Artigo em destaque: Inteligência artificial para desenvolver novos vidros.

O artigo científico com participação de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é: Predicting glass transition temperatures using neural networks. Daniel R.Cassar, André C.P.L.F. de Carvalho, Edgar D. Zanotto. Acta Materialia. Volume 159, 15 October 2018, Pages 249-256. https://doi.org/10.1016/j.actamat.2018.08.022

Inteligência artificial para desenvolver novos vidros

Os vidros, materiais que estão presentes em uma vasta diversidade de produtos, desde uma garrafa de vinho até um implante dentário, poderão fazer novas contribuições à qualidade de vida dos seres humanos e animais, e à preservação do planeta. De fato, até o momento, cerca de 400 mil (4 x 105) fórmulas de vidros foram produzidas e publicadas, enquanto 1052 novos vidros poderão ainda ser desenvolvidos utilizando combinações possíveis entre 80 elementos amigáveis da tabela periódica.

Para lidar com essa infinidade de possibilidades, é imprescindível contar com a ajuda de ferramentas computacionais sofisticadas que indiquem quais são as fórmulas químicas mais promissoras em função de suas propriedades físico-químicas. Ferramentas recentes utilizam inteligência artificial, principalmente algoritmos do chamado “aprendizado de máquina” (machine learning). Após um adequado treinamento com dados conhecidos, essas ferramentas podem realizar a triagem inicial que permite decidir em quais fórmulas vale a pena investir recursos (tempo, dinheiro, esforços) para desenvolvê-las no laboratório.

box vidrosEssa foi a direção escolhida por uma equipe brasileira que reuniu pesquisadores das áreas de Materiais e de Computação, e criou uma ferramenta computacional de aprendizado de máquina (uma rede neural artificial), que se mostrou capaz de predizer com eficácia a temperatura de transição vítrea (Tg), uma importante propriedade dos vidros que depende de sua composição [Veja box ao lado].

O trabalho foi reportado em artigo científico recentemente publicado no periódico Acta Materialia (fator de impacto 6,036, taxa de aceite de 22%).

“A principal contribuição do artigo foi demonstrar a possibilidade de prever uma propriedade importante de vidros óxidos (neste caso a Tg) usando uma rede neural artificial”, diz Edgar Dutra Zanotto, professor da UFSCar e um dos três autores do paper. “A única informação necessária para realizar tal previsão é a composição química do material”, completa.

Redes neurais artificiais são amplamente usadas, por exemplo, para reconhecer rostos em enormes bancos de imagens, mas a sua aplicação na pesquisa em Materiais ainda é escassa e incipiente. Na área de materiais vítreos, por exemplo, o artigo de Zanotto e seus coautores é o terceiro que reporta o uso dessa ferramenta computacional.

As redes neurais artificiais são sistemas computacionais distribuídos formados por unidades de processamento de dados simples (equivalentes a neurônios simplificados) interconectados por meio de conexões equivalentes a sinapses. Elas aprendem por meio de algoritmos de aprendizado. Trabalhando em conjunto, os “neurônios” conseguem processar grandes volumes de dados e fazer previsões, mas, para isso, a rede precisa ser treinada a partir de exemplos concretos.

A aproximação de Zanotto às redes neurais artificiais começou há cerca de dois anos, quando ele pensou em buscar ferramentas de inteligência artificial para facilitar a busca de novas fórmulas de vidros. A ideia despertou grande interesse de Daniel Roberto Cassar, bolsista de pós-doutorado do Laboratório de Materiais Vítreos (LaMaV) do Departamento de Engenharia de Materiais (DEMa) da UFSCar, coordenado por Zanotto. Cassar participou, então, de cursos e palestras sobre redes neurais e começou a incursionar no desenvolvimento de redes neurais aplicadas ao estudo de vidros.

Há cerca de um ano, a dupla de cientistas de materiais sentiu necessidade de contar com um especialista em inteligência artificial e iniciou uma colaboração com o professor André Carlos Ponce de Leon Ferreira de Carvalho, professor do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP São Carlos. Dessa maneira, a pesquisa acabou envolvendo uma série de bolsistas de ambos os grupos, todos localizados na cidade de São Carlos.

