Cientista em destaque: Yvonne Primerano Mascarenhas.

Yvonne Primerano Mascarenhas
Yvonne Primerano Mascarenhas

Na noite de 22 de setembro deste ano, em Balneário Camboriú (SC), durante a abertura do XVIII B-MRS Meeting, Yvonne Primerano Mascarenhas, professora aposentada da Universidade de São Paulo (USP), proferirá a Palestra Memorial Joaquim da Costa Ribeiro, uma honraria que a SBPMat outorga anualmente a um pesquisador com destacada trajetória no Brasil. Na palestra memorial, a cientista falará sobre a evolução da cristalografia (estudo da estrutura de materiais cristalinos) no Brasil, uma história que ela pode narrar em primeira pessoa.

De fato, a professora Yvonne foi a pessoa que introduziu e desenvolveu no país, a partir do início da década de 1960, a cristalografia estrutural e molecular por raios X, hoje amplamente usada em pesquisa, desenvolvimento e inovação no Brasil. A técnica permite conhecer, de forma completa, como estão dispostos no espaço os átomos e moléculas que compõem a organizada estrutura dos materiais cristalinos.

Yvonne Primerano nasceu em 21 de julho de 1931 em Pederneiras, interior do Estado de São Paulo. Quando ela tinha 10 anos, depois de viver um tempo na capital paulista, a família Primerano se mudou para a cidade do Rio de Janeiro em função do trabalho do pai. Capital do país, a “cidade maravilhosa” da década de 1940, além de ser acolhedora e segura, ofereceu à família um grande leque de possibilidades, principalmente de cultura e formação.

Yvonne cursou o ensino secundário no Colégio Mello e Souza, uma conceituada escola particular carioca. Devido a seu gosto pela literatura, no último ciclo do secundário, a moça optou pelo então chamado “curso clássico”, que aprofundava no estudo da Filosofia e as Letras e abordava mais superficialmente as Ciências da Natureza. Apesar disso, foi nas aulas de Química ministradas por um ótimo professor chamado Albert Ebert, que Yvonne se encantou com a diversidade de moléculas criadas pela natureza e com a possibilidade de sintetizá-las no laboratório.

Ao terminar o ensino secundário, Yvonne optou por cursar a graduação em Química e, depois de se preparar para o vestibular tentando suprir as lacunas deixadas pela sua formação humanística, ela conseguiu, em 1949, ingressar ao bacharelado em Química da Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ali, mais uma vez, um docente destacado interveio no desenho de sua trajetória profissional. Tratava-se de Elisário Távora, professor da disciplina de Cristalografia. O professor Távora acabara de retornar dos Estados Unidos, onde tinha feito um doutorado no Massachusetts Institute of Technology (MIT) com orientação do professor Martin Julian Buerger – renomado cristalógrafo, autor de inovações em técnicas e instrumentos da área.  Dessa maneira, Yvonne, por meio de Távora, teve contato com o estado da arte em técnicas de cristalografia, principalmente as baseadas em difração de raios X, e pôde enxergar a potencialidade da área. Na cabeça da jovem Yvonne, ficou a ideia de que estudar a estrutura de moléculas por difração de raios X poderia ser uma boa ideia.

Yvonne sentiu, então, que precisava saber mais Física, e, em 1951, começou a cursar nessa área sua segunda graduação, na atual Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Em 1954, ela possuía os dois diplomas de bacharel e uma sólida bagagem em Físico-Química. No mesmo ano, ela se casou com o também físico-químico Sergio Mascarenhas, com quem formaria, além de uma família, uma dupla protagonista da história da pesquisa em materiais no Brasil.

Na Universidade do Brasil, Yvonne conheceu o professor Joaquim da Costa Ribeiro e participou de trabalhos de pesquisa do cientista. Naquele momento, Costa Ribeiro, que tinha descoberto poucos anos atrás o efeito termodielétrico enquanto estudava materiais naturais brasileiros, era um dos pouquíssimos pesquisadores, junto ao professor Bernhard Gross, que atuava na Física de materiais no Brasil. Nesse momento, de fato, os recursos e esforços de pesquisa no país estavam concentrados na Física nuclear e de altas energias.

Em 1956, depois de quinze anos morando no Rio de Janeiro, Yvonne voltou a morar no interior do estado de São Paulo. Desta vez, ela se instalou em São Carlos, uma cidade de cerca de 40 mil habitantes, junto ao então marido, Sergio Mascarenhas Oliveira, e aos dois primeiros filhos do casal (um menino de colo e uma menina no ventre). O motivo da mudança foi a contratação do casal como professores em tempo integral de uma unidade da Universidade de São Paulo (USP) que tinha sido criada em São Carlos alguns anos atrás, a Escola de Engenharia de São Carlos (EESC).

Se o Rio de Janeiro tinha aberto para Yvonne a possibilidade de uma boa formação, agora São Carlos oferecia a ambos os membros do casal Mascarenhas uma série de benefícios: filiação a uma universidade importante, concentração das atividades de ensino e pesquisa em um mesmo local (no Rio de Janeiro, Sergio trabalhava em quatro locais diferentes) e, não menos relevante, dois salários suficientes para a manutenção da família. Tudo isso, na praticidade de uma cidade pequena, economizando várias horas diárias de deslocamento. Além disso, o casal teria liberdade para desenvolver pesquisa na área que mais lhe interessava naquele contexto: a aplicação da Física e da Química ao estudo e desenvolvimento de materiais.

Na EESC, uma feliz casualidade colocou a professora Yvonne, mais uma vez, na trilha da cristalografia estrutural. Esquecido em um canto, havia um aparelho de raios X médico que tinha sido comprado por um pesquisador francês que passara um tempo na instituição. O aparelho estava sem uso e não tinha utilidade dentro da escola de Engenharia. Então, o professor Sérgio conversou com o fabricante e conseguiu trocá-lo por um instrumento de difração de raios X, o qual foi usado nos primeiros trabalhos experimentais do casal em São Carlos. Nesses trabalhos, ficou claro para a professora Yvonne que conhecer a estrutura dos materiais era essencial para conhecer e modificar suas propriedades.

Entre 1959 e 1960, os Mascarenha passaram 16 meses na cidade de Pittsburgh (Estados Unidos) fazendo estágios de pesquisa com apoio financeiro da Comissão Fulbright, que estava no Brasil desde 1957. Yvonne pretendia fazer um treinamento no estudo da estrutura de materiais por difração de raios X em um grupo do Carnegie Institute of Technology. Porém, ao conhecer o grupo, ela ficou decepcionada. Foi então que, por acaso, ela encontrou o casal de físicos brasileiros Ernesto e Amélia Hamburguer, que estavam na University of Pittsburgh fazendo doutorado e mestrado, respectivamente. Os Hamburguer sugeriram à professora Yvonne que tentasse fazer um estágio no laboratório de Cristalografia coordenado pelo professor George Jeffrey na University of Pittsburgh.

