Cientista em destaque: entrevista com Leonardo Mathias Leidens, vencedor de Prêmio Destaque do CNPq em iniciação científica.

Leonardo Mathias Leidens.
Leonardo Mathias Leidens.

Quando atendeu ao telefone naquela tarde de maio, Leonardo Mathias Leidens, 24 anos, achou que estava sendo vítima de um trote. O presidente do CNPq, do outro lado da linha, estava lhe dando a notícia de que o trabalho de iniciação científica dele tinha sido escolhido como o melhor do Brasil na área de Ciências Exatas, da Terra e Engenharias, na décima sexta edição do Prêmio Destaque na Iniciação Científica e Tecnológica.

Entretanto, se Leonardo tivesse contido a emoção e houvesse podido olhar para trás naquele instante, ele teria percebido que o prêmio era, na verdade, uma consequência esperável de uma caminhada constante de passos firmes pelo conhecimento científico, além de um merecido reconhecimento à sua competência e dedicação.

Leonardo nasceu em 1995 em Caxias do Sul, município da Serra Gaúcha com cerca de 500 mil habitantes e um importante polo industrial. Depois de cursar o ensino básico em escolas públicas da cidade, sempre com excelente desempenho escolar, Leonardo ingressou, em 2013, ao curso de graduação em Engenharia Química da Universidade de Caxias do Sul (UCS), universidade comunitária com sede em Caxias do Sul, presente por meio de seus campi em oito municípios gaúchos.

No primeiro semestre de 2014, Leonardo achou uma oportunidade de começar a fazer ciência. Tornou-se bolsista de iniciação científica, sob orientação do professor Carlos A. Figueroa, líder na UCS de um grupo de pesquisa fundamental e aplicada em Ciência e Engenharia de Superfícies, que posteriormente receberia o nome de “Grupo Epipolé”. Nesse grupo, e sempre com o mesmo orientador, Leonardo trabalhou em diversas pesquisas referentes à adesão de filmes de carbono amorfo como bolsista da UCS e dos programas PIBIT e PIBIC do CNPq. Como resultado desse trabalho, Leonardo tem hoje em seu currículo Lattes nove artigos científicos (um deles como primeiro autor) publicados em periódicos internacionais com revisão por pares, incluindo algumas das melhores revistas da área de superfícies e filmes finos.

Em agosto de 2016, Leonardo saiu pela primeira vez do país para cursar dois semestres na École Supérieure des Industries Chimiques (ENSIC), na cidade de Nancy (França), após ter sido selecionado como bolsista do BRAFITEC, programa da CAPES que apoia a mobilidade de estudantes de Engenharia entre instituições do Brasil e da França. Nesse período, além de cursar disciplinas do curso e outras que complementaram sua formação, Leonardo apresentou, pela primeira vez, um trabalho em um evento científico internacional, o E-MRS 2017 Spring Meeting, realizado na cidade francesa de Estrasburgo. Para participar desse evento, aliás, Leonardo ganhou uma isenção da taxa de inscrição em uma seleção promovida pela SBPMat e a E-MRS.

Depois dessa enriquecedora experiência no exterior, em meados de 2017, Leonardo retornou a Caxias do Sul e retomou suas atividades acadêmicas na UCS, inclusive a iniciação científica no Grupo Epipolé. Em dezembro de 2018, ele concluiu o curso de bacharelado em Engenharia Química com uma média de 3,96 sobre a nota máxima de 4 no conjunto das disciplinas cursadas. Por esse fato, na colação de grau, Leonardo foi distinguido pelo Reitor da UCS com a Láurea Acadêmica.

Devido à toda a experiência vivida em mais de quatro anos como bolsista de iniciação científica, Leonardo decidiu fazer doutorado direto (sem passar pelo mestrado). Assim, no início deste ano, ele se tornou doutorando do Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Ciência dos Materiais (PGMAT) da UCS, mais uma vez sob orientação do professor Figueroa.

No dia 23 de julho, Leonardo receberá seu Prêmio Destaque na cerimônia que será realizada em Campo Grande (MS) durante a 71ª Reunião Anual da SBPC.

Veja nossa entrevista com Leonardo.