Foto da esuqerda: Professor Edgar Zanotto e bolsista de pós-doutorado Daniel Cassar no LaMaV - DEMa – UFSCar. Foto da direita: O professor André Carlos Ponce de Leon Ferreira de Carvalho (segundo a partir da esquerda) em laboratório do ICMC - USP São Carlos, rodeado por bolsistas que estão realizando pesquisas sobre ferramentas de inteligência artificial para prever propriedades de vidros. A partir da esquerda: Bruno de Almeida Pimentel (pós-doutorado), Edesio Alcobaça Neto (doutorado) e Saulo Martiello Mastelini (doutorado).
Foto da esquerda: Professor Edgar Zanotto e bolsista de pós-doutorado Daniel Cassar no LaMaV – DEMa – UFSCar. Foto da direita: O professor André Carlos Ponce de Leon Ferreira de Carvalho (segundo a partir da esquerda) em laboratório do ICMC – USP São Carlos, rodeado por bolsistas que estão realizando pesquisas sobre ferramentas de inteligência artificial para prever propriedades de vidros. A partir da esquerda: Bruno de Almeida Pimentel (pós-doutorado), Edesio Alcobaça Neto (doutorado) e Saulo Martiello Mastelini (doutorado).

A equipe projetou e implementou uma rede neural artificial, que foi treinada para que conseguisse correlacionar Tg e composição química. O treinamento foi realizado com os dados da Tg e da composição de cerca de 45.000 vidros baseados na combinação de 45 elementos químicos. Cada uma das fórmulas usadas no treinamento continha, no mínimo, 3 elementos e, no máximo, 21. Todos os dados foram extraídos de um banco de materiais vítreos que reúne dados experimentais extraídos da literatura científica.

Temperatura de transição vítrea (Tg) predita pela rede neural versus o valor experimental reportado na literatura. Gráfico construído considerando 5.515 pontos experimentais que não foram utilizados para o treino da rede neural. A linha reta mostra a identidade onde a previsão da rede é igual ao valor reportado. A inserção mostra a distribuição do erro relativo da previsão (em porcentagem).
Temperatura de transição vítrea (Tg) predita pela rede neural versus o valor experimental reportado na literatura. Gráfico construído considerando 5.515 pontos experimentais que não foram utilizados para o treino da rede neural. A linha reta mostra a identidade onde a previsão da rede é igual ao valor reportado. A inserção mostra a distribuição do erro relativo da previsão (em porcentagem).

Depois de treinar a rede, os cientistas testaram a sua capacidade de prever a Tg. Para isso, informaram à rede a composição química de outros 5.515 vidros, também presentes no banco de dados, mas que não tinham sido usados no treinamento. Ao comparar os valores preditos pela rede neural com os valores obtidos por meio de métodos experimentais, presentes no banco de dados, o time científico se surpreendeu positivamente. A rede neural artificial teve um desempenho muito bom nas respostas, errando, no máximo, 6% para cima ou para baixo nos valores da temperatura em 90% dos testes – um nível de incerteza muito similar ao exibido pelos estudos experimentais. Além disso, o grau de precisão dos resultados demonstrou ser independente da quantidade de elementos químicos presentes na composição do vidro, o que é importante quando se pensa em sondar materiais com extensas fórmulas químicas.

A rede neural são-carlense está pronta para ajudar cientistas e engenheiros de materiais do mundo a estimarem rapidamente a Tg de vidros de qualquer composição, tornando o trabalho de pesquisa e desenvolvimento de novos vidros muito mais rápido, fácil e econômico. Além disso, o estudo conduzido por Cassar, Carvalho e Zanotto mostra um caminho que pode ser seguido para desenvolver novas redes neurais aplicadas à Ciência e Engenharia de Materiais. “Este resultado abre uma larga avenida para estudos similares visando a previsão de quase todas as propriedades físico-químicas dos vidros com base na sua composição! ”, afirma Zanotto.

De fato, nos grupos dos professores Zanotto e Carvalho, pouco mais de um ano após o início da colaboração, uma série de trabalhos sobre o assunto está em curso. Essas pesquisas devem gerar novos algoritmos para aperfeiçoar ainda mais as redes neurais, novas redes treinadas para predizer outras propriedades (índice de refração, módulo de elasticidade, temperatura liquidus, etc.), mais conhecimento sobre o desempenho de algoritmos de aprendizado de máquina, novos artigos científicos e ferramentas de software para uso da comunidade.