Depois de algumas semanas participando de um curso de Cristalografia ministrado pelo professor Jeffrey, a professora Yvonne começou a trabalhar no grupo de pesquisa, onde, entre outros projetos, realizou o trabalho experimental da sua tese de doutorado, que consistiu em obter a posição dos átomos de um material com propriedades magnéticas, por meio de difração de raios X. Naquele momento, aplicar essa técnica era uma tarefa muito complexa e demorada, devido às limitações dos equipamentos disponíveis, inclusive os computadores. No final do estágio em Pittsburgh, a pesquisadora tinha adquirido habilidades e conhecimentos que a qualificavam para trabalhar com cristalografia de raios X.

Em 1961, quando voltou ao Brasil, Yvonne (que naquele momento era a única cristalógrafa estrutural do Brasil) deu início à criação do Laboratório de Cristalografia de São Carlos (que se tornaria o primeiro laboratório de cristalografia estrutural do país). A implantação da infraestrutura do laboratório e o recrutamento e treinamento de sua equipe multidisciplinar e internacional se intensificaram na década de 1970 e continuaram nos anos posteriores.

Em 1963, depois de processar os resultados experimentais obtidos em Pittsburgh, com bastante dificuldade devido à inexistência de computadores na EESC, Yvonne defendeu sua tese de doutorado intitulada “Determinação de estruturas cristalinas por difração de raios X: estudo do formato manganoso bi-hidratado”.

Em 1971, a professora obteve o título de livre-docente pela EESC. A partir de 1981, tornou-se professora titular do Instituto de Física e Química de São Carlos (IFQSC), mais uma unidade da USP na cidade, fundada em 1971. Quando, em 1994, esta unidade foi dividida nos institutos de Física (IFSC) e de Química (IQSC), a professora Yvonne permaneceu no primeiro até sua aposentadoria compulsória em 2001, quando se tornou pesquisadora colaboradora da instituição. Com a virada do século, Yvonne começou a liderar projetos relacionados ao ensino e difusão de ciências em escolas públicas de nível fundamental e médio.

Ao longo de sua carreira, a professora Yvonne fez estágios científicos como pesquisadora visitante em algumas das instituições mais renomadas do mundo: as universidades de Princeton e Harvard (Estados Unidos), o Instituto Politécnico Nacional do México, e a University of London (Reino Unido).

A professora também desempenhou várias funções de liderança, as quais, ainda hoje, são predominantemente exercidas por homens no meio acadêmico brasileiro. Dentro da USP de São Carlos ocupou chefias de departamento, foi a primeira diretora do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) e foi vice coordenadora do polo São Carlos do Instituto de Estudos Avançados (IEA), entre outros cargos. Além disso, a cientista liderou a criação da Sociedade Brasileira de Cristalografia (atual Associação Brasileira de Cristalografia), cuja fundação ocorreu em 1971, e foi presidente da sociedade.

Entre muitas distinções e homenagens recebidas, destacam-se o Distinguished Women in Chemistry or Chemical Engineering Awards da International Union of Pure and Applied Chemistry (2017), o título de Professora Emérita do CNPq (2013), a admissão na Ordem Nacional do Mérito Científico na Classe da Grã-Cruz pela Presidência do Brasil (1998) e a Medalha Simão Mathias da Sociedade Brasileira de Química (1998). Além disso, a pesquisadora é membro titular da Academia Brasileira de Ciências desde 2001.

No decorrer de seis décadas de atuação em cristalografia estrutural, Yvonne Primerano Mascarenhas participou de dezenas de projetos das diversas áreas que precisam de informação estrutural de materiais ou moléculas, interagindo estreitamente com cientistas de materiais, engenheiros, químicos, físicos, biólogos, bioquímicos, médicos etc. No período, 40 trabalhos de mestrado e doutorado foram orientados pela professora, e mais de 180 artigos com a sua coautoria foram publicados em periódicos científicos internacionais. O laboratório criado por Yvonne (atualmente denominado Laboratório Multiusuário de Cristalografia Estrutural) já gerou diretamente mais de 1.000 artigos publicados em periódicos científicos e possibilitou que pesquisadores de muitos estados brasileiros e países da América Latina realizassem medidas de difração de raios X.

Sessenta anos depois dos primeiros trabalhos brasileiros com cristalografia estrutural de raios X, cerca de 200 cristalógrafos estruturais atuam em universidades brasileiras, inclusive a pioneira Yvonne Primerano Mascarenhas que, com seus 87 anos, permanece ativa na pesquisa científica.

Segue uma breve entrevista com esta destacada cientista.

Boletim da SBPMat: – Por meio da cristalografia, você revelou informações essenciais para muitos projetos de pesquisa de diversas áreas. Gostaríamos de saber quais são os trabalhos da área de materiais de mais impacto dos quais você participou.

Yvonne Primerano Mascarenhas:

  • Crystal-stucture analysis of deamino-oxytocin – conformational flexibility and receptor-binding. Por: WOOD, SP; TICKLE, IJ; TREHARNE, AM; et al. SCIENCE Volume: 232 Edição: 4750 Páginas: 633-636 Publicado: MAY 2 1986

Neste trabalho, realizado durante um estágio realizado no Departamento de Cristalografa do Birkbeck College, Universidade de Londres, pudemos contribuir para a elucidação da oxitocina, importante hormônio produzido pela hipófise e que no caso das mulheres exerce importante função nos estágios do parto e da lactação.

  • Characterization of Polyurethane Resins by FTIR, TGA, and XRD. Por: Trovati, Graziella; Ap Sanches, Edgar; Neto, Salvador Claro; et al. JOURNAL OF APPLIED POLYMER SCIENCE Volume: 115 Edição: 1 Páginas: 263-268 Publicado: JAN 5 2010

As medidas realizadas nos difratogramas dos vários tipos de poliuretana permitiram determinar quantitativamente os percentuais de cristalinidade das diferentes amostras e relaciona-las com outros resultados espectroscópicos.

  • Structural transition and pair formation in Fe3O2BO3. Por: Mir, M; Guimaraes, RB; Fernandes, JC; et al. PHYSICAL REVIEW LETTERS Volume: 87 Edição: 14 Número do artigo: 147201 Publicado: OCT 1 2001

A determinação estrutural do material em estudo por difração de raios X a baixa temperatura permitiu caracterizar uma transição de fase cristalográfica que ocorre a baixa temperatura importante para o entendimento das propriedades magnéticas do material em estudo..

