Artigo em destaque: Controlando as propriedades eletrônicas de grafeno sobre carbeto de silício.

O artigo científico de autoria de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é: Graphene on the oxidized SiC surface and the impact of the metal intercalation. J.E.Padilha, R.B.Pontes, F. Crasto de Lima, R. Kagimura, R. H. Miwa. Carbon, Volume 145, April 2019, Pages 603-613.

Controlando as propriedades eletrônicas de grafeno sobre carbeto de silício

Um estudo baseado em simulações realizadas em supercomputadores por uma equipe científica brasileira aponta um caminho para superar o desafio de controlar as propriedades eletrônicas do grafeno. Soluções a esse desafio podem fazer a diferença no desenvolvimento de dispositivos eletrônicos bidimensionais – dimensão na qual o grafeno, rede de átomos de carbono de um átomo de espessura, se destaca pelas suas propriedades.

De fato, o grafeno é um material extremamente resistente, leve, flexível e transparente. Além disso, ele é um excelente condutor do calor e da eletricidade. Contudo, ainda é difícil controlar no grafeno a concentração e o fluxo de cargas elétricas, o que limita seu uso na eletrônica.

Soluções para driblar essa limitação tecnológica do grafeno vêm sendo propostas. Algumas delas se baseiam na inserção de pequenas proporções de átomos metálicos que modulam as propriedades eletrônicas do material sem prejudicar as outras características. O método é semelhante à dopagem do silício, cotidianamente praticada na fabricação de semicondutores para a indústria eletrônica.

Representação do sistema estudado: folha de grafeno sobre substrato de carbeto de silício oxidado com camada de átomos metálicos (no caso, ouro) intercalados.
Representação do sistema estudado: folha de grafeno sobre substrato de carbeto de silício oxidado com camada de átomos metálicos (no caso, ouro) intercalados.

Recentemente reportado no periódico científico Carbon (fator de impacto 7,466), o trabalho da equipe brasileira investigou a estrutura e as propriedades eletrônicas de uma folha de grafeno sobre um substrato de carbeto de silício (SiC) – material frequentemente usado para depositar ou fazer crescer grafeno. Nesse sistema, o grafeno se mantém unido ao substrato sem ligações químicas, por meio de forças de atração fracas e dependentes da distância, chamadas de forças de Van der Waals.

Dado que, na produção de grafeno, a presença de oxigênio costuma oxidar a superfície do carbeto de silício, os cientistas brasileiros incluíram nas simulações uma camada de óxido de silício entre o grafeno e o substrato. Finalmente, com o objetivo de compreender detalhadamente o efeito da inserção de átomos metálicos em materiais desse tipo, os cientistas acrescentaram ao sistema, nas simulações, uma camada de átomos de ouro ou alumínio, embutida na camada de óxido (no caso, Si2O5), na região da interface com o grafeno.

Por meio das simulações, os pesquisadores constataram que a presença da camada metálica modula a concentração dos portadores de cargas positivas (os chamados buracos) e negativas (os elétrons), tanto na folha de grafeno quanto no Si2O5. Além disso, os átomos de ouro e alumínio embutidos no Si2O5, que é semicondutor, induzem a formação de regiões condutoras na superfície dessa camada, nas quais se concentra o excesso de elétrons ou de buracos induzido pela presença do ouro ou do alumínio, respectivamente. Como resultado, formam-se, na superfície do Si2O5, canais condutores pelos quais fluem as cargas.

Esta série de mapas bidimensionais mostra as concentrações de elétrons e buracos na folha de grafeno nos dois sistemas de grafeno sobre a superfície de carbeto de silício terminado em Si [(a) e (c)] e terminado em C [(b) e (d)]; na presença de uma monocamada de alumínio [(a) e (b)] e o outro contendo uma camada de ouro [(c) e (d)].
Esta série de mapas bidimensionais mostra as concentrações de elétrons e buracos na folha de grafeno nos dois sistemas de grafeno sobre a superfície de carbeto de silício terminado em Si [(a) e (c)] e terminado em C [(b) e (d)]; na presença de uma monocamada de alumínio [(a) e (b)] e o outro contendo uma camada de ouro [(c) e (d)].
Finalmente, a equipe comprovou que o efeito da “dopagem” (a mudança na concentração de elétrons e buracos) pode ser potencializado mediante a aplicação de um campo elétrico externo, perpendicular à interface entre o grafeno e o substrato.

