Artigo em destaque: Grafeno dopado e sem defeitos para uso em dispositivos eletrônicos.

O artigo científico de autoria de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é: Chemical Doping and Etching of Graphene: Tuning the Effects of NO Annealing. G. K. Rolim, G. V. Soares, H. I. Boudinov, and C. Radtke. J. Phys. Chem. C,  2019, 123, 43, 26577-26582. https://doi.org/10.1021/acs.jpcc.9b02214.

Artigo em destaque: Grafeno dopado e sem defeitos para uso em dispositivos eletrônicos

O grafeno já é usado na fabricação de alguns produtos, desde capacetes que dissipam o calor até embalagens antiestáticas. Entretanto, o material maravilhoso, como costuma ser chamado, ainda tem muito a entregar à sociedade. Por ser bidimensional, flexível e excelente condutor da eletricidade, entre outras propriedades, o grafeno pode ser a base de uma série de dispositivos eletrônicos e optoeletrônicos miniaturizados e de altíssimo desempenho. Entretanto, para isso, é preciso produzir, em escala industrial, um grafeno cuja rede de átomos esteja livre de impurezas indesejadas, mas que contenha, além do carbono inerente ao grafeno, pequenas quantidades de outros elementos (dopagem) para, dessa maneira, controlar suas propriedades eletrônicas.

Em um trabalho totalmente realizado no Brasil, uma equipe científica propôs um processo que pode ajudar a produzir, em grande escala, um grafeno apto para dispositivos eletrônicos. “O processo desenvolvido em nosso grupo permite melhorar e ajustar as propriedades do grafeno, além da remoção de contaminantes da sua superfície”, disse o professor Cláudio Radtke (UFRGS), autor correspondente do artigo que reporta o trabalho, recentemente publicado no The Journal of Physical Chemistry C.

Foto dos autores do trabalho. Da esquerda para a direita: Henri Boudinov, Cláudio Radtke Gabriel Vieira Soares (todos professores da UFRGS) e Guilherme Koszeniewski Rolim (bolsista de pós-doutorado do Pragrama de Pós-Graduação em Microeletrônica na UFRGS).
Foto dos autores do trabalho. Da esquerda para a direita: Henri Boudinov, Cláudio Radtke Gabriel Vieira Soares (todos professores da UFRGS) e Guilherme Koszeniewski Rolim (bolsista de pós-doutorado do Programa de Pós-Graduação em Microeletrônica na UFRGS).

A equipe adquiriu amostras de grafeno produzidas por CVD (chemical vapor deposition) e transferidas a substratos de silício. Essa técnica é, no momento, uma das mais adequadas para a produção em larga escala de folhas de grafeno de área relativamente grande, mas deixa impurezas residuais e gera defeitos no grafeno. Para remover as impurezas, é comum a aplicação de um tratamento térmico em atmosfera de dióxido de carbono (CO2), o qual é eficiente na eliminação dos contaminantes, mas acaba gerando novos defeitos na folha de grafeno. A boa notícia é que esses defeitos podem ser neutralizados (passivados).

Procurando, justamente, estratégias de passivação desses defeitos, o então aluno de doutorado Guilherme Koszeniewski Rolim encontrou um artigo científico de 2011, que apontava, por meio de cálculos teóricos, a possibilidade de usar óxido nítrico (NO) para passivar os defeitos do grafeno com átomos de nitrogênio e, ao mesmo tempo, dopá-lo para modular suas propriedades eletrônicas (principalmente, transformá-lo em um material semicondutor, condição essencial para usá-lo em dispositivos eletrônicos).

A equipe decidiu então verificar experimentalmente a predição teórica e, depois de realizar o tradicional tratamento com CO2 a 500 °C, aplicaram nas amostras um segundo tratamento térmico, este em atmosfera de óxido nítrico e a diferentes temperaturas, desde temperatura ambiente até 600 °C.

Depois do processo, os pesquisadores usaram diversas técnicas de caracterização para conferir os resultados e confirmaram, com alegria, que a dopagem com nitrogênio tinha acontecido e que ela tinha passivado os defeitos, melhorando assim as propriedades eletrônicas do material. Entretanto, os pesquisadores observaram também um efeito indesejado do tratamento com óxido nítrico: a degradação (etching) das folhas grafeno em alguns pontos. Depois de bastante trabalho científico, a equipe conseguiu determinar a causa. Durante o aquecimento, ocorria uma conversão de NO em NO2, o qual, por ser um composto muito mais reativo que o primeiro, acabava oxidando o grafeno.

Contudo, a equipe brasileira foi capaz de encontrar uma solução para esse problema. O “eureca” ocorreu enquanto os pesquisadores tentavam determinar a quantidade de átomos de nitrogênio que tinham se incorporado ao grafeno, mediante uma técnica baseada na análise de reações nucleares desencadeadas pela ação de um feixe de íons nas amostras de grafeno. Para poder aplicar essa técnica, a equipe teve que utilizar, no tratamento térmico, um óxido nítrico isotopicamente enriquecido, o qual tem uma pureza de 99,9999% em vez dos 99,9% do gás utilizado anteriormente.

Esquema ilustrativo dos parâmetros a serem controlados no processo proposto pela equipe brasileira. O equilíbrio entre pureza do gás e temperatura garante a obtenção de folhas de grafeno melhores para uso em dispositivos eletrônicos.
Esquema ilustrativo dos parâmetros a ser controlados no processo proposto pela equipe brasileira. O equilíbrio entre pureza do gás e temperatura garante a obtenção de folhas de grafeno melhores para uso em dispositivos eletrônicos.

A análise não rendeu os resultados esperados, pois não conseguiu quantificar o nitrogênio, que estava abaixo do limite de detecção. Contudo, o uso do gás enriquecido acabou trazendo muita satisfação à equipe. De fato, quando os pesquisadores compararam as propriedades eletrônicas dos dois de tipos de amostra, eles constataram que o grafeno tratado com o gás enriquecido sempre apresentava propriedades superiores. “Inicialmente tal resultado gerou bastante confusão na interpretação dos resultados”, conta o professor Radtke. “Mas, após mais alguns experimentos, passou a ser um dos pontos mais importantes do artigo, evidenciando a importância da pureza do gás durante o processamento”, completa. Concretamente, a conclusão foi que controlar adequadamente a temperatura e a pureza do gás durante o tratamento elimina o problema da degradação do grafeno por oxidação.

