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O artigo científico com participação de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é: Mean-field and linear regime approach to magnetic hyperthermia of core-shell nanoparticles: can tiny nanostructures fight cancer? Marcus S. Carrião, Andris F. Bakuzis. Nanoscale, 2016,8, 8363-8377. DOI: 10.1039/C5NR09093H.
A hipertermia, enquanto tratamento do câncer, é um aumento de temperatura capaz de acionar processos de morte nas células tumorais. Uma das vias para gerar essa alta temperatura é a introdução nos tumores de nanopartículas que funcionam como aquecedores e, depois de cumprirem com a sua função, são eliminadas pelo organismo. Nanopartículas magnéticas podem ser utilizadas nesses tratamentos por terem a capacidade de gerar calor quando submetidas a um campo magnético oscilante de intensidade e frequência adequadas.
Um trabalho de nanomedicina (nanotecnologia para uso em medicina) totalmente realizado na Universidade Federal de Goiás (UFG) sugere uma nova estratégia para o tratamento do câncer por meio de hipertermia: utilizar nanopartículas magnéticas menores do que as normalmente usadas e compostas por mais de um material, as quais apresentariam uma série de vantagens para o paciente. Para chegar nessa conclusão, os autores da pesquisa desenvolveram um método teórico inovador que aponta caminhos para a fabricação de nanopartículas magnéticas do tipo proposto, otimizadas para a hipertermia. O estudo foi reportado num artigo publicado no prestigiado periódico Nanoscale, assinado pelo doutorando Marcus Carrião dos Santos e seu orientador Andris Figueiroa Bakuzis, professor do Instituto de Física da UFG.
Em geral, tratamentos do câncer por hipertermia utilizam nanopartículas homogêneas (feitas de um único material) relativamente grandes, da ordem de 20 nm, que são consideradas as mais eficientes na geração de calor de acordo com estudos baseados em métodos teóricos tradicionais. Entretanto, essas nanopartículas “grandes” se acumulam rapidamente no fígado e podem levar vários meses, e até anos, para sair do organismo do paciente em tratamento. Por sua vez, as nanopartículas menores de 10 nm são eliminadas rapidamente pela urina, diminuindo as possibilidades de intoxicação e, assim, ampliando as opções de materiais que podem ser usados para fabricá-las.
A relação entre o tamanho das partículas e a via de excreção (hepática ou renal) foi uma conclusão à qual Bakuzis e seus colaboradores chegaram a partir de evidências reportadas na literatura científica e de estudos pré-clínicos (in vivo) realizados no contexto de uma rede de pesquisa multidisciplinar, coordenada por Bakuzis, dedicada a resolver problemas associados à utilização de nanopartículas magnéticas para o tratamento do câncer.
Além disso, nanopartículas menores apresentam melhor distribuição e penetração nos tumores, entre outras vantagens no contexto do tratamento do câncer.
Cientes dessas características, Bakuzis e dos Santos pesquisaram a possibilidade de fabricar nanopartículas de menos de 10 nm que conseguissem gerar calor com eficiência. Uma importante inspiração veio de um artigo publicado em 2011 na revista científica Nature Nanotechnology (Nat. Nanotech. 6, 418 (2011)). “Neste artigo os pesquisadores concluíram experimentalmente que determinadas estruturas core-shell heterogêneas (feitas de materiais distintos) a base de ferritas do tipo espinélio aqueciam de forma mais eficiente que partículas homogêneas”, relata o professor Bakuzis.
A dupla de cientistas decidiu então estudar teoricamente se nanopartículas de menos de 10 nm formadas por um núcleo de um material e uma casca de outro material poderiam gerar calor de maneira eficiente e como otimizá-las para essa função. Entretanto, os métodos convencionais disponíveis para fazer essa modelagem não eram adequados. De fato, eles consideravam a nanopartícula como uma entidade homogênea, desprezando o fato de que os átomos da superfície e os do núcleo respondem diferentemente à aplicação do campo magnético. Essa omissão tornava-se mais significativa no caso do estudo de partículas particularmente heterogêneas como aquelas que a dupla pretendia estudar, motivo pelo qual os pesquisadores de Goiás encararam o desenvolvimento de um modelo mais adequado ao objeto de estudo. “No artigo apresentamos o primeiro modelo analítico de hipertermia em nanopartículas core-shell dentro da teoria de resposta linear e campo médio, e, a partir destes cálculos, apontamos importantes propriedades de materiais para alcançar uma geração de calor eficiente”, diz Bakuzis.