A partir dessas evidências, que foram obtidas, principalmente, por meio de simulações computacionais baseadas na Teoria do Funcional da Densidade, o trabalho sugere um caminho para controlar a concentração e o fluxo de cargas elétricas em folhas de grafeno sobre substratos de carbeto de silício. O estudo também mostra que o sistema estudado (folha de grafeno sobre carbeto de silício oxidado com camada metálica intercalada) pode ser uma boa plataforma para fazer engenharia de propriedades eletrônicas.

“A principal contribuição do trabalho é mostrar uma forma eficiente de controlar as propriedades eletrônicas do grafeno sobre uma superfície sólida recoberta com uma camada metálica, mediante a aplicação de um campo elétrico externo”, diz o professor Roberto Hiroki Miwa (Universidade Federal de Uberlândia, UFU), autor correspondente do artigo da Carbon. “Mostramos que, além de controlar o nível de dopagem do grafeno, o que é fundamental para desenvolvimento de dispositivos eletrônicos em sistemas bidimensionais (2D), a presença da monocamada metálica permite a formação de canais condutores na superfície do carbeto de silício”, completa. De acordo com Miwa, o estudo pode contribuir para o desenvolvimento de sensores, transistores e outros dispositivos eletrônicos mais rápidos e precisos quanto ao transporte de carga e a emissão de sinais.

O início do trabalho foi motivado pelo interesse dos professores da UFU Roberto Hiroki Miwa e Ricardo Kagimura em entender as interfaces grafeno/óxidos no nível atômico. O foco do estudo foi amadurecendo conforme os autores se aprofundavam na literatura científica. À medida que o volume e complexidade dos cálculos foram aumentando, a dupla envolveu novos colaboradores: um estudante do doutorado em Física da UFU (Felipe David Crasto de Lima) e professores de outras instituições (José Eduardo Padilha de Sousa, da Universidade Federal do Paraná – campus Jandaia do Sul, e Renato Borges Pontes, da Universidade Federal de Goiás).

Os autores do artigo. A partir da esquerda: J. E. Padilha, R. B. Pontes, F. Crasto de Lima, R. Kagimura, R. H. Miwa.
Os autores do artigo. A partir da esquerda: J. E. Padilha, R. B. Pontes, F. Crasto de Lima, R. Kagimura, R. H. Miwa.

Para realizar os cálculos que embasam as simulações, os autores utilizaram recursos computacionais do Centro Nacional de Processamento de Alto Desempenho em São Paulo (CENAPD) e do supercomputador SDumont do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC). O trabalho contou com financiamento das agências federais CNPq e CAPES e da estadual FAPEMIG (Minas Gerais).

Artigo em destaque: Sondando elétrons de compostos actinídeos.

O artigo científico com participação de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é: “Unraveling 5f-6dhybridization in uraniumcompounds via spin-resolved L-edge spectroscopy”. R. D. dos Reis, L. S. I. Veiga, C. A. Escanhoela Jr., J. C. Lang, Y. Joly, F. G. Gandra, D. Haskel & N. M. Souza-Neto. Nature Communications 8:1203 (2017). DOI: 10.1038/s41467-017-01524-1. Link: https://www.nature.com/articles/s41467-017-01524-1

Sondando elétrons de compostos actinídeos

box orbitais e bordasUma equipe liderada por pesquisadores do Brasil conseguiu desvendar detalhes da distribuição dos elétrons em materiais baseados em actinídeos (grupo de 15 elementos químicos, radiativos, cujos números atômicos vão do 89 ao 103).