  • Crystallographic and spectroscopic characterization of a molecular hinge: Conformational changes in bothropstoxin I, a dimeric Lys49 phospholipase A2 homologue. Por: da Silva Giotto, MT; Garratt, RC; Oliva, G; et al. PROTEINS-STRUCTURE FUNCTION AND BIOINFORMATICS Volume: 30 Edição: 4 Páginas: 442-454 Publicado: MAR 1 1998

A determinação da estrutura molecular dessa enzima que é um dos componentes do veneno da cascavel permitiu entender melhor a sua ação biológica.

  • Crystal structure of perdeuterated violuric acid monohydrate – X ray diffraction analysis. Por: Craven, BM; Mascarenhas, Y. ACTA CRYSTALLOGRAPHICA Volume: 17 Edição: 4 Páginas: 407-& Publicado: 1964

Esta publicação resultou de trabalho realizado na Universidade de Pittsburgh durante o meu primeiro estágio no exterior. A substância em estudo é um barbiturato que cristaliza com uma molécula de água. A determinação estrutural revelou a presença de uma ligação de hidrogênio bifurcada que já havia sido prevista teoricamente mas que foi observada experimentalmente pela primeira vez nesse cristal.

  • Location of cerium and lanthanum cations in CeNaY and LaNaY after calcination. Por: Nery, JG; Mascarenhas, YP; Bonagamba, TJ; et al. ZEOLITES Volume: 18 Edição: 1 Páginas: 44-49 Publicado: JAN 1997

Este é um de uma série de trabalhos que realizamos em colaboração com o centro de pesquisas da Petrobrás (CEMPES) com o objetivo de analisar alterações produzidas em uma série de zeólitas que são empregadas como catalisadores para o craqueamento do petróleo. Os resultados obtidos permitiam entender melhor os mecanismos de catálise e sugerir outras modificações visando a um maior rendimento.

Boletim da SBPMat: – Você proferirá no XVIII B-MRS Meeting a Memorial Lecture Joaquim da Costa Ribeiro. No final do evento, a SBPMat entregará os prêmios do Bernhard Gross Award. Você conheceu pessoalmente estes dois pioneiros da pesquisa em Materiais no Brasil (Costa Ribeiro e Gross). Conte-nos brevemente qual foi sua relação com eles.

Yvonne Primerano Mascarenhas: – Para contar sobre essas pessoas este pequeno parágrafo é muito insuficiente. Costa Ribeiro e Gross foram nossos mentores nas nossas primeiras atividades de pesquisa e de educação científica. Com ambos interagimos durante os nossos anos de graduação na FNFi da então Universidade do Brasil, atual UFRJ. O contato em pesquisa foi sempre presente com Bernhard Gross que visitava São Carlos periodicamente até seu falecimento, orientando nossas atividades tanto experimentais como teóricas e orientando alguns jovens físicos que aderiram ao nosso laboratório. Costa Ribeiro nos apoiou muito desde nossa vinda para São Carlos, tanto com cartas de recomendação ao diretor da EESC como cedendo um eletrômetro Wulf que permitiu imediato início de pesquisas em dielétricos. Mais tarde passou vários anos fora do Brasil como representante do Brasil na Comissão de Energia Atômica em Viena e faleceu prematuramente poucos anos após sua volta ao Brasil.

Boletim da SBPMat: – Você tem quatro filhos que foram criados enquanto você desenvolvia uma importante carreira científica, inclusive ocupando cargos de liderança. Você costuma afirmar que não se sentiu prejudicada em sua vida profissional pelo fato de ser mulher. Poderia nos contar como conseguiu conciliar a vida familiar e a profissional, num momento em que, no Brasil, não existia ainda licença-maternidade e a mulher costumava ser demitida quando se tornava mãe?

Yvonne Primerano Mascarenhas: – Viver em uma cidade pequena permite uma grande convivência familiar, com filhos e outros parentes e amigos. Assim acredito que a decisão de nos mudarmos da cidade do Rio de Janeiro para São Carlos teve um papel muito importante no meu desempenho profissional. Além disso sempre valorizei muito a ajuda que me foi prestada por excelentes pessoas que me apoiavam nas minhas necessidades domésticas e no cuidado com meus filhos. Tive uma imensa sorte em contar com essa inestimável ajuda de várias pessoas que praticamente integravam a minha vida dividindo responsabilidades numa troca interpessoal de muito amor e respeito.

Boletim da SBPMat: – Por favor, deixe uma mensagem para nossos leitores mais jovens que estão iniciando uma carreira de cientistas ou estão cogitando essa possibilidade.

Nunca é demais relembra-los de que a situação econômica e social de nosso país só vai melhorar quando conseguirmos melhorar o nível cultural e científico de nosso povo assim como estabelecer noções de conduta responsável, ética e moral que conduzam ao bom aproveitamento de nossos potenciais recursos naturais (agricultura, reservas minerais e processos industriais e comerciais) e o bom uso dos impostos recolhidos da população. Para tanto é necessário o empenho dos nossos jovens tanto na área educacional como no exercício da cidadania. Sei bem que é uma grande demanda, mas tenho certeza que, com um esforço bem focalizado nessas metas, eles poderão alcançar grandes resultados.

Featured scientist: Prof. Heinz von Seggern (TU Darmstadt).

Prof. Heinz von Seggern.
Prof. Heinz von Seggern.

In the late 1970s, when he was a doctoral student, German scientist Heinz von Seggern came to Brazil for the first time and met some local researchers with whom he still collaborates. His host was Bernhard Gross, another German scientist who settled in Brazil and is considered a pioneer of materials research in the country. This was the beginning of a series of scientific visits of Heinz von Seggern to Brazil, which included the participation in five B-MRS Meetings, the annual events of the Brazilian Materials Research Society. In the last edition of the event, Prof. Heinz von Seggern gave a plenary lecture on ferroelectrets.

Heinz von Seggern graduated in physics from the University of Hannover (Germany) in 1976. He received his PhD degree in electrical engineering from the Technical University of Darmstadt (Germany) in 1979. His thesis advisor was Prof. Gerhard Sessler, one of the inventors of the electret microphone, the most common type of microphone in use today. After that, Heinz von Seggern became a postdoc and then a principal investigator at AT&T Bell Laboratories (USA). From 1985 to 1997 he worked at Siemens research center in Erlangen (Germany), starting as a principal investigator and then being promoted to department head. Since 1997, he is Full Professor at the Technical University of Darmstadt, where he leads the Electronic Materials Group.

Throughout four decades of scientific research, Heinz von Seggern has made important contributions to the field of materials in understanding fundamental phenomena, developing analysis techniques and applications, and inventing devices. He has published over 280 scientific papers in peer-reviewed journals with more than 7.800 citations, and his h-index is 46 (Google Scholar).

