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Grande parte da atividade científica do prof. Bernhard Gross que vem antes dos seus estudos sobre eletretos é pouco comentada, mas tem um valor inestimável. Os trabalhos sobre eletretos ganham destaque e repercussão internacional a partir dos anos 1970, e continuaram nos primeiros anos de 1980. Vou comentar um pouco o que ele produziu desde o início de sua carreira até a década de 1960.
Ainda na Alemanha, em Stuttgart, ele publicou alguns trabalhos sobre correções de latitude em detectores usados nos estudos de raios cósmicos na atmosfera [referências 1 e 2]. Esses artigos foram publicados em alemão. Seu trabalho foi logo generalizado por E. J. Williams e publicado na revista Nature [3]. Posteriormente essa correção ficou conhecida como “transformação de Gross”. Num célebre livro sobre raios cósmicos, publicado em 1950 [4], o capítulo 3 é dedicado à “transformação de Gross”.
Seu primeiro trabalho no Brasil foi sobre propriedades elétricas de zeólitas [5], que junto ao trabalho sobre efeitos retardados em sólidos dielétricos [6] e, mais tarde, sobre cargas estáticas em dielétricos [7], marcaram o início de suas pesquisas na área de Materiais, que culminaria com os famosos estudos sobre eletretos a partir dos anos 1960. No entanto, foram marcantes os trabalhos seminais que realizou sobre modelos matemáticos aplicados a sistemas viscoelásticos. Esses trabalhos foram publicados nos últimos anos da década de 1940 [8-11]. Como resultado desse trabalho, Gross publicou um livro sobre o assunto que ainda hoje é referência fundamental na área de reologia de sólidos [12].
Em meados da década de 1950, Gross realizou uma série de trabalhos sobre efeitos da radiação em sistemas vítreos e poliméricos [13,14]. Com esses trabalhos foi descobridor de uma corrente elétrica em sólidos dielétricos, a qual estava relacionada ao efeito Compton, e que gerou outro célebre e seminal trabalho [15]. Esse efeito explicou o fenômeno até então sem explicação que ocorria em usinas nucleares. As janelas de vidro usadas como proteção de radiação estilhaçavam espontaneamente depois de algum tempo de uso. Gross foi convidado pelo Centro de Pesquisa em Radiação, em Nova Iorque, e em conjunto com os pesquisadores locais provou que as correntes Compton eram responsáveis pela degradação dos vidros [16]. Logo depois, Gross inventou o dosímetro Compton [17], o qual patenteou nos Estados Unidos, mas perdeu o direito da patente para o exército americano depois de uma batalha judicial.
Ainda no Brasil, Gross iniciou seus primeiros estudos sobre eletretos [18, 19], sendo o primeiro a fabricar os chamados radioeletretos. Ao se aposentar do Instituto Nacional de Tecnologia, foi convidado para ocupar a direção do Departamento de Informação Científica e Técnica da Agência Internacional de Energia Atômica, em Viena, onde fica até o final da década de 1960. Publica alguns trabalhos relevantes sobre informação científica [20], e volta à ativa como pesquisador na área de eletretos na década de 1970.
Veja também
Nossa matéria “Bernhard Gross: pai da pesquisa em eletretos no Brasil”: http://sbpmat.org.br/bernhard-gross-pai-da-pesquisa-em-eletretos-no-brasil/
Referências
Em junho de 1933, desembarcava na cidade do Rio de Janeiro o engenheiro e físico de Sttutgart (Alemanha) Bernhard Gross. Após ter desenvolvido algumas pesquisas sobre raios cósmicos, como colaborador, e constatando que era difícil conseguir um emprego como físico em seu país de origem, o jovem de 28 anos tinha decidido tentar a vida no Brasil. Nesse momento Gross já possuía algumas publicações científicas.
