Artigo em destaque: Grafeno dopado e sem defeitos para uso em dispositivos eletrônicos.

O artigo científico de autoria de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é: Chemical Doping and Etching of Graphene: Tuning the Effects of NO Annealing. G. K. Rolim, G. V. Soares, H. I. Boudinov, and C. Radtke. J. Phys. Chem. C,  2019, 123, 43, 26577-26582. https://doi.org/10.1021/acs.jpcc.9b02214.

Artigo em destaque: Grafeno dopado e sem defeitos para uso em dispositivos eletrônicos

O grafeno já é usado na fabricação de alguns produtos, desde capacetes que dissipam o calor até embalagens antiestáticas. Entretanto, o material maravilhoso, como costuma ser chamado, ainda tem muito a entregar à sociedade. Por ser bidimensional, flexível e excelente condutor da eletricidade, entre outras propriedades, o grafeno pode ser a base de uma série de dispositivos eletrônicos e optoeletrônicos miniaturizados e de altíssimo desempenho. Entretanto, para isso, é preciso produzir, em escala industrial, um grafeno cuja rede de átomos esteja livre de impurezas indesejadas, mas que contenha, além do carbono inerente ao grafeno, pequenas quantidades de outros elementos (dopagem) para, dessa maneira, controlar suas propriedades eletrônicas.

Em um trabalho totalmente realizado no Brasil, uma equipe científica propôs um processo que pode ajudar a produzir, em grande escala, um grafeno apto para dispositivos eletrônicos. “O processo desenvolvido em nosso grupo permite melhorar e ajustar as propriedades do grafeno, além da remoção de contaminantes da sua superfície”, disse o professor Cláudio Radtke (UFRGS), autor correspondente do artigo que reporta o trabalho, recentemente publicado no The Journal of Physical Chemistry C.

Foto dos autores do trabalho. Da esquerda para a direita: Henri Boudinov, Cláudio Radtke Gabriel Vieira Soares (todos professores da UFRGS) e Guilherme Koszeniewski Rolim (bolsista de pós-doutorado do Pragrama de Pós-Graduação em Microeletrônica na UFRGS).
Foto dos autores do trabalho. Da esquerda para a direita: Henri Boudinov, Cláudio Radtke Gabriel Vieira Soares (todos professores da UFRGS) e Guilherme Koszeniewski Rolim (bolsista de pós-doutorado do Programa de Pós-Graduação em Microeletrônica na UFRGS).

A equipe adquiriu amostras de grafeno produzidas por CVD (chemical vapor deposition) e transferidas a substratos de silício. Essa técnica é, no momento, uma das mais adequadas para a produção em larga escala de folhas de grafeno de área relativamente grande, mas deixa impurezas residuais e gera defeitos no grafeno. Para remover as impurezas, é comum a aplicação de um tratamento térmico em atmosfera de dióxido de carbono (CO2), o qual é eficiente na eliminação dos contaminantes, mas acaba gerando novos defeitos na folha de grafeno. A boa notícia é que esses defeitos podem ser neutralizados (passivados).

Procurando, justamente, estratégias de passivação desses defeitos, o então aluno de doutorado Guilherme Koszeniewski Rolim encontrou um artigo científico de 2011, que apontava, por meio de cálculos teóricos, a possibilidade de usar óxido nítrico (NO) para passivar os defeitos do grafeno com átomos de nitrogênio e, ao mesmo tempo, dopá-lo para modular suas propriedades eletrônicas (principalmente, transformá-lo em um material semicondutor, condição essencial para usá-lo em dispositivos eletrônicos).

A equipe decidiu então verificar experimentalmente a predição teórica e, depois de realizar o tradicional tratamento com CO2 a 500 °C, aplicaram nas amostras um segundo tratamento térmico, este em atmosfera de óxido nítrico e a diferentes temperaturas, desde temperatura ambiente até 600 °C.