See our interview with this scientist.

B-MRS Newsletter: – What motivated you to become a scientist and, particularly, a materials scientist?

Heinz von Seggern: – Already as a high school student my main interest was directed towards natural science. This passion was strongly motivated by one of my teachers who really understood to ignite my love for this field. So it was a natural thing for me to study physics, however, I always kept in touch with mathematics and chemistry. After finishing my diploma in physics at the Technical University of Hannover, I started my PhD work at the Technical University of Darmstadt in the electrical engineering department and two and a half years later I received my doctoral degree in electrical engineering. The following four out of five years I spend at Bell Laboratories in Murray Hill, New Jersey, USA whose fabulous working conditions made my bonds to science even stronger. My path to materials science started with my return to the Corporate Research Laboratories of Siemens AG in Erlangen where I spend 12 years before being appointed as full professor at the Technical University of Darmstadt, Germany. In the time at Siemens my work was focused on more practical aspects of science which I started to be increasingly interested in. The ability to change and adapt material properties to practical demands, which is the basic task of materials science, fascinated me more and more.

B-MRS Newsletter: – In your opinion, what are your main contributions to the materials field? Please, select a couple of discoveries/developments, describe them briefly, describe the context in which they were developed, and share the papers or patents references.  

Heinz von Seggern: – Since I have been working on different subjects it is not so easy to point out my or our major contributions to the materials field. I will concentrate on one discovery or development in each field. Let’s start with my PhD study. My task was to understand the charge transport and electronic trap structure of Teflon FEP thin films to back up the lifetime expectation of electret microphones. I discovered by means of thermally stimulated discharge measurements that Teflon FEP contains two different types of energetically deep electron traps which are located near the surface and in the bulk of the films, respectively. This discovery was made possible by comparing TSD results of corona and electron beam charged samples whereby corona charging leads to filling of traps close to the surface and electron-beam charging allowed for deposition of charge into surface and bulk traps dependent on the utilized electron energy. From this finding a charge transport model was developed depending on the initial location of the electrons after charging. The model is based on trapping and thermally induced release. In case of corona charging the transport is initiated by a thermally induced release of electrons from surface traps and a subsequent capture and release by deeper bulk traps [Ref: H. von Seggern, J. Appl. Phys. 50, 7039 (1979), Heinz von Seggern, J. Appl. Phys. 50, 2817 (1979)]. The morphological reason for the different trap depth of surface and bulk can be seen in the film production process where different cooling rates apply to the surface and the bulk of the films.

After finishing my PhD degree I continued this research at Bell Laboratories investigating the transport of positive charges. In contrast to the electron traps, hole traps are relatively shallow and are distributed through the complete film. Once filled they empty relatively fast already at room temperature. On the other hand the number to energetically deep traps was found to be rather small resulting in a low capture rate. This implies that holes have a high probability to penetrate the film via hopping through shallow traps without being captured by deep traps which implies a rather low charge stability of Teflon FEP for holes. We were able to show that this problem can be circumvented by charging at high temperatures filling only deep traps [H. von Seggern, J. West, J. Appl. Phys. 55, 2754 (1984)]. This charge stabilization for positive charges recently became important with respect to so called piezoelectrets where by symmetry breaking a novel piezoelectric material was generated utilizing only nonpolar components. For these devices the stability of both charge types is essential.

During my time at the Corporate Research Labs of Siemens AG in Erlangen the field of interest changed to x-ray storage phosphors which are currently applied in so called image plates used commercially in x-ray diagnostics. The image plate thereby combines the classically utilized silver halide film and the intensifying screen where latter was applied to convert incoming x-rays to visible photons which are then detected by the photographic silver halide film. The working principle of the image plate is that by x-ray exposure electrons and holes are generated and trapped as F-centers and Vk-centers, respectively. Readout occurs by photostimulation of the electron and radiative recombination with the Vk-center. The released energy is then converted to a rare earth ion which emits light at its characteristic wavelength. Thereby the intensity of the emitted photons is indicative for the locally absorbed x-ray dose. My major contribution to this field was the discovery of the basic working principle of these photostimulable phosphors and the existence of spatially correlated and uncorrelated PSL centers which allowed for a deeper insight into the physics of storage phosphors [H. von Seggern et al., J. Appl. Phys. 64, 1405 (1988)]. Another contribution was the invention of neutron image plates fabricated by mixing an effective neutron absorber to the granular storage phosphor particles [T. Bücherl, H. von Seggern et al., Nucl. Instr. Meth. A333, 502 (1993)]. This technique is still widely used in neutron image detection.

After accepting the position as full professor in Materials Science at the Technische Universität Darmstadt I concentrated my efforts on the field of Organic Electronics which I already started at Siemens some years before. In the first years we focused on the energetic trap distribution of organic semiconductors. We were the first to experimentally prove the existence of a Gaussian trap distribution predicted earlier by Bässler et al. through Monte Carlo simulation. The experimental method used a refined thermally stimulated discharge technique known as fractional discharge, where a stepwise increase in temperature combined with the corresponding thermal release of charge allows one to determine the trap distribution which up to now is the only technique known to directly determine the distribution of traps  [N. von Malm et al., J. Appl. Phys. 89, 5559 (2001); R. Schmechel et al., Phys. Stat. Sol. (a) 201, 1215 (2004)]. The largest scientific attention we received, however, for the invention of the organic light emitting transistor (OFET) based on tetracene and a polyfluorene derivative. In such OFETs it was shown to be possible to obtain ambipolar transport by injection of electrons and holes from source and drain, respectively [A. Hepp, H.von Seggern et al., Phys. Rev. Let. 157406, 1 (2003); M. Ahles, H. von Seggern et al., Appl. Phys. Let. 84, 428 (2004)].  It was also shown that the same ambipolar transport can be used to construct colour tunable OFETs [E. J. Feldmeier, H. von Seggern et al., Adv. Mater 22, 3568 (2010)] where the motion of the emissive recombination zone through the transistor channel is used to excite different overlaying organic semiconductors with different emission wavelength.

In the last years at TU Darmstadt I have revisited charge storage in organic polymers known as ferro- or piezoelectrets. The cellular polymer polypropylene has shown by Finnish scientists to exhibit large piezoelectric d33 coefficients after poling by high electric fields with the only disadvantage that the trapped charge turned out to be thermally unstable. Therefore structures changed quickly to Teflon based sandwiches of solid FEP /ePTFE/ solid FEP, where ePTFE is a highly porous PTFE consisting of up to 98% air, and later to completely air filled structures. My contribution to that field is the physics explaining the hysteresis and thereof the deduction of the maximal stable polarization which then allows for the theoretical deduction of the piezoelectric d33 coefficient for plane-parallel structures. This knowledge allows for the optimization of the piezoelectric effect and therewith increases the potential for future applications [S. Zhukov, H. von Seggern et al., J. Appl. Phys. 102, 044109 (2007); S. Zhukov, H. von Seggern et al., Scientific reports 8, 4597 (2018)].