O trabalho que originou o artigo publicado na Acta Materialia foi financiado pela FAPESP, por meio de dois Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão: o CERTEV (Center for Research, Technology and Education in Vitreous Materials) e o CeMEAI (Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria). A pesquisa também recebeu financiamento do programa Nippon Sheet Glass Overseas Grant(Japão).

Co-fundador da SBPMat condecorado “Global Ambassador” da American Ceramic Society.

zanotto acersO professor titular do Departamento de Engenharia de Materiais (DEMa) da UFSCar, Edgar Dutra Zanotto, um dos fundadores da SBPMat, foi condecorado pela American Ceramic Society (ACerS) com o título de “Global Ambassador“. A ACerS é uma das mais importantes e tradicionais sociedades científicas na área de Ciência e Engenharia de Materiais e completará o seu centenário no próximo ano. O título de “Global Ambassador” reconhece pesquisadores que demonstram liderança e serviço excepcional em prol da comunidade mundial de pesquisa em cerâmica e vidro.

Na ocasião da cerimônia, realizada em Pittsburg (EUA), em outubro deste ano,  Zanotto ministrou a prestigiosa palestra “Cooper Lecture” sobre o tema “The ultimate fate of glass“.

Um resumo sobre o assunto principal da palestra pode ser visto num vídeo de 3 minutos: Glass transition, a theatrical version.

 

Edgar Zanotto (UFSCar), cofundador da SBPMat, ministra palestra memorial no centenário da Society of Glass Technology.

Edgar Zanotto (esquerda) junto ao pesquisador David Pye, ex-presidente da ACErS (The American Ceramic Society) na celebração dos 100 anos da SGT.
O brasileiro Edgar Zanotto (esquerda) junto ao pesquisador David Pye, ex-presidente da ACErS (The American Ceramic Society) na celebração dos 100 anos da SGT.

Há 100 anos, o pioneiro da tecnologia de vidros Willian Ernest Stephens Turner (1881 – 1963) fundou o Department of Glass Technology na Universidade de Sheffield (Reino Unido) e a Society of Glass Technology (SGT). Esse centenário foi comemorado em Sheffield de 4 a 8 de setembro com um evento internacional denominado SGT100.

Um dos destaques da programação do evento foi a Turner Memorial Lecture, instituída há quase 50 anos pela Universidade de Sheffield, que figura entre as 100 “top universities” em alguns rankings e possui 5 prêmios Nobel entre seus ex-alunos e professores. Dentre os palestrantes anteriores da Turner Memorial Lecture, listam-se Sir Harry Kroto, ex-aluno de Sheffield e Prêmio Nobel de química pela descoberta dos fullerenos; Sir Alastair Pilkinton, inventor do processo float, que é utilizado mundialmente, inclusive no Brasil, na fabricação de vidro plano; Larry L. Hench, inventor dos biovidros; John D. Machenzie, fundador do Journal of Non-Crystalline Solids, entre outros. Neste ano, a Turner Memorial Lecture, em sua 19ª edição, foi proferida pela primeira vez por um brasileiro, o professor Edgar Dutra Zanotto (DEMa-UFSCar), que foi um dos fundadores da SBPMat.

Zanotto foi convidado devido a suas inovadoras pesquisas sobre nucleação e cristalização de vidros. Ele ocupa o topo no ranking mundial da base de dados Scopus com as palavras-chave principais de sua linha de pesquisa: “crystal and nucleation and glass” com cerca de 80 artigos científicos indexados na Scopus nesse tema publicados nos últimos 35 anos.

Em sua aula, intitulada “Glass myths and marvels“, Zanotto discorreu durante 60 minutos para uma eclética plateia de aproximadamente 350 participantes, incluindo autoridades da Universidade de Sheffield e também muitos especialistas em vidros de 28 nacionalidades, participantes do SGT100. Nessa palestra ele abordou questões polêmicas, tais como: o que é o vidro, formas criativas de reciclar o vidro, propriedades inusitadas de vidros, se as vidraças das catedrais medievais estão escorrendo, se é possível trincar um vidro no grito, e o que originou a famosa imagem da Virgem Maria numa janela em Ferraz de Vasconcelos (SP). No final houve uma animada sessão de perguntas e respostas que durou mais 30 minutos.