Dessa maneira, com bastante conhecimento e método científico, além de uma pequena intervenção do acaso, a equipe da UFRGS conseguiu desenvolver um processo de remoção de resíduos, neutralização de defeitos e dopagem do grafeno, que melhorou as propriedades eletrônicas do material sem gerar efeitos colaterais deletérios. Por se tratar de um tratamento térmico em atmosfera de gases, etapa que já faz parte da produção industrial de grafeno, o processo proposto pela equipe brasileira poderia ser facilmente aplicado à fabricação de folhas de grafeno para dispositivos.

“A inserção de heteroátomos (como o nitrogênio) na rede do grafeno sem a degradação de suas propriedades é especialmente importante na produção de dispositivos optoeletrônicos, transistores de alta velocidade, eletrônica de baixa potência e células fotovoltaicas”, destaca Radtke, lembrando que a fabricação desses dispositivos baseados em grafeno pode ser uma realidade nos próximos anos. “O Graphene Flagship (consórcio europeu de indústrias, universidades e institutos) anunciou a implementação de uma planta piloto para integrar grafeno em diferentes etapas da produção de dispositivos já em 2020”, comenta o professor da UFRGS.

O estudo, que contou com apoio financeiro das agências brasileiras CNPQ (principalmente por meio dos INCTs Namitec e INES), Capes e Fapergs, foi desenvolvido dentro do doutorado em Microeletrônica de Guilherme Koszeniewski Rolim, realizado no Programa de Pós-Graduação em Microeletrônica da UFRGS e defendido em 2018. O trabalho experimental foi feito no Laboratório de Superfícies e Interfaces Sólidas da UFRGS e no Laboratório Nacional de Luz Sincrotron do CNPEM.

Gente da comunidade: entrevista com o cientista João Alziro Herz da Jornada.

joaojornada (1)João Alziro Herz da Jornada nasceu em 1º de junho de 1949 em São Borja (RS). Entre 1968 e 1971, realizou a graduação em Física na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre. Logo após receber o diploma de bacharel, iniciou o mestrado em Física, também na UFRGS, o qual concluiu em 1973. A dissertação de mestrado versou sobre um dos temas aos quais se dedicaria ao longo de sua carreira científica, o efeito das altas pressões nos materiais.

Em agosto de 1974, assumiu o cargo de professor adjunto do Instituto de Física da UFRGS. De 1977 a 1979 realizou o doutorado em Ciências da UFRGS, no qual desenvolveu um novo trabalho de pesquisa sobre efeitos das altas pressões em materiais, orientado pelo professor Fernando Claudio Zawislak. Sua tese de doutoramento recebeu uma distinção de louvor da UFRGS. Em 1983 e 1984, fez pós-doutorado no National Institute of Standards and Technology (NIST), instituto dedicado a promover a inovação e competitividade industrial por meio da metrologia, ciência e tecnologia nos Estados Unidos. Em abril de 1985, tornou-se professor titular do Instituto de Física da UFRGS, posição que manteve até a sua aposentadoria em fevereiro de 2016. Desde então, é colaborador convidado dessa instituição. Ao longo de sua carreira acadêmica na UFRGS, desempenhou vários cargos de administração, entre eles, o de presidente da Câmara de Pesquisa da universidade e o de coordenador de pós-graduação do Instituto de Física. O professor Jornada também criou e coordenou o Laboratório de Altas Pressões e Materiais Avançados do IF-UFRGS.

Desde 1993 até o ano 2000, Jornada foi coordenador do comitê executivo da Associação Rede de Metrologia e Ensaios do Rio Grande do Sul (Rede Metrológica RS), uma entidade criada em 1992, que atua como articuladora na prestação de serviços qualificados de metrologia e de qualidade por parte de seus laboratórios associados.

De 2000 a 2004, Jornada foi diretor de metrologia científica e industrial do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), autarquia federal vinculada ao Ministério de Indústria, Comércio Exterior e Serviços criada em 1973, cuja missão é fortalecer as empresas nacionais, aumentando sua produtividade por meio da adoção de mecanismos destinados à melhoria da qualidade de produtos e serviços.

Em dezembro de 2004, o professor Jornada assumiu a presidência do Inmetro, permanecendo no cargo por 11 anos, até dezembro de 2015. Em seu mandato, Jornada promoveu mudanças na estratégia, capacitação, infraestrutura e gestão do Inmetro, que levaram a instituição a aumentar seu reconhecimento científico nacional e internacional e a desenvolver interações com a academia, empresas e governo.

Jornada recebeu uma série de distinções, como o Prêmio Pesquisador Destaque da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS) na área de Física (1998); a Comenda da Ordem Nacional do Mérito Científico da Presidência da República, na classe Comendador (2000) e Grã Cruz (2007), 2004 a Comenda da Ordem do Mérito Aeronáutico na Classe Comendador da Força Aérea Brasileira (2004), a Comenda da Ordem de Rio Branco no grau de Comendador do Ministério das Relações Exteriores (2008) e a Medalha Mérito Tamandaré da Marinha do Brasil (2015). É membro da Academia Brasileira de Ciências desde 2001, fellow da TWAS (The World Academy of Sciences for the advancement of science in developing countries) desde 2008. Desde 2016, é distinguished fellow da Global Federation of Competitiveness Councils, uma rede de pessoas e organizações envolvidas em estratégias de competitividade, sediada em Washington (EUA).

O cientista é autor de cerca de 100 artigos publicados em periódicos científicos, entre eles, os prestigiosos Science e Nature.

Boletim da SBPMat: – Conte-nos o que o levou a se tornar um cientista e, em particular, a atuar na área de Física da Matéria Condensada.