Por que Gross veio ao Brasil, um país que, na época, tinha pouquíssimas instituições, infraestrutura e recursos humanos para pesquisa? Numa entrevista realizada em 1976, Gross relatou que seu interesse pelo Brasil surgiu na infância, durante uma viagem que realizou com a família pelas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Pelotas, e na qual sentiu um gostinho de aventura e romantismo.
Logo após a sua chegada ao Rio, Gross deu algumas palestras sobre raios cósmicos na Escola Politécnica do Largo de São Francisco e, assim, começou a conhecer pessoas ligadas à ciência na cidade. Em janeiro de 1934 obteve seu primeiro emprego, no Instituto de Meteorologia. No mesmo ano, publicou o primeiro de seus artigos científicos escritos no Brasil. Em 1999, com 94 anos, publicaria o último de cerca de duzentos.
Em vários temas, tais como raios gama, circuitos elétricos e materiais dielétricos, Gross fez contribuições de relevância e impacto internacional com trabalhos de pesquisa desenvolvidos no Brasil. Gross abordava os desafios científicos com muita competência, tanto do ponto de vista teórico quanto do experimental, e dava uma particular atenção à aplicação da Matemática à Física.
Além de fazer ciência de acordo com padrões internacionais, Gross, desde as décadas de 1930-40, publicava os resultados de seus trabalhos em periódicos do Brasil e do exterior, como os Anais da Academia Brasileira de Ciências, o Journal of Applied Physics, Physical Review, Journal of Chemical Physics e a revista alemã Zeitschrift für Angewandte Physik, entre outros periódicos. Ademais, Gross circulou bastante pelo mundo, tendo passado alguns períodos trabalhando nos Estados Unidos (nos laboratórios Bell e no Massachusetts Institute of Technology), na Inglaterra (na Electrical Research Association) e na Áustria (como membro do comitê científico da Agência Internacional de Energia Atômica, organização internacional dedicada aos usos pacíficos da energia atômica), entre outros destinos. Finalmente, Gross conseguiu, em várias oportunidades, trazer para o Brasil pesquisadores do exterior.
Trabalhando continuamente em diversos temas, Gross iniciou no Brasil, de forma pioneira, a pesquisa em Física da Matéria Condensada, pilar da Ciência e Engenharia dos Materiais.
Os eletretos
Um dos campos que recebeu mais contribuições científicas de Bernhard Gross é o estudo dos eletretos, materiais dielétricos (isolantes) que, por estarem permanentemente polarizados, possuem carga elétrica permanente.
A gênese das pesquisas de Gross sobre eletretos remonta a um dos primeiros trabalhos feitos por Gross no Brasil, em 1934: um pedido da empresa de energia elétrica e telefonia Light, que queria saber qual era a resistência do isolamento de seus cabos telefônicos. Fazendo medidas, Gross notou que os fios apresentavam um fenômeno que o fascinava havia tempo, conhecido como “absorção dielétrica”.
Na entrevista de 1976, Gross relata: “Aquilo que a Light queria saber, eu podia resolver em tempo razoável. Agora, aproveitei isto para estudar o comportamento de isoladores, de maneira mais básica”. Gross enxergava como muito importante o interesse tecnológico das atividades de pesquisa, sem que isso significasse uma limitação da curiosidade científica à mera resolução do problema tecnológico.
No início da década de 1940, Gross e seu grupo ainda pesquisavam os materiais dielétricos no Instituto Nacional de Tecnologia (INT), no Rio de Janeiro. Bernhard Gross tinha lido sobre os eletretos e, por mera curiosidade, começou a fazer uma série de medidas junto a uma pesquisadora francesa, Line Ferreira – Denard, que estava trabalhando no INT. O trabalho, de base experimental, gerou duas publicações iniciais em 1945 e em 1948 e permitiu explicar, pela primeira vez, o comportamento dos eletretos. Em 1957, Gross realizou ainda um estudo sistemático sobre o comportamento dos campos que se produzem quando, ao injetar elétrons em sólidos carregados, os elétrons ficam presos em “armadilhas”.
