História do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron – parte 2. A construção, no Brasil, da fonte de luz síncrotron e de suas primeiras estações experimentais.

[Suíte da reportagem: História do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron – parte 1. O sonho de uma grande máquina de pesquisa no Brasil e os passos prévios à construção do laboratório.]

Durante a ditadura militar, o sonho de possuir no Brasil uma fonte de luz síncrotron tinha sido abraçado pelo CNPq e por equipes de cientistas que conseguiram transformá-lo em projeto. No final do período, foi criada a figura de Laboratório Nacional de Radiação Síncrotron (LNRS) e foi definida qual seria a cidade que o receberia: a paulista Campinas, sede da Unicamp.

Em 1985, com José Sarney como primeiro Presidente civil do Brasil, e com Renato Archer como ministro do recém-criado Ministério da Ciência e Tecnologia, um grupo de quatro pessoas ligadas ao LNRS realiza uma missão de trabalho de três meses nos Estados Unidos, no Stanford Linear Accelerator Center (SLAC), que possui uma fonte de luz síncrotron. Ali, a equipe do Brasil trabalha sob supervisão do cientista Helmut Wiedemann, especialista em luz síncrotron. “Nosso objetivo era aprender os rudimentos da teoria e tecnologia envolvidas na construção da nossa fonte de luz síncrotron”, diz Antonio Ricardo Droher Rodrigues, mais conhecido como Ricardo Rodrigues, que fez parte dessa missão.

Entretanto, o governo dá um passo atrás no projeto perante algumas demonstrações de resistência de grupos da comunidade científica: críticas à criação do síncrotron brasileiro e uma proposta de levar o laboratório para o Rio de Janeiro. Renato Archer decide então realizar uma nova avaliação e, em 30 de janeiro de 1986, cria uma comissão assessora, coordenada por Roberto Lobo, a qual emite um parecer favorável para a implantação efetiva do laboratório na cidade de Campinas.

No segundo semestre de 1986, é designada a primeira diretoria do laboratório, com Cylon Gonçalves da Silva (professor do Instituto de Física Gleb Wataghin, IFGW, da Unicamp) no cargo de diretor do laboratório, Aldo Craievich (pesquisador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, CBPF) como vice-diretor e chefe do departamento científico do laboratório, e Ricardo Rodrigues (professor do Instituto de Física e Química de São Carlos, da USP) como chefe de projeto (coordenador técnico). Trata-se, na verdade, a diretoria de um laboratório que ainda não existe, e ela tem como missão principal, justamente, a implantação do LNLS.

Da sala à casa, da casa ao galpão, e do galpão ao campus

A equipe trabalha numa sala emprestada no prédio da Reitoria da Unicamp até o final do ano. No primeiro semestre de 1987, muda-se para uma casa alugada, de quatro quartos, localizada no bairro campineiro Chácara Primavera. Nesse momento, o laboratório já tem seu nome definitivo, Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), e a equipe de trabalho é formada pelos membros da Diretoria, mais o professor do IFGW Daniel Wisnivesky e cerca de seis outros colaboradores.

“Inicialmente os membros da equipe recebiam como autônomos!”, conta Ricardo Rodrigues. “Esta situação trabalhista foi “regularizada”, inicialmente, por uma abertura de 35 vagas do CNPq e, para continuar o crescimento necessário, por meio de um convênio assinado entre o CNPq e a Fundação da Universidade de Campinas para o projeto e construção do acelerador linear (LINAC), injetor do futuro síncrotron brasileiro”, completa. Os impedimentos legais ou burocráticos para contratar pessoas só encontrarão melhor solução a partir de 1998, com a sanção da lei n°9.637, que criará a figura das organizações sociais (pessoas jurídicas privadas, sem fins lucrativos, dedicadas ao ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saúde). “A instituição das organizações sociais é fruto de um trabalho hercúleo do Cylon”, diz Ricardo Rodrigues.

Em julho de 1987, a equipe de trabalho, que já conta com cerca de 40 pessoas, se muda para o bairro campineiro de Fazenda Santa Cândida, ocupando um galpão de 1.800 m2 que tinha sido comprado pelo CNPq e reformado durante o primeiro semestre.  No final do ano, o grupo tem umas 50 pessoas. “Os primeiros membros eram, na maioria, físicos recém-graduados que “aprenderam fazendo” todo o conhecimento necessário”, conta Ricardo Rodrigues.

Em 1990, o governo do Estado de São Paulo compra e cede ao LNLS um terreno de aproximadamente 500 x 800m2 (o campus) no bairro Guará, distrito de Barão Geraldo, para sua instalação definitiva. Em 1992, a equipe do LNLS deixa o barracão de Santa Cândida e ocupa os novos prédios do campus, sede definitiva do LNLS.

A partir da esquerda, Cylon Gonçalves da Silva, Ricardo Rodrigues e Aldo Craievich, por volta de 1990, no prédio provisório do LNLS. (Fotografia gentilmente cedida pelo professor Aldo Craievich).

Mãos (e cérebros) à obra!

Entre 1987 e 1997, a equipe do LNLS, que chega a contar com 70 pessoas, trabalha diariamente na construção da fonte de luz síncrotron, cujo projeto prevê um acelerador linear ou LINAC e um acelerador circular conhecido como anel de armazenamento, além de uma série de linhas de luz ou estações experimentais (os laboratórios em volta do anel nos quais os usuários utilizam a radiação para estudar a matéria por meio de diversos instrumentos científicos ). “Ao longo de todos aqueles anos, quase que diariamente, víamos os problemas técnicos cedendo ao nosso ataque em equipe”, diz Ricardo Rodrigues, que conduziu a construção da fonte enquanto Aldo Craievich liderava a construção das primeiras sete linhas de luz e desenvolvia um extenso programa de cursos, escolas e oficinas visando à formação de novos usuários de luz síncrotron.

O primeiro componente da fonte que fica pronto, no final de 1989, é um LINAC capaz de acelerar os elétrons até uma energia de 50 a 60 milhões de elétrons-volt (MeV). Esse acelerador linear fará parte, mais adiante, do LINAC definitivo, de 18 m de comprimento e 120 MeV .

Ainda em 1989, é elaborado o projeto do acelerador circular, que, na verdade, não é um círculo e sim é um polígono de 93 metros de comprimento. O projeto prevê que o anel acelere os elétrons até uma energia de 1,15 bilhões de elétrons-volt (GeV). Entre 1990 e 1991, ainda no galpão, são construídos os protótipos de componentes desse acelerador circular.

A construção das linhas de luz avança em paralelo. Para financiá-la, são elaboradas solicitações de auxílios a agências de fomento, principalmente FAPESP e CNPq.

A partir de 1992, já na sede definitiva, no campus do bairro Guará, as obras civis avançam, as linhas de luz vão sendo instaladas e os componentes do acelerador circular são produzidos – alguns deles, em série, como os mais de 100 eletroímãs do anel.

Em 1995, começa a montagem do anel e sua conexão com o LINAC de 120 MeV, instalado num túnel subterrâneo.

No mesmo ano, a primeira linha de luz construída no LNLS (toroidal grating monochromator, TGM), é levada ao laboratório de luz síncrotron CAMD, nos Estados Unidos, onde é operada durante dois anos por membros do LNLS. Depois, volta a Campinas para fazer parte do LNLS. Mais um componente desenvolvido no LNLS, um monocromador de raios X, sai do país para ser testado, neste caso no laboratório síncrotron LURE, na França.

