com Aldo Craievich, a contribuição do LNLS ao desenvolvimento da Ciência de Materiais é atestada pela quantidade e qualidade de artigos publicados em revistas de alto impacto a partir de pesquisas experimentais realizadas no laboratório. A título de exemplo, Craievich comenta que, no triênio 2006 – 2008, de um total de 547 publicações em revistas indexadas geradas a partir de trabalhos desenvolvidos no LNLS (as quais podem ser acessadas nos relatórios anuais do LNLS), 211 foram publicadas em periódicos da área de Ciência de Materiais, número que aumenta ao se adicionar as publicações de Química e Física que tratam de aspectos básicos das propriedades de materiais sólidos.

Entretanto, a contribuição do LNLS ao desenvolvimento científico-tecnológico do país começou antes que o laboratório abrisse suas portas à comunidade científica da academia e da indústria. O processo de criação e implantação do LNLS como Laboratório Nacional foi uma rica experiência para seus protagonistas e uma história interessante de se conhecer, principalmente devido ao fato de que a maior parte da fonte de luz síncrotron e das linhas de luz foi projetada e fabricada no país.

Gênese do LNLS: os primórdios

O desejo de possuir no Brasil um grande acelerador de partículas é quase tão antigo como a comunidade de físicos do país. Uma das primeiras tentativas de instalar um equipamento desse tipo ocorreu no início da década de 1950 e se caracterizou por ser uma proposta de construção, em vez da compra, de uma dessas grandes máquinas. O militar e cientista Almirante Álvaro Alberto da Motta e Silva, que tinha liderado a recente criação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e presidia a instituição, viu na Universidade de Chicago um acelerador de partículas tipo sincrocíclotron e voltou ao Brasil com a proposta de fabricar um pequeno equipamento desse tipo no Rio de Janeiro, no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), para treinar técnicos e cientistas do país que depois pudessem fabricar uma máquina maior. O projeto foi iniciado em 1952. Em 1960, o sincrocíclotron pequeno funcionou pela primeira vez, mas, por diversos motivos, nunca chegou a ficar totalmente operacional.

Passado o período mais duro da ditadura militar brasileira, no qual muitos cientistas saíram do país, o assunto dos grandes equipamentos científicos foi retomado e, em 1981, o presidente do CNPq, Lynaldo C. Albuquerque, chamou a comunidade científica a elaborar propostas de grandes máquinas de pesquisa para implantar no Brasil. Em resposta, ocorreram no CBPF as primeiras discussões sobre a construção de uma fonte de luz síncrotron. No final do ano, uma proposta foi apresentada por Roberto Lobo, diretor do CBPF, ao presidente do CNPq. Em 1982, ambos os cientistas visitaram o laboratório nacional de luz síncrotron francês LURE, da Université Paris-Sud, onde Aldo Craievich estava realizando um estágio de pós-doutorado e adquirindo valiosa experiência em aplicações dessa radiação.

“Desde o início, o pequeno grupo de pessoas que participávamos dessas discussões percebemos que, para levar adiante esse projeto de grande porte, alta complexidade e elevado custo, era necessário conseguir um consenso da comunidade científica brasileira e atrair um razoável número de potenciais usuários interessados”, comenta Craievich. Nas lembranças do cientista, a primeira apresentação pública das ideias preliminares ocorreu no Encontro Nacional de Física da Matéria Condensada realizado em Cambuquira, em abril de 1982. “Na ocasião observou-se certa resistência da comunidade científica ao ser informada do elevado custo do projeto, pelo temor de que isso pudesse afetar o financiamento de outros em andamento”, conta Craievich.

Mesmo assim, Lobo, Craievich e mais alguns pesquisadores do CBPF elaboraram um primeiro documento formal visando à implantação de uma fonte de luz síncrotron no Brasil (“Proposta preliminar do estudo de viabilidade para a implantação de um laboratório nacional de radiação de síncrotron”), o qual, em 1983, foi aprovado pelo CNPq. O CNPq criou então o Projeto Radiação Sincrotrónica (PRS), coordenado por Roberto Lobo, e se dispôs a alocar verbas para formar recursos humanos para desenvolver o projeto e treinar futuros usuários. Ainda em 1983, no mês de outubro, o CNPq instaurou o comitê executivo do PRS, o qual era coordenado por Aldo Craievich (CBPF) e contava com mais sete participantes ligados ao CBPF, UFRJ, UNICAMP e USP. Entre eles, constava Ricardo Rodrigues, que, alguns anos depois, seria nomeado diretor técnico na fase de construção do laboratório. Para promover uma maior divulgação e discussão do projeto e a formação de futuros usuários foi realizado, em agosto de 1983, no CBPF, o Encontro sobre Técnicas e Aplicações da Radiação Síncrotron, do qual participaram 220 cientistas. Também com o objetivo de formar novos recursos humanos no início de 1984, o PRS lançou uma chamada oferecendo bolsas do CNPq de iniciação científica, mestrado, doutorado, pós-doutorado e pesquisa, em temas relacionados à construção da fonte e linhas de luz e suas aplicações.