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Boletim da SBPMat: –  Você poderia nos contar brevemente como e quando começou e se desenvolveu o seu interesse pela ciência/ pesquisa? E a sua vontade de ser cientista?

Leonardo Mathias Leidens: – A curiosidade sempre foi uma característica facilmente perceptível em mim. A vontade e ansiedade em saber a origem de “tudo”, os porquês e como as coisas funcionam me levaram à ciência, mesmo que de forma um pouco inconsciente. Meus pais sempre me incentivaram a ler muito e isso foi essencial na busca das respostas das minhas perguntas e no desenvolvimento da criatividade. Mais do que isso, ainda criança, adorava reproduzir experiências simples que aprendia em programas de TV (infelizmente, a internet não estava amplamente disponível na década de 90) ou criar os próprios experimentos desajeitados quando ganhei um kit infantil de química (já que os simples, indicados nas instruções, perdiam a graça rapidamente). Curiosamente, eu demorei a entender que a união de todas essas coisas que eu fazia natural e prazerosamente poderiam formar minha profissão. Levaram alguns anos até que, no Ensino Médio, a ficha caiu e, desde lá, me dediquei a alcançar um novo objetivo: me tornar um cientista. Ingressei no curso de Engenharia Química com o intuito de participar de atividades de Iniciação Científica e seguir na carreira acadêmica.

Boletim da SBPMat: – Muito brevemente, quais foram as principais competências que você considera ter desenvolvido ao longo dos anos como bolsista de I.C.?

Leonardo Mathias Leidens: – Basicamente, o maior desenvolvimento pessoal e profissional foi o treinamento no “método científico”, ou seja, a competência inicial para a formação de um cientista. Fazer uma pergunta, buscar o estado da arte e as respostas já disponíveis para comparação com a realidade apresentada e questionar/comparar os próprios resultados se tornaram atividades cotidianas. Para conseguir desenvolver todos esses passos da pesquisa, o treinamento em equipamentos complexos, a análise de dados e a proposta de ideias e projetos foram habilidades que tiveram que ser criadas ou desenvolvidas. Além disso, no tempo de bolsista, pude melhorar idiomas, como o inglês (o idioma da ciência), além de passar a escrever com mais rigor e excelência trabalhos para revistas internacionais, congressos, relatórios e projetos.

Boletim da SBPMat: – Na sua visão, quais foram os fatores mais importantes que contribuíram à realização do trabalho premiado?

Leonardo Mathias Leidens: – Inicialmente, foram a trajetória, a estrutura e a experiência do grupo em diferentes abordagens para minimizar o problema de adesão dos filmes de carbono amorfo em ligas ferrosas que permitiram a proposta de trabalho e o resultado alcançado pois, com amplo conhecimento do sistema material estudado, foi possível investigar de maneira muito profunda o problema e as modificações positivas geradas com o uso do plasma de hidrogênio. O trunfo, na minha visão, foi a integração da ciência de base, no estudo do mecanismo físico-químico de ação do tratamento, com um problema e aplicação real, depositando os revestimentos em condições mais brandas e de maneira eficiente em substratos antes problemáticos, que tornou o trabalho completo e interessante no âmbito científico (gerando conhecimento) e industrial (em aplicações com apelo de eficiência energética).

Boletim da SBPMat: – Em outra entrevista, você fala sobre ser cientista como estilo de vida, e não apenas como profissão. Conte-nos em que consiste esse estilo de vida que o atrai.

Leonardo Mathias Leidens: – Essa frase tem, fundamentalmente, duas justificativas. Primeiramente, e como já disse anteriormente, o método científico foi um dos aprendizados mais importantes que tive ao longo desses anos. Ele não é aplicado somente na pesquisa, mas em diversas atividades. Questionar e verificar tudo (por testes e comparações) são obrigações de um cientista, dentro e fora do laboratório. Por exemplo, em uma sociedade onde um número infindável de informações (de diferentes qualidades) está disponível, o rigor se torna necessário para comparar, selecionar e verificar o quão condizente com a realidade ou com fontes seguras elas são. Por outro lado, a ciência como um estilo de vida significa viver amplamente a ciência. Integrar uma comunidade diversificada, participar de projetos e trabalhos em parceria além de poder fazer a diferença em alguma área (por menor que seja ou pareça) se torna muito mais do que uma profissão. Finalmente, fazer parte de um grupo de pessoas que, com diferentes formações, histórias e objetivos, se une e trabalha em prol da geração de conhecimento e avanço da humanidade, mesmo com tantas dificuldades, me atrai, incentiva e orgulha.