O grupo de cientistas desenvolveu um método experimental que permitiu realizar uma sondagem única dos orbitais 5f e 6d e de sua hibridização em materiais baseados em urânio (um dos elementos actinídeos mais abundantes na crosta terrestre). Dessa maneira, a equipe pôde demonstrar, por exemplo, que a hibridização 5f-6d determina as propriedades magnéticas dos materiais estudados. O trabalho deixou como legado um sistema experimental para pesquisas em materiais magnéticos diversos (metais 3d, terras raras, actinídeos e outros), disponível para uso da comunidade científica no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS).

O estudo foi reportado em artigo recentemente publicado na Nature Communications (fator de impacto 12,124). “Nesse artigo publicado na revista Nature Communications, nós demonstramos o uso da técnica de dicroísmo circular magnético (XMCD) na borda L do urânio para sondar diretamente os orbitais 6d e 5f e também o seu grau de hibridização, ao invés de apenas sondar os orbitais 5f como é o caso de bordas M de absorção de actinídeos”, detalha o autor correspondente do artigo, Narcizo Marques de Souza Neto, professor colaborador da UNICAMP e pesquisador no LNLS.

Para poderem sondar os orbitais dos compostos de urânio, principalmente o UCu2Si2 e o UMn2Si2, os cientistas tiveram que driblar as dificuldades de manipular os materiais, devidas à sua toxicidade. Além disso, precisaram fazer uma série de ajustes na técnica de XMCD de altas energias para melhorar a sensibilidade da técnica (estender seus limites de detecção).

Esses desenvolvimentos foram inicialmente realizados na linha DXAS do LNLS, dedicada a técnicas de absorção de raios X. Atualmente, a instrumentação de XMCD faz parte da linha XDS do LNLS, dedicada a difração e espectroscopia de raios X, onde está sendo usada e aprimorada. Futuramente, a técnica poderá ser aproveitada no Sírius (a nova fonte de luz síncrotron, de última geração, que está sendo construída em Campinas), mais precisamente na linha EMA, que será dedicada a técnicas de raios X sob condições extremas de pressão e temperatura. Segundo Souza-Neto, que coordena tanto a linha XDS quanto o projeto da EMA, as condições para estudos de actinídeos e materiais similares por XMCD serão inigualáveis no Sírius.

Além de avançar no conhecimento sobre actinídeos, a pesquisa demonstrou a potencialidade da técnica de XMCD aprimorada pela equipe brasileira para continuar desvendando as características desses elementos ainda pouco estudados experimentalmente. Uma compreensão mais profunda dos actinídeos, diz Souza-Neto, é necessária para propor novos usos para esses elementos, e também para poder utilizá-los de forma mais eficiente em aplicações existentes, como, por exemplo, a geração de energia, o diagnóstico e tratamento de doenças e a produção de vidros especiais.

A história do trabalho

Foto dos pesquisadores Ricardo dos Reis (esquerda) e Narcizo Souza-Neto (direita), autores principais do artigo. Entre eles, na tela, o desenho da linha de luz EMA do Sirius aonde esses experimentos poderão ser realizados de forma altamente otimizada.
Foto dos pesquisadores Ricardo dos Reis (esquerda) e Narcizo Souza-Neto (direita), autores principais do artigo. Entre eles, na tela, o desenho da linha de luz EMA do Sirius aonde esses experimentos poderão ser realizados de forma altamente otimizada.

A gênese do trabalho se remonta ao ano 2009, quando Souza-Neto estava estudando estrutura eletrônica e magnetismo de terras raras durante seu pós-doutorado no Argonne National Laboratory, nos Estados Unidos. “Eu tive a ideia de expandir para compostos actinídeos o estudo que fizemos em terras raras (Souza-Neto et al., Phys. Rev. Lett. 102, 057206 (2009)) usando XMCD para sondar uma transferência de carga nos orbitais 4f e 5d”, relata o pesquisador. Procurando materiais com características similares, o pesquisador se deparou com compostos de urânio. “Tentamos iniciar esse estudo ainda em Argonne, porém, as condições para essa realização lá não nos permitiram ter êxito como esperávamos”, conta ele. O professor voltou ao Brasil em 2010 como pesquisador do CNPEM, com o desejo de dar continuidade a essa iniciativa. Assim, em 2011, Souza-Neto começou a orientar a pesquisa de doutorado de Ricardo Donizeth dos Reis, sobre esse assunto, junto ao co-orientador Flávio César Guimarães Gandra professor da Unicamp, com quem já tinha colaborado anteriormente.

