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O artigo científico com participação de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é: Defect-Free Carbon Nanotube Coils. Nitzan Shadmi, Anna Kremen, Yiftach Frenkel, Zachary J. Lapin, Leonardo D. Machado, Sergio B. Legoas, Ora Bitton, Katya Rechav, Ronit Popovitz-Biro, Douglas S. Galvão, Ado Jorio, Lukas Novotny, Beena Kalisky, and Ernesto Joselevich. Nano Lett., 2016, 16 (4), pp 2152–2158. DOI: 10.1021/acs.nanolett.5b03417.
Nanotubos que se espiralam ao som de tango ou chorinho
Entre as numerosas aplicações que se vislumbram para os nanotubos de carbono, constam alguns dispositivos nanoeletrônicos que aproveitariam a excelente capacidade de conduzir a eletricidade que os diminutos tubos de grafeno podem apresentar. Para que os nanotubos tenham um bom desempenho em algumas aplicações desse tipo, um dos formatos mais adequados seria o espiralado, formado por um nanotubo único, com suas duas pontas livres de modo a poder fazer contato com outros componentes dentro de um dispositivo. Além disso, para não perder condutividade, a bobina de nanotubo deveria apresentar baixa densidade de defeitos estruturais.
Contudo, na prática, conseguir que tubinhos de 1 nm de diâmetro se enrolem em espirais sem gerar imperfeições e deixando suas pontinhas separadas do feixe não é tarefa simples para o ser humano.

Num artigo publicado na prestigiada revista Nano Letters, destacado na capa da edição de abril deste ano, uma equipe de 14 cientistas reportou a formação de espirais de nanotubos, sem defeitos e com pontas livres, a partir de um mecanismo de enrolamento espontâneo de nanotubos de carbono de parede única. O trabalho foi liderado por pesquisadores do Weizmann Institute of Science (Israel) e contou com participação de quatro cientistas de universidades brasileiras (Unicamp, UFMG e Universidade Federal de Roraima), do ETH Zürich (Suíça) e da israelense Bar-Ilan University.
A equipe dispôs nanopartículas de ferro sobre substratos de dióxido de silício e acrescentou um gás contendo carbono – uma combinação conhecida por promover o crescimento de longos nanotubos de parede única, que podem chegar a mais de 100 micrometros de altura. Os nanotubos crescem como árvores, de forma perpendicular ao substrato.
Nessas condições, os cientistas geraram uma série de nanotubos de carbono nas amostras, sendo que alguns deles se apresentaram espontaneamente em formato de espiral. Os autores analisaram as espirais de nanotubos por meio de microscopia eletrônica de varredura e de transmissão e de microscopia de força atômica, obtendo informações como o diâmetro, altura e quantidade de voltas das espirais. Usando a técnica de espectroscopia Raman, os autores continuaram investigando as espirais de nanotubos e concluíram que a concentração de defeitos estruturais era muito baixa e que o diâmetro e quiralidade dos nanotubos eram os mesmos ao longo de toda a espiral. As análises por Raman foram parcialmente realizadas na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) pelo professor Ado Jorio.
Para compreender o mecanismo de formação das espirais, a equipe apelou para simulações atomísticas de dinâmica molecular, que estudam os movimentos físicos de átomos e moléculas. Essas simulações foram dirigidas pelo professor Douglas Soares Galvão (Instituto de Física Gleb Wataghin- Unicamp) e realizadas pelo pós-doc Leonardo Dantas Machado, ex-orientando de Galvão, e pelo professor Sergio Benites Legoas (Universidade Federal de Roraima), ex-bolsista de pós-doutorado do grupo de Galvão. No IFGW – Unicamp, Douglas Galvão coordena um grupo de pesquisa especializado em simulação e modelagem computacional de propriedades de nanoestruturas, em especial envolvendo nanofios e nanotubos, que colabora frequentemente com grupos experimentais de diversos países. Por meio das simulações, o grupo consegue estudar, compreender e prever fenômenos que às vezes não conseguem ser diretamente visualizados ou experimentalmente acessados na escala de tempo em que ocorrem.
Em grandes linhas, as simulações realizadas mostraram que, depois de crescerem verticalmente, os nanotubos que tinham formado espirais começaram a se depositar de baixo para cima sobre o substrato formando uma primeira volta, como resultado da sua interação com o fluxo de gás de carbono e com o substrato. Depois desse passo inicial, os nanotubos continuaram a se depositar em formato de espiral, espontaneamente e com constância, completando até 74 voltas.