Foi também nesse contexto dos estudos sobre dielétricos e eletretos que Joaquim da Costa Ribeiro desenvolveu a compreensão do efeito termodielétrico ou “efeito Costa Ribeiro”, no qual um dielétrico adquire polarização e carga permanente sem aplicação de um campo elétrico externo.
O microfone de eletretos
O conhecimento desenvolvido por Gross sobre eletretos permitiu o avanço nas aplicações industriais desses materiais, das quais uma das mais difundidas é o microfone de eletretos, criado no contexto dos laboratórios Bell por Gerhard Sessler e James West, que solicitaram a patente da invenção em 1962. Este tipo de microfone vem sendo produzido em milhões ou bilhões de unidades por ano.
Para chegar ao microfone de eletretos, Sessler e West utilizaram a teoria desenvolvida por Gross e o método descrito por ele para carregar materiais por meio de feixes de elétrons. Mas os pesquisadores dos laboratórios Bell utilizaram como matéria-prima folhas de teflon, material cujas propriedades mecânicas, baixíssima condutividade e possibilidade de ser fabricado em finas folhas permitiram sua aplicação no microfone. A fina folha de teflon, carregada, move-se pela ação das vibrações sonoras e induz cargas elétricas, transformando vibrações sonoras em vibrações elétricas.
“Admito que na ocasião não pensava em aplicações práticas”, disse Gross na entrevista de 1976, a respeito das pesquisas sobre eletretos. O cientista explicou os motivos: não dispunha de materiais adequados a aplicações industriais (usava cera de carnaúba e plexiglás), a dificuldade de realizar um pedido de patente na época era grande e ele precisaria reunir diversas competências para chegar num dispositivo como o microfone.
O microfone de Sessler não foi o único baseado nos conhecimentos desenvolvidos por Gross. Na história do físico de Sttutgart e os eletretos, existiu um caso de transferência tecnológica mais direta, o de Preston Murphy, seu assistente estadunidense especializado em eletrostática. Gross o conheceu numa de suas viagens e conseguiu para ele um contrato para trabalhar no Rio de Janeiro pela Comissão Nacional de Energia Nuclear. Murphy veio ao Brasil por volta de 1957 e ficou por cerca de seis anos, nos quais adquiriu conhecimentos e técnicas. De acordo com Gross, “quando voltou aos Estados Unidos, associou-se a uma companhia, onde desenvolveu um tipo de microfone de eletreto com base nos conhecimentos que adquirira aqui, valendo-se daquela facilidade extraordinária dos americanos para fazer gadgets, virtude que não possuo. Arranjou contratos por lá e montou uma grande linha de produção de microfones de eletretos.”
O reconhecimento às contribuições de Gross em eletretos
Os avanços promovidos por Gross na pesquisa em eletretos foram e são reconhecidos mundialmente. O próprio Gerhard Sessler dedicou o livro “Electrets”, editado por ele inicialmente em 1980, a Bernhard Gross. Em um artigo publicado no Brazilian Journal of Physics em 1999, Sessler afirma que Gross assentou as pedras fundamentais da pesquisa moderna em eletretos, guiou a sua evolução durante mais de meio século e ajudou a estabelecer esse campo como uma disciplina respeitada da ciência moderna.
Além disso, eventos internacionais na área também homenagearam o físico alemão, como o 3º e 5º Simpósio Internacional sobre Eletretos, realizados respectivamente em São Carlos (Brasil) e Heidelberg (Alemanha) na ocasião do 70º e 80º aniversário de Gross.
No Brasil, muitos cientistas se formaram sob sua influência. Entre outros, pode-se mencionar Armando Dias Tavares, Francisco Oliveira Castro, Guilherme Leal Ferreira, Joaquim Costa Ribeiro, Plínio Sussekind Rocha, Roberto Faria, Sérgio Mascarenhas, Yvonne Mascarenhas. Grupos de pesquisa se constituiram inspirados por Gross, principalmente no Rio de Janeiro e em São Carlos, como o Grupo de Polímeros “Bernhard Gross“, criado em meados da década de 1970 na USP São Carlos, a partir das visitas do físico de Sttutgart a essa universidade.