As amostras de compostos de urânio foram preparadas e caracterizadas no Laboratório de Metais e Ligas da Unicamp, coordenado pelo professor Gandra, onde já havia experiência em pesquisa com materiais actinídeos e terras raras. Os experimentos de espectroscopia de absorção de raios X foram realizados no Advanced Photon Source de Argonne e no LNLS. “Todos os experimentos nas bordas L do urânio, que compõem a principal contribuição inovadora deste trabalho, foram realizados no LNLS”, detalha Souza-Neto. “Em Argonne foram realizados os experimentos na borda M do urânio para sondar a contribuição dos orbitais 5f de forma isolada e corroborar a nossa interpretação dos resultados”, completa. Além disso, a equipe brasileira contou com a participação de um pesquisador da França nas simulações teóricas realizadas para a interpretação dos dados.

A pesquisa foi realizada com recursos financeiros da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo; da agência federal brasileira Capes; do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil, e do Escritório de Ciência do Departamento de Energia dos Estados Unidos.

 

Artigo em destaque: Virtudes de um metal ruim.

O artigo científico com participação de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é: Electronic localization and bad-metallicity in pure and electron-doped troilite: A local-density-approximation plus dynamical-mean-field-theory study of FeS for lithium-ion batteries. Craco, L; Faria, JLB. J. Appl. Phys. 119, 085107 (2016); http://dx.doi.org/10.1063/1.4942843

Virtudes de um metal ruim

Imagem computacional da estrutura cristalina da troilite (FeS) com inserção de íons de lítio. A produção da imagem, que foi elaborada pelo professor Jorge Faria para ilustrar esta matéria, começou com a modelagem da troilite pura. Posteriormente foram feitas análises numéricas por meio de aproximação de densidade local (LDA) utilizando métodos baseados na teoria da densidade funcional (DFT) para obter os parâmetros de rede com diferentes concentrações de lítio e observando a sua posição mais estável na célula unitária.

Por apresentarem uma série de vantagens, baterias recarregáveis de íon-lítio são os dispositivos de armazenamento de energia elétrica mais encontrados nos eletrônicos portáteis (smartphones, tablets, laptops…). Além disso, essas baterias apresentam bom potencial para uso em carros elétricos, entre outras aplicações.

Motivado pela potencialidade dos sulfetos de ferro (FeS) para uso em eletrodos de baterias recarregáveis de íon-lítio de próxima geração, Luis Craco, professor do Instituto de Física da Universidade Federal de Mato Grosso (IF-UFMT), empreendeu, junto a seu colega Jorge Luiz Brito de Faria, um estudo teórico sobre o comportamento da troilite (uma fase do sulfeto de ferro que é isolante a temperatura e pressão ambiente) dopada com íons de lítio.

No estudo, Craco e seu colaborador buscaram compreender o que acontecia na troilite depois da dopagem eletrônica – um procedimento que pode transformar um isolante em semicondutor ou em metal ruim por meio da inserção de átomos (no caso, íons de lítio) que promovem uma reorganização na estrutura do material, introduzindo elétrons nela.

Cluster de alta performance computacional do IF-UFMT: a possibilidade de processamentos paralelos encurtou o tempo necessário para fazer os cálculos.

O trabalho começou com uma série de cálculos de primeiros princípios baseados na teoria da densidade funcional (DFT) realizados pelo autor Jorge Faria. Esses cálculos utilizam dados de estrutura cristalina obtidos experimentalmente. A seguir, Luis Craco efetuou um estudo detalhado, mediante cálculos baseados na teoria de campo médio dinâmico (DMFT), do efeito das correlações eletrônicas entre elétrons em diferentes orbitais (regiões em volta do núcleo de um átomo nas quais um elétron tem chance de estar presente). Nessas correlações, uma mudança experimentada por um elétron de um orbital provoca uma mudança relacionada em outro elétron de outro orbital. Elétrons correlacionados atuam coordenadamente, apesar de estarem espacialmente separados. “Cabe lembrar que a descrição teórica introduzida neste trabalho é totalmente nova no contexto da troilite e seus derivados, bem como em outros compostos contendo o ferro e o enxofre como elementos constituintes básicos”, diz Luis Craco.