A equipe também investigou o desempenho das espirais como indutores (dispositivos espiralados ao longo dos quais passa corrente elétrica, gerando um campo magnético, também conhecidos como bobinas eletromagnéticas) – uma aplicação dos nanotubos que não tinha sido estudada até esse momento. As espirais de nanotubos do artigo da Nano Letters demonstraram que, apesar de altamente condutoras, não estão prontas ainda para serem usadas como indutores eficientes. Contudo, por meio da análise de seu comportamento elétrico e magnético, o artigo trouxe valiosas e novas informações que podem ser utilizadas no desenvolvimento de dispositivos indutores a partir de nanotubos.

De acordo com o professor Galvão, o trabalho publicado na Nano Letters é uma continuação de um projeto anterior sobre serpentinas de carbono, que envolveu seu grupo, o grupo de Israel, liderado por Ernesto Joselevich, e o professor Ado Jorio (UFMG). Esse primeiro trabalho também gerou um artigo destacado na capa de uma prestigiada revista, no caso, a Physical Review Letters (Dynamics of the Formation of Carbon Nanotube Serpentines, L. D. Machado, S. B. Legoas, J. S. Soares, N. Shadmi, A. Jorio, E. Joselevich, and D. S. Galvão, Phys. Rev. Lett. 110, 105502 – Published 8 March 2013).
A história da colaboração entre os brasileiros e o grupo de Israel, conta Galvão, começou em uma conferência na Espanha, na qual o brasileiro assistiu a uma apresentação de Joselevich sobre os nanotubos de carbono com formato de serpentina. “Eu achei o problema muito interessante”, diz Galvão. Por coincidência, os dois cientistas se encontraram novamente num evento brasileiro de física da matéria condensada e almoçaram juntos na companhia de Ado Jorio. Ali nasceu a colaboração. “Do ponto de vista de simulação, era um projeto bastante desafiador e difícil (além da necessidade de desenvolver novos protocolos especificamente para o problema, as simulações envolveram milhões de átomos), mas o Leonardo e o Legoas conseguiram resolver”, relata Galvão.
Além de consistentes do ponto de vista científico, as simulações ficaram interessantes do ponto de vista estético. A esse respeito, o professor Galvão compartilha uma anedota. “O Joselevich, que é argentino de nascimento, conhece bem o Brasil e a cultura brasileira. A primeira vez que ele viu as simulações das serpentinas, ele disse que se lembrou da música “Brasileirinho”. Nós fizemos umas versões dos vídeos incorporando o Brasileirinho como trilha musical e, em homenagem a ele, dentro da rivalidade Brasil-Argentina, outras com tangos. O Brasileirinho, ganha, claro”, brinca o professor.
Dois vídeos de nanotubos dançando e formando espirais podem ser acessados sem custo nas informações de apoio (supporting info) publicadas junto ao paper da Nano Letters: http://pubs.acs.org/

O mês de julho de 2008 foi talvez um dos mais gratificantes, até o momento, na trajetória profissional da cientista portuguesa Elvira Fortunato, e também um dos mais ocupados por entrevistas para a mídia. De fato, nesse mês ela soube que tinha vencido uma competição do Conselho de Pesquisa Europeu (ERC), ganhando um auxílio financeiro de 2,25 milhões de euros, o “Advanced Grant”, para realizar um projeto de eletrônica transparente. Intitulado “Invisible”, o projeto propunha o desenvolvimento de transístores transparentes, fabricados utilizando óxidos metálicos como componentes semicondutores, em vez do tradicional silício. Além de serem transparentes, esses materiais apresentam vantagens econômicas, ecológicas e de desempenho nos transístores.
Julho de 2008 foi também o mês da prolífera divulgação na web de uma inovação em escala mundial desenvolvida sob liderança de Elvira Fortunato no laboratório do Centro de Investigação de Materiais (CENIMAT), na Universidade Nova de Lisboa, campus de Caparica: o transístor de papel. Fortunato e sua equipe inseriram os componentes condutor e semicondutor do transístor em ambos os lados de lâminas de papel comum (de celulose vegetal), usando processos de fabricação simples, amigáveis com o meio ambiente e realizados a temperatura ambiente. Além de usar o papel como suporte, a equipe portuguesa inovou ao dar a esse material uma função ativa: a de atuar como componente isolante do transístor. Diferentemente dos transístores tradicionais baseados em silício, o transístor de papel da equipe portuguesa é flexível, reciclável, feito de material renovável e muito mais barato. Com essas características, abre inúmeras possibilidades de aplicação da “eletrônica de papel” (conceito cunhado por Fortunato e registrado por meio da marca Paper-e®), desde biossensores até embalagens inteligentes.