Mais duas novidades marcaram o ano de 1984 na história do LNLS. O PRS passou a contar com um comitê técnico-científico (CTC), presidido por Roberto Lobo (USP) e formado por uma dúzia de cientistas ligados ao CBPF, IPT, PUC-Rio, UNICAMP e USP, inclusive Cylon Gonçalves da Silva, que se tornaria o primeiro diretor do laboratório em 1986 e lideraria sua efetiva implantação. Além disso, em dezembro de 1984, o CNPq deu mais um passo rumo à construção da fonte de luz síncrotron ao criar a figura do Laboratório Nacional de Radiação Síncrotron (LNRS), com Roberto Lobo como diretor pro tempore, e ainda sem lugar designado para sua sede.

Logo depois da criação do LNRS, o CNPq fez uma chamada à comunidade científica para que fossem submetidas propostas para a sua futura sede. Das quatro propostas de locais – Rio de Janeiro, Niteroi, Campinas e São Carlos -, o presidente do CNPq, numa das últimas resoluções de sua gestão pouco antes do fim do governo militar, em fevereiro de 1985, escolheu Campinas como futura sede do LNRS.

Na próxima edição do Boletim da SBPMat, não perca a reportagem sobre a segunda parte desta história – a fase da construção do laboratório.

Gente da nossa comunidade: entrevista com o pesquisador Aldo Craievich.

Ao longo de meio século dedicado à pesquisa em Física da Matéria Condensada, o cientista Aldo Felix Craievich fez relevantes contribuições ao estudo de estruturas e transformações estruturais de sólidos, pesquisando vidros (tema no qual foi pioneiro em pesquisa científica no Brasil), parafinas, materiais obtidos por sol-gel e diversos nanomateriais. Essas pesquisas renderam mais de 200 artigos publicados em revistas internacionais com revisão por pares, os quais contam com mais de 3.600 citações.

Entretanto, o legado do trabalho de Craievich para a comunidade de Materiais vai além da sua produção científica. Durante 17 anos, o cientista foi um dos protagonistas das sucessivas fases da história da criação do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), cujos recursos para pesquisa têm impactado a comunidade de Materiais, não só no Brasil, como também em outros países, principalmente latino-americanos. Craievich também se dedicou intensamente à formação de usuários da luz síncrotron em cursos oferecidos em diversos países da América Latina e em dez escolas que dirigiu e nas quais participou como professor no Centro Internacional de Física Teórica (ICTP), em Trieste, Itália.

Nascido no interior da província de Santa Fé, na Argentina, Craievich se formou em Física em nível de graduação e doutorado pelo prestigiado Instituto Balseiro, localizado na cidade argentina de Bariloche, tendo desenvolvido seu trabalho de pesquisa de doutorado na França, no Laboratoire de Physique des Solides da Université Paris-Sud, sob supervisão de André Guinier, um dos maiores expoentes da cristalografia e das técnicas de caracterização por raios X do século XX.

Craievich começou a trabalhar no Brasil em 1973, ano em que assumiu tarefas de docência e pesquisa no Instituto de Física e Química de São Carlos (IFQSC), ligado à USP, a convite de Yvonne Mascarenhas. Em 1976 voltou ao Laboratoire de Physique des Solides para realizar um estágio de pós-doutorado de um ano, retornando depois ao IFQSC. Em 1980 mudou-se para o Rio de Janeiro para trabalhar como pesquisador no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), cargo no qual permaneceu até 1986. Em 1981 fez um segundo estágio de pós-doutorado na França, dessa vez no centro nacional de luz síncrotron LURE – laboratório que continuou freqüentando por períodos mais curtos nos anos seguintes. Dessa maneira, quando assumiu a coordenação do comitê executivo do projeto que visava à criação de um laboratório de luz síncrotron no Brasil, Aldo Craievich era um dos raríssimos cientistas (seriam dois em todo o país) que tinham experiência no uso dessa fonte de luz.

Em 1987, voltou ao estado de São Paulo. Até 1997, liderou o planejamento, projeto e construção das primeiras sete linhas de luz do LNLS na cidade de Campinas e desenvolveu um extenso programa de formação de novos usuários. Simultaneamente, a partir de 1987, Craievich deu aulas no Instituto de Física da USP, na cidade de São Paulo e, a partir de 1997, dedicou-se em tempo integral a seu cargo de professor titular nessa instituição, na qual foi chefe do departamento de Física Aplicada de 2002 a 2006.

Aldo Craievich também participou da criação da nossa SBPMat desde as primeiras reuniões e intercâmbios de mensagens eletrônicas, ocorridos no ano 2000. Além disso, seu nome consta entre os cientistas que compuseram a “comissão interdisciplinar de Materiais”, encarregada de elaborar os estatutos da SBPMat.