Os resultados publicados no artigo, obtidos por dois cientistas formados em física, poderão ter um impacto significativo num tema do campo da saúde que preocupa a humanidade, a cura do câncer. “Nossos estudos indicam que é possível desenvolver partículas pequenas para o tratamento oncológico que possam ser eliminadas rapidamente do corpo por meio desta rota renal. Em particular, por meio da combinação de diferentes materiais na nanoestrutura”, resume Bakuzis.
Para trabalhar com impacto nesse tema de interface, Bakuzis está sempre em contato com conhecimento de diversas áreas. Além de liderar a rede multidisciplinar de nanomedicina que inclui pesquisadores com formação em biologia tumoral, genética, fisiologia, farmácia, medicina veterinária, biofísica, física, física medica e química, o professor e seu grupo participam ativamente de eventos científicos que reúnem diversos profissionais, inclusive médicos com várias especializações que já utilizam a hipertermia em humanos para tratamento do câncer. “Estes contatos científicos são fundamentais em áreas de interface como a que nosso grupo atua”, conclui Bakuzis.
A pesquisa que gerou o artigo na Nanoscale recebeu financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG) e foi realizada como parte do trabalho de doutorado de Marcus Carrião dos Santos.
O artigo científico com participação de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é: Charge transfer effects on the chemical reactivity of PdxCu1−x nanoalloys. M. V. Castegnaro, A. Gorgeski, B. Balke, M. C. M. Alves and J. Morais. Nanoscale, 2016,8, 641-647. DOI: 10.1039/C5NR06685A.
Domando a reatividade de nanoligas
Quando, em 2009, o grupo do Laboratório de Espectroscopia de Elétrons (LEe-) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) decidiu começar a desenvolver “em casa” as nanopartículas metálicas que necessitava para seus estudos, deparou-se com alguns problemas. Muitos dos métodos de síntese reportados na literatura científica não forneciam os resultados esperados ao serem realizados no laboratório gaúcho.
Motivados fortemente pela curiosidade, como sempre, relata o professor Jonder Morais, pesquisador do LEe-, os membros do grupo conseguiram, depois de muita dedicação, desenvolver novas rotas de síntese que, além de reprodutíveis, são amigáveis com o meio ambiente, eficientes e de baixo custo. “Os primeiros artigos começaram a ser publicados em revistas internacionais em 2013, inicialmente com nanopartículas de paládio (Pd), platina (Pt) e prata (Ag) aplicadas à decomposição catalítica do óxido nítrico. Na sequência, publicamos alguns trabalhos focados em estudos in situ, que visam determinar os mecanismos de formação e crescimento de nanopartículas monometálicas. Recentemente começamos a relatar resultados obtidos com sistemas mais complexos, como as nanoligas de paládio e cobre (Pd-Cu)”, conta o professor Morais.
Nesse último grupo se inserem os resultados recentemente reportados em um artigo publicado na prestigiada revista Nanoscale, cujos autores principais são o professor Jonder Morais e Marcus Vinicius Castegnaro, estudante do curso de doutorado em Física da UFRGS orientado por Morais. A pesquisa englobou desde a produção dos nanomateriais até a sondagem de suas aplicações. “Foi fundamental contar com alunos dedicados, dispostos a enfrentar o desafio de preparar rigorosamente suas próprias amostras, e correlacionar as propriedades eletrônicas e estruturais para entender as propriedades finais em termos de reatividade química”, comenta Morais.