Elvira Fortunato começou a encantar-se pela ciência na infância ao ver uma célula de cebola num microscópio óptico. A paixão pela investigação científica se afirmou em 1987, quando Elvira, cursando o último ano da graduação em Engenharia Física e dos Materiais da Universidade de Nova Lisboa (UNL), teve a oportunidade de fazer parte da equipe de um laboratório de microeletrônica. Dando sequência a sua formação científica na UNL, Fortunato desenvolveu trabalhos de pesquisa sobre silício amorfo e obteve o título de mestre em materiais semicondutores (1991) e doutora em Ciência dos Materiais com especialização em microeletrônica e optoeletrônica (1995). Em 1991 iniciou sua carreira docente na UNL. Em 1998 assumiu a diretoria do CENIMAT, cargo que ocupa até o presente. Em 2012, tornou-se professora titular do Departamento de Ciência dos Materiais da Faculdade de Ciências e Tecnologia da universidade. Desde final de 2015, integra, junto a outros seis cientistas europeus de diversas áreas, o primeiro grupo de conselheiros científicos, dedicado a fortalecer as políticas da União Europeia para temas científicos, o High Level Group of Scientific Advice Mechanism.
Em umas três décadas de atividades de pesquisa, a cientista de materiais, cujo índice H é de 54 segundo o Google Scholar, teve cerca de 500 artigos publicados e mais de 50 patentes depositadas. Sua produção científica reúne mais de 14.000 citações.

Elvira Fortunato já recebeu dezenas de distinções de diversas entidades; entre elas, a Ordem do Infante D. Henrique, grau “grande oficial”, entregue pelo Presidente da República Portuguesa (2010). No que vai deste ano, a cientista já foi distinguida com dois importantes prêmios. Junto a seu marido, o cientista Rodrigo Martins, ficou entre os finalistas do European Inventor Award 2016, do escritório de patentes europeu, pela invenção do transistor de papel. Além disso, a pesquisadora foi distinguida pela Academia Europeia das Ciências (EURASC) com o prêmio Blaise Pascal Medal for Materials Science 2016, que também a torna fellow dessa academia.
No final de setembro próximo, Elvira Fortunato estará no Brasil, na cidade de Campinas (SP), no XV Brazil-MRS Meeting, proferindo uma palestra plenária. O tema será a eletrônica verde, conceito que abrange o desenvolvimento de componentes e dispositivos fabricados a partir de processos amigos do meio ambiente, usando materiais como a celulose produzida por bactérias, além dos óxidos metálicos, o papel comum e o papel nanoestruturado. Num exercício de imaginação, a palestrante mostrará algumas das inúmeras possibilidades de aplicações desses dispositivos verdes.
Segue uma mini entrevista com a cientista portuguesa.
Boletim da SBPMat: – Quais são, na sua avaliação, os principais resultados da investigação desenvolvida por você e seu grupo no campo da eletrônica invisível e da eletrônica de papel? Já há produtos no mercado ou protótipos? Patentes licenciadas? Conseguiram avanços nas técnicas de fabricação? Se quiser, compartilhe com nossos leitores referências de artigos ou patentes.
Elvira Fortunato: – Na área da electrónica transparente as aplicações mais imediatas são na área dos mostradores planos. A nova geração de mostradores vai passar a utilizar a tecnologia OLED em detrimento da LCD e os transístores de filme fino feitos à base de óxidos metálicos possuem um desempenho superior aos utilizados, razão pela qual passarão a substituir os actuais baseados em silício amorfo. Já há protótipos no mercado, em especial das empresas líderes nesta área como é o caso da SAMSUNG e LG.
Na área do papel electrónico, sendo uma área mais disruptiva, ainda não há produtos no mercado, contudo achamos que num horizonte a curto/médio prazo irá estar muito presente na área das embalagens inteligentes e na internet das coisas. Em termos de embalagens existem alguns protótipos, em especial nos países nórdicos, em embalagens para medicamentos.