Entre outras distinções, Craievich recebeu homenagens outorgadas pela comunidade de usuários e pela equipe do LNLS (1997 e 2010), pela Sociedade Brasileira de Cristalografia (2000), pelo Instituto Balseiro (2011) e pela Asociación Argentina de Cristalografía (2014). Recebeu duas vezes o Prêmio Mercosul de Ciência e Tecnologia em 2004 e em 2010, por sua participação em trabalhos de pesquisa sobre os temas “Energia para o Mercosul” e “Nanotecnologia para o Mercosul”, respectivamente. É membro titular da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (ACIESP) desde 1980. Em dezembro de 2014, foi eleito membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC).

Atualmente com 75 anos de idade, Aldo Craievich continua realizando atividades de pesquisa no IFUSP enquanto professor sênior (aposentado) e pesquisador 1A do CNPq. É também membro do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Nanotecnologia e Nanociências (NAP-NN) da USP e do corpo editorial de várias revistas científicas; entre elas o Journal of Synchrotron Radiation (IUCr, Chester, UK), no qual atua como coeditor.

Segue uma entrevista com o pesquisador.

Boletim da SBPMat:  – Quando se despertou seu interesse pela ciência?

Aldo Craievich: – Iniciei meus estudos universitários na Faculdad de Ciencias Exactas, Físicas y Naturales de la Universidad Nacional de Córdoba, Argentina,  em março de 1959, ingressando na carreira de engenharia aeronáutica. Durante meus primeiros anos na universidade tinha que dividir meu tempo entre o estudo e meu trabalho nas Indústrias Aeronáuticas e Mecânicas do Estado (IAME). A decisão de minha escolha de Engenharia Aeronáutica deveu-se à relação entre essa carreira e a área do meu trabalho no IAME, onde eu pensava continuar minhas atividades após minha formatura. No entanto, limitações do meu tempo disponível, causadas por minhas atividades de trabalho, me fizeram perceber que a qualidade e o ritmo de avanço de meus estudos universitários eram insatisfatórios.

Depois de completar dois anos de engenharia aeronáutica, em março de 1961, enquanto fazia minha inscrição para o terceiro ano, li acidentalmente um cartaz que mencionava a abertura de um concurso de ingresso a um curso oferecido pelo Instituto de Física de São Carlos de Bariloche na Argentina (hoje Instituto Balseiro). Um dos requisitos para o ingresso, que eu satisfazia, era ter aprovado o segundo ano de estudos de Física ou Engenharia. Fiquei particularmente interessado nessa possibilidade, principalmente pelo fato de o Instituto Balseiro, além de oferecer uma formação de excelente qualidade, concedia bolsas de estudo integrais para todos seus alunos de graduação. Sem refletir muito no assunto me apresentei no concurso de ingresso, que aprovei. Assim, desde agosto 1961 até dezembro 1964 completei meu bacharelado em Física no Instituto Balseiro. Nesse Instituto tive de fato a possibilidade de me dedicar exclusivamente ao estudo, num ambiente adequado e sem dividir minha atenção com outras preocupações.

Meu real interesse pela ciência nasceu pouco depois de meu ingresso ao Instituto Balseiro. Durante a parte básica de meus estudos nesse Instituto, tive vários professores de qualidade singular, entre os quais José Balseiro (fundador e diretor do Instituto), Enrique Gaviola (físico experimental argentino de prestígio internacional) e Guido Beck (renomado físico teórico de origem austríaca). Balseiro teve uma abnegada, entusiasta e eficiente atuação como diretor e professor, e exerceu uma forte influência sobre seus colegas e  alunos assim como sobre as gerações posteriores do Instituto. A pesar de o período da minha interação com Balseiro ter sido breve (ele faleceu em março de 1962), foi suficiente para que me fizesse descobrir a importância das Ciências Físicas. Hoje penso que minha interação com os professores exemplares que tive durante meus primeiros anos no Instituto Balseiro, foi o que despertou meu interesse pela ciência, que perdura até hoje.

Boletim da SBPMat:  – O que o levou a se tornar um cientista e a trabalhar na área de Materiais, mais precisamente em Física da Matéria Condensada?

Aldo Craievich: – Durante a fase final de meus estudos de Física no Instituto Balseiro, comecei a refletir sobre o tipo de área de investigação específica aonde deveria orientar meu futuro profissional. Nessa época de dúvidas ouvi o conselho de Conrado Varotto, mais tarde fundador da empresa INVAP (spin-off do Instituto Balseiro) e agora diretor executivo da Comissão Nacional de Atividades Espaciais (CONAE) da Argentina, que me propôs realizar meu trabalho final de graduação sobre  propriedades estruturais e eletrônicas de ligas metálicas. Logo depois de formado no Instituto Balseiro, ingressei ao Instituto de Matemática, Astronomia e Física (IMAF, depois FaMAF) da Universidad Nacional de Córdoba, Argentina, como assistente de ensino, em março de 1965. Minha intenção inicial foi trabalhar num tema experimental de Física da Matéria Condensada, sem ainda ter decidido a área específica. Sabendo de meu interesse, o diretor do IMAF, Alberto  Maiztegui, me sugeriu implantar um laboratório de raios X para pesquisas de materiais utilizando um difratômetro previamente adquirido. Nessa oportunidade recebi o apoio de Alberto Bonfiglioli, pesquisador da Comissão Nacional de Energia Atômica de Buenos Aires. Bonfiglioli me sugeriu completar inicialmente minha formação de base na área, realizando minha tese de doutorado no Laboratoire de Physique des Solides da Université Paris Sud, em Orsay, França, sob a supervisão do eminente professor André Guinier.  Guinier foi um dos criadores e diretor do  Laboratoire de Physique des Solides e autor de pesquisas pioneiras sobre o a relação entre a estrutura de sólidos imperfeitos e as características do espalhamento difuso dos raios X. Ele foi também pioneiro em aplicações da técnica de espalhamento de raios-X a baixos ângulos (SAXS) ao estudo de materiais, um dos descobridores das conhecidas zonas Guinier-Preston em ligas de alumínio e autor de vários livros clássicos nessa área de pesquisa.