Depois do processo, os pesquisadores usaram diversas técnicas de caracterização para conferir os resultados e confirmaram, com alegria, que a dopagem com nitrogênio tinha acontecido e que ela tinha passivado os defeitos, melhorando assim as propriedades eletrônicas do material. Entretanto, os pesquisadores observaram também um efeito indesejado do tratamento com óxido nítrico: a degradação (etching) das folhas grafeno em alguns pontos. Depois de bastante trabalho científico, a equipe conseguiu determinar a causa. Durante o aquecimento, ocorria uma conversão de NO em NO2, o qual, por ser um composto muito mais reativo que o primeiro, acabava oxidando o grafeno.

Contudo, a equipe brasileira foi capaz de encontrar uma solução para esse problema. O “eureca” ocorreu enquanto os pesquisadores tentavam determinar a quantidade de átomos de nitrogênio que tinham se incorporado ao grafeno, mediante uma técnica baseada na análise de reações nucleares desencadeadas pela ação de um feixe de íons nas amostras de grafeno. Para poder aplicar essa técnica, a equipe teve que utilizar, no tratamento térmico, um óxido nítrico isotopicamente enriquecido, o qual tem uma pureza de 99,9999% em vez dos 99,9% do gás utilizado anteriormente.

Esquema ilustrativo dos parâmetros a serem controlados no processo proposto pela equipe brasileira. O equilíbrio entre pureza do gás e temperatura garante a obtenção de folhas de grafeno melhores para uso em dispositivos eletrônicos.
Esquema ilustrativo dos parâmetros a ser controlados no processo proposto pela equipe brasileira. O equilíbrio entre pureza do gás e temperatura garante a obtenção de folhas de grafeno melhores para uso em dispositivos eletrônicos.

A análise não rendeu os resultados esperados, pois não conseguiu quantificar o nitrogênio, que estava abaixo do limite de detecção. Contudo, o uso do gás enriquecido acabou trazendo muita satisfação à equipe. De fato, quando os pesquisadores compararam as propriedades eletrônicas dos dois de tipos de amostra, eles constataram que o grafeno tratado com o gás enriquecido sempre apresentava propriedades superiores. “Inicialmente tal resultado gerou bastante confusão na interpretação dos resultados”, conta o professor Radtke. “Mas, após mais alguns experimentos, passou a ser um dos pontos mais importantes do artigo, evidenciando a importância da pureza do gás durante o processamento”, completa. Concretamente, a conclusão foi que controlar adequadamente a temperatura e a pureza do gás durante o tratamento elimina o problema da degradação do grafeno por oxidação.

Dessa maneira, com bastante conhecimento e método científico, além de uma pequena intervenção do acaso, a equipe da UFRGS conseguiu desenvolver um processo de remoção de resíduos, neutralização de defeitos e dopagem do grafeno, que melhorou as propriedades eletrônicas do material sem gerar efeitos colaterais deletérios. Por se tratar de um tratamento térmico em atmosfera de gases, etapa que já faz parte da produção industrial de grafeno, o processo proposto pela equipe brasileira poderia ser facilmente aplicado à fabricação de folhas de grafeno para dispositivos.

“A inserção de heteroátomos (como o nitrogênio) na rede do grafeno sem a degradação de suas propriedades é especialmente importante na produção de dispositivos optoeletrônicos, transistores de alta velocidade, eletrônica de baixa potência e células fotovoltaicas”, destaca Radtke, lembrando que a fabricação desses dispositivos baseados em grafeno pode ser uma realidade nos próximos anos. “O Graphene Flagship (consórcio europeu de indústrias, universidades e institutos) anunciou a implementação de uma planta piloto para integrar grafeno em diferentes etapas da produção de dispositivos já em 2020”, comenta o professor da UFRGS.

O estudo, que contou com apoio financeiro das agências brasileiras CNPQ (principalmente por meio dos INCTs Namitec e INES), Capes e Fapergs, foi desenvolvido dentro do doutorado em Microeletrônica de Guilherme Koszeniewski Rolim, realizado no Programa de Pós-Graduação em Microeletrônica da UFRGS e defendido em 2018. O trabalho experimental foi feito no Laboratório de Superfícies e Interfaces Sólidas da UFRGS e no Laboratório Nacional de Luz Sincrotron do CNPEM.