Temos várias patentes nossas e outras em parceria com empresas, na área do papel electrónico e electrónica transparente.
Pode obter mais informações sobre electrónica transparente e electrónica de papel em:
Boletim da SBPMat: – Na sua opinião, quais são os próximos passos ou desafios para se chegar a uma eletrônica verde amplamente difundida?
Elvira Fortunato: – A investigação científica associada aos recentes desenvolvimentos tecnológicos estão a passar cada vez mais por uma forte consciencialização do meio ambiente e dos efeitos nefastos de que somos já vítimas neste momento, pelo que existe por parte da comunidade científica essa preocupação. Penso também que nessa área a conferência recente em Paris COP21 fez grandes avanços em especial com o “Acordo de Paris”, compromisso histórico assinado por 195 países no âmbito do Desenvolvimento Sustentável para 2030.
Boletim da SBPMat: – Deixe um convite ou mensagem sobre sua palestra plenária para os leitores que vão participar do XV Brazil-MRS Meeting.
Elvira Fortunato: – Caso estejam interessados em ver como é possível tornar os sonhos realidade, venham ver a palestra “Green electronics: a technology for a sustainable future”.
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Link para o resumo da plenária de Elvira Fortunato: http://sbpmat.org.br/15encontro/speakers/abstracts/4.pdf
A diretoria e o conselho da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Materiais (SBPMat) externam sua preocupação diante da falta de perspectivas para a ciência, tecnologia e inovação (CTI) no Brasil. O setor sofreu cortes profundos nos últimos anos, que ameaçam inviabilizar programas e projetos de pesquisa e desenvolvimento essenciais para a Nação. Não tem havido manifestação, por parte do governo, sobre a reversão desses cortes e garantia de um orçamento que possa minimamente manter o Brasil na trajetória ascendente das últimas décadas.
Ainda mais preocupante é a ausência de um plano estratégico para CTI, requisito fundamental para ajudar o Brasil a superar a grave crise que atravessamos. A fusão do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) com o Ministério das Comunicações, por exemplo, parece não obedecer a alguma lógica que nos permita antever a formulação de políticas públicas para alavancar o desenvolvimento econômico e social do Brasil.
No curtíssimo prazo, nossa sugestão é de que o governo recomponha os orçamentos e viabilize iniciativas em andamento das agências de fomento, como CAPES, CNPq e Finep, pois a interrupção ou diminuição de programas de CTI – ainda que por períodos curtos de tempo – podem trazer danos irreparáveis para o Brasil.
Na área em que mais concerne a nossa Sociedade Científica, o Brasil é um grande produtor de matérias primas e carece de investimentos suficientes em CTI para agregar valor aos produtos, constituir empresas de alta tecnologia e gerar empregos. Nunca é demais ressaltar que o conhecimento gerado nas ações de CTI é ingrediente indispensável para construirmos uma sociedade igualitária e desenvolvida que almejamos para nosso País.
SBPMat
Pesquisadores do Brasil foram distinguidos com o status de “Fellow, Biomaterials Science and Engineering” (FBSE) pela União Internacional de Sociedades de Biomateriais (World’s Biomaterials Societies). O título honorário representa um reconhecimento à excelência na atuação profissional e às realizações conseguidas na área da Ciência e Engenharia de Biomateriais. Os novos fellows passam a integrar um colegiado internacional junto a cerca de 300 pesquisadores, empenhado em fortalecer e divulgar a área de Biomateriais. A honraria foi outorgada numa cerimônia durante a abertura do 10th World Biomaterials Congress, que ocorreu em Montréal (Canada) neste mês de maio.
Um dos novos FBSE do Brasil é o professor Carlos Roberto Grandini (UNESP campus Bauru), membro do Conselho Deliberativo da SBPMat e 1º vice-presidente da Sociedade Latino Americana de Biomateriais e Órgãos Artificiais (SLABO). Grandini recebeu o título honorário por suas contribuições no campo dos biomateriais metálicos e por sua liderança na comunidade científica latino-americana. Além de Grandini, tornaram-se fellows os pesquisadores brasileiros Aron Jose Pazin de Andrade (Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia), Luís Alberto Loureiro dos Santos (UFRGS) e Marivalda de Magalhaes Pereira (UFMG).

É com profundo pesar que a SBPMat comunica o falecimento do Prof. José Arana Varela, do Instituto de Química da Unesp de Araraquara, no dia 17/05/2016. O Prof. Varela foi um dos fundadores da SBPMat, e seu presidente no período de 2010 a 2011.