João A. Herz da Jornada: – Desde cedo tive grande interesse pela Ciência. O ambiente no final dos anos 50 e início dos anos 60, época de minha infância e adolescência, era especialmente estimulante para a carreira científica, especialmente a Física.  Havia muito destaque na imprensa para assuntos que me fascinavam, como foguetes, sputnik, corrida espacial, energia nuclear, transistor, computadores… Era uma época em que o mundo via a Ciência com extremo otimismo e confiança, verdadeiramente a “fronteira sem fim”, nas palavras de Vannevar Bush. A Ciência representava certezas, fornecendo o caminho seguro para responder todas as questões, grandes e pequenas,  uma visão de mundo verdadeira, completa e unificada- talvez o ápice do ideário iluminista. Tudo isto me fascinava. Sempre gostei muito de ler, aprender, fazer experimentos e construir coisas envolvendo Física, Química e Eletrônica, desfrutar o prazer da descoberta e da realização. Assim, seguir a carreira científica foi muito natural. Graduei-me em Física e fiz mestrado e doutorado em Física Experimental, aplicando técnicas de Física Nuclear a problemas de Física da Matéria Condensada, sob a orientação do Fernando Zawislak. Nessa época a Física da Matéria Condensada despontava com dinamismo, havia bastante problemas interessantes para atacar e também relevantes demandas para aplicações em várias áreas. Meu trabalho de doutorado envolveu projetar e construir câmaras de muito altas pressões, exigindo conhecimento mais profundo sobre algumas propriedades de materiais; assim comecei a me interessar para além da Física da Matéria Condensada, entrando em  Ciência dos Materiais. Adicionalmente, fiquei entusiasmado com as potencialidades da técnica em Física da Matéria Condensada, por permitir variações consideráveis e controláveis de distâncias interatômicas, fatores determinantes das propriedades de sólidos, além de gerar transformações de fase. Como não havia expertise alguma em altas pressões no Brasil, decidi criar um Laboratório para desenvolver a técnica, implantar uma boa infraestrutura experimental e explorar suas possibilidades como um novo instrumental de pesquisa em nosso meio. Com efeito, montamos um bom laboratório, com diferentes tipos de sistemas para produção de altas pressões, projetados e construídos aqui mesmo, viabilizando processamentos em altas temperaturas e medidas in-situ usando várias técnicas de sondagem, como espectroscopia ótica e difração de raios-x. Assim, pudemos desenvolver várias linhas de pesquisa em Física da Matéria Condensada. Estou usando o plural para enfatizar o trabalho em equipe, com um fantástico time de estudantes e colaboradores. O domínio desta técnica aumentou mais ainda meu interesse por Ciência dos Materiais por oferecer uma nova janela de oportunidades para produção de novos materiais, em especial os materiais chamados superduros, como o diamante e seus compósitos. A produção de diamantes sintéticos em nosso Laboratório nos introduziu definitivamente dentro da Ciência dos Materiais, com algumas linhas de pesquisa  bem representativas, como síntese de diamante, por altas pressões e por CVD, produção de  compactos e compósitos de materiais de alta dureza, produção de ferramentas de corte com diamante e cBN etc. Posteriormente iniciamos trabalhos em materiais cerâmicos, envolvendo tanto pesquisa básica como pesquisa aplicada, em conexão com empresas, para produção de cerâmicas estruturais.

Mas há um também um fator que creio ter influído bastante na escolha de minha carreira: tanto a Física da Matéria Condensada como a Ciência dos Materiais oferecem tremendas possibilidades para inovações e geração de riqueza para a sociedade, esta mesma sociedade que com dificuldades apoia e custeia nosso trabalho.  Tenho um sentimento de dever, compartilhado por muitos de minha geração, no sentido de ajudar efetivamente o desenvolvimento do País.

Boletim da SBPMat: – Quais são, na sua própria avaliação, as suas principais contribuições à área de Materiais? Gostaríamos de pedir que você vá além da enumeração de resultados e descreva brevemente as contribuições que considera de mais impacto ou mais destacadas. Ao refletir sobre sua resposta, sugerimos que considere todos os aspectos da atividade científica.

João A. Herz da Jornada: – A resposta não é fácil, frente às múltiplas dimensões da pergunta e à natural dificuldade de falar dos próprios feitos. Vou comentar alguns aspectos resumidamente. Em primeiro lugar, a formação de pessoas, num variado espectro de níveis, dentro da área de Materiais: Doutores, Mestres, estudantes de graduação e bolsistas de iniciação científica. Aliás, a formação de recursos humanos de qualidade é para mim a maior contribuição da pesquisa básica num país ainda em desenvolvimento como o Brasil. Tenho muito orgulho de ter contribuído para o desenvolvimento científico de muitas pessoas, em particular os vários doutores que formei e que agora estão em importantes posições de liderança. Outro aspecto que considero relevante é a construção, junto com dedicados estudantes e colaboradores, de uma infraestrutura laboratorial única, na área de altas pressões e técnicas associadas, possibilitando muitos trabalhos de investigação e também alguns de apoio à Indústria. Implantamos a técnica de altas pressões no Brasil, construindo vários tipos de equipamentos, e aplicamos numa ampla gama de trabalhos científicos e tecnológicos, inclusive sintetizando pela primeira vez no País diamante e outros materiais avançados.

Como todo pesquisador brasileiro, minhas contribuições científicas, especialmente publicações, estão detalhadas no Currículo Lattes, mas do ponto de vista pessoal tenho muita satisfação com algumas publicações em revistas de grande impacto, como Science, Nature, PRL e PR, que foram resultados de trabalhos inteiramente realizados em nosso Laboratório, com ideias próprias e com equipamentos em grande parte construídos por nós, muitas vezes utilizando sucata de equipamentos velhos. Outra contribuição à Ciência dos Materiais foi a criação do Laboratório de Materiais no Inmetro, ao longo de meu período como presidente da instituição. Além de um programa científico interessante e de equipe de muito bom nível, foi implantada a maior infraestrutura de microscopia eletrônica do hemisfério sul, acessível a toda a comunidade científica e tecnológica do País. Dentro da UFRGS fui um dos fundadores do Programa de Pós-Graduação em Ciência dos Materiais e do Centro de Microscopia e Microanálise. Destaco também a construção de uma rede de parcerias internacionais envolvendo estudo de materiais e altas pressões.

Boletim da SBPMat: –  Você será homenageado no XVI Encontro da SBPMat/B-MRS Meeting com a Palestra Memorial “Joaquim da Costa Ribeiro”. Comente brevemente o que você abordará nessa palestra e/ou deixe um convite para nossos leitores.