B-MRS Newsletter: – Please make a brief story of your interaction with Brazil and with Prof Bernhard Gross.

Heinz von Seggern: – During my PhD work at TU Darmstadt Prof. Gross was a frequent guest of Prof. G.M. Sessler, my thesis adviser. Before my final PhD defense he invited me to visit the Institute of Physics of the University of Sao Paulo (USP) in Sao Carlos. Here I met all the people with whom I am still in contact and friendship with, namely Roberto M. Faria and Jose A. Giacometti who in the meantime have become established professors at USP. After finishing my PhD study I went to Bell Laboratories, Murray Hill, NJ. where Profs. Gross and Sessler were welcomed guest almost every year. The collaboration was extremely fruitful and resulted in a number of joint publications. In 1984 I then left Bell Labs and started to work at Siemens Corporate Research on different topics for the next 12 years and naturally the collaboration was at rest. But as soon as I became appointed Professor at TU Darmstadt I revitalized my connection to the Institute of Physics of Sao Carlos, whose polymer group is now called Grupo de Polimeros “Prof. Bernhard Gross”. From that year on I visited initially Prof. Giacometti and later Prof. Faria almost yearly for up to two month financed generously by FAPESP through various programs. These stays were always very enjoyable and busy, and quite a few publications have resulted.

B-MRS Newsletter: – How many times did you attend the B-MRS Meetings? Do you remember when was the first time?

Heinz von Seggern: – In total I have attended five Brazilian MRS meetings starting in Natal 2007, Florianopolis 2012, Joan Pessoa 2014, Rio de Janeiro 2015 and again Natal in 2017. My first stay in Natal 2007 I remember especially since I was allowed to present our work in front of a great audience on the recently discovered light emitting organic field effect transistor and, on a more personal note, I also remember the wonderful Caipirinha my wife and me were enjoying every evening during sunset at the ocean side.

B-MRS Newsletter: – You have about 40 years of strong experience as a researcher. Please leave a short message with some advice for the students and junior scientists of our community. 

Heinz von Seggern: – In the context of scientific education Prof. Bernhard Gross once said to me: “For someone who knows nothing, everything is possible.” There is a lot of truth in these few words. We all tend to sometimes talk about things that seem to be obvious to us but in reality they are not. My advice therefore is, especially to young scientists, to always ask yourself whether you understand the physical and/or chemical grounds of your current research. If not I suggest to you to acquire the missing basics, which then allows you to select from “everything is possible” the physical meaningful trials. This will definitely help you to make the right decisions to continue your research in a meaningful way.

Prêmios aos melhores trabalhos apresentados no XII B-MRS Meeting: lista dos vencedores.

 

Bernhard Gross Award

(Established by B-MRS in honor of the pioneer of Brazilian Materials Research, it distinguishes the best oral and poster contributions of all symposia)

  • Felipe Leon Nascimento Sousa (UFPE, Brazil). Ecofriendly aqueous electrosynthesis of AgInS2–ZnS quantum dots with high optical efficiency. Symposium
  • Lucas Fabrício Bahia Nogueira (USP Ribeirão Preto, Brazil). Bioactive biopolymeric membranes reinforced with hydroxyapatite for tissue engineering application.
  • João Saccoman (UNESP – Bauru, Brazil). Analysis of the optical emission lines from the plasma during the deposition of  TiO2 for sputtering.
  • Lukas Augusto de Lima Basilio (UFAM, Brazil). Hydrothermal synthesis of sodium titanate nanotubes for application in solid state electrolytes.
  • Filipe Rogerio de Souza Quirino (UFPE, Brazil). The temperature dependence of saturation magnetization for yttrium iron garnet doped with Zn, Ni and Co.

 


ACS Publications Prizes for students 

(Sponsored by the journals ACS Applied Materials & Interfaces, ACS Applied Energy Materials, ACS Applied Nano Materials, ACS Applied Bio Materials, Nano Letters, ACS Nano, Chemistry of Materials, JACS and ACS Energy Letters).

ACS Publications Best Oral Presentation Prize

  • João Batista Maia Rocha Neto (UNICAMP , Brazil). Chitosan/hyaluronan coatings tailored for tumor cell adhesion: influence of the topography and surface chemistry.
  • Daniel Alves Heinze (UFABC, Brazil). Influence of Nanoparticles on the Electrical and Mechanical Properties of SEBS Block Copolymers.
  • Samarah Vargas Harb (UNESP, Brazil). Self-healing PMMA-CeO2 coatings for anticorrosive protection of carbon steel.

ACS Publications Best Poster Prize

  • Fabrício Benedito Destro (UFSCAR, Brazil). Number of grain in polycrystalline hematite modified with Sn: Its influence on electrical properties.
  • Michele Duarte Tonet (UFSC, Brazil). Gold nanoparticles into a discotic liquid crystalline matrix.
  • Jean Felipe Oliveira da Silva (UFPE, Brazil). Magnetic configurations and switching processes in cobalt ferromagnetic hollow nanospheres.

E-MRS Best Oral Presentation Award

(For the best oral presentation of the symposium G “Structural, optical and electronic properties of the metal-oxide nanostructures”)

  • Everton Bonturim (Universidade Presbiteriana Mackenzie, Brazil). Low-energy polarization switching in La-doped BiFeO3 thin films.

 


IUMRS Best Poster Award

Gold Prize

  • Nazir Monteiro dos Santos (INPE, Brazil). DLC film deposition as protective coating of titanium alloy tibe using PIII&D system.

Silver Prize

  • Aline Alves dos Reis Almeida (UFMG, Brazil). Preparation and Characterization of P3HT/TiO2 Nanocomposites.

Bronze Prize

  • Felipe Conceição dos Santos (Universidade Presbiteriana Mackenzie, Brazil). Phase transition on chemically exfoliated MoS2 nanosheets: electrocatalytic properties for energy application.

 


 

Challenge “Aerospace Materials and Manufacturing for the Next Century”

Winning solution: Aerospace Structures and Systems Inspired by Nature – lotus leaf.

Winning team members:

  • Ana Paula Wünsh Boitt (UFSC, Brazil)
  • Angélica Belchior Vital (UFRN, Brazil)
  • Lázaro Aleixo dos Santos (UFRGS, Brazil)
  • Priscila da Costa Gonçalves (UFSC, Brazil)
  • Tahir Jankal (PUC-Rio, Brazil)

 


 

Gente da nossa comunidade: entrevista com o pesquisador Roberto Mendonça Faria.