Em artigo recentemente publicado no Journal of Applied Physics, os professores da UFMT reportaram uma descrição das propriedades eletrônicas e de transporte na troilite dopada e mostraram que o material apresenta comportamentos não-convencionais. De fato, apesar de que o sulfeto de ferro se mantem isolante inclusive tendo altas concentrações de lítio, as simulações computacionais da dupla mostraram que nele emergem estados metálicos após alta dopagem eletrônica. Nesse estado próximo à transição isolante – metal, o material pode ser classificado como isolante de Mott. Além disso, os autores constataram que os estados metálicos emergiam apenas em determinados orbitais atómicos, o que constitui um comportamento de “metal ruim’; ou seja, um comportamento diferente daquele que se espera de um metal dentro de teorias consolidadas na Física.

Ser um metal ruim, contudo, não implica ser banido do universo das aplicações. Muito pelo contrário, de acordo com o artigo, o comportamento incoerente dos elétrons no sulfeto de ferro dopado pode ser aproveitado para chegar a efeitos ópticos e de transporte não convencionais sem sair da temperatura e pressão ambiente.

“Este trabalho faz parte de um esforço continuado envolvendo vários pesquisadores no Brasil e no exterior, o qual tem por objetivo demonstrar claramente que sistemas com elétrons correlacionados representam uma classe importante de materiais para aplicações tecnológicas variadas”, comenta o professor Craco.

“Agora nós esperamos que a comunidade científica, relacionada à física de sistemas de elétrons correlacionados e/ou física de materiais, por exemplo, tome conhecimento do nosso estudo e resultados, e possa num futuro próximo corroborar a nossa descrição teórica das propriedades eletrônicas e de transporte não convencional na troilite dopada com elétrons, consolidando assim a relevância do nosso estudo para futuras aplicações da troilite e seus derivados no armazenamento de energia renovável ou na geração de novas fases eletrônicas não convencionais tipo não-líquidos de Fermi com grande apelo cientifico e tecnológico contemporâneo”, conclui Craco.

A pesquisa contou com financiamento do CNPq.

Artigo em destaque. Espalhamento de elétrons e buracos em grafeno: efeito do oxigênio evidenciado.

O artigo científico de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é:

Ive Silvestre, Evandro A. de Morais, Angelica O. Melo, Leonardo C. Campos, Alem-Mar B. Goncalves, Alisson R. Cadore, Andre S. Ferlauto, Helio Chacham, Mario S. C. Mazzoni, and Rodrigo G. Lacerda. Asymmetric Effect of Oxygen Adsorption on Electron and Hole Mobilities in Bilayer Graphene: Long- and Short-Range Scattering Mechanisms. ACS Nano, 2013, 7 (8), pp 6597–6604. DOI: 10.1021/nn402653b.

Texto de divulgação

Espalhamento de elétrons e buracos em grafeno: efeito do oxigênio evidenciado

Um trabalho sobre propriedades eletrônicas do grafeno totalmente desenvolvido no Brasil com a participação de dez pesquisadores brasileiros rendeu um artigo publicado na prestigiosa revista ACS Nano.

A equipe investigou a mobilidade de portadores de carga no grafeno bicamada. No grafeno, o movimento tanto dos elétrons quanto dos “buracos” (partículas conceituais de carga positiva que equivalem à ausência de elétrons na rede cristalina) podem gerar correntes elétricas no material. Porém, a mobilidade de elétrons e buracos pode ser afetada pela existência de centros espalhadores de cargas. “O entendimento dos mecanismos de espalhamento de cargas no transporte elétrico do grafeno é fundamental para uma melhor otimização e eficiência dos dispositivos eletrônicos baseados neste material”, contextualiza Rodrigo Lacerda, professor do Departamento de Física da Universidade Federal de Minas Gerais e último autor do artigo. “Nesse contexto, a principal contribuição do nosso trabalho está relacionada à identificação simultânea de dois diferentes tipos de centros espalhadores de cargas que afetam o transporte elétrico em uma bicamada de grafeno”, precisa o professor.

