Artigo científico em destaque: Interação entre ouro e eumelanina – um material promissor para o desenvolvimento de dispositivos bioeletrônicos.

O artigo científico de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é:

Julia Wünsche, Luis Cardenas, Federico Rosei, Fabio Cicoira, Reynald Gauvin, Carlos F. O. Graeff, Suzie Poulin, Alessandro Pezzella, Clara Santato. In Situ Formation of Dendrites in Eumelanin Thin Films between Gold Electrodes.  Advanced Functional Materials, 2013. Article first published online : 10 JUN 2013, DOI: 10.1002/adfm.201300715.

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Interação entre ouro e eumelanina – um material promissor para o desenvolvimento de dispositivos bioeletrônicos

Olhos e ouvidos artificiais e dispositivos que realizem a interface entre o corpo humano e braços robóticos são algumas das aplicações que a Bioeletrônica promete. Ainda em estágio inicial, o desenvolvimento dessa área da pesquisa depende em boa parte do desenvolvimento de materiais que sejam semicondutores e biocompatíveis ao mesmo tempo. Um dos materiais mais promissores e mais estudados no contexto da Bioeletrônica é a eumelanina (um tipo de melanina determinante, por exemplo, na definição da cor dos cabelos dos seres humanos). A eumelanina começou a ser estudada sob a perspectiva da Ciência de Materiais na década de 1960, quando suas características semicondutoras foram descobertas. O problema é que a melanina, tanto a natural quanto a sintetizada por métodos tradicionais, não produz filmes finos de boa qualidade que viabilizem seu uso como material para dispositivos bioeletrônicos.

No ano 2004, no Brasil, mais precisamente na cidade de Ribeirão Preto (SP), na Universidade de São Paulo (USP), o grupo de pesquisa do professor Carlos Graeff desenvolveu uma forma de produzir melanina solúvel em dimetilsulfóxido (DMSO), o que possibilitou a produção de filmes finos de alta qualidade. A descoberta foi publicada no Journal of Non-Crystalline Solids (http://dx.doi.org/10.1016/j.jnoncrysol.2004.03.058). “A partir desta publicação e outras subsequentes recebemos o contato da professora Clara Santato, uma especialista na produção de dispositivos eletrônicos orgânicos da Escola Politécnica de Montréal (Canadá), para desenvolvermos um projeto comum”, relata o professor Graeff, atualmente professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) – campus de Bauru.

A colaboração então iniciada continuou ao longo dos anos e gerou uma pesquisa que demonstrou a existência de peculiares interações entre a eumelanina e o ouro. Os resultados desse trabalho foram publicados online no dia 10 de junho deste ano na prestigiada revista Advanced Functional Materials. O artigo agregou as competências em síntese de DMSO-melanina do professor Graeff, os recursos humanos e materiais para produção e caracterização de dispositivos eletrônicos a base de melanina do grupo da professora Santato e contribuições de outros grupos do Canadá e da Itália.

Dendritos
Dispositivos bioeletrônicos a base de filmes de eumelanina precisam, a princípio, de eletrodos para gerar uma corrente elétrica que flua através da eumelanina. Pensando nisso, os autores do artigo construíram um sistema composto por um substrato de dióxido de silício (SiO2) texturizado com partículas de ouro (os eletrodos) e, entre duas partículas do metal, depositaram o filme de eumelanina. Num contexto de 90% de umidade do ar e temperatura ambiente, aplicaram uma tensão de 1 volt, gerando um eletrodo positivo e outro negativo nas partículas de ouro e um fluxo de corrente elétrica entre elas.

Com o auxílio de um microscópio de força atômica, o experimento permitiu a observação de uma paulatina formação de nanoestruturas sobre o filme. Inicialmente, essas nanoestruturas surgiram próximas ao eletrodo positivo em forma de nanoagregados, compostos basicamente por ouro e por algo de eumelanina. Ao aplicar tensão por mais alguns minutos, novos nanoagregados foram surgindo e se aproximando do eletrodo negativo, até chegar a ele. Nesse momento, começou a nucleação dos nanoagregados, a qual gerou estruturas em forma de dendritos (as ramificações dos neurônios) com alto conteúdo de ouro, surgidas a partir da região de contato com o eletrodo negativo. Enquanto a tensão continuou a ser aplicada, os dendritos continuaram a se formar, chegando a unir o eletrodo negativo ao positivo por meio de suas ramificações.

Além de terem formato parecido, as nanoestruturas dendríticas e os dendritos neuronais se assemelham no papel que desempenham, o de transmitir impulsos elétricos. De fato, os dendritos crescidos no filme de eumelanina demonstraram ser altamente condutores.