João A. Herz da Jornada: – Sinto-me honrado pela distinção e convido os leitores para a palestra; terei muito gosto em contar com a participação expressiva de nossa comunidade. O tema será a conexão entre Ciência dos Materiais e Inovação, sob uma perspectiva pouco discutida no Brasil, mais especificamente os complexos mecanismos que geram impacto econômico e social a partir da pesquisa básica.  Creio que o tema é bem relevante neste momento de graves restrições orçamentárias para a Ciência no Brasil. É importante termos um entendimento aprofundado do assunto, usando a mesma abordagem científica com que trabalhamos, baseada em evidências, boa lógica, rigor, espírito crítico, mente aberta e ampla discussão. Discutiremos a necessidade de se trabalhar com novos conceitos, como capacidade de absorção, capacidade de apropriação de conhecimentos  e conectividade, para melhor entender o problema. Veremos que a Ciência dos Materiais constitui-se numa área particularmente importante, não só pelos conhecimentos específicos associados estarem muito próximos de aplicações, mas também pelo seu caráter multidisciplinar envolver necessariamente  um amplo leque de conexões – um dos importantes fatores de um “ecossistema” inovativo.

Boletim da SBPMat: –  Deixe uma mensagem para os leitores que estão iniciando suas carreiras científicas. 

João A. Herz da Jornada: – Como mensagem aos que estão iniciando a carreira gostaria de sugerir uma reflexão sobre uma famosa ideia do grande filósofo do Iluminismo, David Hume, que pode ser resumida mais ou menos assim: a razão é uma serva das paixões. Qual seu significado no presente contexto? A Ciência é um empreendimento essencialmente  racional do espírito humano. Exige lógica, inteligência, trabalho disciplinado e rigoroso. Mas também exige criatividade, imaginação, conexão com pessoas, sonho, e muita vontade – fundamentalmente paixão. A paixão nos inspira e nos mobiliza para o trabalho, mas por outro lado é também nutrida pelos desafios e pelos resultados de um belo trabalho, e nutrida também pela natureza altamente social e estimulante do ambiente científico. Estas duas dimensões têm de ser igualmente reconhecidas e devidamente cuidadas. A Ciência dos Materiais nos propicia uma enorme gama de belos desafios, constantemente  renovados pela sua própria dinâmica e pelas demandas por aplicações, que estão sempre a nos conectar com a sociedade. Ela propicia boas chances de resultados gratificantes, tanto científicos como tecnológicos. Seu caráter multidisciplinar, exigindo sempre muita interação, nos propicia rica e estimulante experiência humana.

Artigo em destaque. Nanopartículas super eficientes para catalisar a produção de hidrogênio, um combustível alternativo.

O artigo científico com participação de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é: Hybrid tantalum oxide nanoparticles from the hydrolysis of imidazolium tantalate ionic liquids: efficient catalysts for hydrogen generation from ethanol/water solutions. Virgínia S. Souza, Jackson D. Scholten, Daniel E. Weibel, Dario Eberhardt, Daniel L. Baptista, Sérgio R. Teixeira and Jairton Dupont. J. Mater. Chem. A, 2016, 4, 7469-7475. DOI: 10.1039/C6TA02114J.

Nanopartículas super eficientes para catalisar a produção de hidrogênio, um combustível alternativo

Enquanto algumas unidades de carros que usam hidrogênio como combustível começam a ser comercializadas, cientistas de diversos lugares do mundo continuam trabalhando para encontrar as formas mais limpas, sustentáveis, seguras e econômicas de gerar e armazenar hidrogênio. De fato, apesar de ser o elemento mais abundante do universo e estar presente na água e em uma infinidade de outros compostos, o hidrogênio não pode ser encontrado em estado puro em nosso planeta, e precisa, portanto, ser obtido a partir de outros compostos.

Um dos melhores métodos, dos pontos de vista ecológico e econômico, para se produzir hidrogênio é o water splitting, que consiste na separação de moléculas de água em seus dois elementos primários, gerando os gases hidrogênio (H2) e oxigênio (O2). Essa divisão pode ser realizada utilizando a energia abundante da luz solar, a temperatura ambiente. Porém, para que, na prática, a luz consiga dividir uma molécula de água, é necessário contar com a ajuda de nanopartículas feitas de determinados materiais semicondutores que funcionam como catalisadores ou, mais precisamente, fotocatalisadores.

Em um estudo totalmente realizado no Brasil, uma equipe de cientistas desenvolveu um novo método, simples e eficiente, para fabricar nanopartículas de óxido de tântalo (Ta2O5) com ótimo desempenho como catalisadores na geração de hidrogênio. A pesquisa foi reportada em um artigo recentemente publicado no periódico Journal of Materials Chemistry A (fator de impacto: 8,262).

Fotos dos autores principais do artigo. Começando pela esquerda do leitor: a doutora Virgínia Souza, o professor Jackson Scholten e o professor Jairton Dupont.
Fotos dos autores principais do artigo. Começando pela esquerda do leitor: a doutora Virgínia Souza, o professor Jackson Scholten e o professor Jairton Dupont.

O trabalho foi desenvolvido com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), dentro da pesquisa de doutorado de Virgínia Serra Souza no Instituto de Química da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IQ-UFRGS), sob orientação do professor Jairton Dupont.

“A ideia desta pesquisa surgiu quando buscávamos uma rota alternativa e eficiente para a síntese de nanopartículas de Ta2O5 e, então, após alguns experimentos, decidimos testar a possibilidade de utilizar líquidos iônicos como fontes e agentes estabilizantes dos nanomateriais”, conta o professor Jackson Damiani Scholten, um dos autores correspondentes do artigo e membro do grupo de pesquisa do IQ-UFRGS. Esse grupo tem ampla experiência no estudo e desenvolvimento de líquidos iônicos (sais que se apresentam em estado líquido a temperatura ambiente). Devido às suas propriedades físico-químicas, os líquidos iônicos podem ser usados durante a fabricação de nanopartículas como agentes estabilizantes, para manter as partículas na escala nanométrica.

Souza, Scholten e Dupont prepararam dois tipos de líquidos iônicos contendo tântalo e geraram as condições para que acontecesse a hidrólise (quebra de ligações químicas de um composto por efeito da adição de água). Os elementos resultantes da hidrólise, provenientes da água e do líquido iônico, se recombinaram formando as nanopartículas de óxido de tântalo.

A equipe pôde verificar que tinha produzido nanopartículas de óxido de tântalo de tamanho entre 1,5 e 22 nm, sendo que as menores tinham sido geradas a partir de um dos líquidos iônicos e as maiores, do outro. Com auxílio do professor Daniel E. Weibel, também do IQ-UFRGS, a composição superficial das nanopartículas foi estudada. Os cientistas propuseram que as nanopartículas obtidas eram híbridas: em volta do óxido de tântalo havia restos de líquido iônico.

