Bernhard Gross: pai da pesquisa em eletretos no Brasil.

Em junho de 1933, desembarcava na cidade do Rio de Janeiro o engenheiro e físico de Sttutgart (Alemanha) Bernhard Gross.  Após ter desenvolvido algumas pesquisas sobre raios cósmicos, como colaborador, e constatando que era difícil conseguir um emprego como físico em seu país de origem, o jovem de 28 anos tinha decidido tentar a vida no Brasil. Nesse momento Gross já possuía algumas publicações científicas.

Por que Gross veio ao Brasil, um país que, na época, tinha pouquíssimas instituições, infraestrutura e recursos humanos para pesquisa? Numa entrevista realizada em 1976, Gross relatou que seu interesse pelo Brasil surgiu na infância, durante uma viagem que realizou com a família pelas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Pelotas, e na qual sentiu um gostinho de aventura e romantismo.

Logo após a sua chegada ao Rio, Gross deu algumas palestras sobre raios cósmicos na Escola Politécnica do Largo de São Francisco e, assim, começou a conhecer pessoas ligadas à ciência na cidade.  Em janeiro de 1934 obteve seu primeiro emprego, no Instituto de Meteorologia. No mesmo ano, publicou o primeiro de seus artigos científicos escritos no Brasil. Em 1999, com 94 anos, publicaria o último de cerca de duzentos.

Em vários temas, tais como raios gama, circuitos elétricos e materiais dielétricos, Gross fez contribuições de relevância e impacto internacional com trabalhos de pesquisa desenvolvidos no Brasil. Gross abordava os desafios científicos com muita competência, tanto do ponto de vista teórico quanto do experimental, e dava uma particular atenção à aplicação da Matemática à Física.

Além de fazer ciência de acordo com padrões internacionais, Gross, desde as décadas de 1930-40, publicava os resultados de seus trabalhos em periódicos do Brasil e do exterior, como os Anais da Academia Brasileira de Ciências, o Journal of Applied Physics, Physical Review, Journal of Chemical Physics e a revista alemã Zeitschrift für Angewandte Physik, entre outros periódicos.  Ademais, Gross circulou bastante pelo mundo, tendo passado alguns períodos trabalhando nos Estados Unidos (nos laboratórios Bell e no Massachusetts Institute of Technology), na Inglaterra (na Electrical Research Association) e na Áustria (como membro do comitê científico da Agência Internacional de Energia Atômica, organização internacional dedicada aos usos pacíficos da energia atômica), entre outros destinos. Finalmente, Gross conseguiu, em várias oportunidades, trazer para o Brasil pesquisadores do exterior.

Trabalhando continuamente em diversos temas, Gross iniciou no Brasil, de forma pioneira, a pesquisa em Física da Matéria Condensada, pilar da Ciência e Engenharia dos Materiais.

Os eletretos

Fotografia de Bernhard Gross da galeria de fotos da página http://www.canalciencia.ibict.br/notaveis/bernhard_gross.html

Um dos campos que recebeu mais contribuições científicas de Bernhard Gross é o estudo dos eletretos, materiais dielétricos (isolantes) que, por estarem permanentemente polarizados, possuem carga elétrica permanente.

A gênese das pesquisas de Gross sobre eletretos remonta a um dos primeiros trabalhos feitos por Gross no Brasil, em 1934: um pedido da empresa de energia elétrica e telefonia Light, que queria saber qual era a resistência do isolamento de seus cabos telefônicos. Fazendo medidas, Gross notou que os fios apresentavam um fenômeno que o fascinava havia tempo, conhecido como “absorção dielétrica”.

Na entrevista de 1976, Gross relata: “Aquilo que a Light queria saber, eu podia resolver em tempo razoável. Agora, aproveitei isto para estudar o comportamento de isoladores, de maneira mais básica”. Gross enxergava como muito importante o interesse tecnológico das atividades de pesquisa, sem que isso significasse uma limitação da curiosidade científica à mera resolução do problema tecnológico.

No início da década de 1940, Gross e seu grupo ainda pesquisavam os materiais dielétricos no Instituto Nacional de Tecnologia (INT), no Rio de Janeiro. Bernhard Gross tinha lido sobre os eletretos e, por mera curiosidade, começou a fazer uma série de medidas junto a uma pesquisadora francesa, Line Ferreira – Denard, que estava trabalhando no INT. O trabalho, de base experimental, gerou duas publicações iniciais em 1945 e em 1948 e permitiu explicar, pela primeira vez, o comportamento dos eletretos. Em 1957, Gross realizou ainda um estudo sistemático sobre o comportamento dos campos que se produzem quando, ao injetar elétrons em sólidos carregados, os elétrons ficam presos em “armadilhas”.

Foi também nesse contexto dos estudos sobre dielétricos e eletretos que Joaquim da Costa Ribeiro desenvolveu a compreensão do efeito termodielétrico ou “efeito Costa Ribeiro”, no qual um dielétrico adquire polarização e carga permanente sem aplicação de um campo elétrico externo.