Em junho de 1996, a fonte de luz síncrotron está completa, montada e testada, e a equipe do LNLS consegue operá-la em 1,15 GeV. Em outubro desse ano, a luz síncrotron chega por primeira vez a uma estação experimental , a TGM.

Finalmente, em julho de 1997, o LNLS inicia suas atividades de laboratório nacional, contando com uma fonte de luz síncrotron operando a uma energia maior do que a projetada ( 1,37 GeV), sete linhas de luz prontas para o uso, uma organização capaz de manter o laboratório em funcionamento e avaliar por revisão por pares os projetos de pesquisa submetidos e uma comunidade de usuários desejosa de utilizar o laboratório. Só em 1997, 100 projetos são realizados nas estações experimentais do LNLS. 

Um laboratório feito em casa

Em resumo, esse laboratório que trabalha sem parar há 17 anos viabilizando projetos de pesquisa científica e tecnológica da comunidade de Materiais e de outras áreas foi quase totalmente projetado e construído no Brasil, mais precisamente na cidade de Campinas, por uma equipe de cientistas e seus colaboradores, os quais foram superando, com sucesso, os diversos desafios tecnológicos, financeiros, macroeconômicos, legais, burocráticos, humanos, psicológicos e de outros tipos que apareceram ao longo de uma década.

Essa equipe foi além da elaboração do projeto e montagem da grande máquina científica. Seus membros fabricaram a maior parte das peças e componentes do grande laboratório, com exceção de peças de prateleira, como bombas e válvulas.

Ao menos uma parte desse trabalho poderia ter sido feito em colaboração com empresas industriais, mas isso não aconteceu. De acordo com Ricardo Rodrigues, a indústria nacional da época não estava equipada de modo a poder atender as demandas do projeto e não estava interessada em pequenos contratos que exigiam grande trabalho de engenharia. Por outro lado, existiam restrições de importação que dificultavam a participação de empresas estrangeiras. “A economia era bastante fechada em relação às empresas estrangeiras”, diz ele.

Por último, mas não menos importante, os líderes do projeto estavam interessados em treinar uma equipe interna que dominasse toda a tecnologia empregada nos aceleradores para que o LNLS tivesse uma vida longa por meio de aperfeiçoamentos contínuos – os quais têm, de fato, acontecido. O LNLS de 2014 tem componentes que o LNLS de 1997 não possuía, notadamente o acelerador intermediário (booster), um ondulador, dois wigglers e oito novas linhas de luz.

O treinamento da equipe do LNLS consistia, principalmente, no “aprender fazendo”, complementado por visitas de uma ou duas semanas em instituições do exterior análogas ao LNLS. Além disso, desde o início o LNLS contava com um comitê internacional de especialistas que participava de reuniões anuais em Campinas, nas quais a equipe brasileira apresentava os projetos e resultados para que fossem criticados.

Para Yves Petroff, que dirigiu centros de luz síncrotron na Europa, acompanhou a implantação do LNLS e foi seu diretor científico de novembro de 2009 a março de 2013, o “extremamente baixo” orçamento disponível somado ao fato de que quase tudo foi construído no laboratório dilataram a construção da máquina do LNLS, a qual demorou mais tempo do que o usual. “Porém, finalmente, isso foi uma vantagem, já que a equipe técnica adquiriu um conhecimento completo do acelerador. Hoje, se há um problema, ele pode ser consertado rapidamente; a confiabilidade da máquina (97%) está entre as melhores do mundo”, afirma Petroff. De acordo com o físico francês, essa experiência permitiu ao LNLS propor a construção do acelerador SIRIUS, que está sendo liderada por Ricardo Rodrigues. A máquina terá uma energia de 3 GeV e uma emissão de 0,28 nm.rad. “Será uma fantástica oportunidade para a comunidade de Ciência dos Materiais no Brasil e na América Latina”, diz Petroff.

Para saber mais:

– Cylon Gonçalves da Silva. The National Laboratory for Synchrotron Light. The Brazil experience. Disponível em: http://www.slac.stanford.edu/pubs/beamline/26/1/26-1-dasilva.pdf

– Aldo F. Craievich, Ricardo Rodrigues. The Brazilian synchrotron light source. Hyperfine Interactions 113 (1998) 465-475. (Springer) 

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BOX 1. Minientrevista com Cylon Gonçalves da Silva, primeiro diretor do LNLS (1986 – 1998).

Boletim da SBPMat: – Foi difícil para a equipe realizar um projeto desse porte, persistindo ao longo de uma década?

Cylon Gonçalves da Silva: – De meu ponto de vista, como responsável geral pelo projeto, a maior dificuldade foi financeiro-orçamentária. É bom lembrar que o LNLS foi construído em um dos piores períodos da história econômica do Brasil. Por anos a fio, com a inflação fora de controle, eu não sabia no começo do mês se haveria recursos para pagar os salários no final do mês. E isto era uma informação que eu tinha de guardar para mim mesmo, para não afetar o moral da equipe. Quanto aos recursos para custeio e investimento, lembro-me de um ano (1992) em que tivemos a fortuna de 800 mil dólares para tocar o projeto. Cada mês era uma luta, vencida com muito esforço, e com a ajuda de amigos do projeto no Conselho Diretor e em Brasília. Algum dia, será necessário registrar estes fatos e seus nomes. Tínhamos, no Congresso, um pequeno número de deputados que apoiavam o projeto, “a bancada do LNLS”. É interessante que ela compreendia todos os matizes do espectro político. O que facilitava (um pouquinho) nossa vida na hora de discutir o orçamento.

Contribuiu para a continuidade do projeto a incapacidade dos três diretores de sincronizar suas depressões. Se tivéssemos um grupo síncrono, o projeto teria falhado. Como os três nunca ficavam deprimidos ao mesmo tempo, os outros dois curavam o terceiro da depressão e o projeto continuava. Sem desprezar a incapacidade de chegarmos a um acordo sobre se primeiro a equipe se suicidaria e depois o diretor geral (como este queria) ou se primeiro o diretor geral se suicidaria e depois a equipe (como queria a equipe).

Com Ricardo na Diretoria Técnica, as dificuldades técnicas pareciam não existir. E com Aldo cuidando da parte científica, não precisava me preocupar. Provavelmente, eles terão outra visão das dificuldades que enfrentaram.

Boletim da SBPMat: – Quais foram, em suas lembranças, os momentos mais emocionantes dessa história?

Cylon Gonçalves da Silva: – O funcionamento do primeiro LINAC de 50 MeV (em dezembro de 1989), aquele que eu chamava do “Grande Projeto de Pós-Graduação” da equipe técnica, foi o primeiro indício de que estávamos no caminho certo e tínhamos reunido a equipe certa. As dificuldades de importar qualquer coisa eram imensas naquela época e havia componentes, como klystrons, que não podíamos fabricar ou adquirir no Brasil. Iniciamos a fabricação das estruturas aceleradoras, mas apareceu uma oportunidade de adquiri-las da China e encurtamos o caminho. Para as importações, até 1990, a ajuda do CERN foi decisiva. Mas, isto é outra história.

Os painéis internacionais de revisão do projeto mostraram, em poucos anos, o incrível crescimento profissional da jovem equipe. Especialmente no segundo painel, quando os jovens da equipe técnica começaram a falar com os grandes especialistas de aceleradores que trazíamos como colegas e não como estudantes.