Boletim da SBPMat: – Atualmente você está no primeiro ano de seu doutorado. Você chegou a pensar em algum projeto ou caminho profissional para depois do doutoramento?

Leonardo Mathias Leidens: – Meu orientador sempre nos sugere planejar os próximos cinco anos (pelo menos)… Nem sempre é fácil, principalmente em épocas pouco estáveis. Ainda no doutorado, gostaria de participar de um período sanduíche em uma universidade no exterior pois, tendo vivido essa experiência na graduação, percebo a importância ainda maior que ela teria para minha formação científica como doutor. Posteriormente, pretendo seguir no âmbito acadêmico, como pesquisador, em alguma instituição do país ou do exterior.

Boletim da SBPMat: – Convidamos você a deixar umas dicas para nossos leitores que estão realizando trabalhos de iniciação científica na área de Materiais, respondendo à pergunta “Como desenvolver um trabalho de destaque nacional?”.

Leonardo Mathias Leidens: – É difícil sugerir, diretamente, vias para produzir um trabalho de destaque pois, de certa forma, isso se torna consequência de um trabalho bem feito e não é fruto de uma “fórmula”. Entretanto, para chegar ao objetivo, posso dizer que é necessário tomar uma posição ativa na pesquisa, propondo, sem medo ou receio, ideias próprias bem fundamentadas para um problema da área, mesmo que no início seja difícil e desafiador para um aluno de graduação. Ao gerarmos as próprias perguntas, somos incentivamos a buscar as respostas e, se elas não estiverem disponíveis, propor vias para obtê-las. Dessa forma, com muito trabalho, dedicação e discussão científica é possível transformar um projeto em um trabalho de destaque que pode contribuir para o avanço de uma área específica e, de maneira mais extensiva, da sociedade. Entretanto, uma coisa é fundamental: não desanimar completamente quando as coisas não saem como o planejado. Quando estamos na fronteira do conhecimento, nem sempre o resultado obtido é o esperado – mas isso não pode coibir o avanço em novas tentativas. Falando de mim, como IC no Grupo Epipolé sempre tive a oportunidade de participar ativamente de projetos e discussões (e não apenas acompanhar estudantes de pós-graduação ou fazer trabalhos “mecânicos”, apesar dessas atividades também fazerem parte de qualquer bolsa de IC e possuírem sua importância), mesmo como estudante dos períodos iniciais da graduação, e aproveitei todos esses momentos. Isso foi fundamental para entender como a ciência é feita e me integrar ao grupo. Mesmo com maiores responsabilidades sendo geradas nessas interações, elas foram fundamentais para o crescimento, incentivo e formação de uma base que permitiu a proposta de minhas próprias ideias, depois de um tempo de estudo e prática. Para isso, a leitura de muitos artigos científicos também foi fundamental, além de estar sempre a par das novidades da área, mas sem esquecer de prestar a devida atenção aos alicerces científicos, ou seja, nos conceitos fundamentais.

Processo seletivo para mestrado e doutorado em Materiais na UCS.

Estão abertas as inscrições ao processo seletivo do Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Ciência dos Materiais (PGMat) da Universidade de Caxias do Sul (UCS).

Mais informações:

Artigo em destaque: Átomos unidos, filmes aderidos.

O artigo científico com participação de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é:  Identification of the Chemical Bonding Prompting Adhesion of a-C:H Thin Films on Ferrous Alloy Intermediated by a SiCx:H Buffer Layer. F. Cemin, L. T. Bim, L. M. Leidens, M. Morales, I. J. R. Baumvol, F. Alvarez, and C. A. Figueroa. ACS Appl. Mater. Interfaces, 2015, 7 (29), pp 15909–15917. DOI: 10.1021/acsami.5b03554.