A SBPMat se solidariza com a família do Prof. Varela, num dia triste em que a ciência brasileira fica sem um de seus expoentes.
Diretoria da SBPMat
Links relacionados :
O artigo científico com participação de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é: Electronic localization and bad-metallicity in pure and electron-doped troilite: A local-density-approximation plus dynamical-mean-field-theory study of FeS for lithium-ion batteries. Craco, L; Faria, JLB. J. Appl. Phys. 119, 085107 (2016); http://dx.doi.org/10.1063/1.4942843
Virtudes de um metal ruim

Por apresentarem uma série de vantagens, baterias recarregáveis de íon-lítio são os dispositivos de armazenamento de energia elétrica mais encontrados nos eletrônicos portáteis (smartphones, tablets, laptops…). Além disso, essas baterias apresentam bom potencial para uso em carros elétricos, entre outras aplicações.
Motivado pela potencialidade dos sulfetos de ferro (FeS) para uso em eletrodos de baterias recarregáveis de íon-lítio de próxima geração, Luis Craco, professor do Instituto de Física da Universidade Federal de Mato Grosso (IF-UFMT), empreendeu, junto a seu colega Jorge Luiz Brito de Faria, um estudo teórico sobre o comportamento da troilite (uma fase do sulfeto de ferro que é isolante a temperatura e pressão ambiente) dopada com íons de lítio.
No estudo, Craco e seu colaborador buscaram compreender o que acontecia na troilite depois da dopagem eletrônica – um procedimento que pode transformar um isolante em semicondutor ou em metal ruim por meio da inserção de átomos (no caso, íons de lítio) que promovem uma reorganização na estrutura do material, introduzindo elétrons nela.

O trabalho começou com uma série de cálculos de primeiros princípios baseados na teoria da densidade funcional (DFT) realizados pelo autor Jorge Faria. Esses cálculos utilizam dados de estrutura cristalina obtidos experimentalmente. A seguir, Luis Craco efetuou um estudo detalhado, mediante cálculos baseados na teoria de campo médio dinâmico (DMFT), do efeito das correlações eletrônicas entre elétrons em diferentes orbitais (regiões em volta do núcleo de um átomo nas quais um elétron tem chance de estar presente). Nessas correlações, uma mudança experimentada por um elétron de um orbital provoca uma mudança relacionada em outro elétron de outro orbital. Elétrons correlacionados atuam coordenadamente, apesar de estarem espacialmente separados. “Cabe lembrar que a descrição teórica introduzida neste trabalho é totalmente nova no contexto da troilite e seus derivados, bem como em outros compostos contendo o ferro e o enxofre como elementos constituintes básicos”, diz Luis Craco.
Em artigo recentemente publicado no Journal of Applied Physics, os professores da UFMT reportaram uma descrição das propriedades eletrônicas e de transporte na troilite dopada e mostraram que o material apresenta comportamentos não-convencionais. De fato, apesar de que o sulfeto de ferro se mantem isolante inclusive tendo altas concentrações de lítio, as simulações computacionais da dupla mostraram que nele emergem estados metálicos após alta dopagem eletrônica. Nesse estado próximo à transição isolante – metal, o material pode ser classificado como isolante de Mott. Além disso, os autores constataram que os estados metálicos emergiam apenas em determinados orbitais atómicos, o que constitui um comportamento de “metal ruim’; ou seja, um comportamento diferente daquele que se espera de um metal dentro de teorias consolidadas na Física.
Ser um metal ruim, contudo, não implica ser banido do universo das aplicações. Muito pelo contrário, de acordo com o artigo, o comportamento incoerente dos elétrons no sulfeto de ferro dopado pode ser aproveitado para chegar a efeitos ópticos e de transporte não convencionais sem sair da temperatura e pressão ambiente.
“Este trabalho faz parte de um esforço continuado envolvendo vários pesquisadores no Brasil e no exterior, o qual tem por objetivo demonstrar claramente que sistemas com elétrons correlacionados representam uma classe importante de materiais para aplicações tecnológicas variadas”, comenta o professor Craco.
