Desde o ano passado, a SBPMat outorga, anualmente, uma distinção a um pesquisador de carreira destacada na área de Materiais, quem profere uma palestra durante o encontro anual da sociedade. O nome desse ato é “Memorial Lecture Joaquim Costa Ribeiro”, em homenagem a esse pioneiro da pesquisa experimental em Materiais no Brasil.
Neste ano, a distinção foi outorgada na noite da abertura do XI Encontro da SBPMat ao professor Sergio Mascarenhas, apresentado pelo presidente da SBPMat, professor Roberto Faria, como “uma pessoa que inspirou muitas gerações de jovens pesquisadores, principalmente na área de Materiais”.
Na sua palestra, sobre passado e futuro da pesquisa em Materiais no Brasil, Mascarenhas mostrou e comentou uma série de fotografias dos primórdios da pesquisa científica brasileira. Entre muitas imagens de físicos, brasileiros e estrangeiros, apareceu um engenheiro carioca, lembrado inicialmente pelo palestrante como seu primeiro professor de Física do Estado Sólido, “que era considerada pelos físicos uma disciplina para engenheiros”. Tratava-se, justamente, de Joaquim da Costa Ribeiro.
O efeito termodielétrico ou efeito Costa Ribeiro
Diplomado engenheiro civil e engenheiro mecânico-eletricista em 1928 pela Escola Nacional de Engenharia, Costa Ribeiro se tornou docente da recém-fundada Universidade do Brasil (atual UFRJ) e passou a formar parte do ambiente do Instituto Nacional de Tecnologia, que tinha um pouco mais de infraestrutura laboratorial que a universidade. Dessa maneira, Costa Ribeiro participou de duas das pouquíssimas instituições voltadas ao ensino e pesquisa de ciências que existiam no país na época.
Desde 1943, Costa Ribeiro trabalhou junto ao físico alemão Bernard Gross, que chegou ao Brasil em 1933 e organizou o primeiro curso de Física do Rio de Janeiro, dois anos depois. De acordo com o professor Mascarenhas, Costa Ribeiro e Gross, “gigantes da ciência brasileira”, podem ser considerados os pioneiros nacionais da Física da Matéria Condensada, disciplina que está entre os pilares da área de Materiais. Na época em que eles desenvolveram seus estudos, a pesquisa em Física no Brasil focava as áreas Nuclear e de Partículas, desenvolvidas por cientistas como Cesar Lattes, Mário Schenberg e Jayme Tiomno.
Inicialmente, Costa Ribeiro estudou novos métodos para medir radioatividade e aplicá-los a minerais brasileiros, conseguindo notáveis contribuições. Em seguida, passou a estudar materiais dielétricos (isolantes elétricos sólidos), como o naftaleno e a cera de carnaúba (palmeira típica da região nordeste do Brasil), e eletretos (sólidos com carga elétrica quase permanente).
Foi então que Costa Ribeiro observou pela primeira vez um efeito interessante, enquanto trabalhava com alguns materiais dielétricos. A fusão por aquecimento, sem aplicação de campos elétricos externos, fazia aparecer uma corrente elétrica no material isolante. Depois de solidificadas, as amostras permaneciam carregadas, constituindo eletretos. Em conclusão, para o eletreto se formar, bastava a natural solidificação do material dielétrico após ser derretido por aquecimento. Na lembrança de Bernard Gross, recuperada num artigo do professor Guilherme Leal Ferreira, essa primeira experiência foi realizada com cera de carnaúba.
A elucidação do fenômeno
Em entrevista dos Arquivos Históricos do CLE/Unicamp, realizada em 1988, os cientistas Jayme Tiomno e Elisa Frota Pessoa, que foram alunos de Costa Ribeiro e auxiliares dele na pesquisa do efeito termodielétrico, compartilharam suas lembranças sobre o processo que levou à elucidação do fenômeno. De acordo com eles, em 1943, Costa Ribeiro decidiu fazer o concurso de cátedra na Universidade do Brasil, para o qual tinha que preparar uma tese com uma pesquisa original. O professor seguiu então a sugestão de Bernand Gross de estudar eletretos orgânicos puros.
“Ele começou repetindo a preparação de eletreto usando naftaleno e observando suas propriedades. (…) Trabalhava intensamente, em geral à tarde e noitinha. Uma noite, após colocar o naftaleno fundido numa célula para solidificar e aplicar o campo elétrico, teve de interromper e sair. No dia seguinte retirou o disco sólido de naftaleno para fundir e recomeçar, mas resolveu examiná-lo ao eletrômetro. Era um eletreto!”
Mas esse ainda não era o efeito termodielétrico, e sim um efeito estático, segundo Tiomno, que descreveu: “Depois de preparar vários eletretos sem aplicação de campo elétrico externo, ele percebeu que o efeito era mais intenso quando o resfriamento era mais rápido – era um efeito da velocidade de solidificação. Construiu então uma aparelhagem engenhosa e de acabamento muito bem feito em que podia observar o movimento da interface do naftaleno líquido com o solidificado por resfriamento, medindo simultaneamente a velocidade de solidificação (ou fusão) e a intensidade da corrente elétrica detectada num eletrômetro de Wulf. Verificada a correlação dessas grandezas, estava descoberto o fenômeno termodielétrico ou efeito Costa Ribeiro”.