O entrevistado desta edição do Boletim da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Materiais (SBPMat) é o professor Roberto Mendonça Faria, que acaba de entregar a presidência da SBPMat depois de 4 anos de mandato (mas promete permanecer ativo na sociedade).

Roberto Mendonça Faria nasceu em Adamantina, uma pequena cidade localizada no oeste do estado de São Paulo, em maio de 1952. No início dos estudos secundários, já orientado para as Exatas e estimulado por um bom professor de Física, ele começou a olhar a ciência como possível profissão. Em 1976, Faria concluía o bacharelado em Física na Universidade de São Paulo (USP).

No mesmo ano, ainda apaixonado por essa área na qual a humanidade estava dando grandes passos no caminho do conhecimento, Faria iniciou sua carreira acadêmica. Começou a lecionar em cursos de graduação da USP e entrou no curso de mestrado em Física dessa universidade. Ali, orientado pelo professor Bernhard Gross, pioneiro da pesquisa em Materiais no Brasil, aprendeu os pilares da atividade científica e desenvolveu um fascínio por desvendar mistérios dos materiais (no caso a condutividade induzida por radiação no polímero conhecido como Teflon). Logo após a obtenção do diploma de mestre, em 1980, começou o curso de doutorado em Física da USP, mais uma vez contando com o professor Gross como orientador. Em 1984, defendeu sua tese sobre absorção dielétrica e condutividade induzida por radiação no polímero PVDF.

Em 1985 começou a dar aulas em cursos de pós-graduação da USP. Entre 1987 e 1989, permaneceu na França em estágio de pós-doutorado na Université Montpellier 2. Em 1990, obteve o título de livre-docente pela USP, em concurso público, após defender uma tese sobre transições de fase em copolímeros ferroelétricos. Em 1999, tornou-se professor titular do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP, onde ocupou diversos cargos de gestão ao longo dos anos, como a chefia do departamento de Física e Ciência dos Materiais (1994-1996), a coordenação do programa de pós-graduação em Física (1997-1998) e a direção geral do IFSC (2002 – 2006).

Roberto Faria também foi coordenador de dois projetos de grande porte em nível nacional. O primeiro foi o Instituto Multidisciplinar de Materiais Poliméricos do Milênio, um dos 17 projetos selecionados dentro do Programa Institutos do Milênio do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Esse instituto reuniu cerca de 140 pesquisadores de 17 instituições das cinco regiões do país e vigorou entre 2002 e 2008. O segundo projeto deu continuidade a um dos focos de pesquisa do primeiro, o estudo dos polímeros eletrônicos e suas aplicações. Iniciado em 2009, o Instituto Nacional de Eletrônica Orgânica foi aprovado e estabelecido no contexto do programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) do MCT.

Indo além das fronteiras da sua área de atuação científica, Faria foi coordenador, entre 2010 e 2014, do polo de São Carlos do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, órgão destinado à pesquisa e discussão abrangente e interdisciplinar de questões fundamentais da ciência e da cultura. Além disso, no contexto de seu interesse em contribuir com o desenvolvimento econômico do país por meio da pesquisa, coordenou a realização do livro “Ciência, Tecnologia e Inovação para um Brasil competitivo”, publicado em 2012.

Nos últimos anos, Faria tem tido ativa participação em entidades científicas internacionais da área de Materiais. Em 2014, foi um dos coordenadores gerais do evento “Spring Meeting of the European Material Research Society – 2014“, realizado na cidade francesa de Lille. Em 2015, foi eleito segundo vice-presidente da International Union of Materials Research Societies(IUMRS).

Faria é membro da Academia de Ciência do Estado de São Paulo e da Academia Brasileira de Ciências, e pertence ao conselho editorial da revista “Materials Science – Poland”. Em 40 anos de pesquisa científica em materiais poliméricos, particularmente aqueles com atividade eletrônica e suas aplicações em dispositivos, o professor Faria produziu cerca de 180 artigos publicados em periódicos indexados, contando com cerca de 2.000 citações, e orientou 47 dissertações de mestrado e teses de doutorado.

Segue uma entrevista com o pesquisador.

Boletim da SBPMat: – Conte-nos o que o levou a se tornar um cientista e a trabalhar na área de Materiais.

Roberto Mendonça Faria: – Antes do de cursar o Científico, atual Ensino Médio, imaginava seguir a área das Exatas (como na época eram chamadas as Engenharias, a Física, a Química, a Matemática, etc.), porém não tinha nenhuma pretensão de fazer uma carreira científica, muito menos de ser um cientista. Contudo, já no primeiro ano do Científico comecei a mudar de ideia, estimulado por um excelente professor de Física, Roberto Stark. Formei-me em Física e logo tive a sorte de ter sido guiado por dois grandes mestres: o professor Bernhard Gross e o professor Guilherme Fontes Leal Ferreira. Como todo recém-formado em física da minha época, eu era apaixonado pelos extraordinários avanços experimentais e teóricos da física do século XX. Porém, meu primeiro trabalho de investigação foi sobre um tema aparentemente modesto: a interação da radiação ionizante com filmes finos de polímeros isolantes. Sob a orientação do professor Gross aprendi definitivamente como abordar um problema científico e também a manejar o rigor metodológico necessário para desvendar os efeitos e fenômenos que surgiam dos experimentos realizados. Esses primeiros anos de pesquisa foram de crucial importância para minha carreira. Nunca mais perdi o fascínio em desvendar as propriedades e os enigmas da matéria condensada, e fico feliz porque a Ciência e a Engenharia dos Materiais é de muita importância para o desenvolvimento do Brasil.

Boletim da SBPMat: – Quais são, na sua própria avaliação, as suas principais contribuições à área de Materiais?

Roberto Mendonça Faria: – Há diferentes maneiras de se medir as contribuições ao avanço do conhecimento científico e tecnológico. A visão mais objetiva e mais seguida internacionalmente é a bibliométrica conduzida pelo Journal of Citation Reports (JCR) da Thomson Reuters. Essa métrica tem muitos méritos, mas é exageradamente numerológica. Outro fato que pesa nas avaliações científicas vem do pragmatismo do mundo atual. Hoje exige-se que os trabalhos científicos estejam voltados a aplicações específicas. Nesse contexto, as pesquisas que envolvem estudos mais fundamentais tendem a perder a visibilidade que merecem. Ou seja, trabalhos científicos de grande valor muitas vezes são pouco citados. Uma análise da minha produção a partir da JCR pode levar à conclusão de que minhas contribuições mais relevantes estão ligadas a aplicações, mas eu particularmente acho que as minhas maiores contribuições estão mais relacionadas a trabalhos fundamentais nas áreas de transição de fase de polímeros ferroelétricos e de mecanismos de transporte elétricos em polímeros eletrônicos.