Para ver como as nanopartículas se desempenhavam como catalisadores na separação de moléculas de água para geração de hidrogênio, a equipe realizou os testes fotocatalíticos em equipamentos do Instituto de Física da UFRGS, disponibilizados pelo professor Sérgio R. Teixeira. Os testes foram feitos numa solução contendo, além da água, etanol – composto que contribui ao aumento da taxa de produção de hidrogênio.

“Para nossa satisfação, as nanopartículas de Ta2O5 apresentaram um dos melhores resultados já publicados para a produção de H2 a partir de uma solução água/etanol”, lembra o professor Scholten. Esse resultado excepcional foi atribuído no artigo à presença de líquido iônico nas nanopartículas. “Acredita-se que o líquido iônico residual propicie a formação de uma região hidrofílica na superfície do Ta2O5 favorecendo a aproximação das moléculas polares (água e etanol)”, explica Scholten. Para terem mais certeza a respeito, os cientistas retiraram o líquido iônico das nanopartículas mediante um tratamento térmico e comprovaram que sua atividade fotocatalítica era muito baixa.

Em outra etapa da pesquisa, Dario Eberhardt, então professor da Universidade de Caxias do Sul (UCS), colaborou com a equipe na deposição de nanopartículas de platina de cerca de 1 nm na superfície das nanopartículas híbridas de óxido de tântalo pela técnica de sputtering, realizada no IF-UFRGS. O material foi caracterizado com o auxílio do professor Daniel L. Baptista, do IF-UFRGS. Com a adição da platina, o desempenho das nanopartículas de óxido de tântalo com líquido iônico nos testes fotocatalíticos foi ainda melhor.

Desta maneira, este trabalho desenvolvido na região Sul do Brasil apresentou um novo método de fabricação de catalisadores super eficientes para uso na produção de hidrogênio, um combustível alternativo promissor, a partir de água e etanol, dois recursos renováveis e abundantes.

figura NP para H2
Esta figura cedida pelos autores do artigo representa o processo de fabricação de nanopartículas de óxido de tântalo a partir da hidrólise de líquidos iônicos, seguida da deposição de nanopartículas de platina no primeiro material e, finalmente, a aplicação desse segundo material na obtenção de gás hidrogênio pelo processo de “water splitting”.

Chamada de Bolsistas para Doutorado-Sanduíche no Exterior (SWE).

Projeto: Electro-Active Photonic Devices for Novel Spectroelectrochemical Biosensors

Apoio/Edital MEC/MCTI/CAPES/CNPq/FAPs – Programa Ciência sem Fronteiras

O projeto está sendo desenvolvido na UFRGS – junto aos Institutos de Física e de Biociências – e na University of Louisville, EUA, com prazo de finalização em 2018.

Mais informações: https://drive.google.com/folderview?id=0B082f9bJQuisfkVDaTBTb3g1NXg0NGhZMXlQQkN3Y0NFZFlLcl9qSFQtYndCbGZYV0ZmLXc&usp=sharing

Artigo em destaque: Domando a reatividade de nanoligas.

O artigo científico com participação de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é: Charge transfer effects on the chemical reactivity of PdxCu1−x nanoalloys. M. V. Castegnaro, A. Gorgeski, B. Balke, M. C. M. Alves and J. Morais. Nanoscale, 2016,8, 641-647. DOI: 10.1039/C5NR06685A.

Domando a reatividade de nanoligas

Quando, em 2009, o grupo do Laboratório de Espectroscopia de Elétrons (LEe-) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) decidiu começar a desenvolver “em casa” as nanopartículas metálicas que necessitava para seus estudos, deparou-se com alguns problemas. Muitos dos métodos de síntese reportados na literatura científica não forneciam os resultados esperados ao serem realizados no laboratório gaúcho.

Autores do trabalho. Da esquerda para direita e de cima para baixo: Marcus Vinicius Castegnaro, Andreia Gorgeski, dr. Benjamin Balke, professora Maria do Carmo Martins Alves e professor Jonder Morais.

Motivados fortemente pela curiosidade, como sempre, relata o professor Jonder Morais, pesquisador do LEe-, os membros do grupo conseguiram, depois de muita dedicação, desenvolver novas rotas de síntese que, além de reprodutíveis, são amigáveis com o meio ambiente, eficientes e de baixo custo. “Os primeiros artigos começaram a ser publicados em revistas internacionais em 2013, inicialmente com nanopartículas de paládio (Pd), platina (Pt) e prata (Ag) aplicadas à decomposição catalítica do óxido nítrico. Na sequência, publicamos alguns trabalhos focados em estudos in situ, que visam determinar os mecanismos de formação e crescimento de nanopartículas monometálicas. Recentemente começamos a relatar resultados obtidos com sistemas mais complexos, como as nanoligas de paládio e cobre (Pd-Cu)”, conta o professor Morais.

Nesse último grupo se inserem os resultados recentemente reportados em um artigo publicado na prestigiada revista Nanoscale, cujos autores principais são o professor Jonder Morais e Marcus Vinicius Castegnaro, estudante do curso de doutorado em Física da UFRGS orientado por Morais. A pesquisa englobou desde a produção dos nanomateriais até a sondagem de suas aplicações. “Foi fundamental contar com alunos dedicados, dispostos a enfrentar o desafio de preparar rigorosamente suas próprias amostras, e correlacionar as propriedades eletrônicas e estruturais para entender as propriedades finais em termos de reatividade química”, comenta Morais.

No trabalho publicado na Nanoscale, nanopartículas compostas por ligas de paládio e cobre foram produzidas aplicando um método simples, desenvolvido pela equipe do LEe-. Esse processo é realizado em condições amenas para o meio ambiente e a saúde (meio aquoso, temperatura e pressão ambiente, e uso de substâncias inócuas e baratas como o ácido ascórbico e o citrato de sódio). Várias amostras foram sintetizadas por essa rota, contendo três quantidades diferentes de átomos de paládio e cobre.

As nanopartículas sintetizadas passaram por uma série de análises realizadas na UFRGS, na cidade de Porto Alegre, viajaram a Campinas para outra série de análises em equipamentos do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) e atravessaram o oceano até a Universidade Johannes Gutenberg, na Alemanha, para realização de algumas medidas complementares. A partir da caracterização, os autores do estudo concluíram que as nanopartículas tinham um tamanho de, aproximadamente, 4 nm e eram altamente cristalinas, entre outras características. Além disso, por meio de experimentos realizados pela técnica de XANES in situ, a equipe de cientistas expôs as nanopartículas a monóxido de carbono (CO) a 450 °C e sondou a reatividade das nanoligas, ou seja, sua capacidade de reagirem quimicamente.