Em 2002, Bernhard Gross faleceu em São Carlos, aos 97 anos.
Veja também
Texto do professor Roberto Mendonça Faria sobre outros trabalhos do professor Bernhard Gross, feito para o boletim da SBPMat: http://sbpmat.org.br/?p=999
Saiba mais
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O artigo científico em destaque neste mês é:
Volanti, D. P., Felix, A. A., Orlandi, M. O., Whitfield, G., Yang, D.-J., Longo, E., Tuller, H. L. and Varela, J. A. (2012), The Role of Hierarchical Morphologies in the Superior Gas Sensing Performance of CuO-Based Chemiresistors. Adv. Funct. Mater. doi: 10.1002/adfm.201202332
Texto de divulgação:
O papel da morfologia do óxido cúprico nanoestruturado na melhoria de suas propriedades sensoras.
Um trabalho de pesquisa desenvolvido em colaboração por pesquisadores do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e do Departamento de Engenharia e Ciência dos Materiais do Massachusetts Institute of Technology (MIT) traz contribuições inovadoras ao desenvolvimento de sensores de alto desempenho para detecção de gases. O trabalho foi publicado online na prestigiada revista Advanced Functional Materials no final do ano passado.
Os pesquisadores decidiram investigar um material semicondutor de tipo-p, o óxido de cobre (II), também conhecido como óxido cúprico, cujo potencial na detecção de uma série gases já tinha sido demonstrado. Mais precisamente, a equipe pesquisou como a morfologia (formato) das partículas do óxido de cobre nanoestruturado influencia o desempenho do material como sensor de gás. “A síntese dos materiais nanoestruturados de óxido cúprico por um método hidrotérmico assistido por microondas era parte do trabalho de doutorado do então aluno Diogo P. Volanti”, contextualiza o professor José Arana Varela, um dos autores do artigo. “As morfologias obtidas eram únicas e, fazendo uma busca na literatura, notamos que havia muito poucos trabalhos que exploravam o uso de semicondutores do tipo-p como sensores de gás e que não havia nenhum trabalho que relatasse a influência da morfologia nestes semicondutores”, completa.
A investigação ocorreu no marco de um projeto de cooperação internacional entre o MIT e o Instituto de Química da Unesp, coordenado pelos professores José Arana Varela e Harry Tuller e financiado pela FAPESP (Projetos sementes MIT/BRASIL) e pelo CNPq (Bolsa de doutorado sanduíche). O projeto agregou o conhecimento do grupo da Unesp em síntese de novos materiais à experiência em caracterização em sensores de gás do grupo do MIT.
A equipe brasileira preparou, na Unesp, amostras de óxido cúprico com três morfologias diferentes e inovadoras: tipo ouriço, tipo fibra e tipo bastonete. A caracterização estrutural, morfológica e por microscopia eletrônica de transmissão das amostras também foi realizada no Brasil. Por sua vez, a equipe do MIT desenvolveu um sistema para testar a resposta à detecção de gás de todas as amostras simultaneamente e sob as mesmas condições. “Essa comparação in situ exatamente nas mesmas condições foi um fator de extrema relevância no estudo da influência da morfologia na resposta sensora”, afirma Anderson A. Felix, que foi o encarregado de realizar a caracterização sensora das amostras no MIT, no marco de seu doutorado sanduíche.
As amostras foram expostas a diversos gases em diferentes concentrações e temperaturas. As medidas mostraram que o controle da morfologia pode melhorar as propriedades sensoras do material. Em particular, revelou-se especialmente promissor como sensor de hidrogênio o formato de ouriço, formado por um núcleo sólido policristalino e espinhos nanoestruturados de aproximadamente 100 nanometros de comprimento e 10 de largura. De fato, essa morfologia apresentou uma sensibilidade muito maior do que as outras morfologias e também significativamente superior à sensibilidade de muitos outros materiais usados como sensores, mais caros e difíceis de fabricar do que o óxido cúprico.