Para mim, a construção do LNLS foi acima de tudo uma desculpa para formar profissionais de qualidade. O sucesso que tivemos está mais do que demonstrado pelo número de membros da nossa equipe que (infelizmente) emigraram e hoje ocupam posições de destaque em grandes laboratórios no exterior. É por esta razão que considero o Sirius um projeto importantíssimo também, pela oportunidade de formar técnicos e engenheiros de primeira linha. Não apenas para trabalhar no Laboratório, mas para contribuir na indústria e com a criação de empresas para a elevação do patamar tecnológico do Brasil. E para não se perder o que se alcançou com os primeiros passos dados pelo LNLS.

Apesar de todos os momentos difíceis que vivemos, que não foram poucos, de uma coisa nunca tive dúvida. De que se persistíssemos, o projeto chegaria a bom termo. O grande ceticismo que cercava nossa empreitada, pela maioria da comunidade científica, foi um bom estímulo para que prosseguíssemos. Sem querer e sem saber, até a oposição ajudou a concretizar o LNLS. As primeiras injeções e armazenamento de elétrons no anel e a visão da primeira luz síncrotron foram o coroamento emocionante desta certeza. Marcaram o ingresso do Brasil no grupo de países capazes de projetar e construir aceleradores de partículas de grande porte.

A linha de luz operando no CAMD (Louisiana, EUA), uma exportação (temporária) do primeiro instrumento científico complexo do projeto, construído no Brasil, mostrou para nossa equipe e a comunidade internacional que não era apenas a construção do anel que avançava com qualidade, mas também o projeto e construção dos instrumentos necessários para utilizá-lo. Graças a esta operação, parte da equipe técnica começou a se familiarizar com as dificuldades envolvidas na vida real de um instrumento conectado a uma fonte de luz síncrotron, mesmo antes que tivéssemos a nossa própria.

A transformação em Organização Social (1998), depois de uma longa batalha, com a criação de um novo modelo institucional para a Ciência no Brasil, foi outro momento emocionante para mim. Talvez, a mais importante das contribuições que eu possa ter dado ao projeto. Aqui é preciso agradecer à ex-Deputada Federal Irma Passoni (PT-SP) por ter me levado para conhecer o Dr. Aloysio Campos da Paz (falecido em 2014) do Hospital Sarah de Brasília. Foi a partir da longa conversa com ele que concebi o modelo institucional que me levou a formular a proposta do Contrato de Gestão, muito antes do Ministro Bresser Pereira levantar a bandeira da Reforma do Estado (abandonada cedo demais, isto é certo). Esta é outra história que mereceria ser contada um dia.

Do ponto de vista pessoal, fiquei emocionado com a concessão do título de Pesquisador Emérito do LNLS quando deixei o Laboratório, o qual me dava o direito de manter uma sala e um vínculo com o Laboratório que havia ajudado a criar. Sempre imaginei voltar um dia a conviver com aquele ambiente extraordinário de pesquisa científica e tecnológica, acompanhando o trabalho e o entusiasmo de jovens pesquisadores, ainda que como mero espectador nas arquibancadas. Lamento que, anos mais tarde, tenha tido de devolver este título em circunstâncias muito desagradáveis. Não ter sido convidado para a visita que o então Ministro Raupp fez ao LNLS para a celebração dos 25 anos do Laboratório, nem para o lançamento da pedra fundamental do Sirius, se explica, sem dúvida, pelo fato de que, quando o CNPq me concedeu o título de Pesquisador Emérito, a comunicação a mim endereçada no LNLS foi devolvida com a observação “Destinatário desconhecido, devolver ao remetente”.  Sic transit gloria mundi.

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BOX 2. Minientrevista com Ricardo Rodrigues, coordenador técnico da implantação do LNLS e líder do projeto SIRIUS desde 2009.

Boletim da SBPMat: – Quais foram, em sua opinião, os principais desafios enfrentados durante a construção do LNLS?

Ricardo Rodrigues: – Como coordenador técnico, foi aceitar meus próprios erros de avaliação otimista dos prazos para contornar as dificuldades técnicas. Para contrapor essas frustrações sempre podíamos transferir a culpa para a desorganização do nosso País, onde projetos são aprovados, mas sem compromisso dos Governos. Esta era e continua sendo a grande dificuldade de qualquer projeto desse tipo. Neste aspecto tivemos a sorte de ter uma Direção Geral inteligente e apta para as extenuantes negociações necessárias para manter um ritmo razoável nas liberações de recursos. A falta de comprometimento dos governos com os projetos oficialmente aprovados induz à falta de foco na sua execução já que a demora na liberação de recursos financeiros permite que os projetos sejam continuamente revisados.

Boletim da SBPMat: – Foi difícil para a equipe realizar um projeto desse porte, persistindo ao longo de uma década?

Ricardo Rodrigues: – Não. As pessoas que se envolveram no Projeto estavam procurando grandes desafios tecnológicos. Sempre houve uma infraestrutura técnica adequada e em funcionamento de modo que, em tempos de pouco dinheiro, era possível testar novas ideias ou aperfeiçoar soluções técnicas com poucos recursos. Quase tudo podia ser feito “em casa”. Para jovens entusiastas de ciência e tecnologia isto é muito importante já que traz agilidade ao processo. Outro aspecto é a participação de todos nas decisões técnicas. Todos sentiam uma grande responsabilidade pelos resultados e grande orgulho pelos acertos.

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Artigo em destaque: Percorrendo um caminho randômico para emitir luz laser ultravioleta.

O artigo científico com participação de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é: Multi-photon excited coherent random laser emission in ZnO powders. Dominguez, CT; Gomes, MA; Macedo, ZS; de Araujo, CB; Gomes, ASL. Nanoscale, 2015, 7, 317-323. DOI: 10.1039/C4NR05336B.

Percorrendo um caminho randômico para emitir luz laser ultravioleta

Uma equipe de cientistas do Brasil desenvolveu um laser de tipo randômico que abre novas possibilidades de aplicações para este tipo de dispositivos, principalmente em medicina. A novidade foi reportada em um artigo recentemente publicado na revista científica Nanoscale.

Em um laser, a luz é gerada pela emissão de fótons em efeito cascata: elétrons corretamente estimulados emitem fótons, os quais estimulam novos elétrons que emitem outros fótons, que estimulam outros elétrons e assim por diante. Para que um laser funcione, é necessário que haja mais elétrons excitados do que não excitados – situação chamada de inversão da população.

No laser convencional, a inversão da população só ocorre quando a luz é confinada num “meio de ganho”, o qual está preso dentro de um arranjo de espelhos paralelos, conhecido como cavidade óptica. Nesse meio de ganho, a luz vai e volta, estimulando elétrons e gerando o efeito cascata acima explicado. Já no laser randômico, o confinamento da luz ocorre pela ação fortemente espalhadora de partículas nanométricas embutidas no material desse meio, não havendo necessidade da cavidade óptica. Antes de sair do laser randômico, a luz percorre um longo caminho aleatório produzindo emissão estimulada. Se, no final do caminho, a luz volta a seu centro de espalhamento original, trata-se de um laser randômico de realimentação coerente.