Artigo em destaque: Nanobastões para desenvolver novos anti-inflamatórios.

O artigo científico de autoria de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é: Characterization of the structural, optical, photocatalytic and in vitro and in vivo anti-inflammatory properties of Mn2+ doped Zn2GeO4 nanorods. Suzuki, V. Y.; Amorin, L. H. C; Lima, N. M; Machado, E. G; Carvalho, P. E.; Castro, S. B. R.; Souza Alves, C. C.; Carli, A. P.; Li, Maximo Siu; Longo, Elson; Felipe La Porta. J. Mater. Chem. C, 2019, 7, 8216. DOI: 10.1039/c9tc01189g

Nanobastões para desenvolver novos anti-inflamatórios

nanobastoesUma equipe de pesquisadores de universidades brasileiras descobriu, em nanoestruturas de formato cilíndrico chamadas de nanobastões, um efeito anti-inflamatório equivalente ao conseguido por fármacos de uso corriqueiro. Os pesquisadores também demonstraram a eficiência desses nanobastões como catalisadores (aceleradores) na degradação de um poluente. Essas aplicações se tornam ainda mais relevantes considerando que a equipe científica conseguiu produzir grandes quantidades do material mediante um processo simples e rápido. O trabalho realizado mostra o potencial desses nanobastões para o desenvolvimento de novos medicamentos e para o tratamento de efluentes.

O trabalho originou-se cerca de três anos atrás, quando o professor Felipe de Almeida La Porta, que tinha se incorporado recentemente ao corpo docente da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), campus Londrina, estava implementando um grupo de pesquisa em Nanotecnologia e Química Computacional (NANOQC) nessa universidade. “Nosso laboratório começou a investigar algumas classes de materiais emergentes, com a perspectiva de conciliar teoria e prática, impulsionado assim novas descobertas e aplicações.”, conta La Porta. Um dos materiais estudados pelo grupo, foi o germanato de zinco (Zn2GeO4), um versátil semicondutor com aplicações em sensores, catalisadores, baterias entre outros dispositivos.

Junto ao bolsista de iniciação científica Victor Yuudi Suzuki, o professor iniciou um projeto em que sintetizou, no laboratório da UTFPR, nanobastões de Zn2GeO4 puro e com porcentagens muito pequenas de íons de manganês. Para produzir essa série de nanobastões, eles utilizaram a chamada “síntese hidrotérmica assistida por micro-ondas”. O método consiste, em grandes linhas, em misturar soluções aquosas contendo determinados compostos, aquecer a solução final com ajuda de um forno de micro-ondas e deixar que os compostos reajam por um determinado tempo a uma pressão e temperatura controlada. No caso do Zn2GeO4 dopado com íons manganês que foram preparados neste estudo, essas reações foram realizadas a 140 °C durante 10 minutos. O material que resulta dessas reações é recolhido na temperatura ambiente, posteriormente lavado e secado, gerando os nanobastões.

O professor La Porta e seu grupo de pesquisa conseguiram otimizar uma das etapas do processo, a cristalização dos materiais, de modo a diminuir o tempo de síntese de horas para alguns minutos, mantendo assim a qualidade do material e a possibilidade de controlar seu formato.

Depois de preparar as amostras, a dupla viajou de Londrina até São Carlos (SP) para caracterizar os materiais no Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e no Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP). Ali, junto a pesquisadores locais, puderam analisar o formato, estrutura e a luminescência dos quatro tipos de composições de nanobastões produzidos: sem manganês e com 1, 2 e 4% desse elemento incorporado à estrutura do Zn2GeO4.

Finalmente, sabendo que compostos contendo zinco, germânio ou manganês apresentam atividade biológica considerável (efeitos benéficos ou negativos sobre os seres vivos), a equipe resolveu contatar colaboradores para investigar esse tipo de propriedades nos nanobastões. Dessa maneira, uma série de experimentos foi realizada nos Departamentos de Química e Farmácia da Universidade Federal de Juiz de Fora e na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, ambas no estado de Minas Gerais.