“Do ponto de vista acadêmico, este trabalho foi muito importante ao mostrar um novo caminho para o aumento das propriedades sensoras em semicondutores do tipo-p”, diz Felix. “Do ponto de vista tecnológico, sensores baseados em cobre poderiam ser aplicados na área de segurança para sistemas a base de hidrogênio, como, por exemplo, células combustíveis”, completa.
No dia 13 de dezembro passado, no edifício-sede da Capes, em Brasília, ocorreu a cerimônia de entrega do Prêmio Capes de Tese. Na área de Materiais, o prêmio foi outorgado a Cesar Aguzzoli (34 anos) pela tese “Avaliação das propriedades físico-químicas, mecânicas e tribológicas de filmes finos de VC, Si3N4 e TiN/Ti”, defendida em 2011. O trabalho foi orientado por Israel Baumvol, professor emérito da UFRGS e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Materiais da Universidade de Caxias do Sul (PGMAT – UCS).
Aguzzoli fez graduação em Engenharia Química na UCS e mestrado em Engenharia e Ciência de Materiais na mesma universidade. Ele realizou o doutorado dentro de um programa interinstitucional (DINTER) vigente de 2007 a 2011 entre os programas de pós-graduação em Materiais da UFRGS e da UCS. Desde março do ano passado, Aguzzoli compõe o corpo docente do PGMAT – UCS.
Na tese contemplada com o Prêmio Capes de Tese, Aguzzoli estudou correlações entre estrutura e propriedades de alguns revestimentos baseados em filmes finos cerâmicos, mais especificamente, carbeto de vanádio, nitreto de silício e nitreto de titânio, depositados sobre titânio. As condições e os parâmetros de deposição dos filmes (composição e fluxo dos gases reativos, temperatura do substrato e outros) foram variados para obter filmes com composições, densidades e espessuras convenientes. Os resultados mostraram algumas correlações importantes entre, por um lado, dureza, resistência ao desgaste e resistência à corrosão e, por outro lado, composição, densidade real e estrutura cristalina.
Segue uma breve entrevista com o premiado.
Boletim da SBPMat (B.S.): – Poderia nos contar brevemente como começou o seu interesse pela ciência e como se desenvolveu a sua carreira de pesquisador?
Cesar Aguzzoli (C.A.): – O interesse pela ciência começou cedo em minha vida. Desde pequeno me interessei em saber como as coisas funcionam, fazendo diversas perguntas, tais como: O que está dentro disto? Como que estas peças juntas fazem isso possível? Então tive interesse em cursar uma graduação na área das exatas e escolhi o curso de Engenharia Química. No início da graduação comecei a ser bolsista de iniciação científica e então vieram algumas das respostas. Com a vontade de ter mais respostas e com uma infinidade de perguntas que surgiam a cada etapa, resolvi tentar a pós-graduação. Fiz mestrado e doutorado na área de Materiais. Então descobri que tinha mais perguntas que antes. Com isso, aprendi uma lição valiosa, perguntas sempre existirão e o gosto de achar respostas e formular perguntas é a carreira de pesquisador!
B.S.: – E por que começou a trabalhar na área de Materiais?
C.A.: – Bom, depois da graduação e com uma experiência em iniciação científica, surgiu a oportunidade de fazer mestrado em Materiais. Como sempre gostei desta área, mas ainda não tinha trabalhado nela, achei um desafio promissor e comecei os estudos em Materiais.
B.S.: – Quais foram os critérios que o guiaram para fazer uma pesquisa de qualidade destacada em nível nacional? A que fatores você atribui esta conquista?
C.A.: – Acredito que trabalhei com profissionais e colegas de alto nível. Isso sem nenhuma dúvida foi decisivo, bem como o comprometimento e dedicação que sempre achei necessários para o trabalho.