Átomos unidos, filmes aderidos

Partindo de um olhar inovador lançado sobre um problema acadêmico e industrial, uma pesquisa integralmente realizada no Brasil trouxe avanços significativos no entendimento da adesão de filmes de DLC (diamond-like carbon) a aços. Os resultados do trabalho, que foram recentemente publicados na revista Applied Materials and Interfaces da American Chemical Society (ACS), podem ajudar a otimizar essa adesão, prolongando assim a vida útil dos filmes de DLC e ampliando seu uso na indústria.

A equipe de cientistas se interessou, em particular, no potencial do DLC para aumentar a eficiência energética de motores de combustão interna. De fato, se todos os componentes do motor de um automóvel fossem revestidos com filmes de DLC, o dono desse carro gastaria de 5 a 10 % menos com combustível e pouparia o meio ambiente de uma boa dose de emissões de gases de efeito estufa e outros poluentes, entre outras vantagens. O motivo de tal economia reside no ultrabaixo atrito que o DLC apresenta, desde que o atrito é a força culpada por desperdiçar combustível ao oferecer resistência ao movimento que as peças do motor a combustão realizam entre si.

Entretanto, o DLC tem uma desvantagem: não adere ao aço, fazendo com que os filmes se soltem do substrato rapidamente. Para contornar esse problema, tanto no laboratório quanto na indústria, costuma-se depositar em cima do aço uma camada contendo silício, conhecida como camada intermediária. O filme de DLC deposita-se em cima dela. Como resultado, é obtido um “sanduíche” que não se desmancha facilmente.

No trabalho publicado no periódico da ACS, os autores analisaram experimentalmente um “sanduíche” formado por um substrato de aço, uma intercamada de carbeto de silício (SiC) e um filme de DLC. Tanto a intercamada quanto o filme foram depositados por um rápido processo, que gerou camadas muito finas, de alguns nanometros (até 10). Duas questões, principalmente, diferenciaram este estudo de outros trabalhos similares encontrados na literatura científica. Em primeiro lugar, o foco da equipe foi analisar o que ocorria em duas regiões, correspondentes às interfaces que a intercamada apresenta com o filme (superior) e com o aço (inferior). Em segundo lugar, os cientistas lançaram um olhar químico sobre a questão da adesão.

“Neste trabalho foi identificada a estrutura química que gera adesão nas interfaces inferior (SiCx:H/aço) e superior (a-C:H/SiCx:H) que compõem a estrutura sanduíche de a-C:H/SiCx:H/aço”, resume Carlos A. Figueroa, professor da Universidade de Caxias do Sul (UCS) e autor correspondente do artigo. “Os mecanismos encontrados na bibliografia levantavam aspectos físicos ou mecânicos, mas não químicos”, relata Figueroa, que se formou em Ciências Químicas pela Universidade de Buenos Aires (UBA) e fez doutorado em Física pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Entretanto, a adesão é gerada pela somatória de todas as ligações químicas individuais que existem entre o DLC, a intercamada e o aço”, completa.

Os cientistas mantiveram constante a temperatura de deposição do filme, mas variaram a temperatura de deposição da intercamada, gerando amostras depositadas a 100° C e outras a mais de 300° C. Após analisá-las por meio de uma série de técnicas, principalmente, a de espectroscopia de fotoelétrons excitados por raios X, conhecida como XPS, os pesquisadores identificaram que a interface inferior da intercamada, independentemente da temperatura de deposição, era amplamente composta por átomos de silício (da intercamada) ligados a átomos de ferro (do substrato). Na interface superior da intercamada, a equipe notou diferenças conforme a temperatura de deposição da intercamada. Nas amostras depositadas a 100° C, átomos de oxigênio apareciam ligados a muitos dos átomos de silício e carbono, impedindo que o carbono do filme se una fortemente ao silício da intercamada, e resultando num filme sem boa adesão. Já nas amostras depositadas a mais de 300° C, os cientistas não encontraram oxigênio na interface, e sim ligações entre átomos de carbono e de silício, as quais deixaram o filme bem aderido à intercamada.