Em resumo, meu interesse pela pesquisa na área de materiais, mais precisamente pelos estudos da estrutura e das transformações na matéria condensada, foi inicialmente despertado durante meu trabalho final da graduação no Instituto Balseiro supervisado por C. Varotto, cresceu com minhas primeiras atividades em IMAF em colaboração com A. Bonfiglioli e se consolidou durante minha tese de doutorado na França sob orientação de A. Guinier.

Boletim da SBPMat:  – E por que você veio ao Brasil?

Aldo Craievich: – Em 1969, após meu regresso da França e recentemente doutorado, iniciei a implantação do Laboratório de Raios X no IMAF em Córdoba, Argentina, com o objetivo de aplicar as técnicas de difração de raios X e de SAXS em estudos de materiais vítreos. Depois de vários anos de trabalho e de ter conseguido já alguns resultados, percebi que o desenvolvimento do laboratório ocorria mais lentamente do que eu esperava. Os motivos eram diversos, entre eles, dificuldades financeiras para adquirir equipamentos e um excessivo envolvimento em atividades administrativas, o que reduzia significativamente meu tempo para a pesquisa. Foi assim que, no fim de 1971, decidi realizar um estágio de pós-doutorado no exterior para poder privilegiar durante algum tempo minha dedicação à pesquisa.

Nessa mesma época, em uma reunião da Sociedade Chilena de Física realizada em Valdivia, Chile, em janeiro de 1972, tive meu primeiro contato com Yvonne Mascarenhas, professora do Instituto de Física e Química de São Carlos – IFQSC/USP (hoje IFSC/USP), São Carlos, que me convidou para realizar um estágio de um ano em seu Laboratório de Cristalografia. Aceitei o convite e, em março 1973, iniciei minhas tarefas de pesquisa e ensino no IFQSC. No Laboratório de Cristalografia havia nessa época um difratômetro de raios X em operação para estudos de policristais e um aparelho de SAXS adquirido pouco tempo antes. O que era esperado de mim, além de realizar tarefas de docência, era instalar o novo aparelho de SAXS e iniciar linhas de pesquisa em temas de meu próprio interesse e em colaboração com outros cientistas locais.

Depois de iniciado meu estágio no Brasil, a situação política geral na Argentina e particularmente as condições para o ensino e a pesquisa nas universidades se foram deteriorando, o que me induziu a estender várias vezes meu estágio temporário no IFQSC. Mais tarde, em minhas várias visitas à Argentina durante a parte final da década de 1970, percebi um declínio adicional e também uma situação política e social inquietante. Essas constatações e, por outro lado, os interessantes novos desafios que se apresentaram no IFQSC e o forte apoio que recebi da comunidade local e das agências de fomento (FAPESP e CNPq), me levaram a decidir transformar meu estágio temporário numa transferência definitiva. Percebi nesse momento que no Brasil tinha encontrado as condições básicas necessárias e promissoras para que eu pudesse realizar um bom trabalho em pesquisa.

Boletim da SBPMat: – Quais são, na sua própria avaliação, as suas principais contribuições à área de Materiais? Considere na sua resposta todos os aspectos da sua atividade profissional.

Aldo Craievich: As principais pesquisas que desenvolvi desde 1965 até hoje podem ser classificadas em cinco grandes linhas que descrevo a seguir (Menciono algumas referências relevantes associadas a cada linha de trabalho).

(i)Separação de nanofases em sólidos vítreos

Após minha transferência ao Brasil em 1973 iniciei estudos experimentais mediante a técnica de SAXS para determinar os mecanismos responsáveis pelas primeiras etapas do processo isotérmico de separação de nanofases em vidros de B2O3-PbO-Al2O3. Dessa forma continuava a linha de pesquisa que tinha iniciado no IMAF, na Argentina. Para interpretar os resultados utilizei um modelo termodinâmico proposto por John Cahn, chamado decomposição espinodal, para sistemas correspondentes ao centro do gap de miscibilidade, e o modelo clássico de nucleação e crescimento para composições e temperaturas próximas à fronteira binodal. Observei, em particular, a existência de um desvio sistemático dos resultados experimentais de SAXS com respeito às previsões do modelo de Cahn, que atribui a um efeito de relaxação de tensões iniciais na matriz vítrea, produzidas pelo processo preliminar de quenching. Como consequência dessas pesquisas, redigi os dois primeiros artigos publicados em revistas indexadas referentes a pesquisas sobre materiais vítreos realizadas no Brasil [Craievich, Phys.Chem.Glasses 16, 133 (1975); Craievich, Phys.Stat.Sol. 28, 09 (1975)].