O microfone de eletretos

O conhecimento desenvolvido por Gross sobre eletretos permitiu o avanço nas aplicações industriais desses materiais, das quais uma das mais difundidas é o microfone de eletretos, criado no contexto dos laboratórios Bell por Gerhard Sessler e James West, que solicitaram a patente da invenção em 1962. Este tipo de microfone vem sendo produzido em milhões ou bilhões de unidades por ano.

Para chegar ao microfone de eletretos, Sessler e West utilizaram a teoria desenvolvida por Gross e o método descrito por ele para carregar materiais por meio de feixes de elétrons. Mas os pesquisadores dos laboratórios Bell utilizaram como matéria-prima folhas de teflon, material cujas propriedades mecânicas, baixíssima condutividade e possibilidade de ser fabricado em finas folhas permitiram sua aplicação no microfone. A fina folha de teflon, carregada, move-se pela ação das vibrações sonoras e induz cargas elétricas, transformando vibrações sonoras em vibrações elétricas.

“Admito que na ocasião não pensava em aplicações práticas”, disse Gross na entrevista de 1976, a respeito das pesquisas sobre eletretos. O cientista explicou os motivos: não dispunha de materiais adequados a aplicações industriais (usava cera de carnaúba e plexiglás), a dificuldade de realizar um pedido de patente na época era grande e ele precisaria reunir diversas competências para chegar num dispositivo como o microfone.

O microfone de Sessler não foi o único baseado nos conhecimentos desenvolvidos por Gross. Na história do físico de Sttutgart e os eletretos, existiu um caso de transferência tecnológica mais direta, o de Preston Murphy, seu assistente estadunidense especializado em eletrostática. Gross o conheceu numa de suas viagens e conseguiu para ele um contrato para trabalhar no Rio de Janeiro pela Comissão Nacional de Energia Nuclear. Murphy veio ao Brasil por volta de 1957 e ficou por cerca de seis anos, nos quais adquiriu conhecimentos e técnicas.  De acordo com Gross, “quando voltou aos Estados Unidos, associou-se a uma companhia, onde desenvolveu um tipo de microfone de eletreto com base nos conhecimentos que adquirira aqui, valendo-se daquela facilidade extraordinária dos americanos para fazer gadgets, virtude que não possuo. Arranjou contratos por lá e montou uma grande linha de produção de microfones de eletretos.”

O reconhecimento às contribuições de Gross em eletretos

Os avanços promovidos por Gross na pesquisa em eletretos foram e são reconhecidos mundialmente. O próprio Gerhard Sessler dedicou o livro “Electrets”, editado por ele inicialmente em 1980, a Bernhard Gross. Em um artigo publicado no Brazilian Journal of Physics em 1999, Sessler afirma que Gross assentou as pedras fundamentais da pesquisa moderna em eletretos, guiou a sua evolução durante mais de meio século e ajudou a estabelecer esse campo como uma disciplina respeitada da ciência moderna.

Além disso, eventos internacionais na área também homenagearam o físico alemão, como o 3º e 5º Simpósio Internacional sobre Eletretos, realizados respectivamente em São Carlos (Brasil) e Heidelberg (Alemanha) na ocasião do 70º e 80º aniversário de Gross.

No Brasil, muitos cientistas se formaram sob sua influência. Entre outros, pode-se mencionar Armando Dias Tavares, Francisco Oliveira Castro, Guilherme Leal Ferreira, Joaquim Costa Ribeiro, Plínio Sussekind Rocha, Roberto Faria, Sérgio Mascarenhas, Yvonne Mascarenhas. Grupos de pesquisa se constituiram inspirados por Gross, principalmente no Rio de Janeiro e em São Carlos, como o Grupo de Polímeros “Bernhard Gross“, criado em meados da década de 1970 na USP São Carlos, a partir das visitas do físico de Sttutgart a essa universidade.

Em 2002, Bernhard Gross faleceu em São Carlos, aos 97 anos.

Veja também

Texto do professor Roberto Mendonça Faria sobre outros trabalhos do professor Bernhard Gross, feito para o boletim da SBPMat: http://sbpmat.org.br/?p=999

Saiba mais

Material sobre Bernhard Gross (resumo da entrevista de 1976, fotografias etc.): http://www.canalciencia.ibict.br/notaveis/bernhard_gross.html
Gerhard. M. Sessler. Bernhard Gross and the evolution of  modern electret research. Braz. J. Phys., vol. 29 n.2, São Paulo, June 1999. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-97331999000200003.
Sergio Mascarenhas. Bernhard Gross and his contribution to physics in Brazil. Braz. J. Phys., vol.29, n.2, São Paulo, June 1999. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-97331999000200002.
Gerhard M. Sessler. Bernhard Gross and Electret Research: His Contributions, our Collaboration, and what Followed. IEEE Transactions on Dielectrics and Electrical Insulation    Vol. 13, No. 5, October 2006.

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