No trabalho reportado na Nanoscale, os autores utilizaram como meio de ganho, pó de óxido de zinco (ZnO), cujas partículas funcionaram também como centros espalhadores. O material foi sintetizado por um método de sol-gel proteico, benéfico para o meio ambiente e de baixo custo, seguindo uma rota inovadora baseada no uso de água de côco na fase de polimerização do precursor metálico. O processo gerou um composto de qualidade equivalente ao produzido por vias tradicionais.

“Nossa equipe desenvolveu, pela primeira vez usando excitação óptica no infravermelho, um laser randômico com realimentação coerente emitindo luz ultravioleta, a partir de um pó composto de partículas sub-micrométricas de ZnO”, resume Christian Tolentino Dominguez, primeiro autor do artigo publicado na Nanoscale.

De acordo com ele, o trabalho abre possibilidades para diversas aplicações da luz de laser randômico; por exemplo, na ativação de fluoróforos ou drogas de uso terapêutico, como fonte de iluminação para a obtenção de imagens biomédicas de alta qualidade, e também como fonte de iluminação em aparelhos de tomografia de coerência óptica (OCT), pico-projetores e projetores de cinema.

A equipe também obteve evidências experimentais para afirmar que a emissão UV do laser randômico de pó de ZnO foi induzida pela absorção simultânea de 3 fótons na faixa do infravermelho próximo. “Devido a sua larga banda proibida (~3.37 eV), o ZnO é praticamente transparente à luz visível, porém sua banda de condução pode ser acessada por elétrons excitados por luz com comprimento de onda localizado na faixa do infravermelho próximo, por um processo óptico não linear que envolve a absorção de múltiplos fótons de maneira simultânea”, explica Tolentino.

(a) e (b) Imagens de microscopia eletrônica de varredura mostrando as partículas de ZnO em diferentes magnificações, (c) Difração de raios-X das partículas, (d) Esquema mostrando a configuração experimental, (e) Espectros de emissão a diferentes energias de excitação e curvas mostrando a caracterização do random laser: estreitamento de banda e comportamento não linear da emissão em função da energia de excitação.

O trabalho foi desenvolvido, principalmente, no Laboratório de Fotônica e Biofotônica da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), dirigido pelos professores Anderson Gomes e Cid B. de Araújo, durante o estágio de pós-doutorado de Christian Tolentino, que atualmente trabalha no Laboratório de Engenharia Biomédica, também na UFPE. A síntese das partículas foi realizada pelo grupo de Materiais Cerâmicos Avançados da Universidade Federal de Sergipe (UFS), chefiado pela professora Zélia Soares Macedo.

A pesquisa contou com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACEPE) e foi realizado no contexto do INCT de Fotônica, que vem realizando pesquisa ativa na área de lasers randômicos, tendo diversos trabalhos publicados.

Aberta a submissão de resumos para apresentar trabalhos nos 27 simpósios e 2 workshops do XIV Encontro da SBPMat.

Está aberta, até 30 de maio, a submissão de resumos do XIV Encontro da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Materiais (SBPMat). O evento será realizado de 27 de setembro a 1º de outubro no Rio de Janeiro, no Centro de Convenções SulAmérica.

São aceitos para avaliação trabalhos de pesquisadores e estudantes do Brasil e do exterior nas áreas dos simpósios do evento. Nesta edição do encontro anual da SBPMat, o número de simpósios superou todas as anteriores: são 27 simpósios e 2 workshops.

Os simpósios foram selecionados pelo comitê organizador do evento a partir das propostas recebidas numa chamada lançada em novembro do ano passado e direcionada à comunidade científica. De acordo com os coordenadores do evento, Marco Cremona e Fernando Lázaro Freire Junior, para esta edição houve mais de 50 propostas de simpósios e foi impossível acomodar todos por conta das limitações de tempo e espaço físico do Centro de Convenções SulAmérica. Para escolher os simpósios, levou-se em conta que contemplassem temas de fronteira em Ciência dos Materiais e que tivessem uma comunidade atuante no país.

Além de um variado leque de temas (nanomateriais, eletrônica e fotônica, biomateriais, modelagem, materiais para energia, entre outros), a lista de simpósios inclui um simpósio organizado pelos University Chapters da SBPMat, coordenado por estudantes, e dois workshops organizados em colaboração com indústrias. A relação de coordenadores de simpósios também é variada, incluindo pesquisadores de universidades e outras instituições de pesquisa das regiões Sul, Sudeste e Nordeste do Brasil, e do exterior (Alemanha, Argentina, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Inglaterra, Irlanda, Itália, Japão, Portugal e Suíça).

Sobre os Encontros da SBPMat

O encontro anual da SBPMat é um tradicional fórum internacional dedicado aos recentes avanços e perspectivas em ciência e tecnologia de Materiais. Além da apresentação de trabalhos que ocorre nos simpósios, o programa científico do evento conta com palestras plenárias de pesquisadores mundialmente destacados. Na edição de 2014, realizada na cidade de João Pessoa (PB), cerca de 2.000 trabalhos foram apresentados em 19 simpósios.

Relação de simpósios e workshops: http://sbpmat.org.br/14encontro/symposia/?lang=en

Instruções para elaboração e envio dos resumos: http://www.sbpmat.org.br/14encontro/authors/?lang=en

Centro de pesquisa, tecnologia e educação em materiais vítreos CeRTEV inova em educação a distância internacional.

No próximo dia 19 deste mês, as 15h15, o Cepid – Fapesp CeRTEV (Center for Research, Technology and Education in Vitreous Materials), com sede na UFSCar, São Carlos, dará início a um inovador esquema de ensino e divulgação científica internacional via internet.

Trata-se de atividade inicial num programa em colaboração com o IMI (International Materials Institute for New Functionality in Glass), sediado na Pennsylvania State University e Lehigh University, ambas nos EUA. O IMI é financiado pela National Science Foundation, num programa similar aos Cepids da FAPESP.

Utilizando-se do software Blackboard Collaborate, o professor da UFSCar Edgar Dutra Zanotto, coordenador do Cepid, ministrará a primeira aula sobre vitrocerâmicos, com duração de 75 minutos, para alunos, pesquisadores de universidades e empresas, e professores de vários países cadastrados num curso sobre “glass processing”.

Uma aula teste foi realizada com sucesso na última sexta-feira. Dependendo dos resultados das duas aulas reais, nos dias 19 e 24, esta iniciativa deverá ser incorporada às inúmeras ações de ensino e divulgação científica do Cepid e expandida com vários outros cursos.

Alunos e interessados em ensino e divulgação científica em geral estão cordialmente convidados a assistir a alguns minutos da primeira aula para vislumbrar como funciona essa interessante e inovadora estratégia: http://tinyurl.com/IMI-GlassClass.

Mais informações

Pre-testing for participants: You may test your login as a participant at any time between now and the actual course sessions. We strongly recommend you try out our test site to get familiar with how to log in and the features available on Blackboard Collaborate prior to the first scheduled lecture. It will NOT be possible to sort out any connection problems during the live screening of the lecture. We are reserving two special, assisted log on sessions. During the special sessions below we will have some content posted and will monitor the sessions to address any individual problems or questions.
Monitored Testing Sessions:
Friday, Jan. 16, 2015: 10 AM – 4 PM (EST-USA) and Monday, Jan. 19: noon-5PM (EST).

How to access Blackboard Collaborate

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Gente da nossa comunidade: entrevista com o pesquisador Helio Chacham.