B.S.: – Gostaria de deixar alguma mensagem para nossos leitores que estão realizando trabalhos de iniciação científica, mestrado e doutorado na área de Materiais?
C.A.: – Com certeza, acredito que quando se faz algo que se gosta muito, tudo acaba ficando diferente. Pode não ser mais fácil, mas com certeza será menos sofrido. Acho que tanto para a vida como para o trabalho temos que possuir boa vontade e comprometimento com as tarefas. Com isso os resultados virão e, se não vierem, pelo menos o tempo que passamos fazendo as coisas não será um tempo gasto, e sim um investimento no que apreciamos em fazer.
Veja aqui o material de divulgação sobre o protótipo para fluoroimunoensaios desenvolvido no âmbito do INCT de Nanotecnologia para Marcadores Integrados (INAMI).
Estão abertas as inscrições do concurso para professor doutor do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP).
São duas vagas, uma na especialidade “Mecânica da Conformação dos Metais” (veja aqui o edital) e a outra na especialidade “Materiais Poliméricos” (acesse o edital).
A Assembleia Geral da Academia Brasileira de Ciências (ABC) elegeu 36 cientistas de excelência para integrar seus quadros como Membros Titulares e Membros Correspondentes. A cerimônia de posse ocorrerá no dia 7 de maio de 2013.
Entre os membros titulares eleitos, há três presidentes da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Materiais (SBPMat): Roberto Mendonça Faria (USP), que é o presidente atual; José Arana Varela (Unesp), presidente de 2010 a 2011, e Elson Longo da Silva (Unesp), que presidiu a sociedade de 2004 a 2005. Os dois primeiros foram eleitos na área de Ciências Físicas e o terceiro, em Ciências Químicas.
Os novos membros da ABC foram eleitos em um processo de indicação e avaliação por pares que envolveu os membros titulares da academia.
Veja aqui notícia no site a ABC com a lista completa dos membros eleitos neste ano.
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Desde o ano passado, a SBPMat outorga, anualmente, uma distinção a um pesquisador de carreira destacada na área de Materiais, quem profere uma palestra durante o encontro anual da sociedade. O nome desse ato é “Memorial Lecture Joaquim Costa Ribeiro”, em homenagem a esse pioneiro da pesquisa experimental em Materiais no Brasil.
Neste ano, a distinção foi outorgada na noite da abertura do XI Encontro da SBPMat ao professor Sergio Mascarenhas, apresentado pelo presidente da SBPMat, professor Roberto Faria, como “uma pessoa que inspirou muitas gerações de jovens pesquisadores, principalmente na área de Materiais”.
Na sua palestra, sobre passado e futuro da pesquisa em Materiais no Brasil, Mascarenhas mostrou e comentou uma série de fotografias dos primórdios da pesquisa científica brasileira. Entre muitas imagens de físicos, brasileiros e estrangeiros, apareceu um engenheiro carioca, lembrado inicialmente pelo palestrante como seu primeiro professor de Física do Estado Sólido, “que era considerada pelos físicos uma disciplina para engenheiros”. Tratava-se, justamente, de Joaquim da Costa Ribeiro.
O efeito termodielétrico ou efeito Costa Ribeiro
Diplomado engenheiro civil e engenheiro mecânico-eletricista em 1928 pela Escola Nacional de Engenharia, Costa Ribeiro se tornou docente da recém-fundada Universidade do Brasil (atual UFRJ) e passou a formar parte do ambiente do Instituto Nacional de Tecnologia, que tinha um pouco mais de infraestrutura laboratorial que a universidade. Dessa maneira, Costa Ribeiro participou de duas das pouquíssimas instituições voltadas ao ensino e pesquisa de ciências que existiam no país na época.