Ilustração esquemática das ligações químicas presentes nas interfaces superior e inferior da intercamada depositada a 100° C (esquerda) e a mais de 300° C (direita). No centro, um pino de motor real exibe, na metade esquerda, um filme de DLC (em cor preta) delaminado sobre intercamada depositada a 100° C e, na metade direita, o mesmo filme bem aderido sobre a intercamada depositada a mais de 300° C.

Além de Figueroa e estudantes do grupo de pesquisa que ele lidera na UCS, assinam o artigo pesquisadores do Instituto de Física da Unicamp, onde foram realizadas as medidas de XPS, e um cientista da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) que, junto aos demais, participou da discussão dos resultados.

O trabalho recebeu financiamento de agências de fomento à ciência brasileiras (Capes, CNPq por meio do INCT Instituto Nacional de Engenharia de Superfícies, Fapergs), da Petrobras, UCS, da Comissão Europeia (Marie Skłodowska – Curie Actions) e da empresa Plasmar Tecnologia. Essa empresa está desenvolvendo, por meio de um projeto aprovado no edital TECNOVA RS, um reator industrial para depositar DLC sobre aço visando aumentar a eficiência energética de motores de automóveis.

Gente da nossa comunidade: entrevista com o pesquisador Israel Baumvol.

Israel Jacob Rabin Baumvol nasceu no Rio Grande do Sul, na cidade de São Gabriel, no último dia de 1947. Ainda criança, mudou-se para Porto Alegre com seus pais e irmãos. Aos 19 anos de idade, ingressou na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) para estudar Física. Nos anos seguintes, Baumvol dedicou muitos esforços aos estudos tentando atender o padrão de exigência acadêmica do bacharelado em Física da federal gaúcha, além de participar da atividade política que ocorria na universidade contra o governo militar vigente. Em 1971, concluiu a graduação – sem ter se destacado como um bom estudante, segundo ele. No ano seguinte, mudou-se para São Paulo para realizar o mestrado na Universidade de São Paulo (USP), em Física nuclear e sob orientação do professor Oscar Sala. Em 1975, retornou à UFRGS para fazer doutorado com orientação do professor Fernando Zawislak, estudando compostos de estrutura perovskita. Durante o doutorado, tornou-se professor da UFRGS. Em 1977 defendeu sua tese. Para o pós-doutorado, Baumvol escolheu uma instituição de pesquisa industrial na Inglaterra, hoje conhecida como Harwell campus. Ali, entre 1979 e 1981, trabalhou com técnicas de implantação iônica e suas aplicações, principalmente a implantação iônica por imersão em plasma (PIII), participando de contratos de pesquisa com grandes empresas. A partir da sua expertise em PIII, Baumvol ingressou no mundo dos materiais para microeletrônica, área na qual fez significativas contribuições científico-tecnológicas e ganhou reputação internacional.

Nos Estados Unidos, Israel Baumvol foi pesquisador convidado do centro de pesquisa da IBM (1984 a 1988) e dos Laboratórios Bell, da empresa Lucent (1998 a 1999). Na França, entre 1992 e 1996, foi professor convidado da Université Pierre et Marie Curie e da Université Paris Diderot (Paris 7). Em 1997, após ficar em primeiro lugar em concurso público, foi nomeado professor titular de Paris 7, mas não assumiu o cargo para permanecer na UFRGS. De 1995 a 1996, foi professor convidado da Ruhr Universität, na Alemanha.

Baumvol também foi coordenador de eventos internacionais realizados fora do Brasil. Em 2000 e 2005, foi coordenador (chairman) de simpósios internacionais de Físico-Química do óxido de silício e da interface silício – dióxido de silício, organizados pela Electrochemical Society. Em 2001, coordenou o International Workshop on Device Technology, da Materials Research Society(MRS), realizado em Porto Alegre. Em 2004, foi meeting chair do Spring Meeting & Exhibit da MRS, que ocorre anualmente em San Francisco (Estados Unidos).

Em 2003, ao se aposentar do seu cargo de professor titular da UFRGS, liderou a criação do Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Ciência dos Materiais da Universidade de Caxias do Sul (UCS), na região da serra gaúcha, e foi coordenador e pesquisador do programa até 2014.