Verifiquei também que o modelo da decomposição espinodal não descreve adequadamente os estágios avançados da separação de nanofases no sistema vítreo B2O3-PbO-Al2O3. Foi então feita uma comparação dos resultados das experiências de SAXS que realizei no IFQSC em 1973/74, referentes aos estágios avançados do processo, com as predições da nova teoria estatística desenvolvida por Joel Lebowitz et al. no fim da década de 1970. Os resultados conduziram a um artigo que redigi em colaboração com Juan M. Sanchez (ex-aluno do IMAF e hoje vice-president for research da Texas University) no qual demonstramos, por primeira vez quantitativamente para materiais vítreos, que a evolução temporal  da função de estrutura experimental exibe as propriedades de escala dinâmica previstas pela teoria [Craievich and Sanchez, Phys.Rev.Lett. 47, 1308 (1981)].

(ii)Estrutura e transições de fases em cristais moleculares

De volta ao IFQSC de São Carlos, em 1977, depois de completar um estágio de pós-doutorado na França, trabalhei, em colaboração com Jean Doucet doLaboratoire de Physique des Solides, Orsay, França, e um aluno de doutorado, em estudos sistemáticos das estruturas e das transições de fase de um conjunto de cristais de parafinas, compostos por moléculas lineares CnH2n+2. Todas as parafinas estudadas exibem uma estrutura formada pela superposição de camadas de moléculas de CnH2n+2, com os seus eixos maiores paralelos e com empacotamento lateral compacto. Associamos as características da expansão térmica e das transições de fase destes sólidos a variações da amplitude das librações das moléculas lineares em torno do seu eixo principal. Como resultado destas pesquisas, publicamos, em poucos anos, mais de 10 artigos, todos os quais receberam um alto número de citações. Em particular, um deles, sobre os estudos de fases “rotatórias” observadas em três parafinas com n = 17, 19 e 21, recebeu até hoje 209 citações [Doucet et al, J.Chem.Phys. 75, 1523 (1981)].

(iii)Processos de formação de nanomateriais pelo método sol-gel

Durante a década de 1980 realizei uma série de pesquisas in situ de transformações estruturais mediante o uso da linha de SAXS associada à fonte de luz síncrotron francesa (LURE). Interessaram-me em particular as transformações estruturais que ocorrem durante um novo processo, denominado sol-gel, para a obtenção de materiais nanoestruturados. Este processo complexo consta de uma sequência de passos que se inicia a partir de um precursor na forma de solução líquida coloidal, continua com a agregação das partículas coloidais e subsequente transição sol-gel, para eventualmente ser completado por secagem e sinterização do material nanoporoso resultante.

Realizei os primeiros trabalhos nesta linha em colaboração com grupos de pesquisa liderados por Jerzy Zarzycki (Laboratoire de Verres du CNRS, Université de Montpellier, France) e André Aegerter (IFQSC-São Carlos).  A maioria desses estudos experimentais visava à análise da cinética de processos e foram feitos utilizando a técnica de SAXS in situ [Lours et al, J.Non-Cryst.Solids 100, 207 (1988)]. Isso foi possível mediante a utilização de uma linha de SAXS associada a uma fonte de luz síncrotron de alta intensidade, o que permitiu medições com alta resolução temporal. Em vários casos, utilizamos novos conceitos de geometria fractal para conseguir uma caracterização precisa das estruturas, o que nos permitiu identificar de forma clara os mecanismos de agregação.

Durante a década de 1990, continuei meus estudos sobre as estruturas de vários nanomateriais e de processos de tipo sol-gel com a participação de Luis Esquivias e seus colaboradores (Universidade de Cádiz, Espanha), e com os pesquisadores do grupo liderado por Celso Santilli (UNESP-Araraquara). Com o grupo de Luis Esquivias trabalhamos em diversos temas, com ênfase em pesquisas da influência do uso controlado de ultrassom sobre as características estruturais dos “sonogéis” finais.  Com Celso Santilli e seu grupo pesquisamos uma série de nanomateriais, mediante estudos de SAXS in situ, que contribuíram, em particular, para um melhor conhecimento da estrutura, dos mecanismos da formação e das relações com as propriedades de vários tipos de nanocompósitos híbridos organo-inorgânicos [Dahmouche et al, J.Phys.Chem. B 103, 4937 (1999)]. 