Depois de estudarem os resultados da caracterização, os autores do artigo puderam concluir que a composição da liga influi na capacidade das nanoligas de se reduzirem (ganharem elétrons) e de se oxidarem (perderem elétrons). De fato, quanto maior a quantidade de paládio, a redução ocorre com mais facilidade, e a oxidação, com mais dificuldade.

Esquema representativo da correlação entre a transferência parcial de carga entre os átomos de Pd e Cu (observada por XPS) e a reatividade frente à exposição a CO (sondada por XANES in situ) para as nanoligas Pdx¬Cu1-x. Observou-se que quanto maior a quantidade de Pd presente na nanoliga, maior é a reatividade da amostra frente à redução por CO, e maior é a resistência à oxidação dos átomos que a compõem.

“Os resultados publicados, obtidos pela associação de diversas técnicas experimentais, são relevantes para a compreensão da origem da alta reatividade catalítica de nanoligas de paládio e cobre (Pd-Cu), bem como para elucidar comportamentos similares apresentados por outros sistemas bimetálicos”, destaca Jonder Morais. “Principalmente, tais resultados podem ser utilizados no “design” de novos nanomateriais mais eficientes para diversas aplicações, como por exemplo, na indústria petroquímica, em células a combustível ou no controle da emissão de gases poluentes”, conclui.

Concurso para professor no departamento de Físico-Química da UFRGS (RS).

Estão abertas as inscrições para o concurso público no Departamento de Físico-Química da UFRGS para provimento de 2 vagas no nível de Adjunto A. As inscrições estão abertas até o dia 07/12.

Mais informações no link que segue em anexo: http://www.ufrgs.br/progesp/progesp-1/concursos-publicos/magisterio-superior/concuros/2015/edital-21-2015.

 

Artigo em destaque: Átomos unidos, filmes aderidos.

O artigo científico com participação de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é:  Identification of the Chemical Bonding Prompting Adhesion of a-C:H Thin Films on Ferrous Alloy Intermediated by a SiCx:H Buffer Layer. F. Cemin, L. T. Bim, L. M. Leidens, M. Morales, I. J. R. Baumvol, F. Alvarez, and C. A. Figueroa. ACS Appl. Mater. Interfaces, 2015, 7 (29), pp 15909–15917. DOI: 10.1021/acsami.5b03554.

Átomos unidos, filmes aderidos

Partindo de um olhar inovador lançado sobre um problema acadêmico e industrial, uma pesquisa integralmente realizada no Brasil trouxe avanços significativos no entendimento da adesão de filmes de DLC (diamond-like carbon) a aços. Os resultados do trabalho, que foram recentemente publicados na revista Applied Materials and Interfaces da American Chemical Society (ACS), podem ajudar a otimizar essa adesão, prolongando assim a vida útil dos filmes de DLC e ampliando seu uso na indústria.

A equipe de cientistas se interessou, em particular, no potencial do DLC para aumentar a eficiência energética de motores de combustão interna. De fato, se todos os componentes do motor de um automóvel fossem revestidos com filmes de DLC, o dono desse carro gastaria de 5 a 10 % menos com combustível e pouparia o meio ambiente de uma boa dose de emissões de gases de efeito estufa e outros poluentes, entre outras vantagens. O motivo de tal economia reside no ultrabaixo atrito que o DLC apresenta, desde que o atrito é a força culpada por desperdiçar combustível ao oferecer resistência ao movimento que as peças do motor a combustão realizam entre si.

Entretanto, o DLC tem uma desvantagem: não adere ao aço, fazendo com que os filmes se soltem do substrato rapidamente. Para contornar esse problema, tanto no laboratório quanto na indústria, costuma-se depositar em cima do aço uma camada contendo silício, conhecida como camada intermediária. O filme de DLC deposita-se em cima dela. Como resultado, é obtido um “sanduíche” que não se desmancha facilmente.

No trabalho publicado no periódico da ACS, os autores analisaram experimentalmente um “sanduíche” formado por um substrato de aço, uma intercamada de carbeto de silício (SiC) e um filme de DLC. Tanto a intercamada quanto o filme foram depositados por um rápido processo, que gerou camadas muito finas, de alguns nanometros (até 10). Duas questões, principalmente, diferenciaram este estudo de outros trabalhos similares encontrados na literatura científica. Em primeiro lugar, o foco da equipe foi analisar o que ocorria em duas regiões, correspondentes às interfaces que a intercamada apresenta com o filme (superior) e com o aço (inferior). Em segundo lugar, os cientistas lançaram um olhar químico sobre a questão da adesão.

“Neste trabalho foi identificada a estrutura química que gera adesão nas interfaces inferior (SiCx:H/aço) e superior (a-C:H/SiCx:H) que compõem a estrutura sanduíche de a-C:H/SiCx:H/aço”, resume Carlos A. Figueroa, professor da Universidade de Caxias do Sul (UCS) e autor correspondente do artigo. “Os mecanismos encontrados na bibliografia levantavam aspectos físicos ou mecânicos, mas não químicos”, relata Figueroa, que se formou em Ciências Químicas pela Universidade de Buenos Aires (UBA) e fez doutorado em Física pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Entretanto, a adesão é gerada pela somatória de todas as ligações químicas individuais que existem entre o DLC, a intercamada e o aço”, completa.

Os cientistas mantiveram constante a temperatura de deposição do filme, mas variaram a temperatura de deposição da intercamada, gerando amostras depositadas a 100° C e outras a mais de 300° C. Após analisá-las por meio de uma série de técnicas, principalmente, a de espectroscopia de fotoelétrons excitados por raios X, conhecida como XPS, os pesquisadores identificaram que a interface inferior da intercamada, independentemente da temperatura de deposição, era amplamente composta por átomos de silício (da intercamada) ligados a átomos de ferro (do substrato). Na interface superior da intercamada, a equipe notou diferenças conforme a temperatura de deposição da intercamada. Nas amostras depositadas a 100° C, átomos de oxigênio apareciam ligados a muitos dos átomos de silício e carbono, impedindo que o carbono do filme se una fortemente ao silício da intercamada, e resultando num filme sem boa adesão. Já nas amostras depositadas a mais de 300° C, os cientistas não encontraram oxigênio na interface, e sim ligações entre átomos de carbono e de silício, as quais deixaram o filme bem aderido à intercamada.