Esta imagem de microscopia de força atômica mostra o filme de DMSO-eumelanina hidratado, de 30 nm de espessura, após receber tensão de 1 V durante 3 horas:

A imagem permite ver que os nanoagregados de ouro e eumelanina se formam na região próxima ao eletrodo positivo, avançam pelo filme e se depositam nas proximidades do eletrodo negativo, levando, finalmente, à formação dos dendritos.

Artigo científico em destaque: morfologia do óxido cúprico e propriedades sensoras.

O artigo científico em destaque neste mês é:

Volanti, D. P., Felix, A. A., Orlandi, M. O., Whitfield, G., Yang, D.-J., Longo, E., Tuller, H. L. and Varela, J. A. (2012), The Role of Hierarchical Morphologies in the Superior Gas Sensing Performance of CuO-Based Chemiresistors. Adv. Funct. Mater. doi: 10.1002/adfm.201202332

 

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O papel da morfologia do óxido cúprico nanoestruturado na melhoria de suas propriedades sensoras.

Um trabalho de pesquisa desenvolvido em colaboração por pesquisadores do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e do Departamento de Engenharia e Ciência dos Materiais do Massachusetts Institute of Technology (MIT) traz contribuições inovadoras ao desenvolvimento de sensores de alto desempenho para detecção de gases. O trabalho foi publicado online na prestigiada revista Advanced Functional Materials no final do ano passado.

Os pesquisadores decidiram investigar um material semicondutor de tipo-p, o óxido de cobre (II), também conhecido como óxido cúprico, cujo potencial na detecção de uma série gases já tinha sido demonstrado. Mais precisamente, a equipe pesquisou como a morfologia (formato) das partículas do óxido de cobre nanoestruturado influencia o desempenho do material como sensor de gás.  “A síntese dos materiais nanoestruturados de óxido cúprico por um método hidrotérmico assistido por microondas era parte do trabalho de doutorado do então aluno Diogo P. Volanti”, contextualiza o professor José Arana Varela, um dos autores do artigo. “As morfologias obtidas eram únicas e, fazendo uma busca na literatura, notamos que havia muito poucos trabalhos que exploravam o uso de semicondutores do tipo-p como sensores de gás e que não havia nenhum trabalho que relatasse a influência da morfologia nestes semicondutores”, completa.

A investigação ocorreu no marco de um projeto de cooperação internacional entre o MIT e o Instituto de Química da Unesp, coordenado pelos professores José Arana Varela e Harry Tuller e financiado pela FAPESP (Projetos sementes MIT/BRASIL) e pelo CNPq (Bolsa de doutorado sanduíche). O projeto agregou o conhecimento do grupo da Unesp em síntese de novos materiais à experiência em caracterização em sensores de gás do grupo do MIT.

A equipe brasileira preparou, na Unesp, amostras de óxido cúprico com três morfologias diferentes e inovadoras: tipo ouriço, tipo fibra e tipo bastonete. A caracterização estrutural, morfológica e por microscopia eletrônica de transmissão das amostras também foi realizada no Brasil. Por sua vez, a equipe do MIT desenvolveu um sistema para testar a resposta à detecção de gás de todas as amostras simultaneamente e sob as mesmas condições. “Essa comparação in situ exatamente nas mesmas condições foi um fator de extrema relevância no estudo da influência da morfologia na resposta sensora”, afirma Anderson A. Felix, que foi o encarregado de realizar a caracterização sensora das amostras no MIT, no marco de seu doutorado sanduíche.

As amostras foram expostas a diversos gases em diferentes concentrações e temperaturas. As medidas mostraram que o controle da morfologia pode melhorar as propriedades sensoras do material.  Em particular, revelou-se especialmente promissor como sensor de hidrogênio o formato de ouriço, formado por um núcleo sólido policristalino e espinhos nanoestruturados de aproximadamente 100 nanometros de comprimento e 10 de largura. De fato, essa morfologia apresentou uma sensibilidade muito maior do que as outras morfologias e também significativamente superior à sensibilidade de muitos outros materiais usados como sensores, mais caros e difíceis de fabricar do que o óxido cúprico.

“Do ponto de vista acadêmico, este trabalho foi muito importante ao mostrar um novo caminho para o aumento das propriedades sensoras em semicondutores do tipo-p”, diz Felix. “Do ponto de vista tecnológico, sensores baseados em cobre poderiam ser aplicados na área de segurança para sistemas a base de hidrogênio, como, por exemplo, células combustíveis”, completa.

 

O óxido cúprico nas três morfologias investigadas, a partir da esquerda: tipo ouriço, bastonete e fibra.