De 2002 a 2003, Baumvol presidiu a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS). Mais recentemente, entre 2011 e 2013, foi vice-coordenador da Área de Materiais na Capes. Baumvol também coordenou grandes projetos do CNPq na área de Materiais, como a primeira Rede Nacional de Pesquisa em Materiais Nanoestruturados (2001-2005) e o INCT de Engenharia de Superfícies (2009 a 2010).

Ao longo de sua carreira científica, Israel Baumvol tem desenvolvido pesquisas em temas relacionados à implantação iônica, Física de filmes finos e modificação de superfícies, além de materiais para microeletrônica. Bolsista de produtividade de nível 1A no CNPq, Baumvol é autor de mais de 270 artigos publicados em periódicos científicos com revisão por pares, além de livros e capítulos de livros. Sua produção científica conta com 3.000 citações, aproximadamente. Orientou cerca de 30 trabalhos de mestrado e doutorado.

No ano 2000 foi escolhido Pesquisador Destaque pela FAPERGS; em 2010 foi nomeado Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico pela Presidência da República e, no ano seguinte, foi diplomado Professor Emérito pela UFRGS. Em maio deste ano, foi inaugurado o laboratório “Central de Microscopia Professor Israel Baumvol” na UCS.

Segue uma entrevista com o cientista.

Boletim da SBPMat: – Conte-nos o que o levou a se tornar um cientista e a trabalhar em temas da área de Materiais.

Israel Baumvol: – Foi a junção de três fatores. O primeiro foi o desejo de utilizar meus conhecimentos, para um dia poder contribuir para o progresso do país e dos seus cidadãos. Este desejo desenvolveu-se através de leituras e forte participação política durante o curso de graduação. Porém, como em Porto Alegre a tradição de pesquisa fundamental era muito forte e não havia ninguém que trabalhasse em Física aplicada, eu fiz uma formação estritamente acadêmica, o que foi muito bom para o meu futuro. O segundo fator foi o meu pós-doutorado, para o qual escolhi uma instituição de pesquisa industrial, na Inglaterra. Fui para lá em 1979, para aprender implantação iônica, pois a instituição era pioneira neste método. Lá eu entrei em contato com a implantação iônica, sobretudo as suas aplicações, tais como redução do atrito em componentes metálicos (por exemplo ligas Ti-Al) por implantação de espécies e compostos iônicos pesados, aumento da resistência ao desgaste e à corrosão de aços por nitretação, oxinitretação e nitrocarbetação, usando o método da  implantação iônica por imersão em plasma (PIII). Naquela época estavam construindo ali o primeiro reator de PIII para escala industrial, com volume de, aproximadamente, 30 m3, que depois multiplicou-se por todo mundo, inclusive com empresas especializadas na fabricação destes reatores, tais como a Eaton e várias outras, inclusive duas empresas no Brasil. Este ambiente de Física aplicada me fascinou pelas possibilidades. Participei de vários contratos de pesquisa, como o de próteses ósseas para uma empresa fabricante japonesa, o de lâminas de turbina para a Rolls-Royce e o de lâminas de corte do projeto de futuros barbeadores elétricos para a Philips. Estes projetos, além de me fascinarem, tinham um componente que para mim era romântico: tratava-se de projetos confidenciais. O terceiro e último fator ocorreu ao fim do meu pós-doutorado. Fui a um congresso na Alemanha, onde dei uma palestra de 50 minutos, algo muito difícil nos dias de hoje, em que as palestras têm da ordem de 20 minutos apenas. Quando terminei de falar e responder as perguntas, houve um coffee break. O Dr. James F. Ziegler aproximou-se de mim, apresentou-se e entregou-me seu cartão de visitas, no qual estava escrito “Research Director, Thomas J. Watson Research Center, IBM”. Ele convidou-me para ir para lá porque, durante a minha palestra, ele se deu conta que o método PIII poderia resolver um problema sério que a IBM tinha com os discos rígidos. Outra vez, o canto de sereia de projeto confidencial. Aceitei o convite e, durante alguns anos, passei as férias de verão e de inverno, três a quatro meses por ano, na IBM – Yorktown. Lá entrei em contato com algo inusitado para mim, a tecnologia do silício, que estava no nascedouro. Outro fascínio e a minha cabeça estava feita, Engenharia e Ciência dos Materiais.

