Artigo em destaque: Puxando os limites de um supercondutor.

O artigo científico com participação de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é: 10 to 25-fold increase in the transport superconducting critical current density of spark-plasma sintered Bi-2223 superconductors. E. Govea-Alcaide, I. F. Machado, and R. F. Jardim. Journal of Applied Physics 117, 043903 (2015). DOI: 10.1063/1.4906560.

Puxando os limites de um supercondutor

Um trabalho recentemente publicado no Journal of Applied Physics, assinado por dois pesquisadores brasileiros e um cubano, traz relevantes contribuições ao estudo dos materiais supercondutores – aqueles que permitem o fluxo de corrente elétrica sem resistência (literalmente, com resistência elétrica zero).

A supercondutividade ocorre em certos materiais sob condições determinadas. Existe, por exemplo, uma condição chamada de “temperatura crítica supercondutora”, acima da qual a supercondutividade não ocorre. E existe também uma “densidade de corrente crítica” (a quantidade de corrente elétrica que passa por determinada área), acima da qual a supercondutividade é destruída.

No trabalho reportado no Journal of Applied Physics, os autores apresentam uma rota que permite aumentar a densidade de corrente crítica do Bi-2223 em mais de 25 vezes na temperatura do nitrogênio líquido (77 K, ou seja, uns 195 °C negativos).

Esquema representativo do processo de sinterização a plasma (SPS).

O método parte de pó de Bi-2223 (óxido misto de bismuto, estrôncio, cálcio e cobre), consolidado por meio da técnica de sinterização por plasma (spark plasma sintering, SPS) em temperaturas próximas de 800 °C e tratado termicamente a 750 °C por 5 minutos. A rota abre possibilidades em diversas aplicações do material. “A otimização de propriedades supercondutoras de interesse, como é o caso da corrente crítica supercondutora, nos parece ser de grande relevância para a área de aplicações de supercondutores de maneira geral”, avalia o físico Renato de Figueiredo Jardim, autor do trabalho e professor do Instituto de Física da USP.

Além disso, no artigo, os autores propuseram quais são os mecanismos que ocorrem na microestrutura do material para que aconteça o aumento nessa propriedade supercondutora.

Imagem de microscopia de varredura de elétrons retro espalhados da microestrutura do Bi-2223 consolidado pela técnica de SPS a 750 °C: grãos com forma de lâmina.

Inicialmente, os cientistas puderam confirmar que, após o processo de sinterização a plasma, o Bi-2223 apresentou grãos alongados com forma de lâminas, compostos por casca e caroço (shell-core). Os pesquisadores conferiram que a casca, que é a borda do grão, era deficiente em oxigênio, o que constitui de certa forma um problema, desde que esse elemento é fundamental para melhorar as propriedades supercondutoras do Bi-2223 ao otimizar suas propriedades intergranulares.

Entretanto, o breve tratamento térmico realizado após a consolidação do material trouxe resultados de impacto. “O tratamento térmico foi fundamental para o restabelecimento, mesmo que parcial, de propriedades supercondutoras robustas no material preparado via SPS”, diz Renato Jardim. Concretamente, o tratamento diminuiu a largura da casca deficiente em oxigênio, fato que propiciou o aumento da condução da corrente elétrica entre os grãos. “O restabelecimento de oxigênio no material ocorre via os contornos de grão e certamente não é total, ou seja, ele ocorre em certas porções dos contornos de grãos, estabelecendo “caminhos” com baixa resistência elétrica, por onde corrente elétrica, por exemplo, pode conectar os grãos supercondutores do material”, resume o professor.

De acordo com o professor Jardim, a sua colaboração científica com o primeiro autor do artigo, o físico Ernesto Govea Alcaide, atualmente professor da Universidade de Granma (Cuba), já tem mais de 15 anos, e se remonta à pesquisa de doutorado de Govea Alcaide, realizada entre 2001 e 2005 dentro de um convênio CAPES/MES (Brasil/Cuba) coordenado pelos professores Jardim (pela USP) e Pedro Mune (pela Universidade de Oriente, em Cuba). Na ocasião, Govea Alcaide iniciou um estudo sistemático da preparação de compostos supercondutores visando a aplicações tecnológicas.

“É importante ressaltar que materiais supercondutores com potencial para aplicações tecnológicas requerem algumas características bem especificas, ou seja, os materiais devem apresentar: (i) fase cristalográfica única; (ii) alta textura; (iii) alta densidade; e (iv) contornos de grãos de baixa resistência elétrica”, explica o professor Jardim.

Com essas características em mente, em uma missão de trabalho dentro do convênio bilateral, Govea-Alcaide iniciou a preparação de materiais supercondutores. Em uma visita a São Paulo, relata Jardim, Govea Alcaide teve contato com o grupo da professora Izabel Machado, também autora do artigo, e, utilizando as facilidades do seu laboratório, produziu amostras de Bi-2223 por meio da técnica de SPS a partir de pós desse material de alta qualidade, cuja produção já era dominada no laboratório do professor Jardim.

De acordo com o professor Jardim, um conjunto maior de artigos científicos, no mesmo tópico do artigo aqui mencionado e publicados recentemente pelos professores Govea Alcaide, Machado e Jardim, entre outros pesquisadores, acaba de ser agraciado com um prêmio da Academia de Ciências de Cuba como um dos trabalhos de maior contribuição científica no ano de 2014.

O trabalho cujos resultados foram reportados no artigo do Journal of Applied Physics contou com financiamento do Brasil (Fapesp, CNPq, CAPES e Petrobrás) e do Ministerio de Educación Superior (MES) de Cuba.

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