“Agora nós esperamos que a comunidade científica, relacionada à física de sistemas de elétrons correlacionados e/ou física de materiais, por exemplo, tome conhecimento do nosso estudo e resultados, e possa num futuro próximo corroborar a nossa descrição teórica das propriedades eletrônicas e de transporte não convencional na troilite dopada com elétrons, consolidando assim a relevância do nosso estudo para futuras aplicações da troilite e seus derivados no armazenamento de energia renovável ou na geração de novas fases eletrônicas não convencionais tipo não-líquidos de Fermi com grande apelo cientifico e tecnológico contemporâneo”, conclui Craco.
A pesquisa contou com financiamento do CNPq.
Há 16 anos, nos Estados Unidos, o físico brasileiro Ado Jorio de Vasconcelos, em estágio de pós-doutorado no Massachusetts Institute of Technology (MIT) no grupo da professora Mildred Dresselhaus, encabeçava um trabalho que geraria o primeiro resultado bem-sucedido da aplicação da Óptica, mais precisamente da espectroscopia Raman, na caracterização individual de nanotubos de carbono – cujas paredes, vale lembrar, têm apenas 1 átomo de espessura e cujo diâmetro costuma ser de 1 nanometro. Uma olhada no site do MIT, na página da professora Mildred, que vem estudando nanoestruturas de carbono no MIT há mais de 50 anos, reforça a relevância do trabalho realizado junto ao brasileiro: 5 das 6 publicações selecionadas pela professora emérita têm coautoria dele.
Quando começou o pós-doc, Ado Jorio tinha 28 anos de idade e acabava de obter o diploma de doutor em Física pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com uma tese sobre transições de fase em sistemas incomensuráveis, realizada com orientação do professor Marcos Assunção Pimenta. Antes disso, graduara-se em Física, também pela UFMG, depois de cursar 3 anos de Engenharia Elétrica.
Finalizado o pós-doutorado no MIT, Jorio voltou à UFMG ao ser aprovado em concurso público, tornando-se professor adjunto da universidade em 2002. De 2007 a 2009 ocupou um cargo no Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) para realizar atividades relacionadas ao desenvolvimento da nanometrologia. Em 2010, tornou-se professor titular da UFMG e, no mesmo ano, assumiu, até 2012, a direção da Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica da universidade. Em 2013, esteve no ETH Zurich (Suíça) como professor visitante, realizando atividades docentes e de pesquisa. Em agosto deste ano, assumiu a direção da Pró-Reitoria de Pesquisa da UFMG.
Desde 2002, Jorio vem ampliando o tema de seu trabalho de pós-doutorado. O cientista mineiro tem realizado pesquisa em Óptica e desenvolvimento de instrumentação científica, visando ao estudo de nanoestruturas de carbono com aplicações muito diversas. Um exemplo dessa diversidade é um trabalho do qual Jorio participa, no qual técnicas do campo da Nanotecnologia são utilizadas para compreender detalhes da composição da “terra preta de índio”, um solo de altíssima fertilidade e capacidade de sequestrar carbono, encontrado em locais antigamente habitados por índios na Amazônia brasileira.
Atualmente, Jorio é dono de um dos índices H mais altos entre os cientistas do Brasil: 74, segundo o Google Scholar. Ele é também um dos pesquisadores mais citados no mundo, como atesta a inclusão de seu nome na mais recente lista internacional da Thomson Reuters, que destacou, dentre todos os artigos científicos indexados entre 2003 e 2013, o 1% de papers mais citados em cada área do conhecimento. Jorio é autor de mais de 180 artigos científicos e de 20 livros ou capítulos de livros, além de 8 pedidos de patente. De acordo com o Google Scholar, suas publicações reúnem mais de 30 mil citações.
Suas contribuições receberam uma série de reconhecimentos de prestigiadas entidades, como o Somiya Award da International Union of Materials Research Societies em 2009; o ICTP Prize do Abdus Salam International Centre for Theoretical Physics em 2011, e o Georg Forster Research Award da Humboldt Foundation em 2015, entre muitas outras distinções nacionais e internacionais.
No XV Encontro da SBPMat, Ado Jorio proferirá uma palestra plenária sobre um tema no qual é um dos principais especialistas do mundo, o uso de espectroscopia Raman para o estudo de nanoestruturas de carbono. O cientista brasileiro falará sobre a evolução que a técnica experimentou até chegar na escala nano. E promete revelar alguns truques que possibilitam o uso da luz, cujo comprimento de onda é de, no mínimo, centenas de nanometros, como sonda para investigar estruturas de apenas alguns nanometros.