Boletim da SBPMat: – Quais são, na sua própria avaliação, as suas principais contribuições à área de Materiais?

Israel Baumvol: – Trabalhei em muitos temas diferentes na minha atividade profissional, alguns deles já mencionados acima. Vou destacar três deles. O primeiro foi a minha participação dos primórdios da tecnologia PIII, a qual hoje é vastamente utilizada em todo o mundo, inclusive no Brasil, onde há pelo  menos quatro serviços de processamento de componentes de aço por PIII para a indústria metal-mecânica. O segundo é a minha contribuição, ao longo de dez anos de trabalho, para explorar e atingir o limite físico do óxido de silício como dielétrico de porta na tecnologia metal oxide semiconductor (MOS). Formei uma rede de cooperação com laboratórios acadêmicos em quatro países diferentes e com laboratórios industriais, entre eles IBM, Motorola, Texas Instruments, Bell-Lucent. Atingimos o limite físico, 1 nm. A partir daí, toda a rede começou a trabalhar em um substituto para o óxido de silício, o que constituía a primeira mudança na tecnologia MOS, depois de quarenta anos. Houve uma convergência para o óxido de háfnio e, eventualmente, alguns óxidos duplos com base no háfnio. Este material se impôs, permitindo um aumento de velocidade de processamento e hoje é o utilizado como óxido de porta em processadores avançados. Ele permitiu a continuidade da lei de Moore que estava ameaçada. Esta área de pesquisa levou a formação de uma geração de ouro de doutores, todos em torno do óxido de porta, tema crucial para a micro e nanoeletrônica.  Muitos deles estão em atividade profissional em empresas industriais, tanto em tecnologia do silício como em outras atividades.  Finalmente, destaco a criação de um ambiente de pesquisa em Engenharia e Ciência dos Materiais e de um programa de pós-graduação nesta área. Comecei esta atividade com um único elemento: Caxias do Sul e região possuem um sem número de empresas industriais, pequenas, médias e grandes, necessitando de pesquisa e formação de recursos humanos. Só isso, mais nada. Então, a partir do zero, consegui reunir um punhado de jovens doutores bem formados e construir o ambiente de pesquisa desejado, com muitos excelentes laboratórios e um programa de pós-graduação bastante respeitável. O impacto disto no contexto industrial da região é notável e muito reconhecido.

Boletim da SBPMat: – Deixe uma mensagem para nossos leitores que estão iniciando suas carreiras de cientistas.

Israel Baumvol: – Sigam o coração e não as conveniências. Aproveitem o doutorado, pois esta é a melhor época da carreira: pesquisa criativa e livre de responsabilidades administrativas. Não hesitem em expor suas ideias. Ideias novas não são necessariamente más ideias. Usem o pós-doutorado para entrar em contato com o novo e inaudito. Não procurem um lugar que trabalha no mesmo assunto de suas teses de doutorado. Não hesitem em mudar de área, isto é muito estimulante e constitui um importante fator de progresso individual. Eu tenho pena dos profissionais que continuam trabalhando no assunto da tese de doutorado, dez ou vinte anos depois de terem concluído o mesmo. Pesquisa aplicada pode ser muito boa pesquisa. Livrem-se dos preconceitos, tanto faz se a pesquisa é fundamental, ou aplicada ou diretamente industrial. O que conta é a qualidade. A única distinção é entre pesquisa de boa qualidade ou de má qualidade.

Um aniversário na comunidade de pesquisa em Materiais: 10 anos do PGMAT – UCS.

Mutirão de professores, estudantes e funcionários para receber, através de uma janela desmontada, equipamentos para o Laboratório de Caracterização de Materiais I do PGMAT-UCS. Ano 2007. (Foto do acervo do PGMAT-UCS)

Este mês de agosto registra o 10º aniversário de um dos 31 programas de pós-graduação recomendados atualmente pela Capes dentro da Área de Materiais: o Programa de Pós-Graduação em Materiais (PGMAT) da Universidade de Caxias do Sul (UCS) – universidade comunitária presente em nove cidades do nordeste do Rio Grande do Sul, com sede em Caxias do Sul.