(iv)Proteínas em solução

Participei desde a década de 1980 em numerosas colaborações sobre estudos estruturais de proteínas em solução. Particularmente, colaborei num estudo da estrutura terciária da albumina que resultou ser a primeira pesquisa publicada com resultados experimentais obtidos exclusivamente no LNLS[Castelletto et al, J.Chem.Phys. 109, 2825 (1998)]. Mais tarde, publicamos um trabalho sobre a variação da densidade média das proteínas com a massa molecular que na literatura estava sendo considerada invariante [Fischer et al, Protein Sci. 13, 2825 (2004)]. Este artigo teve durante uma década mais de 200 citações na literatura. Mais recentemente, desenvolvemos um novo método de determinação da massa molecular de proteínas em solução utilizando exclusivamente resultados de experiências de SAXS em escala relativa [Fischer et al, J.Appl.Cryst. 43, 101 (2010)].

(v)Estrutura e estabilidade de fases de nanopartículas metálicas e soluções sólidas de óxidos nanoestruturadas

Durante a última década participei num conjunto de estudos sobre estrutura, mecanismos de formação e estabilidade de fases de diversos nanomateriais, em colaboração com vários grupos de pesquisa.

Com Guinther Kellerman, um dos meus alunos de tese e hoje professor na UFPR, publicamos vários artigos pioneiros sobre os mecanismos de formação de nanopartículas de Bi e Ag em matriz vítrea e sobre a relação entre o tamanho das nanopartículas de Bi e suas temperaturas de fusão e de cristalização. Os resultados experimentais foram também quantitativamente comparados com as previsões teóricas correspondentes [Kellermann and Craievich, Phys.Rev. B 78, 054106 (2008)].

Em colaboração com Felix Requejo e seu grupo da Universidad Nacional de La Plata, Argentina, pesquisamos diversas características estruturais de nanopartículas de metais nobres suportadas em matrizes porosas [Giovanetti et al, Small 8, 468 (2012)] e, mais recentemente, de arranjos de nanoplacas de CoSi2 enterradas  e coerentes num substrato de  Si monocristalino.

Com Diego Lamas da Universidad Nacional de San Martín, Argentina, e membros de seu grupo realizamos um conjunto de pesquisas de soluções sólidas de óxidos nanoestruturadas. No caso particular do sistema nanoestruturado zircônia-escândia, demonstramos que é possível reter a temperatura ambiente fases de estrutura cúbica e tetragonal, com propriedades interessantes, que são estáveis somente a altas temperaturas nesses mesmos materiais quando compostos por cristais micro ou macroscópicos [Abdala et al, RSC Adv. 2, 5205 (2012)].

b. Participação na criação e gestão de instituição de pesquisa

No final de 1986 fui designado vice-diretor e chefe do departamento científico do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) em Campinas.  Nessa época o diretor e o chefe de projeto do LNLS eram Cylon Gonçalves da Silva e Ricardo Rodrígues, respectivamente. No LNLS iniciou-se em 1987 a construção de uma fonte de luz síncrotron composta por um acelerador linear de elétrons de 120 MeV, um anel de armazenamento de elétrons (UVX) de 1,37 GeV e  um conjunto de linhas de luz.

Durante minha gestão no LNLS fui responsável pelo projeto das primeiras sete linhas de luz do LNLS, que foram desenvolvidas paralelamente à construção do acelerador linear e do anel de armazenamento. Também realizei um esforço persistente para promover a formação dos futuros usuários do LNLS, organizando numerosos eventos (cursos de curta duração, oficinas etc.) nos quais diversos especialistas (principalmente pesquisadores estrangeiros) ministraram palestras e/ou participaram em sessões de treinamento.

Além das tarefas administrativas e técnicas associadas a minhas funções como vice-diretor, continuei realizando pesquisas experimentais durante períodos de uma a duas semanas por ano no laboratório de luz síncrotron LURE, na França. Os conhecimentos de primeira mão adquiridos nesses estágios no exterior foram úteis para meu trabalho relacionado com o planejamento e a construção das primeiras linhas de luz do LNLS.

A fase de construção da fonte UVX e do primeiro conjunto de linhas de luz findou durante o primeiro semestre de 1997 [Rodrigues et al, J.Synchr.Rad. 5, 1157 (1998)] sendo em seguida  abertas ao uso pela comunidade científica.

Quando a fonte de luz síncrotron foi concluída, em julho de 1997, considerei que tinha chegado o momento de afastar-me de minha função de vice-diretor do LNLS e continuar meu trabalho com dedicação exclusiva no Instituto de Física da USP, a partir de 1998. Considerei que dessa forma eu poderia continuar minhas atividades como pesquisador usuário da fonte de luz e também contribuir de forma mais direta à formação de estudantes e ao crescimento da comunidade de usuários do LNLS.

c. Participação na criação de grupos e laboratórios de pesquisa

Durante meus 50 anos de atividades de ensino e pesquisa trabalhei sucessivamente em cinco instituições: IMAF/UNC na Argentina (1965-1972), IFQSC/USP em São Carlos (1973-1980), CBPF em Rio de Janeiro (1981-1986), LNLS em Campinas (1987-1997) e IF/USP em São Paulo (1998-…). As minhas contribuições à criação e ao desenvolvimento de grupos e linhas de pesquisa nessas instituições são suscintamente expostas a seguir.