Desde 1943, Costa Ribeiro trabalhou junto ao físico alemão Bernard Gross, que chegou ao Brasil em 1933 e organizou o primeiro curso de Física do Rio de Janeiro, dois anos depois. De acordo com o professor Mascarenhas, Costa Ribeiro e Gross, “gigantes da ciência brasileira”, podem ser considerados os pioneiros nacionais da Física da Matéria Condensada, disciplina que está entre os pilares da área de Materiais. Na época em que eles desenvolveram seus estudos, a pesquisa em Física no Brasil focava as áreas Nuclear e de Partículas, desenvolvidas por cientistas como Cesar Lattes, Mário Schenberg e Jayme Tiomno.
Inicialmente, Costa Ribeiro estudou novos métodos para medir radioatividade e aplicá-los a minerais brasileiros, conseguindo notáveis contribuições. Em seguida, passou a estudar materiais dielétricos (isolantes elétricos sólidos), como o naftaleno e a cera de carnaúba (palmeira típica da região nordeste do Brasil), e eletretos (sólidos com carga elétrica quase permanente).
Foi então que Costa Ribeiro observou pela primeira vez um efeito interessante, enquanto trabalhava com alguns materiais dielétricos. A fusão por aquecimento, sem aplicação de campos elétricos externos, fazia aparecer uma corrente elétrica no material isolante. Depois de solidificadas, as amostras permaneciam carregadas, constituindo eletretos. Em conclusão, para o eletreto se formar, bastava a natural solidificação do material dielétrico após ser derretido por aquecimento. Na lembrança de Bernard Gross, recuperada num artigo do professor Guilherme Leal Ferreira, essa primeira experiência foi realizada com cera de carnaúba.
A elucidação do fenômeno
Em entrevista dos Arquivos Históricos do CLE/Unicamp, realizada em 1988, os cientistas Jayme Tiomno e Elisa Frota Pessoa, que foram alunos de Costa Ribeiro e auxiliares dele na pesquisa do efeito termodielétrico, compartilharam suas lembranças sobre o processo que levou à elucidação do fenômeno. De acordo com eles, em 1943, Costa Ribeiro decidiu fazer o concurso de cátedra na Universidade do Brasil, para o qual tinha que preparar uma tese com uma pesquisa original. O professor seguiu então a sugestão de Bernand Gross de estudar eletretos orgânicos puros.
“Ele começou repetindo a preparação de eletreto usando naftaleno e observando suas propriedades. (…) Trabalhava intensamente, em geral à tarde e noitinha. Uma noite, após colocar o naftaleno fundido numa célula para solidificar e aplicar o campo elétrico, teve de interromper e sair. No dia seguinte retirou o disco sólido de naftaleno para fundir e recomeçar, mas resolveu examiná-lo ao eletrômetro. Era um eletreto!”
Mas esse ainda não era o efeito termodielétrico, e sim um efeito estático, segundo Tiomno, que descreveu: “Depois de preparar vários eletretos sem aplicação de campo elétrico externo, ele percebeu que o efeito era mais intenso quando o resfriamento era mais rápido – era um efeito da velocidade de solidificação. Construiu então uma aparelhagem engenhosa e de acabamento muito bem feito em que podia observar o movimento da interface do naftaleno líquido com o solidificado por resfriamento, medindo simultaneamente a velocidade de solidificação (ou fusão) e a intensidade da corrente elétrica detectada num eletrômetro de Wulf. Verificada a correlação dessas grandezas, estava descoberto o fenômeno termodielétrico ou efeito Costa Ribeiro”.
Divulgação da pesquisa
A primeira publicação de Ribeiro descrevendo o efeito data de 1943. Intitulada “Sobre a eletrização da cera de carnaúba na ausência de campo elétrico exterior”, a comunicação foi feita na forma de uma apresentação à Academia Brasileira de Ciências e, em seguida, num artigo publicado nos anais da instituição. Em 1945, o efeito termodielétrico foi objeto da tese apresentada por Costa Ribeiro à Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil no concurso para professor da cadeira de Física Geral e Experimental. Em 1953, a Academia Brasileira de Ciências lhe outorgou o Prêmio Einstein pelo efeito termodielétrico.