Uma das áreas interessantes que tenho trabalhado nos últimos anos é a de células solares orgânicas. Junto com meu grupo de pesquisa, creio que demos uma contribuição significativa à compreensão de fenômenos envolvendo o transporte de portadores elétricos no interior da célula. Publicamos dois trabalhos de 2013 para cá nos quais desenvolvemos uma equação analítica que governa a curva de corrente elétrica em função da voltagem de uma célula solar quando sob iluminação. Essa equação analítica vale muito bem em casos especiais, e explicou muitos dos efeitos optoeletrônicos dos dispositivos que construímos e medimos em nossos laboratórios. Um dos trabalhos foi publicado na revista Applied Physics Letters, em 2013, e o outro na Solar Energy Materials and Solar Cells, em 2015.

Por outro lado, sempre me dediquei a montar laboratórios de pesquisa e a formar recursos humanos. Venho também contribuindo com vários programas de pós-graduação, direta e indiretamente, e tenho me dedicado há mais de vinte anos ao fortalecimento da área de Eletrônica Orgânica no país, sobretudo na formação de uma rede de pesquisa nessa área: o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Eletrônica Orgânica. Procuro sempre que possível incentivar projetos de parcerias com a iniciativa privada e com institutos de pesquisa que visam projetos aplicados. Na área de políticas públicas creio que minha participação maior foi a de coordenar o documento da CAPES com a SBPC, denominado “Ciência, Tecnologia e Inovação para um Brasil Competitivo” que contribuiu à criação da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (EMBRAPII).

Boletim da SBPMat: – Você acaba de concluir seu mandato como presidente da SBPMat, função que exerceu durante 4 anos. Compartilhe com nossos leitores uma análise dos resultados conseguidos pelas diretorias que você presidiu.

Roberto Mendonça Faria: – A SBPMat é uma sociedade relativamente nova, mas tem uma missão importante a realizar em prol do desenvolvimento do país. O Brasil dispõe de uma riqueza extraordinária que a ele é oferecida pela natureza. Porém, o país pouco se aproveita dessa riqueza porque coloca pouco conhecimento sobre seus recursos naturais. Houve uma revolução na agricultura depois que o país resolveu colocar conhecimento sobre essa dádiva que a natureza lhe ofereceu. Hoje o agronegócio é um dos pilares, talvez o mais forte, da nossa economia. Temos que fazer o mesmo com as matérias-primas que abundam em nosso território. A publicação “Science Impact – A special report on materials science in Brazil”, em parceria com o Institute of Physics (IOP) , foi um dos projetos que deu certo e que me gratificou muito. Esse tipo de iniciativa ajuda a criar consciência de que o Brasil tem vocação natural para ser líder em vários segmentos relacionados a Materiais, e gerar muito mais riqueza do que gera atualmente.

Outra valiosa contribuição que as duas gestões anteriores da SBPMat deram à Ciência e Engenharia de Materiais no Brasil foi a consolidação e internacionalização definitiva do encontro anual, que sempre é realizado no final de setembro.

Não posso deixar de destacar que a criação do Boletim Eletrônico bilíngue foi uma realização que deu certo, principalmente pela competência com que vem sendo produzido.

Boletim da SBPMat: – Você acaba de assumir, por dois anos, a segunda vice-presidência da IUMRS. Comente seus planos, expectativas…

Roberto Mendonça Faria: – Estou iniciando essa atividade. Meus planos são, em primeiro lugar, inserir cada vez mais a Ciência dos Materiais brasileira no cenário internacional. Ao mesmo tempo, pretendo usar o apoio da IUMRS para estimular a pesquisa de materiais em outros países da América Latina. O Brasil e a América Latina têm muitos problemas que são oriundos de suas economias ainda deficientes. Tenho convicção de que pesquisas em áreas de materiais são instrumentos valiosos para melhorar as condições de vida dessas populações. Hoje, como membro do Conselho da SBPMat, quero, com o auxílio da IUMRS, levar essa discussão não só no Brasil, mas em vários países da América Latina.

Boletim da SBPMat: – Deixe uma mensagem para os leitores que estão iniciando suas carreiras científicas.

Roberto Mendonça Faria: Deixei para registrar aqui que uma das realizações (ainda em andamento) que traz orgulho à nossa gestão foi a criação do programa University Chapters . Vou pedir ao Conselho que me permita trabalhar em conjunto com o professor Rodrigo F. Bianchi dentro desse programa. Não tenho dúvidas de que quanto mais pesquisadores formarmos, mais o Brasil ganhará com isso.

Acredito que o trabalho junto aos jovens que estão iniciando a atividade científica é um dos mais valiosos para um pesquisador sênior. Temos o dever de mostrar aos jovens o quanto é importante para o país o trabalho de “fabricar conhecimento”, sobretudo nas áreas científicas e tecnológicas. Não há ainda um só exemplo de país que tenha erradicado a pobreza sem que tenha desenvolvido uma educação forte e uma ciência e tecnologia competitiva. Portanto, fica aos jovens a mensagem de acreditarem no seu trabalho e de procurar sempre realizá-lo da forma mais competente possível.

Alguns dados sobre a obra científica do professor Gross.

Grande parte da atividade científica do prof. Bernhard Gross que vem antes dos seus estudos sobre eletretos é pouco comentada, mas tem um valor inestimável. Os trabalhos sobre eletretos ganham destaque e repercussão internacional a partir dos anos 1970, e continuaram nos primeiros anos de 1980. Vou comentar um pouco o que ele produziu desde o início de sua carreira até a década de 1960.

Ainda na Alemanha, em Stuttgart, ele publicou alguns trabalhos sobre correções de latitude em detectores usados nos estudos de raios cósmicos na atmosfera [referências 1 e 2]. Esses artigos foram publicados em alemão. Seu trabalho foi logo generalizado por E. J. Williams e publicado na revista Nature [3]. Posteriormente essa correção ficou conhecida como “transformação de Gross”. Num célebre livro sobre raios cósmicos, publicado em 1950 [4], o capítulo 3 é dedicado à “transformação de Gross”.

Seu primeiro trabalho no Brasil foi sobre propriedades elétricas de zeólitas [5], que junto ao trabalho sobre efeitos retardados em sólidos dielétricos [6] e, mais tarde, sobre cargas estáticas em dielétricos [7], marcaram o início de suas pesquisas na área de Materiais, que culminaria com os famosos estudos sobre eletretos a partir dos anos 1960. No entanto, foram marcantes os trabalhos seminais que realizou sobre modelos matemáticos aplicados a sistemas viscoelásticos. Esses trabalhos foram publicados nos últimos anos da década de 1940 [8-11]. Como resultado desse trabalho, Gross publicou um livro sobre o assunto que ainda hoje é referência fundamental na área de reologia de sólidos [12].