História da SBPMat: concepção e gestação.

Agradecimentos ao professor Zanotto, coordenador do workshop junto ao professor Solórzano. (Arquivo pessoal de Edgar Zanotto).

Nas lembranças do professor Edgar Dutra Zanotto, um dos fundadores da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Materiais (SBPMat), um marco importante no processo de criação da SBPMat foi o evento “Frontiers in Materials Research, Technology and Education. A Workshop to Advance Pan-American Collaboration”, ocorrido entre 7 e 10 de junho de 1998 no Rio de Janeiro. O evento foi organizado pela National Science Foundation (NSF) dos Estados Unidos, conjuntamente com instituições ligadas à ciência e tecnologia da Argentina, Brasil (CNPq, FINEP, MCT e PUC-Rio) e Chile, visando impulsionar o progresso na área de Materiais por meio de colaborações, não apenas entre diversas áreas do conhecimento, mas também entre os países do continente americano e entre a academia e a indústria. Os chairmen brasileiros do evento foram o próprio Zanotto (professor da UFSCar, formado em Engenharia de Materiais com mestrado em Física e doutorado em Tecnologia de Vidros) e o professor Guillermo Solórzano (professor da PUC-Rio com formação voltada à Engenharia de Materiais-Metalurgia).

O workshop foi uma oportunidade para discussões sobre temas já presentes no cenário brasileiro de pesquisa em Materiais: a fraca interação com pesquisadores latino e norte-americanos, a necessidade de interdisciplinaridade, a pouca interação existente entre empresas e universidades, a inexistência de uma revista científica forte e de uma sociedade científica interdisciplinar sobre Materiais.

Participantes do workshop panamericano, que foi um marco no processo que levou à fundação da SBPMat. (Foto do arquivo pessoal de Guillermo Solórzano)

De acordo com um documento de novembro de 2000 assinado por Zanotto e Solórzano, no workshop panamericano ficou evidente que a comunidade brasileira de Materiais necessitava uma sociedade científica organizada e que a representasse.  “A própria comunidade internacional da área tem manifestado surpresa com a inexistência deste tipo de sociedade no Brasil”, diz o documento. De fato, a Materials Research Society dos Estados Unidos (MRS), que serviu como modelo à SBPMat para dar os primeiros passos, tinha sido fundada em 1973. Outro exemplo era a Asociación Argentina de Materiales, fundada em 1993.

Esse mesmo documento afirma que “tem crescido progressivamente na comunidade brasileira o contingente de pesquisadores de Materiais”.  Nas lembranças do professor Elson Longo, na época “as publicações em Materiais dos grupos principais já eram relevantes e ligadas a revistas internacionais especializadas de alto nível, mas a criação da SBPMat incrementou ainda mais esse tipo de publicação ”. Longo, químico com mestrado e doutorado em Físico-Química e então professor da UFSCar, participou da gênese da SBPMat dando apoio e fazendo ampla propaganda da importância da criação da sociedade para o desenvolvimento da pesquisa no Brasil.  Num segundo momento, assumiu a direção da sociedade junto ao professor Roberto Mendonça Faria, e presidiu a SBPMat de 2004 a 2005.

O segundo a partir da esquerda na fila da frente é o professor Solórzano, um dos coordenadores do evento. (Foto do arquivo pessoal de Guillermo Solórzano)

O físico Aldo Craievich (USP) comenta que, no ano 2000, já havia um importante número de grupos de pesquisa em Materiais, o qual foi aumentando durante a última década. “Os pesquisadores que realizavam pesquisas básicas no início deste século já publicavam principalmente em revistas internacionais, enquanto os pesquisadores em áreas tecnológicas/industriais publicavam uma fração importante de seus trabalhos em revistas nacionais, tais como a Revista da Associação Brasileira de Metalurgia, Materiais e Mineração (ABM) e os Anais do Congresso Brasileiro de Engenharia e Ciência dos Materiais (CBECiMat),  em muitos casos em português”, diz o professor Craievich.