Na entrevista do CLE/Unicamp, Jayme Tiomno e Elisa Pessoa falam também sobre a divulgação do efeito no exterior. Segundo eles, ela começou a ser feita por Costa Ribeiro na Argentina, em reuniões da Associação Física Argentina em 1945 e 1948. Também em 1948, a convite da Universidade de Paris, Costa Ribeiro realizou na Sorbonne uma série de três palestras. Em 1951, um resumo de seu trabalho, que tinha sido publicado em inglês nos Anais da Academia Brasileira de Ciências, foi indexado no “Physics Abstracts”. Em 1954, o cientista realizou nos Estados Unidos quatro palestras sobre suas pesquisas no Massachussets Institute of Technology, no Bureau of Standards (atual National Institute of Standards and Technology), na Yale University e na General Electric.
Em maio de 1950, os cientistas estadunidenses Everly J. Workman e Steve E. Reynolds publicaram um artigo no periódico Physical Review descrevendo o mesmo fenômeno, observado por eles na transição de fase entre a água e o gelo. Em consequência, o fenômeno da eletrificação de materiais isolantes na mudança de fase é citado na literatura com diversos nomes, ora “efeito Costa Ribeiro” ora “efeito Workman-Reynolds” ou, simplesmente, “efeito termodielétrico”.
O artigo do professor Leal Ferreira sobre o efeito Costa Ribeiro cita que hoje se sabe que o fenômeno da eletrização dos dielétricos gerada pela sua solidificação tinha sido mencionado no século XVIII por Stephen Gray, um dos pioneiros dos estudos experimentais em condução elétrica. Ferreira destaca nesse artigo que, muito além do mérito da prioridade da descoberta, existe o mérito da persistência de Joaquim Costa Ribeiro em estudar experimentalmente o efeito encontrado – mérito aumentado pelas precárias condições de trabalho existentes na época no Brasil.
Apesar de ter uma tendência a “se virar” sozinho, desde a construção de seus instrumentos laboratoriais até a interpretação dos resultados, Costa Ribeiro contou com colaboradores em seus estudos sobre o efeito termodielétrico. Tiomno, por exemplo, contribuiu bastante com a parte teórica, a ponto de merecer um agradecimento especial do professor na tese apresentada à Universidade do Brasil. Armando Dias Tavares e Sergio Mascarenhas também fizeram parte dos colaboradores e dos continuadores das pesquisas no tema.
Quanto às aplicações do efeito, Mascarenhas comenta que o fenômeno tem mais valor de ciência fundamental do que em aplicações tecnológicas, apesar de existir algumas aplicações, como a descrita em um artigo de 1968 sobre seu uso em radiômetros do setor aeronáutico (L.D. Russel and B.H. Beam, Journal of Spacecraft and rockets, vol. 5, pg. 1501, 1968). “Infelizmente, o efeito é pouco ensinado nos cursos tradicionais”, lamenta Mascarenhas.
Mais sobre Joaquim Costa Ribeiro
Casado com uma mulher francesa, a quem dedicou muitas de suas poesias, Costa Ribeiro foi pai de oito filhos. Para sustentar a família, numa época em que o professor universitário ganhava uns poucos salários mínimos, o cientista tinha vários empregos simultâneos. Dava aulas em diversas instituições e colégios.
Os colegas de trabalho e parentes o descrevem com adjetivos como estes: humanista, sereno, humilde, inventivo, autodidata, habilidoso com as mãos, intuitivo, inteligente e minucioso.
Muito católico, questionado por alunos seus sobre como conseguir conciliar religião e ciência, respondeu: “É simples, eu separo completamente. Quando estou na religião, estou na religião; quando estou na ciência, estou na ciência”
Além de suas contribuições científicas, Costa Ribeiro desempenhou papeis importantes na criação do CBPF (1949) e do CNPq (1951) e participou de várias iniciativas nacionais e internacionais sobre o uso da energia nuclear.
Faleceu em 1960 no Rio de Janeiro.
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