Durante sua infância e adolescência em Belo Horizonte, nas décadas de 1960 e 1970, não faltaram estímulos para que começasse a crescer em Helio Chacham a semente de cientista.  Na fase dos estudos universitários, após iniciar o curso de Engenharia Elétrica, Chacham acabou optando pela Física. E foi nessa área que realizou, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sua graduação, mestrado e doutorado.

Pouco depois de finalizar o doutorado, ingressou na UFMG como professor adjunto e, em seguida, partiu para os Estados Unidos para fazer um estágio de pós-doutorado de cerca de dois anos na Universidade de Califórnia em Berkeley. De volta a Minas Gerais, coordenou o programa de pós-graduação em Física da UFMG, entre 1995 e 1997. De 1999 a 2000 retornou aos Estados Unidos para realizar um segundo estágio de pós-doutorado, na Universidade de Texas em Austin. Em 2004, tornou-se professor titular da UFMG.

Ao longo de 30 anos de atividade científica, o professor Chacham tem estudado diversos materiais a partir da investigação teórica, baseada no uso intensivo de cálculos computacionais, embora em numerosas oportunidades ele tenha trabalhado em colaboração com grupos de pesquisa experimental. No início de sua carreira, Chacham fez aportes importantes ao estudo das propriedades de materiais sob ultra-alta pressão. Desde meados da década de 1990, o pesquisador tem se dedicado, junto a seu grupo e colaboradores, a prever, verificar e explicar fenômenos que ocorrem em nanomateriais e materiais bidimensionais, realizando, também nesse tema, contribuições significativas.

Atualmente com 55 anos, Helio Chacham é bolsista de produtividade do CNPq de nível 1 A. É autor de cerca de 100 artigos publicados em periódicos internacionais de revisão por pares, os quais contam com mais de 1.800 citações. Chacham é subcoordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Nanomateriais de Carbono. Em dezembro de 2014, foi eleito membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC).

Segue uma entrevista com o cientista.

Boletim da SBPMat: – Como se despertou seu interesse pela ciência? O que o levou a se tornar um cientista e a trabalhar em Física da Matéria Condensada?

Helio Chacham: – Minha infância se passou nas décadas de 60 e 70, quando havia um grande interesse por ciência e tecnologia – em parte devido à corrida espacial e a ida à lua. Na infância e adolescência, sempre tive acesso a livros de divulgação científica – lembro-me do “O Universo” de Isaac Asimov – e também de ficção científica (vários também do Asimov). Nesta época também colecionei kits de experimentos de ciência que eram vendidos em bancas de jornal – eram ótimos kits com materiais e instruções para experimentos, incluindo também pequenos textos sobre os cientistas associados aos experimentos.  Nas escolas que frequentei a partir da 5ª série (Centro Pedagógico da UFMG e Colégio Técnico da UFMG) havia bons laboratórios e bons professores de ciência, que também me estimularam nesta direção.

Ao entrar na universidade (UFMG) iniciei como estudante de Engenharia Elétrica, mas após o primeiro ano verifiquei que meu interesse maior era nas áreas e Física e Computação. Mudei para o curso de Física e fiquei por algum tempo como estudante de iniciação em Ciência da Computação. Passei na seleção ao mestrado em ambos – Física e Computação – e acabei optando pelo primeiro. A partir daí, dediquei-me à pesquisa em Física da matéria condensada, talvez por estar de alguma forma relacionada aos meus interesses anteriores (engenharia e computação).

Boletim da SBPMat: –  Quais são, na sua própria avaliação, as suas principais contribuições à área de Materiais?

Helio Chacham: – Nos anos 90 dediquei-me principalmente à investigação teórica de propriedades de materiais sob ultra-alta pressão. Estas propriedades são relevantes, por um lado, sob o ponto de vista acadêmico, porque permitem investigar condições similares às de interiores planetários. Por outro, estas propriedades determinam limites de dureza de materiais, como o diamante. Minhas maiores contribuições nesta área foram a determinação da pressão acima da qual o hidrogênio se torna um metal – o que ocorre no interior de Júpiter – e a determinação teórica de uma das medidas de dureza do diamante, o ideal shear strength.

A partir de meados dos anos 90 iniciei uma linha de pesquisa em nanomateriais. Esta tem sido uma das áreas de pesquisa mais ativas em materiais, desde a descoberta dos fulerenos e nanotubos de carbono. Minhas primeiras contribuições na área, em colaboração com estudantes, foram a previsão de morfologias de fulerenos de nitreto de boro e a previsão da transformação das propriedades eletrônicas de nanotubo de carbono – de isolante para metálico – quando submetidos a compressão. Este último fenômeno só foi comprovado experimentalmente vários anos depois, em um trabalho em colaboração com experimentais em meu próprio departamento – o departamento de Física da UFMG. Estas colaborações teórico/experimental tiveram uma profícua continuidade até os dias de hoje, o que nos tem permitido prever, verificar e explicar diversos novos fenômenos em nanotubos de carbono, grafeno e materiais bidimensionais, fenômenos estes tais como: a compressibilidade dinâmica negativa em grafeno; a cristalização de rugas em nitreto de boro; e a exfoliação do talco até o limite de única camada, de maneira semelhante à do grafeno, e a determinação das propriedades deste novo material bidimensional.

Durante todos estes projetos sempre me preocupei em formar mestres e doutores, cujas teses versaram em propriedades eletrônicas e estruturais de nanotubos, fulerenos, DNA, nanopartículas, nanofios, grafeno, e outros materiais bidimensionais. Estes ex-estudantes são agora professores e pesquisadores tanto na UFMG como em outras universidades, e tem realizado diversos projetos, principalmente na área de nanomateriais.

Boletim da SBPMat: – No ano passado você foi eleito membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Comente o que significa para você essa distinção e como você vê seu papel dentro da ABC.

Helio Chacham: Agradeço profundamente o apoio de meus colegas da Academia na eleição. Tomarei posse em maio, e poderei a partir de então procurar formas de contribuição à ABC, seja pela participação em comissões ou em projetos específicos da Academia, como a colaboração com Academias de Ciências de outros países, em uma das quais já participei (Brasil/Índia) antes de ingressar como membro. Como já venho prestado serviços à comunidade, seja por exemplo como membro de comitê assessor do CNPq ou coordenando projetos em nanomateriais, creio que minha eleição me permitirá continuar a contribuir para a comunidade de pesquisadores em diversas formas.

Boletim da SBPMat: –  Deixe uma mensagem para nossos leitores que estão iniciando suas carreiras de cientistas.

Helio Chacham: – Baseando-me em minha experiência profissional até o momento, eu talvez possa dar algumas sugestões – que podem ser úteis ou não dependendo da personalidade de cada um, é claro:

a)      Trabalhe naquilo que realmente o entusiasme – a carreira de pesquisador é uma das poucas que lhe permitem isto.

b)      Procure áreas de pesquisa em que há muitos problemas a serem resolvidos, ou novos materiais sendo produzidos, e que estejam consistentes com o ítem (a) acima. Para isto, é importante estar sempre em dia com a literatura científica da área.

c)       Domine as metodologias que usa tão profundamente quanto possível. Isto lhe permitirá atacar problemas difíceis e relevantes.

d)      Esteja disposto a sempre estudar e aprender novas metodologias – isto lhe dará a flexibilidade e a habilidade de procurar novos problemas e áreas de pesquisa, assim como colaborar com pesquisadores que utilizam outras metodologias. A ciência evolui continuamente, e sempre.