Ilustração esquemática das ligações químicas presentes nas interfaces superior e inferior da intercamada depositada a 100° C (esquerda) e a mais de 300° C (direita). No centro, um pino de motor real exibe, na metade esquerda, um filme de DLC (em cor preta) delaminado sobre intercamada depositada a 100° C e, na metade direita, o mesmo filme bem aderido sobre a intercamada depositada a mais de 300° C.

Além de Figueroa e estudantes do grupo de pesquisa que ele lidera na UCS, assinam o artigo pesquisadores do Instituto de Física da Unicamp, onde foram realizadas as medidas de XPS, e um cientista da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) que, junto aos demais, participou da discussão dos resultados.

O trabalho recebeu financiamento de agências de fomento à ciência brasileiras (Capes, CNPq por meio do INCT Instituto Nacional de Engenharia de Superfícies, Fapergs), da Petrobras, UCS, da Comissão Europeia (Marie Skłodowska – Curie Actions) e da empresa Plasmar Tecnologia. Essa empresa está desenvolvendo, por meio de um projeto aprovado no edital TECNOVA RS, um reator industrial para depositar DLC sobre aço visando aumentar a eficiência energética de motores de automóveis.

Chamada de bolsistas para pós-doutorado júnior (PDJ) no país e doutorado-sanduíche no exterior (SWE).

Projeto: Electro-Active Photonic Devices for Novel Spectroelectrochemical Biosensors*

Apoio/Edital MEC/MCTI/CAPES/CNPq/FAPs – Programa Ciência sem Fronteiras

O projeto está sendo desenvolvido na UFRGS – junto à pós-graduação em Física (nota CAPES: 7) / Ciência dos Materiais (5) / Microeletrônica (4) – e na University of Louisville, EUA, com prazo de finalização em 2018.

Mais informações: https://drive.google.com/folderview?id=0B082f9bJQuisfkVDaTBTb3g1NXg0NGhZMXlQQkN3Y0NFZFlLcl9qSFQtYndCbGZYV0ZmLXc&usp=sharing

Gente da nossa comunidade: entrevista com o pesquisador Israel Baumvol.

Israel Jacob Rabin Baumvol nasceu no Rio Grande do Sul, na cidade de São Gabriel, no último dia de 1947. Ainda criança, mudou-se para Porto Alegre com seus pais e irmãos. Aos 19 anos de idade, ingressou na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) para estudar Física. Nos anos seguintes, Baumvol dedicou muitos esforços aos estudos tentando atender o padrão de exigência acadêmica do bacharelado em Física da federal gaúcha, além de participar da atividade política que ocorria na universidade contra o governo militar vigente. Em 1971, concluiu a graduação – sem ter se destacado como um bom estudante, segundo ele. No ano seguinte, mudou-se para São Paulo para realizar o mestrado na Universidade de São Paulo (USP), em Física nuclear e sob orientação do professor Oscar Sala. Em 1975, retornou à UFRGS para fazer doutorado com orientação do professor Fernando Zawislak, estudando compostos de estrutura perovskita. Durante o doutorado, tornou-se professor da UFRGS. Em 1977 defendeu sua tese. Para o pós-doutorado, Baumvol escolheu uma instituição de pesquisa industrial na Inglaterra, hoje conhecida como Harwell campus. Ali, entre 1979 e 1981, trabalhou com técnicas de implantação iônica e suas aplicações, principalmente a implantação iônica por imersão em plasma (PIII), participando de contratos de pesquisa com grandes empresas. A partir da sua expertise em PIII, Baumvol ingressou no mundo dos materiais para microeletrônica, área na qual fez significativas contribuições científico-tecnológicas e ganhou reputação internacional.

Nos Estados Unidos, Israel Baumvol foi pesquisador convidado do centro de pesquisa da IBM (1984 a 1988) e dos Laboratórios Bell, da empresa Lucent (1998 a 1999). Na França, entre 1992 e 1996, foi professor convidado da Université Pierre et Marie Curie e da Université Paris Diderot (Paris 7). Em 1997, após ficar em primeiro lugar em concurso público, foi nomeado professor titular de Paris 7, mas não assumiu o cargo para permanecer na UFRGS. De 1995 a 1996, foi professor convidado da Ruhr Universität, na Alemanha.

Baumvol também foi coordenador de eventos internacionais realizados fora do Brasil. Em 2000 e 2005, foi coordenador (chairman) de simpósios internacionais de Físico-Química do óxido de silício e da interface silício – dióxido de silício, organizados pela Electrochemical Society. Em 2001, coordenou o International Workshop on Device Technology, da Materials Research Society(MRS), realizado em Porto Alegre. Em 2004, foi meeting chair do Spring Meeting & Exhibit da MRS, que ocorre anualmente em San Francisco (Estados Unidos).

Em 2003, ao se aposentar do seu cargo de professor titular da UFRGS, liderou a criação do Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Ciência dos Materiais da Universidade de Caxias do Sul (UCS), na região da serra gaúcha, e foi coordenador e pesquisador do programa até 2014.

De 2002 a 2003, Baumvol presidiu a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS). Mais recentemente, entre 2011 e 2013, foi vice-coordenador da Área de Materiais na Capes. Baumvol também coordenou grandes projetos do CNPq na área de Materiais, como a primeira Rede Nacional de Pesquisa em Materiais Nanoestruturados (2001-2005) e o INCT de Engenharia de Superfícies (2009 a 2010).

Ao longo de sua carreira científica, Israel Baumvol tem desenvolvido pesquisas em temas relacionados à implantação iônica, Física de filmes finos e modificação de superfícies, além de materiais para microeletrônica. Bolsista de produtividade de nível 1A no CNPq, Baumvol é autor de mais de 270 artigos publicados em periódicos científicos com revisão por pares, além de livros e capítulos de livros. Sua produção científica conta com 3.000 citações, aproximadamente. Orientou cerca de 30 trabalhos de mestrado e doutorado.

No ano 2000 foi escolhido Pesquisador Destaque pela FAPERGS; em 2010 foi nomeado Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico pela Presidência da República e, no ano seguinte, foi diplomado Professor Emérito pela UFRGS. Em maio deste ano, foi inaugurado o laboratório “Central de Microscopia Professor Israel Baumvol” na UCS.