(i)IMAF (Córdoba, Argentina): Criei e organizei no IMAF o seu primeiro laboratório de raios X, iniciei uma nova linha de pesquisa sobre separação de fases de sólidos vítreos e contribui à formação de jovens estudantes na área de Ciência dos Materiais. Publiquei em 1973 o primeiro artigo em colaboração sobre a estrutura de um material vítreo associado a pesquisas realizadas no IMAF.

(ii)IFQSC/USP (São Carlos): Implantei no IFQSC em 1973 o primeiro laboratório de SAXS em funcionamento no Brasil. Nesse mesmo ano iniciei uma linha de pesquisa sobre materiais vítreos que se desenvolveu fortemente mais tarde pela ação principal de Edgar Zanotto (hoje diretor do LaMaV na UFSCar, São Carlos), a quem orientei na sua dissertação de mestrado. Finalmente, em colaboração com Yvonne Mascarenhas e um aluno de pós-graduação, concluímos em 1984 pesquisas estruturais pioneiras de proteínas em solução realizadas mediante  uso de SAXS.

(iii)CBPF (Rio de Janeiro): Implantei o primeiro laboratório de raios X do CBPF composto por um difratômetro de policristais e uma câmara de SAXS. Minha principal atividade no CBPF durante o período 1981-86  foi a participação nos estudos de viabilidade, tarefas de difusão e sessões de discussão que conduziram à criação, em 1986, do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron.

(iv)LNLS (Campinas): Durante meu trabalho no LNLS, além de realizar as atividades associadas à construção da fonte de luz sincrotron descritas anteriormente, promovi e coordenei um dos projetos da primeira série aprovada em 1996 pelo Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (PRONEX) do CNPq.  Neste projeto sobre “Pesquisa e caracterização estrutural e magnética de materiais” participaram 22 pesquisadores/docentes do LNLS, IF/USP, IF/UNICAMP, IQ/UNESP e DF/UFPR.

(v)IFUSP (São Paulo): Contribui à consolidação do Laboratório de Cristalografia do IFUSP, principalmente mediante minha participação no planejamento do projeto e na incorporação de um novo aparelho de SAXS de última geração com feixe de seção pontual. Este aparelho permite estudos de SAXS e GISAXS a temperatura ambiente e a altas temperaturas com sistema automatizado de coleta de dados. Esse moderno equipamento foi o primeiro em operação no Brasil e provavelmente também em América Latina.

d. Contribuição em política científica

Após realizar um estágio sabático no laboratório de luz síncrotron LURE, Orsay, França, de volta ao CBPF em 1982, participei em reuniões de um grupo pequeno de pesquisadores que discutia a eventual viabilidade da construção uma fonte de luz síncrotron no Brasil. Nesse mesmo ano, o presidente do CNPq depois de manifestar o seu apoio à iniciativa, decidiu criar o Projeto Radiação Sincrotrónica (PRS/CNPq) coordenado pelo diretor do CBPF, Roberto Lobo. No contexto desse projeto atuei como coordenador do Comitê Executivo e membro do Conselho Técnico Científico (CTC). Em minha função de coordenador do Comitê Executivo organizei reuniões, palestras e visitas de especialistas estrangeiros. Também colaborei na elaboração de um primeiro projeto conceitual de uma fonte de radiação síncrotron e participei na redação de uma proposta de plano diretor para sua implantação. Detalhes dos trabalhos desenvolvidos foram expostos no artigo “Proposta preliminar de estudo de viabilidade de um Laboratório Nacional de Radiação Síncrotron” [Lobo et al, CBPF/PRS 1 (1983)] e no relatório “PRS: Atividades e Perspectivas” [Craievich, CBPF/PRS 14 (1984)]. Coordenei também um programa de bolsas do CNPq que permitiram a jovens brasileiros acessar por primeira vez fontes de luz síncrotron no exterior e adquirir assim experiência no seu uso.

No período 1983-1985, apresentei na Argentina o projeto do síncrotron brasileiro, no Instituto Balseiro de Bariloche, na CNEA de Constituyentes, em reunião da Associação Física Argentina (AFA) em La Plata e no Simpósio Latino Americano de Física do Estado Sólido (SLAFES) em Mar del Plata.

Por outro lado, participei na fase de fundação de duas novas organizações científicas: a Sociedade Brasileira de Pesquisa de Materiais (SBPMat) no ano 2000, que até hoje organizou treze encontros anuais, e a Rede Latino Americana Matéria, que promoveu desde 1995 doze reuniões científicas (Simpósios Matéria) em oito diferentes países da América Latina.

e. Formação de novos cientistas

Desde 1965 até 2009 ministrei diversas disciplinas de graduação e pós-graduação nas diferentes instituições da Argentina e do Brasil onde trabalhei. Por outro lado, desde 1982 até hoje, participei em cursos curtos, escolas e oficinas de formação e treinamento de usuários de luz síncrotron em diversas cidades do Brasil, Argentina, Chile, Uruguai, Peru, Colômbia, Venezuela, Cuba e México. Também contribui à formação de usuários da luz síncrotron fora da América Latina, atuando como diretor e professor de uma série de escolas sobre aplicações da luz síncrotron organizadas pelo Centro Internacional de Física Teórica (ICTP), em Trieste, Itália. Essa atividade no ICTP se prolongou durante quase 20 anos, num total de dez escolas sucessivas de quatro semanas cada uma, realizadas bianualmente desde 1991 até 2008.