Veja nossa entrevista com este membro da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais e plenarista do nosso evento anual.
Boletim da SBPMat: – Conte-nos o que o levou a se tornar um cientista e a trabalhar na área de Materiais.
Ado Jorio: – O caminho foi tortuoso! Entrei na universidade para cursar engenharia elétrica. Na época tocava em uma banda de rock progressivo, e procurei iniciação científica na área de música. Fui orientado a conversar com um professor do departamento de física, que gostava de música, estudava acústica e materiais. Aí começou minha trajetória, que acabou na ciência dos materiais.
Boletim da SBPMat: – Quais são, na sua própria avaliação, as suas principais contribuições à área de Materiais.
Ado Jorio: – Diria que são duas principais. A primeira, na área de nanotubos de carbono, demonstrei que a óptica poderia ser levada ao nível de nanotubos isolados. Isso abriu um campo de pesquisas muito amplo, porque os nanotubos podem ser de vários tipos, dependendo do seu diâmetro e quiralidade. Antes deste trabalho, as pessoas estudavam nanotubos. Após este trabalho, as pessoas passaram a estudar tipos específicos de nanotubos. Seria equivalente a dizer que pesquisadores estudavam o átomo, e se deram conta de que existem diversos tipos de átomos. O artigo que foi marco desta descoberta foi o [PRL86, 1118 (2001)]. A segunda contribuição foi o avanço da óptica para o estudo de nanoestruturas de carbono, de forma mais ampla. Trabalhei em diversas frentes, desde a instrumentação científica, para medidas ópticas abaixo do limite de difração, até o estudo e caracterização de defeitos, abordagem de materiais de interesse em ciências do solo, biotecnologia, biomedicina. Algumas referências importantes são os livros “Raman Spectroscopy in Graphene Related Systems” e “Bioengineering Applications of Carbon Nanostructures”.
Boletim da SBPMat: – Sempre convidamos os entrevistados desta seção do boletim a deixarem uma mensagem para os leitores que estão iniciando suas carreiras científicas. Muitos desses leitores provavelmente almejam conseguir um dia um índice H como o seu. O que você diria a eles?
Ado Jorio: – Faça um grande esforço para participar de conferências, e faça excelentes apresentações, sempre! A ciência é um debate e você tem que ser ouvido. Nunca repita uma mesma apresentação. Cada público pede um foco. É certo que este conselho depende de financiamento, mas desde o início da minha carreira, sempre gastei dinheiro do meu salário financiando minhas viagens, e ainda faço isso.
Boletim da SBPMat: – Deixe uma mensagem ou convite para sua palestra plenária aos leitores que participarão do XV Encontro da SBPMat.
Ado Jorio: – Depois de tudo o que foi dito acima, e considerando que título e resumo estarão disponíveis, só me resta já deixar aqui, de prontidão, meu agradecimento àqueles que me prestigiarem com sua presença. Será uma honra ter os colegas no auditório.
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Link para o resumo da plenária de Ado Jorio, intitulada “Innelastic light scattering in carbon nanostructures: from the micro to the nanoscale”: http://sbpmat.org.br/

O professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Edgar Dutra Zanotto, um dos fundadores da SBPMat e pesquisador na área de Materiais há cerca de 40 anos, foi eleito fellow da American Ceramic Society (ACerS) – uma distinção outorgada anualmente a alguns poucos sócios.
O status de fellow é um reconhecimento dado a um sócio por seus pares da ACerS. De fato, os fellows da ACerS são escolhidos entre os quase 10.000 sócios da sociedade, localizados em cerca de 70 países, num processo de indicação e eleição do qual participam sócios, fellows e, na aprovação final, diretores da ACerS. Para ser eleito fellow, o sócio deve ter feito contribuições notáveis à ciência ou arte da cerâmica. No caso dos cientistas que atuam no meio acadêmico, a produção científica e tecnológica é um dos principais pontos considerados na eleição.
O professor Zanotto conta atualmente com mais de 5.500 citações e um índice H de 40, segundo o Google Scholar. Entre outras posições que ocupa, é diretor do Center for Research, Technology and Education in Vitreous Materials (CeRTEV) e editor do Journal of Non-Crystalline Solids.
A eleição dos novos fellows da ACerS será comemorada no banquete de prêmios e distinções do 118 º encontro anual da sociedade, no dia 24 de outubro deste ano em Salt Lake City, Utah, nos Estados Unidos.
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