Segue uma entrevista com o cientista.

Boletim da SBPMat: – Conte-nos o que o levou a se tornar um cientista e a trabalhar em temas da área de Materiais.

Israel Baumvol: – Foi a junção de três fatores. O primeiro foi o desejo de utilizar meus conhecimentos, para um dia poder contribuir para o progresso do país e dos seus cidadãos. Este desejo desenvolveu-se através de leituras e forte participação política durante o curso de graduação. Porém, como em Porto Alegre a tradição de pesquisa fundamental era muito forte e não havia ninguém que trabalhasse em Física aplicada, eu fiz uma formação estritamente acadêmica, o que foi muito bom para o meu futuro. O segundo fator foi o meu pós-doutorado, para o qual escolhi uma instituição de pesquisa industrial, na Inglaterra. Fui para lá em 1979, para aprender implantação iônica, pois a instituição era pioneira neste método. Lá eu entrei em contato com a implantação iônica, sobretudo as suas aplicações, tais como redução do atrito em componentes metálicos (por exemplo ligas Ti-Al) por implantação de espécies e compostos iônicos pesados, aumento da resistência ao desgaste e à corrosão de aços por nitretação, oxinitretação e nitrocarbetação, usando o método da  implantação iônica por imersão em plasma (PIII). Naquela época estavam construindo ali o primeiro reator de PIII para escala industrial, com volume de, aproximadamente, 30 m3, que depois multiplicou-se por todo mundo, inclusive com empresas especializadas na fabricação destes reatores, tais como a Eaton e várias outras, inclusive duas empresas no Brasil. Este ambiente de Física aplicada me fascinou pelas possibilidades. Participei de vários contratos de pesquisa, como o de próteses ósseas para uma empresa fabricante japonesa, o de lâminas de turbina para a Rolls-Royce e o de lâminas de corte do projeto de futuros barbeadores elétricos para a Philips. Estes projetos, além de me fascinarem, tinham um componente que para mim era romântico: tratava-se de projetos confidenciais. O terceiro e último fator ocorreu ao fim do meu pós-doutorado. Fui a um congresso na Alemanha, onde dei uma palestra de 50 minutos, algo muito difícil nos dias de hoje, em que as palestras têm da ordem de 20 minutos apenas. Quando terminei de falar e responder as perguntas, houve um coffee break. O Dr. James F. Ziegler aproximou-se de mim, apresentou-se e entregou-me seu cartão de visitas, no qual estava escrito “Research Director, Thomas J. Watson Research Center, IBM”. Ele convidou-me para ir para lá porque, durante a minha palestra, ele se deu conta que o método PIII poderia resolver um problema sério que a IBM tinha com os discos rígidos. Outra vez, o canto de sereia de projeto confidencial. Aceitei o convite e, durante alguns anos, passei as férias de verão e de inverno, três a quatro meses por ano, na IBM – Yorktown. Lá entrei em contato com algo inusitado para mim, a tecnologia do silício, que estava no nascedouro. Outro fascínio e a minha cabeça estava feita, Engenharia e Ciência dos Materiais.

Boletim da SBPMat: – Quais são, na sua própria avaliação, as suas principais contribuições à área de Materiais?

Israel Baumvol: – Trabalhei em muitos temas diferentes na minha atividade profissional, alguns deles já mencionados acima. Vou destacar três deles. O primeiro foi a minha participação dos primórdios da tecnologia PIII, a qual hoje é vastamente utilizada em todo o mundo, inclusive no Brasil, onde há pelo  menos quatro serviços de processamento de componentes de aço por PIII para a indústria metal-mecânica. O segundo é a minha contribuição, ao longo de dez anos de trabalho, para explorar e atingir o limite físico do óxido de silício como dielétrico de porta na tecnologia metal oxide semiconductor (MOS). Formei uma rede de cooperação com laboratórios acadêmicos em quatro países diferentes e com laboratórios industriais, entre eles IBM, Motorola, Texas Instruments, Bell-Lucent. Atingimos o limite físico, 1 nm. A partir daí, toda a rede começou a trabalhar em um substituto para o óxido de silício, o que constituía a primeira mudança na tecnologia MOS, depois de quarenta anos. Houve uma convergência para o óxido de háfnio e, eventualmente, alguns óxidos duplos com base no háfnio. Este material se impôs, permitindo um aumento de velocidade de processamento e hoje é o utilizado como óxido de porta em processadores avançados. Ele permitiu a continuidade da lei de Moore que estava ameaçada. Esta área de pesquisa levou a formação de uma geração de ouro de doutores, todos em torno do óxido de porta, tema crucial para a micro e nanoeletrônica.  Muitos deles estão em atividade profissional em empresas industriais, tanto em tecnologia do silício como em outras atividades.  Finalmente, destaco a criação de um ambiente de pesquisa em Engenharia e Ciência dos Materiais e de um programa de pós-graduação nesta área. Comecei esta atividade com um único elemento: Caxias do Sul e região possuem um sem número de empresas industriais, pequenas, médias e grandes, necessitando de pesquisa e formação de recursos humanos. Só isso, mais nada. Então, a partir do zero, consegui reunir um punhado de jovens doutores bem formados e construir o ambiente de pesquisa desejado, com muitos excelentes laboratórios e um programa de pós-graduação bastante respeitável. O impacto disto no contexto industrial da região é notável e muito reconhecido.

Boletim da SBPMat: – Deixe uma mensagem para nossos leitores que estão iniciando suas carreiras de cientistas.

Israel Baumvol: – Sigam o coração e não as conveniências. Aproveitem o doutorado, pois esta é a melhor época da carreira: pesquisa criativa e livre de responsabilidades administrativas. Não hesitem em expor suas ideias. Ideias novas não são necessariamente más ideias. Usem o pós-doutorado para entrar em contato com o novo e inaudito. Não procurem um lugar que trabalha no mesmo assunto de suas teses de doutorado. Não hesitem em mudar de área, isto é muito estimulante e constitui um importante fator de progresso individual. Eu tenho pena dos profissionais que continuam trabalhando no assunto da tese de doutorado, dez ou vinte anos depois de terem concluído o mesmo. Pesquisa aplicada pode ser muito boa pesquisa. Livrem-se dos preconceitos, tanto faz se a pesquisa é fundamental, ou aplicada ou diretamente industrial. O que conta é a qualidade. A única distinção é entre pesquisa de boa qualidade ou de má qualidade.