O professor Sergio Machado Rezende (UFPE), engenheiro eletrônico com mestrado e doutorado em Física, que também apoiou desde o início a iniciativa de fundação da SBPMat, recorda que “até a criação da sociedade, na engenharia, a área de Materiais ficava no departamento de Metalurgia das universidades, porque as engenharias tradicionais (civil, mecânica, eletrônica) não tinham muita pesquisa em Materiais”.

Em outubro do mesmo ano do workshop pan-americano (1998), foi publicada a primeira edição da revista científica Materials Research – Revista Ibero-Americana de Materiais (ISSN 1516-1439). “É interessante notar que esse periódico de natureza interdisciplinar também surgiu de discussões realizadas mais ou menos na mesma época, na década de 1990, nas assembleias do CBECiMat”, comenta o professor Zanotto, que foi o primeiro editor-chefe desse periódico e permaneceu nesse cargo durante treze anos, até outubro de 2010. O CBECiMat vinha sendo organizado desde 1974 com o apoio da ABM, da Associação Brasileira de Cerâmica (ABC) e da Associação Brasileira de Polímeros (ABPol), associações das quais participavam pesquisadores, principalmente engenheiros, e entidades de classe ligadas à indústria. Essas três associações foram as fundadoras da revista Materials Research, que aos poucos passou a congregar também quatro sociedades parceiras: a Sociedade Brasileira de Crescimento de Cristais (SBCC), a Sociedade Brasileira de Cristalografia (SBCr), a Sociedade Brasileira de Microscopia e Microanálise (SBMM) e a própria SBPMat.

Outros eventos que reuniam uma parte dos pesquisadores de Materiais brasileiros eram as reuniões que a MRS organizava duas vezes por ano nos Estados Unidos.  “Muitos físicos já participavam naquela época desses encontros da MRS”, lembra o professor Rezende.

Apresentação da proposta à comunidade brasileira

No início do ano 2000, após um estágio nos Estados Unidos, no qual participara de um encontro da MRS, Guillermo Solórzano deu início aos esforços realizados para fundar uma sociedade brasileira de pesquisa em Materiais. “Nesse momento ele iniciou conversas com pesquisadores brasileiros que poderiam se interessar por essa empreitada”, diz Edgar Zanotto. O professor Solórzano é, de fato, lembrado por Zanotto como “nucleador da SBPMat” e por Rezende como “principal articulador da ideia da criação da SBPMat”. Aldo Craievich diz ainda que Solórzano foi “o pesquisador que fez a primeira proposta pública e mais batalhou durante a fase que conduziu, desde as conversas preliminares à fundação da SBPMat”.

Edgar Zanotto foi um dos pesquisadores procurados por Solórzano. “Quando retornou dos EUA com essa ideia, Guillermo me consultou; eu imediatamente concordei com a proposta e então ele solicitou que eu convidasse pesquisadores renomados da área de Materiais, de São Paulo e São Carlos, para reuniões presenciais sobre a proposta. Ele também pediu que eu realizasse diligências junto à diretoria e a comunidade da Associação Brasileira de Cerâmica”, relata Zanotto.

Sergio Rezende foi outro dos pesquisadores procurados por Solórzano. “Eu me lembro que o Guillermo me disse que ele iria apresentar a proposta da SBPMat numa reunião de Física da Matéria Condensada, mas que precisava do apoio de físicos”. Imediatamente, Rezende disse que via a iniciativa com bons olhos e que considerava importante haver participação de físicos nela, porque a área de Materiais nos países mais desenvolvidos era interdisciplinar já naquela época, envolvendo engenheiros, físicos, químicos e outros cientistas.

Zanotto comenta que o envolvimento de físicos e químicos renomados era um claro objetivo dos pesquisadores que participaram da gestação da SBPMat. “O apoio e incentivo desses físicos e químicos, que gostaram da idéia, viabilizou a efetiva criação da SBPMat”, conclui Zanotto.