Em meados da década de 1950, Gross realizou uma série de trabalhos sobre efeitos da radiação em sistemas vítreos e poliméricos [13,14]. Com esses trabalhos foi descobridor de uma corrente elétrica em sólidos dielétricos, a qual estava relacionada ao efeito Compton, e que gerou outro célebre e seminal trabalho [15]. Esse efeito explicou o fenômeno até então sem explicação que ocorria em usinas nucleares. As janelas de vidro usadas como proteção de radiação estilhaçavam espontaneamente depois de algum tempo de uso. Gross foi convidado pelo Centro de Pesquisa em Radiação, em Nova Iorque, e em conjunto com os pesquisadores locais provou que as correntes Compton eram responsáveis pela degradação dos vidros [16]. Logo depois, Gross inventou o dosímetro Compton [17], o qual patenteou nos Estados Unidos, mas perdeu o direito da patente para o exército americano depois de uma batalha judicial.

Ainda no Brasil, Gross iniciou seus primeiros estudos sobre eletretos [18, 19], sendo o primeiro a fabricar os chamados radioeletretos. Ao se aposentar do Instituto Nacional de Tecnologia, foi convidado para ocupar a direção do Departamento de Informação Científica e Técnica da Agência Internacional de Energia Atômica, em Viena, onde fica até o final da década de 1960. Publica alguns trabalhos relevantes sobre informação científica [20], e volta à ativa como pesquisador na área de eletretos na década de 1970.

Professor Roberto Mendonça Faria
Pesquisador do Grupo de Polímeros “Prof. Bernhard Gross” (USP São Carlos)
Estudante de doutorado do prof. Bernhard Gross entre 1980 e 1984

Veja também

Nossa matéria “Bernhard Gross: pai da pesquisa em eletretos no Brasil”: http://sbpmat.org.br/bernhard-gross-pai-da-pesquisa-em-eletretos-no-brasil/

 Referências

[1] For the Pressure Dependence of the Ionization by Cosmic Ray (Zur Druckabhängigkeit der Ionisation durch. Ultrastrahlung), B. Gross, ZEITSCHRIFT FUR PHYSIK Volume: 78 Issue: 3-4 Pages: 271-278 DOI: 10.1007/BF01337596 Published: MAR 1932.
[2] For the absorption of the ultra radiation (Zur Absorption der Ultrastrahlung), ZEITSCHRIFT FUR PHYSIK, B. Gross,  Volume: 83 Issue: 3-4 Pages: 214-221 DOI: 10.1007/BF01331141 Published: MAR 1933.
[3] Spectrum and latitude variation of penetrating radiation, E. J. Williams, Nature, 512 (1933).
[4] Cosmic rays, L. Janossy (1950), Oxford at Clarendon Press.
[5] On the electric conductivity of Zeolite, B. Gross, ZEITSCHRIFT FUR KRISTALLOGRAPHIE Volume: 92 Issue: 3/4 Pages: 284-292 Published: DEC 19.
[6] On after-effects in solid dielectrics, B. Gross, PHYSICAL REVIEW Volume: 57 Issue: 1 Pages: 57-59 DOI: 10.1103/PhysRev.57.57 Published: JAN 1940.
[7] STATIC CHARGES ON DIELECTRICS, B. Gross, BRITISH JOURNAL OF APPLIED PHYSICS Volume: 1 Issue: OCT Pages: 259-267 DOI: 10.1088/0508-3443/1/10/304 Published: 1950.
[8] ON CREEP AND RELAXATION, B. Gross, PHYSICAL REVIEW Volume: 71 Issue: 2 Pages: 144-144 Published: 1947.
[9] ON CREEP AND RELAXATION, B. Gross, JOURNAL OF APPLIED PHYSICS Volume: 18 Issue: 2 Pages: 212-221 DOI: 10.1063/1.1697606 Published: 1947.
[10] ON CREEP AND RELAXATION .2, B. Gross, JOURNAL OF APPLIED PHYSICS Volume: 19 Issue: 3 Pages: 257-264 DOI: 10.1063/1.1715055 Published: 1948.
[11] FRICTIONAL LOSS IN VISCO-ELASTIC SUBSTANCES, B. Gross, JOURNAL OF APPLIED PHYSICS Volume: 21 Issue: 2 Pages: 185-185 DOI: 10.1063/1.1699622 Published: 1950.
[12] Mathematical structure of the theories of Viscoelasticity, B. Gross, Paris, Hermann Press (1953).
[13] IRRADIATION EFFECTS IN BOROSILICATE GLASS, B. Gross, PHYSICAL REVIEW Volume: 107 Issue: 2 Pages: 368-373 DOI: 10.1103/PhysRev.107.368 Published: 1957.
[14] IRRADIATION EFFECTS IN PLEXIGLAS, B. Gross, JOURNAL OF POLYMER SCIENCE Volume: 27 Issue: 115 Pages: 135-143 DOI: 10.1002/pol.1958.1202711511 Published: 1958.
[15] THE COMPTON CURRENT, B. Gross, ZEITSCHRIFT FUR PHYSIK Volume: 155 Issue: 4 Pages: 479-487 DOI: 10.1007/BF01333129 Published: 1959.
[16] BETA-PARTICLE TRANSMISSION CURRENTS IN SOLID DIELECTRICS, B. Gross, A. Bradley & A. P. Pinkerton, JOURNAL OF APPLIED PHYSICS Volume: 31 Issue: 6 Pages: 1035-1037 DOI: 10.1063/1.1735740 Published: 1960.
[17] Compton Dosimeter for measurements of penetrating x-rays and gamma rays, B. Gross, RADIATION RESEARCH Volume: 14 Issue: 2 Pages: 117-& DOI: 10.2307/3570883 Published: 1961.
[18] GAMMA IRRADIATION EFFECTS ON ELECTRETS, B. Gross & R. J. D. Moraes, PHYSICAL REVIEW Volume: 126 Issue: 3 Pages: 930-& DOI: 10.1103/PhysRev.126.930 Published: 1962.
[19] POLARIZATION OF ELECTRET, B. Gross & R. J. D. Moraes, JOURNAL OF CHEMICAL PHYSICS Volume: 37 Issue: 4 Pages: 710-& DOI: 10.1063/1.1733151 Published: 1962.
[20] PRESENT AND FUTURE TRENDS OF SCIENTIFIC INFORMATION, B. Gross, ATOMIC ENERGY REVIEW Volume: 4 Issue: DEC Pages: 85-& Published: 1966.