Mais dois university chapters criados no estado de São Paulo.

O mapa do programa university chapters (UCs) da SBPMat apresenta, desde o final de janeiro deste ano, mais dois pontos no estado de São Paulo.

O University Chapter NanoMaterials (UCNanoM), sediado na UNESP campus Presidente Prudente, inicia com cinco tutores e 45 membros, graduandos e pós-graduandos do departamento de Física, Química e Biologia, que desenvolvem projetos voltados à preparação e caracterização de nanomateriais e de dispositivos eletrônicos e optoeletrônicos.

Equipe fundadora (acima) e logo do UC da UNESP Presidente Prudente.

“No Brasil, a pesquisa em Materiais tem alcançado avanços relevantes. Por isso, se torna importante investir em networking a partir da divulgação de projetos e grupos de pesquisa”, diz o presidente do UCNanoM, Tiago Carneiro Gomes. “O programa University Chapter é uma oportunidade para isto, e vem a contribuir para uma formação acadêmica efetiva”, completa o doutorando em Ciência e Tecnologia de Materiais da UNESP.

O UCNanoM pretende realizar workshops abertos ao público. Por meio desses eventos, o UC visa a promover o networking e a visão crítica e global de avanços científicos e tecnológicos recentes, além de despertar o interesse de alunos de ensino médio para atuarem na ciência.

Equipe fundadora do UC da UNESP Ilha Solteira.

O segundo UC recentemente criado é sediado no campus de Ilha Solteira da UNESP. Conta com dois professores tutores e 27 participantes – alunos do programa de pós-graduação em Ciência dos Materiais e graduandos da licenciatura em Física. De acordo com seu presidente, Lincon Zadorosny, a motivação principal da criação do UC foi a oportunidade de interação, em nível nacional e internacional, com diversos grupos de pesquisa e com os alunos participantes desses grupos. Quanto às expectativas, Lincon espera que seu UC possa ajudar a trocar experiências com outros grupos, manter-se atualizado sobre trabalhos de pesquisa nacionais e internacionais e gerar oportunidades de intercâmbio.

Conheça o Programa University Chapters da SBPMat  e as oito unidades que possui até o momento nos estados de Minas Gerais, Pará, Piauí, Rio Grande do Sul e São Paulo: http://sbpmat.org.br/university-chapters/

Boletim SBPMat – edição 29.

 

Saudações!

Edição nº 29

6 de fevereiro de 2015

Notícias da SBPMat: XIV Encontro - Rio de Janeiro, 27/09 a 01/10 de 2015 

Simpósios: Em breve, muito breve, no site do evento, a lista dos simpósios.

Submissão de resumos: vai até maio. Em breve, no site do evento, as instruções para os autores.

Patrocinadores e expositores: 9 empresas já reservaram seu lugar no XIV Encontro da SBPMat. Contato para expositores e demais patrocinadores: rose@metallum.com.br.

Veja o site do evento.

Notícias da SBPMat: programa University Chapters

Foi criado o primeiro university chapter da SBPMat na região Norte do Brasil, mais precisamente na cidade de Belém (PA), na Universidade Federal do Pará (UFPA). O Programa University Chapters da SBPMat, iniciado no ano passado, já conta com 6 unidades em universidades de Minas Gerais, Pará, Piauí, Rio Grande do Sul e São PauloSaiba mais.

Artigo em destaque 

Mediante um detalhado estudo de espectros Raman do composto CMO, realizado nas universidades federais do Maranhão e do Ceará com colaboração de grupos da Espanha, cientistas investigaram a relação das vibrações da rede cristalina com a ordem magnética e conseguiram avançar na compreensão da geração de ferroeletricidade magneticamente induzida. Os resultados foram recentemente publicados no Applied Physics Letters.  Veja nossa matéria de divulgação.

Gente da nossa comunidade 

Nascido e formado na Argentina, Aldo Craievich chegou ao Brasil em 1973. Aqui desenvolveu sua carreira de cientista em diversas instituições, na área de Física da Matéria Condensada, e foi um dos protagonistas da criação e implantação do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron. Em entrevista ao Boletim da SBPMat, o professor nos falou sobre sua trajetória: as principais contribuições ao estudo de diversos materiais, seu trabalho de divulgação e ensino da luz síncrotron, entre outros temas. E deixou uma mensagem para os leitores em início de carreira. Veja nossa entrevista com o cientista.

História da pesquisa em Materiais no Brasil 

Pesquisamos um pouco a história do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, cujos recursos tem beneficiado 1.500 cientistas, principalmente do Brasil e da Argentina, por ano. Nesta edição, contamos os primórdios de sua gênese: do surgimento do sonho de o Brasil possuir uma grande máquina de pesquisa até os passos prévios da implantação do laboratório.  Veja nossa reportagem.

Dicas de leitura
  • Técnica inovadora vence a resistência dos metais cristalinos à nanoconformação (divulgação de paper da Science). Aqui.
  • Filmes porosos de grafeno, bons para uso em supercapacitores, obtidos por laser a partir de polímero (texto e vídeo, divulgação de paper da Nature Communications). Aqui.
  • Superfície superhidrofóbica e autolimpante criada ao gravar a laser micro e nanoestruturas em metais (vídeo e texto, divulgação de paper da JAP). Aqui.
  • Implantes com materiais que se degradam no organismo após cumprir com a sua função em fraturas ósseas (divulgação de pesquisa do Instituto Fraunhofer). Aqui.
  • Segurança de nanomateriais: combinação de nanotubos com chumbo ou pesticidas mostra toxicidade para peixes (divulgação de pesquisa do INCT Inomat). Aqui.
  • Eficiência energética: na nanoescala,composição química da superfície influencia no atrito, diz paper feito no Brasil (divulgação do INCT de Engenharia de Superfícies de paper da APL). Aqui.
Oportunidades
  • Seleção para o mestrado em Ciência de Materiais na Universidade de Brasília.  Aqui.
  • Novo equipamento pode ser usado pela comunidade de Materiais no LNNano: microtomógrafo de raios X. Aqui.
Próximos eventos da área
  • 1st Brazilian X-ray Absorption Spectroscopy School (EBARX). São Carlos, SP (Brasil). 9 a 13 de fevereiro de 2015. Site.
  • 4ª Escola de Análise de Dados de SAXS. Campinas, SP (Brasil). 11 a 15 de maio de 2015. Site.
  • São Paulo School of Advanced Sciences (ESPCA) on Recent Developments in Synchrotron Radiation. Campinas, SP (Brasil). 13 a 24 de julho de 2015. Site.
  • Advanced School on Glasses and Glass-Ceramics (G&GC São Carlos). São Carlos (Brasil). 1 a 9 de agosto de 2015. Site.
  • Primeira Conferência de Materiais Celulares (MATCEL 2015). Aveiro (Portugal). 7 e 8 de setembro de 2015. Site.
  • XIV Encontro da SBPMat. Rio de Janeiro. 27 de setembro a 1º de outubro de 2015. Site.
  • 13th International Conference on Plasma Based Ion Implantation & Deposition (PBII&D 2015). Buenos Aires (Argentina). 5 a 9 de outubro de 2015. Site.
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História do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron – parte 1. O sonho de uma grande máquina de pesquisa no Brasil e os passos prévios à construção do laboratório.