Além da apresentação no Encontro de Física da Matéria Condensada lembrada pelo professor Rezende, houve, pelo menos, mais dez reuniões realizadas ao longo do ano 2000 em cidades das regiões Sul, Sudeste e Nordeste (veja abaixo o Anexo 1). De acordo com o professor Zanotto, “as cidades foram escolhidas com base no número de pesquisadores locais da área de Materiais e, várias vezes, aproveitando a realização de congressos científicos relacionados a Materiais”.

Nas recordações do professor Longo, nesse ano de 2000 houve uma participação muito forte do Instituto de Física da USP e dos Departamentos de Química, Física e Engenharia de Materiais da UFSCar. “Mobilizados, eles deram uma consistência maior para a sociedade que estava nascendo. A partir daí houve uma participação da nossa comunidade como um todo, para viabilizar a nova sociedade”, lembra.

A respeito do conteúdo das reuniões realizadas, Zanotto comenta: “Se recordo bem, uma das principais conclusões foi que havia pouca interação no Brasil entre engenheiros, físicos e químicos e que urgia fomentar a interdisciplinaridade – característica necessária para o desenvolvimento da pesquisa em materiais!”.

Aldo Craievich, que participou de várias dessas reuniões e eventos e no intercâmbio de mensagens eletrônicas, sempre apoiando a criação da SBPMat, acrescenta que, nessa fase de gestação da sociedade, a ideia era criar uma entidade de características similares às da MRS dos Estados Unidos.  “A principal função da nova associação seria a de organizar encontros anuais compostos de simpósios temáticos, como os da MRS. Ponderou-se que esses encontros deveriam ter um forte caráter internacional, com ampla participação de pesquisadores estrangeiros, e utilizando preferentemente o idioma inglês nas apresentações e no livro de resumos”, comenta. O professor Craievich acrescenta ainda que, na época, definiu-se que a SBPMat seria uma sociedade de forte vocação interdisciplinar (incluindo físicos, químicos e engenheiros de Materiais), com importante inserção na comunidade internacional de Materiais e que abrangeria tanto as pesquisas básicas quanto as aplicadas e as de interesse tecnológico.

Dificuldades e resistências

Em decorrência dessas reuniões, houve centenas de adesões à iniciativa de fundar a SBPMat, feitas pelo correio eletrônico. O documento de novembro de 2000 registra mais de 300 e-mails de pré-afiliação à sociedade em gestação ou de apoio à iniciativa, e apenas dois ou três apresentando críticas.

Entretanto, resistências à criação de uma sociedade brasileira interdisciplinar de pesquisa em Materiais existiram. Edgar Zanotto se lembra de uma acirrada oposição por parte de pesquisadores que consideravam que não haveria espaço para mais uma associação voltada a Materiais. “Muitos colegas que participaram das reuniões de apresentação da proposta eram membros ou haviam passado pela diretoria das associações brasileiras de cerâmica (ABC), metalurgia (ABM) e polímeros (ABPol), as quais, por sua vez, já realizavam seus respectivos congressos anuais; nem sempre com audiência significativa”. Alem disso, acrescenta o professor, ao menos um congresso de caráter interdisciplinar já vinha sendo organizado bienalmente pelo mesmo pessoal daquelas três sociedades, o acima citado CBECiMat.

Conforme menciona o professor Craievich, a coexistência de congressos relacionados com Materiais acontece também nos Estados Unidos, onde, além dos eventos da MRS, existem os organizados pela TMS (The Minerals, Metals & Materials Society). “Essas duas séries de reuniões congregam anualmente vários milhares de participantes e não parece que haja uma superposição ou conflito entre elas”, diz o professor. “Me parece que esse mesmo comentário se aplica ao que acontece no Brasil, onde coexistem as reuniões periódicas da SBPMat, da ABM e o CBECiMat, além das reuniões mais específicas, por exemplo, sobre materiais cerâmicos e polímeros”, completa.

O professor Rezende lembra-se da oposição enfrentada entre os físicos. “Infelizmente, sempre que vem uma coisa nova tem certas resistências. Alguns físicos diziam que haveria uma dispersão da área de Física, a qual já tinha a Matéria Condensada”, comenta.  Resumindo, Rezende conclui que uma minoria dos físicos era resistente à criação da sociedade e uma boa parte não se envolveu muito no início, mas que um envolvimento maior foi surgindo gradualmente, principalmente por parte dos pesquisadores da área de Matéria Condensada e os físicos experimentais. “Hoje os físicos têm uma participação grande na SBPMat. E essa participação com a engenharia é muito importante”, afirma o professor.