Divulgação da pesquisa
A primeira publicação de Ribeiro descrevendo o efeito data de 1943. Intitulada “Sobre a eletrização da cera de carnaúba na ausência de campo elétrico exterior”, a comunicação foi feita na forma de uma apresentação à Academia Brasileira de Ciências e, em seguida, num artigo publicado nos anais da instituição. Em 1945, o efeito termodielétrico foi objeto da tese apresentada por Costa Ribeiro à Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil no concurso para professor da cadeira de Física Geral e Experimental. Em 1953, a Academia Brasileira de Ciências lhe outorgou o Prêmio Einstein pelo efeito termodielétrico.
Na entrevista do CLE/Unicamp, Jayme Tiomno e Elisa Pessoa falam também sobre a divulgação do efeito no exterior. Segundo eles, ela começou a ser feita por Costa Ribeiro na Argentina, em reuniões da Associação Física Argentina em 1945 e 1948. Também em 1948, a convite da Universidade de Paris, Costa Ribeiro realizou na Sorbonne uma série de três palestras. Em 1951, um resumo de seu trabalho, que tinha sido publicado em inglês nos Anais da Academia Brasileira de Ciências, foi indexado no “Physics Abstracts”. Em 1954, o cientista realizou nos Estados Unidos quatro palestras sobre suas pesquisas no Massachussets Institute of Technology, no Bureau of Standards (atual National Institute of Standards and Technology), na Yale University e na General Electric.
Em maio de 1950, os cientistas estadunidenses Everly J. Workman e Steve E. Reynolds publicaram um artigo no periódico Physical Review descrevendo o mesmo fenômeno, observado por eles na transição de fase entre a água e o gelo. Em consequência, o fenômeno da eletrificação de materiais isolantes na mudança de fase é citado na literatura com diversos nomes, ora “efeito Costa Ribeiro” ora “efeito Workman-Reynolds” ou, simplesmente, “efeito termodielétrico”.
O artigo do professor Leal Ferreira sobre o efeito Costa Ribeiro cita que hoje se sabe que o fenômeno da eletrização dos dielétricos gerada pela sua solidificação tinha sido mencionado no século XVIII por Stephen Gray, um dos pioneiros dos estudos experimentais em condução elétrica. Ferreira destaca nesse artigo que, muito além do mérito da prioridade da descoberta, existe o mérito da persistência de Joaquim Costa Ribeiro em estudar experimentalmente o efeito encontrado – mérito aumentado pelas precárias condições de trabalho existentes na época no Brasil.
Apesar de ter uma tendência a “se virar” sozinho, desde a construção de seus instrumentos laboratoriais até a interpretação dos resultados, Costa Ribeiro contou com colaboradores em seus estudos sobre o efeito termodielétrico. Tiomno, por exemplo, contribuiu bastante com a parte teórica, a ponto de merecer um agradecimento especial do professor na tese apresentada à Universidade do Brasil. Armando Dias Tavares e Sergio Mascarenhas também fizeram parte dos colaboradores e dos continuadores das pesquisas no tema.
Quanto às aplicações do efeito, Mascarenhas comenta que o fenômeno tem mais valor de ciência fundamental do que em aplicações tecnológicas, apesar de existir algumas aplicações, como a descrita em um artigo de 1968 sobre seu uso em radiômetros do setor aeronáutico (L.D. Russel and B.H. Beam, Journal of Spacecraft and rockets, vol. 5, pg. 1501, 1968). “Infelizmente, o efeito é pouco ensinado nos cursos tradicionais”, lamenta Mascarenhas.
Mais sobre Joaquim Costa Ribeiro
Casado com uma mulher francesa, a quem dedicou muitas de suas poesias, Costa Ribeiro foi pai de oito filhos. Para sustentar a família, numa época em que o professor universitário ganhava uns poucos salários mínimos, o cientista tinha vários empregos simultâneos. Dava aulas em diversas instituições e colégios.
Os colegas de trabalho e parentes o descrevem com adjetivos como estes: humanista, sereno, humilde, inventivo, autodidata, habilidoso com as mãos, intuitivo, inteligente e minucioso.
Muito católico, questionado por alunos seus sobre como conseguir conciliar religião e ciência, respondeu: “É simples, eu separo completamente. Quando estou na religião, estou na religião; quando estou na ciência, estou na ciência”
Além de suas contribuições científicas, Costa Ribeiro desempenhou papeis importantes na criação do CBPF (1949) e do CNPq (1951) e participou de várias iniciativas nacionais e internacionais sobre o uso da energia nuclear.
Faleceu em 1960 no Rio de Janeiro.
Saiba mais.
- G. F. Leal Ferreira. Ha 50 Anos: O Efeito Costa Ribeiro. Revista Brasileira de Ensino de Fsica, vol. 22, no. 3, Setembro, 2000. Disponível aqui.
- Arquivos históricos em História da Ciência. CLE-Unicamp. Acervo Joaquim da Costa Ribeiro. Disponível aqui.
- Arquivos históricos em História da Ciência. CLE-Unicamp. Depoimentos orais. Entrevista com Jayme Tiommo e Elisa Frota Pessoa. Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, 18 de maio de 1988. Disponível aqui.
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