Fotografia do LNLS mostrando tanto o acelerador principal quanto as linhas de luz. Créditos: Julio Fujikawa / Divulgação LNLS.

Desde 1997, no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), na cidade de Campinas (SP), elétrons acelerados até uma velocidade muito próxima à da luz e comprimidos num feixe da espessura de um fio de cabelo percorrem um polígono de 93 metros de comprimento, chamado “anel de armazenamento”, gerando um tipo de radiação de brilho ímpar com importantes aplicações no estudo da matéria orgânica e inorgânica, a luz síncrotron.

Em diversos pontos em volta do anel, cientistas, principalmente do meio acadêmico e também da indústria, trabalham simultaneamente em diversos pequenos laboratórios, conhecidos como “estações experimentais” ou “linhas de luz”, cujos instrumentos científicos utilizam os feixes gerados pela fonte de luz síncrotron depois de ser filtrados por monocromadores. Graças a esses filtros, cada experimento recebe o tipo de radiação do espectro eletromagnético que necessita, do infravermelho até os raios X.

Ainda hoje, a fonte de luz síncrotron do LNLS é a única da América Latina. Desde a inauguração do laboratório, o uso das estações experimentais é gratuito e aberto à comunidade científica internacional. Os interessados submetem seus projetos de pesquisa a um comitê composto por membros da comunidade científica, que os encaminha à revisão por pares. As propostas aceitas conseguem um espaço na lotada agenda do LNLS, durante o dia ou à noite. Nos últimos tempos, o laboratório tem beneficiado cerca de 1.500 pesquisadores por ano, originários do Brasil (a maioria), da Argentina (cerca de 17%) e, em menores proporções, de outros países.

As possibilidades de pesquisa experimental disponíveis no LNLS são aproveitadas em trabalhos das mais variadas áreas do conhecimento, como Química, Física, Biologia, Ciências do Meio Ambiente, Geociências e, principalmente, Ciência e Engenharia de Materiais. “Para um número expressivo de pesquisadores dessa área no Brasil, as linhas de luz do LNLS são alguns dos principais instrumentos de medição nos seus programas de pesquisa”, diz Harry Westfahl Jr., diretor científico do LNLS desde março de 2013.

De acordo com Aldo Felix Craievich, cientista que teve uma importante participação ao longo de todo o processo de criação do LNLS e foi seu primeiro diretor científico, um dos objetivos do laboratório, desde o início, foi oferecer aos pesquisadores de Ciência e Engenharia de Materiais uma infraestrutura experimental única e de boa qualidade para suas pesquisas. “O funcionamento do LNLS durante 17 anos já permitiu a muitos cientistas e engenheiros de Materiais utilizarem as diversas linhas de luz, que lhes permitiram realizar pesquisas em condições muito favoráveis, a maior parte das quais seriam impossíveis em laboratórios clássicos”, completa.  De fato, a alta intensidade e outras características singulares da luz síncrotron permitem estudar os materiais com maior detalhe do que a radiação que pode ser produzida por fontes encontradas nos laboratórios das universidades. “Hoje, muitos materiais são nanomateriais e, neste contexto, os melhores tubos de raios X não conseguem concorrer com a radiação síncrotron”, afirma Yves Petroff, físico francês que dirigiu centros de luz síncrotron na Europa e foi diretor científico do LNLS de novembro de 2009 a março de 2013.

Contando com técnicas experimentais como difração de raios X (XRD), espalhamento de raios X a baixos ângulos (SAXS), absorção de raios X (EXAFS, XANES), foto-emissão de elétrons (PES), espectroscopia VUV e microtomografia, as linhas de luz síncrotron permitem um amplo e profundo estudo da estrutura e propriedades dos materiais. “Os pesquisadores trazem ao LNLS os materiais criados em seus laboratórios, como, por exemplo, plásticos mais resistentes, catalisadores mais eficientes ou metais com propriedades eletrônicas e magnéticas inusitadas, para compreender em nível microscópico a manifestação dessas propriedades inovadoras descobertas, ou mesmo para guiar novas rotas de síntese”, exemplifica Harry Westfahl Jr.

De acordo com Aldo Craievich, a contribuição do LNLS ao desenvolvimento da Ciência de Materiais é atestada pela quantidade e qualidade de artigos publicados em revistas de alto impacto a partir de pesquisas experimentais realizadas no laboratório. A título de exemplo, Craievich comenta que, no triênio 2006 – 2008, de um total de 547 publicações em revistas indexadas geradas a partir de trabalhos desenvolvidos no LNLS (as quais podem ser acessadas nos relatórios anuais do LNLS), 211 foram publicadas em periódicos da área de Ciência de Materiais, número que aumenta ao se adicionar as publicações de Química e Física que tratam de aspectos básicos das propriedades de materiais sólidos.

Entretanto, a contribuição do LNLS ao desenvolvimento científico-tecnológico do país começou antes que o laboratório abrisse suas portas à comunidade científica da academia e da indústria. O processo de criação e implantação do LNLS como Laboratório Nacional foi uma rica experiência para seus protagonistas e uma história interessante de se conhecer, principalmente devido ao fato de que a maior parte da fonte de luz síncrotron e das linhas de luz foi projetada e fabricada no país.

Gênese do LNLS: os primórdios

O desejo de possuir no Brasil um grande acelerador de partículas é quase tão antigo como a comunidade de físicos do país. Uma das primeiras tentativas de instalar um equipamento desse tipo ocorreu no início da década de 1950 e se caracterizou por ser uma proposta de construção, em vez da compra, de uma dessas grandes máquinas. O militar e cientista Almirante Álvaro Alberto da Motta e Silva, que tinha liderado a recente criação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e presidia a instituição, viu na Universidade de Chicago um acelerador de partículas tipo sincrocíclotron e voltou ao Brasil com a proposta de fabricar um pequeno equipamento desse tipo no Rio de Janeiro, no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), para treinar técnicos e cientistas do país que depois pudessem fabricar uma máquina maior. O projeto foi iniciado em 1952. Em 1960, o sincrocíclotron pequeno funcionou pela primeira vez, mas, por diversos motivos, nunca chegou a ficar totalmente operacional.

Passado o período mais duro da ditadura militar brasileira, no qual muitos cientistas saíram do país, o assunto dos grandes equipamentos científicos foi retomado e, em 1981, o presidente do CNPq, Lynaldo C. Albuquerque, chamou a comunidade científica a elaborar propostas de grandes máquinas de pesquisa para implantar no Brasil. Em resposta, ocorreram no CBPF as primeiras discussões sobre a construção de uma fonte de luz síncrotron. No final do ano, uma proposta foi apresentada por Roberto Lobo, diretor do CBPF, ao presidente do CNPq. Em 1982, ambos os cientistas visitaram o laboratório nacional de luz síncrotron francês LURE, da Université Paris-Sud, onde Aldo Craievich estava realizando um estágio de pós-doutorado e adquirindo valiosa experiência em aplicações dessa radiação.

“Desde o início, o pequeno grupo de pessoas que participávamos dessas discussões percebemos que, para levar adiante esse projeto de grande porte, alta complexidade e elevado custo, era necessário conseguir um consenso da comunidade científica brasileira e atrair um razoável número de potenciais usuários interessados”, comenta Craievich. Nas lembranças do cientista, a primeira apresentação pública das ideias preliminares ocorreu no Encontro Nacional de Física da Matéria Condensada realizado em Cambuquira, em abril de 1982. “Na ocasião observou-se certa resistência da comunidade científica ao ser informada do elevado custo do projeto, pelo temor de que isso pudesse afetar o financiamento de outros em andamento”, conta Craievich.