Por outro lado, orientei 18 alunos de pós-graduação (nove mestrandos e nove doutorandos). A maioria de meus antigos orientandos continuou atuando como pesquisadores e professores em diversas universidades, nos estados de São Paulo, Bahia e Paraná, e em centros de pesquisa em Rio de Janeiro e São Paulo. Um deles trabalha numa empresa industrial do interior do Estado de São Paulo e outro, de origem francesa, que orientei na modalidade de cotutela com pesquisador da Université Paris V, atua em laboratório de pesquisa industrial na Bélgica. Mantenho ainda colaborações com dois de meus antigos orientandos em pesquisas de propriedades estruturais e transições de fase de nanomateriais e em estudos mediante SAXS de proteínas e outras macromoléculas em solução.

Boletim da SBPMat: – O que o motivou a participar da história do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron?

Aldo Craievich: – Em 1981, já havendo ingressado ao CBPF, em Rio de Janeiro, decidi passar um ano sabático no laboratório de luz síncrotron LURE, em Orsay, França.  A minha motivação para esse estágio surgiu da possibilidade que se me apresentava de acessar um novo tipo de instrumentação experimental que me permitiria realizar pesquisas de meu interesse, impossíveis em laboratórios clássicos, tais como estudos cinéticos in situ de variações estruturais rápidas a altas temperaturas de materiais vítreos.

Finalizado meu ano sabático no LURE e já de retorno ao CBPF, em setembro de 1982, fui convidado pelo Diretor do CBPF para participar nas atividades formais que visavam à futura construção de uma fonte de luz sÍncrotron no Brasil. Minha motivação para participar no CBPF nos trabalhos preliminares desse projeto e depois no LNLS na fase de construção da fonte de luz foi consequência de uma conjunção de razões. Eu considerei que (i) a eventual futura disponibilidade local de uma fonte de luz síncrotron seria de grande relevância para o desenvolvimento da ciência brasileira, (ii) a disponibilidade de um sÍncrotron no Brasil seria, em particular, muito útil para o avanço de minhas linhas de pesquisa em andamento, e (iii) eu havia adquirido, já em 1982, a competência e a experiência necessárias para participar de forma ativa nas tarefas propostas.

Boletim da SBPMat: – Deixe uma mensagem para nossos leitores que estão iniciando suas carreiras de cientistas.

Aldo Craievich: – Considero que uma condição necessária e importante para ser um bom cientista na área na qual eu trabalho é sentir um forte interesse por entender e tratar de explicar a natureza essencial e as propriedades relevantes da matéria que nos rodeia. Por isso minha primeira mensagem é para encorajar nas suas carreiras científicas os jovens estudantes que de fato sentem esse tipo de interesse.

Os estudos que transformam um jovem estudante num bom cientista dependem menos da natureza dos temas específicos e muito mais da forma como os novos conhecimentos são apresentados e adquiridos. O estudante e o professor devem considerar cada novo tema de estudo como um desafio a ser enfrentado. Por outro lado, o  estudante deve valorizar o trabalho mais difícil dos professores que apresentam cada novo tema visando sua compreensão profunda, evitando caminhos fáceis. Nesse sentido minha segunda mensagem aos jovens estudantes é a de, na medida do possível, procurar os ensinamentos, conselhos e orientação de professores não somente destacados, mas também exigentes.

As contribuições pessoais de todo pesquisador para o progresso da ciência devem ser consideradas por eles, em geral, como relativamente modestas. A minha terceira mensagem está relacionada com uma qualidade importante que, a meu ver, deve possuir todo pesquisador novo e também aqueles com maior experiência: uma atitude permanente de respeito pelo trabalho alheio. Uma mensagem muito clara sobre este tema foi mencionada por Balseiro, diretor do Instituto de Física onde realizei meus estudos de graduação, em seu discurso aos alunos recém-formados na primeira turma desse Instituto em 1958. Ele disse “Não creio que haja um índice mais patético de incultura, excetuando a violência, que a falta de respeito pelo trabalho alheio. Essa falta de respeito é uma forma de destruição e quem destrói o fruto do trabalho alheio bem pode ser qualificado de selvagem, isto é, a incultura em sua mais prístina forma” [http://www.ib.edu.ar/index.php/historia-del-ib/primera-graduacion.html].


Para saber mais sobre o professor Aldo Craievich: artigo “Un físico del Mercosur” publicado pela revista “Ciencia e Investigación. Reseñas”, tomo 1, no 3, disponível aquí: http://aargentinapciencias.org/images/stories/R-tomo1-3/RevRes-1-3xArt/7a24Craievich-ceiRes-1-3.pdf.