Para o professor Longo, o maior desafio para criação da sociedade foi a falta de financiamento para o deslocamento dos organizadores. “Via de regra, eles utilizaram verba pessoal para estruturar a sociedade”, diz.

Rumo aos estatutos

Apesar dessas dificuldades e resistências, no final do ano 2000 a criação da SBPMat contava com adesão e força motriz suficientes para avançar mais um passo, registrado no documento de novembro desse ano: a formação de  uma comissão interdisciplinar de Materiais, constituída por pesquisadores “de liderança e expressão”, “representativa das diversas regiões do país e das diferentes áreas de pesquisa em Materiais, incorporando engenheiros, físicos e químicos” dispostos a colaborar na empreitada (veja abaixo o Anexo 2). O documento deixava aberta a possibilidade de participação a outros pesquisadores.

Essa comissão elaboraria os estatutos da futura SBPMat, que seria finalmente instituída numa assembleia de junho de 2001 e formalmente constituída em janeiro de 2002.

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Anexo 1. As reuniões de apresentação da proposta.

Por iniciativa do professor Guillermo Solórzano, a proposta de criação da SBPMat foi apresentada numa série de reuniões e eventos ao longo de 2000. As apresentações ocorreram graças a ajuda de muitos pesquisadores que permitiram articulá-las e contaram com a presença de Solórzano e seus colaboradores. Segue a relação das reuniões das quais se tem registro em documentos da SBPMat e na lembrança de seus criadores:

  • em São Lourenço (MG), durante o Encontro de Física da Matéria Condensada, no mês de maio;
  • na PUC-Rio (Rio de Janeiro, RJ) no dia 28 de agosto;
  • na UFPE (Recife, PE), também em 28 de agosto;
  • no IPEN (São Paulo, SP) no dia 30 ou 31 de agosto;
  • na UFMG (Belo Horizonte, MG) no dia 1º de setembro;
  • em Canela (RS), em 7 de setembro, durante o congresso Ion Beam Modification of Materials;
  • na UFSC (Florianópolis, SC) no dia 11 de setembro;
  • em Joinville (SC), no dia 12 ou 13 de setembro, durante o SULMAT (Congresso em Ciência de Materiais da região Sul);
  • na UFSCar (São Carlos, SP) em 22 de setembro;
  • na UFPR (Curitiba, PR) em 26 de novembro;
  • em Águas de São Pedro (SP), em 4 de dezembro, durante o CBECiMat.

Anexo 2. Participantes da Comissão Interdisciplinar de Materiais, de acordo com documento de novembro de 2000. Essa comissão elaborou os estatutos da futura SBPMat.

  • Aldo Felix Craievich (USP)
  • Aloísio Nelmo Klein (UFSC)
  • Angelo Fernando Padilha (USP)
  • Edgar Dutra Zanotto (UFSCar)
  • Elisa Maria Baggio Saitovitch (CBPF)
  • Elson Longo da Silva (UFSCar)
  • Evando Mirra de Paula e Silva (CNPq)
  • Fernanda Margarida Barbosa Coutinho (IMA – UFRJ)
  • Fernando Galembeck (UNICAMP)
  • Fernando Lázaro Freire Junior (PUC-Rio)
  • Ivan Guillermo Solórzano-Naranjo (PUC-Rio)
  • José Antonio Eiras (UFSCar)
  • José Arana Varela (UNESP)
  • Luiz Henrique de Almeida (UFRJ)
  • Moni Behar (UFRGS)
  • Renato Figueiredo Jardim (USP)
  • Roberto Villas Bôas (CETEM)
  • Sergio Machado Rezende (UFPE)
  • Wander Luiz Vasconcelos (UFMG)

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Nota do Boletim da SBPMat. Por questões de agenda, Guillermo Solórzano, que no momento da reportagem exerce o cargo de Ministro Coordinador del Conocimiento y Talento Humano no Equador, não pôde participar diretamente desta matéria.

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