Mesmo assim, Lobo, Craievich e mais alguns pesquisadores do CBPF elaboraram um primeiro documento formal visando à implantação de uma fonte de luz síncrotron no Brasil (“Proposta preliminar do estudo de viabilidade para a implantação de um laboratório nacional de radiação de síncrotron”), o qual, em 1983, foi aprovado pelo CNPq. O CNPq criou então o Projeto Radiação Sincrotrónica (PRS), coordenado por Roberto Lobo, e se dispôs a alocar verbas para formar recursos humanos para desenvolver o projeto e treinar futuros usuários. Ainda em 1983, no mês de outubro, o CNPq instaurou o comitê executivo do PRS, o qual era coordenado por Aldo Craievich (CBPF) e contava com mais sete participantes ligados ao CBPF, UFRJ, UNICAMP e USP. Entre eles, constava Ricardo Rodrigues, que, alguns anos depois, seria nomeado diretor técnico na fase de construção do laboratório. Para promover uma maior divulgação e discussão do projeto e a formação de futuros usuários foi realizado, em agosto de 1983, no CBPF, o Encontro sobre Técnicas e Aplicações da Radiação Síncrotron, do qual participaram 220 cientistas. Também com o objetivo de formar novos recursos humanos no início de 1984, o PRS lançou uma chamada oferecendo bolsas do CNPq de iniciação científica, mestrado, doutorado, pós-doutorado e pesquisa, em temas relacionados à construção da fonte e linhas de luz e suas aplicações.

Mais duas novidades marcaram o ano de 1984 na história do LNLS. O PRS passou a contar com um comitê técnico-científico (CTC), presidido por Roberto Lobo (USP) e formado por uma dúzia de cientistas ligados ao CBPF, IPT, PUC-Rio, UNICAMP e USP, inclusive Cylon Gonçalves da Silva, que se tornaria o primeiro diretor do laboratório em 1986 e lideraria sua efetiva implantação. Além disso, em dezembro de 1984, o CNPq deu mais um passo rumo à construção da fonte de luz síncrotron ao criar a figura do Laboratório Nacional de Radiação Síncrotron (LNRS), com Roberto Lobo como diretor pro tempore, e ainda sem lugar designado para sua sede.

Logo depois da criação do LNRS, o CNPq fez uma chamada à comunidade científica para que fossem submetidas propostas para a sua futura sede. Das quatro propostas de locais – Rio de Janeiro, Niteroi, Campinas e São Carlos -, o presidente do CNPq, numa das últimas resoluções de sua gestão pouco antes do fim do governo militar, em fevereiro de 1985, escolheu Campinas como futura sede do LNRS.

Na próxima edição do Boletim da SBPMat, não perca a reportagem sobre a segunda parte desta história – a fase da construção do laboratório.

Artigo em destaque: Fônons acoplados à ordem magnética na origem da ferroeletricidade.

O artigo científico com participação de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é: Spin-phonon and magnetostriction phenomena in CaMn7O12 helimagnet probed by Raman spectroscopy. Nonato, A.; Araujo, B.S.; Ayala, AP; Maciel, AP; Yanez-Vilar, S.; Sanchez-Andujar, M.; Senaris-Rodriguez, MA; Paschoal, CWA. Applied Physics Letters 105, 222902 (2014); DOI: 10.1063/1.4902234.

Matéria de divulgação: Fônons acoplados à ordem magnética na origem da ferroeletricidade.

Por meio de um estudo baseado, principalmente, na técnica de espectroscopia Raman, pesquisadores do Brasil, em colaboração com cientistas da Espanha, avançaram na compreensão dos mecanismos envolvidos na geração de ferroeletricidade magneticamente induzida (polarização elétrica que ocorre em alguns materiais com ordenamento magnético espiral, mesmo quando não estão sob a ação de campos elétricos) no composto CMO.

O CMO, cuja fórmula é CaMn7O12, é um óxido cerâmico de estrutura perovskita, que apresenta, simultaneamente, a baixas temperaturas, ferroeletricidade e antiferromagnetismo.

Além de contribuir ao avanço da pesquisa fundamental, o trabalho, cujos resultados foram recentemente publicados na revista Applied Physics Letters (APL), abre possibilidades para a criação de novos materiais cuja polarização possa ser controlada por meio de campos magnéticos. Tais materiais poderiam ser aplicados, por exemplo, em novos dispositivos spintrônicos para armazenamento de dados, mais rápidos e que consumam menos energia.

O estudo foi realizado durante o doutorado de Ariel Nonato Almeida de Abreu Silva, orientado por Carlos William de Araujo Paschoal, professor do departamento de Física da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), onde lidera um grupo de pesquisa em propriedades dielétricas e vibracionais. “A idéia surgiu da busca por materiais multiferroicos e magnetoelétricos que permitam um controle da polarização elétrica mediante substituições”, diz o professor Araujo Paschoal, que assina o artigo junto a outros sete pesquisadores. De acordo com ele, o CMO foi escolhido por apresentar um rico diagrama de fases (magnética, estrutural e de ordenamento de carga) e por ser único nos mecanismos que geram ferroeletricidade a partir de suas propriedades magnéticas.

Entre as particularidades do CMO, existe uma transição magnética, que ocorre a 90 K (cerca de -180° C), na qual o composto passa da fase paramagnética à antiferromagnética, induzindo uma ferroeletricidade gigante.

No estudo que gerou o paper da APL, Ariel e seu orientador analisaram detalhadamente os espectros Raman das amostras de CMO em diversas temperaturas (de 300 K, cerca de 26°C, até 10 K, cerca de -263°C) para investigar as vibrações coletivas dos átomos da rede cristalina (fônons) e sua relação com a ordem magnética. Entre outros resultados, conseguiram provar que, a 90 K, os fônons exibiam um comportamento não usual devido ao acoplamento com a ordem magnética.

“A principal contribuição deste trabalho foi ajudar na compreensão de como os fônons acoplam com o ordenamento magnético no CaMn7O12(CMO). Isso sem dúvida é um grande passo que nos permite avançar na compreensão da origem da polarização elétrica induzida no CMO, a qual ainda é motivo de grande discussão na literatura”, afirma Paschoal.

Espectro Raman do CMO observado a 10 K. O inset mostra o acoplamento ferroaxial da hélice magnética com a rotação global da estrutura descrita pelo vetor axial A.

O trabalho experimental deste estudo começou com a síntese das amostras, que foi realizada na Universidad de A Coruña (Espanha), onde Ariel estava realizando um “período sanduíche” sob supervisão da professora Maria Antonia Señaris Rodriguez. Na sequência, na Universidad de Santiago de Compostela, foi realizada uma série de medidas magnéticas. Por fim, as medidas de espectroscopia Raman foram realizadas no Laboratório de Espalhamento de Luz da Universidade Federal do Ceará (UFC), em colaboração com o professor Alejandro Pedro Ayala, e no próprio departamento de Física da UFMA, no Laboratório de Espectroscopia Vibracional e Impedância (LEVI).

A pesquisa contou com financiamento de agências brasileiras federais (CNPq e CAPES) e estaduais (FUNCAP e FAPEMA, do Ceará e do Maranhão, respectivamente) e de entidades da Europa.