Visando aplicar o grafeno em sensores de oxigênio, os pesquisadores decidiram investigar o efeito desse gás na mobilidade dos portadores de carga do grafeno bicamada. “Atualmente, existe uma grande demanda da indústria automotiva e na área biomédica por sensores de oxigênio que trabalhem em condições de temperatura ambiente e baixa potência”’, conta Lacerda. O grafeno, de acordo com o professor, possui um grande potencial para o desenvolvimento de uma nova classe de sensores rápidos, seletivos e ultrassensíveis.

O trabalho foi desenvolvido dentro da pesquisa de doutorado da estudante Ive Silvestre, orientada por Lacerda, e em conjunto com o doutor Evandro Morais, ambos primeiros autores do artigo. A tese da estudante foi defendida no início de novembro no Departamento de Física da UFMG. “Apesar de ainda termos carência em infraestrutura, nosso departamento é um dos líderes de pesquisa em nanomateriais de carbono, sendo, nos últimos anos, o centro coordenador de várias redes de pesquisa, como o INCT de Nanomateriais de Carbono coordenado pelo professor Marcos Pimenta”, diz o professor. “Graças a estas iniciativas, obtivemos as condições mínimas experimentais para a realização do trabalho”, completa.

Para realizar os experimentos, foi fabricado um dispositivo consistente em duas camadas de grafeno depositadas num substrato de óxido de silício. O dispositivo foi colocado numa câmara de testes na qual foram realizadas as medidas elétricas in situ a diversas temperaturas enquanto se introduzia e retirava o fluxo de oxigênio.

A figura acima mostra a mudança na mobilidade dos elétrons e dos buracos em função da interação da bicamada de grafeno com as moléculas de oxigêno. Inset: Dispositivo de bicamada de grafeno sob exposição de moléculas de oxigênio.

Os pesquisadores observaram que, num efeito de caráter reversível, o oxigênio reduzia significativamente a mobilidade dos elétrons enquanto aumentava a dos buracos. Buscando o aprofundamento na compreensão dos resultados experimentais, o grupo experimental da UFMG desenvolveu uma intensa colaboração com um grupo teórico do mesmo departamento e universidade, liderado pelos professores Mário Sérgio Mazzoni e Hélio Chacham. “Inúmeras discussões produtivas conjugadas à intensa verificação da literatura nos levaram ao entendimento mais profundo do problema, possibilitando a conclusão deste bonito trabalho”, relata Lacerda.

O trabalho faz uma contribuição importante ao tema da mobilidade de cargas no grafeno ao identificar a ação simultânea de dois tipos de centros espalhadores de cargas, os de longo alcance e os de curto alcance, sendo estes últimos de tipo ressonante. “Anteriormente ao nosso trabalho, não havia sido reportada experimentalmente na literatura uma evidência tão marcante da presença de centros ressonantes em grafeno (e bicamadas)”, destaca o professor Lacerda.

Quanto ao oxigênio, ele desempenha dois papeis fundamentais nos mecanismos de espalhamento descritos no artigo da ACS Nano. Por um lado, o oxigênio preso entre o grafeno e o óxido de silício age como barreira à ação de imperfeições do substrato que atuariam como centros de espalhamento de longo alcance e acaba aumentando a mobilidade dos buracos. Por outro lado, moléculas de oxigênio adsorvidas pelo grafeno exercem o papel de centros espalhadores ressonantes, os quais reduzem a mobilidade dos elétrons. “A assimetria que notamos para a mobilidade dos portadores na bicamada exposta às moléculas de oxigênio foi sem dúvida um aspecto relevante”, diz Lacerda. “Até então, as observações de que moléculas adsorvidas (provenientes de uma fonte externa como um gás) podiam exercer um papel de centros espalhadores do tipo ressonante era apenas prevista teoricamente”, conclui.