A história do PGMAT-UCS remonta-se ao ano de 2003, quando Israel Baumvol, físico e pesquisador da área de Materiais, foi convidado por autoridades da UCS a liderar a criação de um programa de pós-graduação nesse campo do conhecimento. Baumvol estava, na época, se aposentando de seu cargo de professor titular na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Em agosto de 2004, após realizar um processo seletivo que teve 85 inscritos para 15 vagas, o PGMAT-UCS iniciava as atividades de seu curso de mestrado recém aprovado pela CAPES com nota 3, sob a coordenação do professor Baumvol. O programa contava então com alguns laboratórios que já existiam na universidade e poucos professores com diploma de doutor, e oferecia o único curso de pós-graduação da universidade na área de Ciências Exatas e Engenharias.

Hoje com nota 5 na CAPES (conceito “muito bom”), o programa possui mais de 20 laboratórios e um corpo docente com 70% de bolsistas de produtividade. Desde 2012, o PGMAT oferece também um curso de doutorado, que tem atualmente 19 alunos.

No mesmo local da foto anterior, hoje funciona o Laboratório de Caracterização de Superfícies em Nanoescala. Frente à janela, um equipamento para análises pela técnica GDOES. (Foto do acervo PGMAT)

Outra conquista do programa foi a assinatura de um convênio com a Escola Europeia de Engenheiros em Engenharia de Materiais (EEIGM, na sigla em francês) para dupla diplomação em nível de mestrado. Duas mestras já se formaram com esse duplo diploma depois de realizar atividades acadêmicas na UCS e na EEIGM, sediada na cidade francesa de Nancy.

Quanto à produção científica, mais de 300 artigos foram publicados em periódicos internacionais pelos docentes e discentes do programa em seus 10 anos de existência.

Impacto da pesquisa na indústria

Desde o início, a equipe do PGMAT-UCS procurou a interação com empresas da região, embasada na afinidade que a Ciência e a Engenharia de Materiais têm com quase todos os segmentos industriais. Assim, já em 2003, os docentes da UCS envolvidos na criação do programa visitaram empresas de Caxias do Sul para levantar suas demandas.

Em várias oportunidades ao longo de sua história, o PGMAT-UCS pôde contar com recursos de empresas e entidades do setor industrial, principalmente, do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul (SIMECS), os quais complementaram as verbas públicas na compra de equipamentos para os laboratórios do programa.

Inauguração do Laboratório de Engenharia de Superfícies e Tratamentos Térmicos, realizada em 2007, contou com representantes da indústria. Ao microfone, o prof. Israel Baumvol, na época coordenador do PGMAT-UCS. (Foto do acervo da UCS)

Em seus 10 anos de existência, o PGMAT-UCS diplomou 90 mestres. Dentre eles, 45% trabalham em empresas da região, 10% são docentes universitários e 30% fazem ou fizeram doutorado.

Em alguns casos, os próprios trabalhos de mestrado foram fundamentais para o desenvolvimento de novos produtos na região. Esse foi o caso do Celtrav®, um material de alto desempenho para ser usado em molas e batentes, que compõe o portfólio de produtos da empresa Travi. Uma pesquisa de mestrado no PGMAT também foi importante no desenvolvimento de um revestimento para ornamentos utilizados em algumas linhas de calçados da fabricante Grendene. Segundo informações da empresa, cerca de 18 milhões de pares de calçados com esses enfeites foram comercializados em 2013.

Jovens empreendedores que fundaram empresas de base tecnológica a partir de trabalhos desenvolvidos no PGMAT também estão entre os estudantes e egressos do programa. A Plasmar Tecnologia, uma dessas empresas spin-off, atende hoje centenas de indústrias da região com tratamentos de superfície a plasma que melhoram o desempenho e a vida útil de moldes, matrizes e outras peças e componentes. O outro exemplo é a Fineza, empresa recém-lançada ao mercado, dedicada a fabricar e comercializar produtos de casa e cozinha com revestimentos decorativos que foram otimizados dentro de um trabalho de mestrado do programa.