Os autores do trabalho. A partir da esquerda: Victor Suzuki, Luís Amorin, Felipe La Porta, Maximo Si Li, Elson Longo, Sandra de Castro, Paloma de Carvalho, Alessandra Carli, Emanuelle Machado, Caio Alvez, Nerilson Lima.
Os autores do trabalho. A partir da esquerda: Victor Suzuki, Luís Amorin, Felipe La Porta, Maximo Si Li, Elson Longo, Sandra de Castro, Paloma de Carvalho, Alessandra Carli, Emanuelle Machado, Caio Alvez, Nerilson Lima.

Para estudar a ação anti-inflamatória, a equipe realizou testes in vitro (em contato com células em recipientes laboratoriais) e também in vivo (usando ratos com edemas nas patas, dentro das normas do código brasileiro de uso de animais em laboratório). Ambos os tipos de experimentos revelaram que os nanobastões com cerca de 4% de manganês foram os mais eficazes no controle da inflamação. Nos testes in vitro, essas nanoestruturas foram capazes de modular moléculas que regulam a inflamação sem causar morte de células (sem citotoxicidade). Nos experimentos in vivo, os nanobastões reduziram edemas induzidos nas patas dos ratos com resultados similares aos da aplicação de dexametasona, um conhecido fármaco do grupo dos corticoides.

“No primeiro momento, pensamos que a combinação desses elementos para formação de um óxido ternário poderia de certo modo potencializar esses efeitos. Mais não tínhamos ideia que os resultados seriam tão significativos. Tendo em vista que os medicamentos atualmente disponíveis na terapêutica estão se mostrando cada dia menos eficazes, estes resultados podem encorajar o uso destes nanobastões, por exemplo, na produção de uma nova formulação farmacêutica, especialmente para casos de inflamação”, diz Felipe La Porta, que é o autor correspondente da pesquisa que foi recentemente publicado pela equipe de pesquisadores no Journal of Materials Chemistry C (fator de impacto 6,641).

Além de comprovar o potencial do material para essa aplicação do campo da saúde, os autores do artigo verificaram experimentalmente a capacidade dos nanobastões de degradarem um corante químico bastante encontrado em efluentes industriais, chamado azul de metileno. Para esta aplicação, as nanoestruturas com 2% de manganês foram as mais eficientes, decompondo completamente o corante em 10 minutos. “Devido à simplicidade de fabricação deste sistema aliado a suas excelentes propriedades, este material também é promissor para limpeza de diversos poluentes ambientais, e pode ser facilmente recuperado no final deste processo”, comenta o professor da UTFPR.

No centro, aglomerado de nanobastões de germanato de zinco com 4% de manganês. Ao redor, em sentido horário: medidas de fotoluminescência das amostras; representação da estrutura do germanato de zinco dopado com manganês; mecanismo de degradação de poluentes e medidas da degradação do azul de metileno; ação anti-inflamatória dos nanobastões e de outros tratamentos em pata de rato com edema induzido.
No centro, aglomerado de nanobastões de germanato de zinco com 4% de manganês. Ao redor, em sentido horário: medidas de fotoluminescência das amostras; representação da estrutura do germanato de zinco dopado com manganês; mecanismo de degradação de poluentes e medidas da degradação do azul de metileno; ação anti-inflamatória dos nanobastões e de outros tratamentos em pata de rato com edema induzido.

As propriedades superiores que a equipe científica brasileira encontrou nos nanobastões com manganês podem ser relacionadas aos defeitos estruturais observados nessas amostras. De fato, a rede tridimensional de átomos que forma o germanato de zinco é cristalina, ou seja, organizada em padrões regulares. Com a introdução de manganês, irregularidades são geradas, e delas surgem novas propriedades.

O artigo científico que reporta este trabalho foi selecionado para compor a coleção Materials and Nano Research in Brazil, preparada pela Royal Society of Chemistry em comemoração do XVIII B-MRS Meeting, e, portanto, pode ser acessado sem custo até 15 de outubro deste ano, aqui.

O trabalho foi realizado com financiamento de agências brasileiras de apoio à pesquisa: as federais CNPq e Capes, e as estaduais Fundação Araucária, Fapesp e Fapemig.