No trabalho publicado na Nanoscale, nanopartículas compostas por ligas de paládio e cobre foram produzidas aplicando um método simples, desenvolvido pela equipe do LEe-. Esse processo é realizado em condições amenas para o meio ambiente e a saúde (meio aquoso, temperatura e pressão ambiente, e uso de substâncias inócuas e baratas como o ácido ascórbico e o citrato de sódio). Várias amostras foram sintetizadas por essa rota, contendo três quantidades diferentes de átomos de paládio e cobre.
As nanopartículas sintetizadas passaram por uma série de análises realizadas na UFRGS, na cidade de Porto Alegre, viajaram a Campinas para outra série de análises em equipamentos do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) e atravessaram o oceano até a Universidade Johannes Gutenberg, na Alemanha, para realização de algumas medidas complementares. A partir da caracterização, os autores do estudo concluíram que as nanopartículas tinham um tamanho de, aproximadamente, 4 nm e eram altamente cristalinas, entre outras características. Além disso, por meio de experimentos realizados pela técnica de XANES in situ, a equipe de cientistas expôs as nanopartículas a monóxido de carbono (CO) a 450 °C e sondou a reatividade das nanoligas, ou seja, sua capacidade de reagirem quimicamente.
Depois de estudarem os resultados da caracterização, os autores do artigo puderam concluir que a composição da liga influi na capacidade das nanoligas de se reduzirem (ganharem elétrons) e de se oxidarem (perderem elétrons). De fato, quanto maior a quantidade de paládio, a redução ocorre com mais facilidade, e a oxidação, com mais dificuldade.
“Os resultados publicados, obtidos pela associação de diversas técnicas experimentais, são relevantes para a compreensão da origem da alta reatividade catalítica de nanoligas de paládio e cobre (Pd-Cu), bem como para elucidar comportamentos similares apresentados por outros sistemas bimetálicos”, destaca Jonder Morais. “Principalmente, tais resultados podem ser utilizados no “design” de novos nanomateriais mais eficientes para diversas aplicações, como por exemplo, na indústria petroquímica, em células a combustível ou no controle da emissão de gases poluentes”, conclui.
O artigo científico com participação de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é:
Luís F. da Silva, Ariadne C. Catto, Waldir Avansi, Laécio S. Cavalcante, Juan Andrés, Khalifa Aguir, Valmor R. Mastelaro and Elson Longo. A novel ozone gas sensor based on one-dimensional (1D) α-Ag2WO4 nanostructures. Nanoscale (Print), 2014, v. 1, p. 1-2. DOI: 10.1039/C3NR05837A
Texto de divulgação:
Novo sensor de ozônio baseado em nanobastões de tungstato de prata
Um trabalho realizado por grupos de pesquisa do Brasil, com colaboração de cientistas da França e da Espanha e a coordenação do professor da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) Elson Longo reportou, pela primeira vez, propriedades de detecção de gases de nanobastões de tungstato de prata na sua estrutura alfa (alfa-Ag2WO4). O estudo mostrou que o material pode ser aplicado como um sensor resistivo exibindo um desempenho muito bom na detecção de ozônio (O3).
Os sensores resistivos de gás são constituídos, basicamente, de um material capaz de mudar suas propriedades elétricas quando moléculas de um determinado gás são adsorvidas em sua superfície. Especificamente no tungstato de prata, quando ele é submetido a um gás oxidante como o ozônio, ocorre um aumento em sua resistência elétrica, proporcional à presença e concentração do gás.
Neste trabalho, os cientistas brasileiros sintetizaram os nanobastões de tungstato de prata e montaram um sensor baseado nessas nanopartículas. Colocaram o sensor numa câmara de testes com controle de temperatura, expostos a diferentes concentrações de gás ozônio, de 80 a 930 partes por bilhão (ppb), e avaliaram sua capacidade de detectar o ozônio.
Presente em altas camadas da atmosfera, o ozônio cumpre uma função importante de proteção dos seres vivos na absorção da radiação ultravioleta do sol. O ozônio também é utilizado pelo ser humano em várias aplicações, como, por exemplo, na potabilização de água. Porém, a exposição ao gás a partir de determinadas concentrações pode causar problemas de saúde, tais como dor de cabeça, queimação e irritação nos olhos e problemas no sistema respiratório. A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda evitar uma exposição ao gás ozônio acima de 120 ppb (partes por bilhão).
“Ao submeter o composto a baixos níveis de ozônio, observamos uma rápida resposta, bem como um curtíssimo tempo de recuperação, sendo estas propriedades comparáveis ou até mesmo superiores aos sensores tradicionais, como o dióxido de estanho (SnO2), trióxido de tungstênio (WO3), e o óxido de índio (In2O3)”, diz Luís Fernando da Silva, primeiro autor do artigo e bolsista Fapesp de pós-doutorado no Instituto de Química de Araraquara da UNESP.
Os resultados foram publicados online no final de janeiro deste ano pela revista Nanoscale. Logo após essa publicação, o artigo foi destacado como “interesting paper” no site de divulgação da área de Materiais “Materials Views”.
O contexto do trabalho
As pesquisas sobre tungstato de prata começaram no pós-doutorado de Laécio Cavalcante, atualmente professor da Universidade Estadual do Piauí (UESPI). Cavalcante sintetizou nanobastões de tungstato de prata usando a técnica hidrotermal assistida por microondas (processo que foi utilizado também na síntese dos nanobastões do trabalho publicado na Nanoscale). Ao realizar análises de microscopia eletrônica no microscópio do Instituto de Química de Araraquara, o grupo de cientistas coordenado pelo professor Longo observou que a interação do feixe de elétrons com o material estimulava o crescimento de partículas de prata metálica sobre a superfície dos nanobastões. Esse resultado do trabalho originou um artigo publicado em abril do ano passado na revista Scientific Reports (DOI: 10.1038/srep01676) e destacado, na época, pelo boletim da SBPMat.
“Desde então, o professor Elson Longo tem pesquisado e estimulado a investigação das potencialidades do composto alfa-Ag2WO4”, comenta Luís Fernando da Silva. Longo, sua equipe e seus colaboradores já puderam observar que o material possui propriedades bactericidas, (J. Phys. Chem. A, 2014; Doi: 10.1021/jp410564p), fotoluminescentes (J. Phys. Chem. C, 2014, DOI: 10.1021/jp408167v), e fotocatalíticas, com uma série de aplicações possíveis.
“Baseado nestas potenciais aplicações”, acrescenta Luís Fernando da Silva, “eu, o professor Waldir Avansi Junior, do Departamento de Física da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), juntamente com o professor Valmor Mastelaro, do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC – USP) e sua aluna de doutorado Ariadne Catto iniciamos as investigações sobre as propriedades de detecção do composto alfa-Ag2WO4 não irradiado (sem a presença de nanopartículas de prata metálica)”. No decorrer dos experimentos, conta da Silva, a equipe verificou que o material era sensível à detecção de vapor de etanol e acetona e, finalmente, de gás ozônio, inclusive em baixas concentrações. Com a colaboração dos professores Khalifa Aguir, da Université Aix-Marseille (Marselha, França), e Juan Andrés, da Universitat Jaume I (Castelló, Espanha), foi elaborada a communication publicada na Nanoscale, conceituada revista na área de nanotecnologia.
Os estudos relativos ao tungstato de prata no grupo do professor Longo não devem parar por aqui. De acordo com da Silva, a equipe avaliará a capacidade do material de detectar outros gases. Além disso, retomando os nanobastões de tungstato de prata com nanopartículas de prata metálica, os cientistas vão estudar o efeito da irradiação de elétrons na capacidade do material de detectar gases.
“Este trabalho contribui para a descoberta de novos materiais aplicados como sensores de gás”, afirma o bolsista de pós-doutorado. “No entanto, investigações complementares são necessárias para uma maior compreensão dos mecanismos envolvidos no processo de detecção, adsorção e dessorção do(s) gas(es)”, conclui.