O artigo científico com participação de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é: Influence of charge carriers mobility and lifetime on the performance of bulk heterojunction organic solar cells. D.J. Coutinho, G.C. Faria, D.T. Balogh, R.M. Faria. Solar Energy Materials and Solar Cells, Volume 143, Pages 503-509 (December 2015). DOI:10.1016/j.solmat.2015.07.047
Contribuição analítica à energia sustentável
Um trabalho totalmente desenvolvido no Instituto de Física de São Carlos, da Universidade de São Paulo (IFSC-USP) fez contribuições significativas à análise do desempenho de células solares orgânicas, dispositivos capazes de transformar em eletricidade a luz do sol, que é uma fonte de energia renovável, limpa, segura e praticamente inesgotável. Resultados do estudo foram recentemente publicados no periódico Solar Energy Materials & Solar Cells, cujo fator de impacto é de 5,337.
Com estrutura análoga à de um sanduíche, a célula solar orgânica é composta por camadas de espessura nanométrica feitas de diversos materiais que cumprem funções específicas no dispositivo.
A chamada “camada ativa”, aquela que protagoniza as principais etapas da transformação da luz (fluxo de fótons) em corrente elétrica (fluxo de partículas com carga elétrica), é feita de materiais orgânicos (suas moléculas possuem átomos de carbono) semicondutores. Na rede de átomos dos semicondutores tradicionais, os elétrons situados na chamada “banda de valência” pulam de seus estados quando absorvem fótons, deixando vagas chamadas “buracos” (holes) e ocupando novos lugares na chamada “banda de condução”. Nos semicondutores orgânicos, o mecanismo de geração dos pares elétron-buraco é semelhante, com a diferença de que, em vez da transição direta de uma banda para outra, ocorre a formação do éxciton molecular (um sistema contendo uma carga negativa e uma positiva), que se dissocia com facilidade produzindo as cargas livres (elétrons e buracos).
Para que aconteça a etapa seguinte na conversão de luz em eletricidade, a camada ativa das células solares orgânicas deve possuir muitas regiões de interface entre dois tipos de materiais: o doador e o aceitador de elétrons (geralmente um polímero eletrônico e um derivado do fulereno, respectivamente). Se o éxciton, em sua vida de alguns picossegundos, consegue chegar até alguma região de interface, as forças que mantém elétron e buraco unidos são quebradas para que aconteça a doação do elétron pelo polímero ao fulereno. Nesse momento, não havendo armadilhas no caminho que impeçam seu movimento, elétrons e buracos fluem em direções opostas, atraídos e coletados por elementos eletrodos, gerando corrente elétrica que poderá ser utilizada em um circuito externo.
Nessa sucessão de etapas, perdas de eficiência na conversão de energia solar em elétrica podem acontecer devido a diversos fatores. Um exemplo é a recombinação de elétrons e buracos depois da dissociação do éxciton, a qual impede que esses transportadores de cargas fluam livremente. Outro exemplo é o dos defeitos ou impurezas em materiais da camada ativa, que agem como armadilhas dos transportadores de cargas, diminuindo sua mobilidade.
No artigo publicado na Solar Energy Materials and Solar Cells, são reportados os resultados de uma série de experimentos realizados com o objetivo de estudar em detalhe a mobilidade e tempo de vida de portadores de cargas (elétrons e buracos) em função da temperatura, numa célula solar orgânica de heterojunção de volume, fabricada no IFSC. Nesse tipo de dispositivo, o material doador de elétrons e o aceitador convivem numa configuração particular (um filme nanométrico de estrutura bifásica) que aumenta a área de interface entre os dois materiais com relação a outras possíveis configurações.
Os autores também apresentam no artigo os resultados de medidas de corrente elétrica em função da tensão externa aplicada (J-V) sob iluminação – um dos experimentos mais relevantes na caracterização de células solares. De fato, esse experimento é necessário para calcular a eficiência de uma célula solar.
Para ajustar e analisar os resultados experimentais, os autores desenvolveram um modelo baseado num conjunto de equações. O modelo veio preencher uma lacuna na literatura científica, já que, até sua publicação, essas análises eram feitas a partir de aproximações, sendo imprecisas, ou por meio de métodos numéricos, que exigem árduo e demorado trabalho.
“Não existe ainda hoje uma descrição formal para a curva J-V”, comenta Roberto Mendonça Faria, professor titular do IFSC-USP e autor correspondente do paper. “Nosso artigo teve o mérito de elaborar uma expressão analítica para J-V que reproduz com sucesso as características de uma célula solar orgânica para o caso em que as mobilidades dos portadores positivos e negativos são iguais”, destaca ele, acrescentando que, com essa expressão, é possível fazer uma análise mais precisa do desempenho das células, mesmo para casos onde as mobilidades de elétrons e buracos não sejam exatamente iguais.
O artigo também apresenta as análises que a equipe do IFSC conseguiu fazer a partir dos resultados experimentais e do modelo, principalmente a respeito de alguns fatores que levam a perdas de eficiência na conversão de luz em eletricidade.
Dessa maneira, os autores do artigo fizeram uma contribuição ao desafio de produzir energia de modo sustentável. “A produção de energia é vital para que a sociedade humana continue seu progresso econômico e social, mas não pode continuar com seus efeitos secundários, e terríveis, de poluir o planeta e contribuir ao efeito do aquecimento global”, afirma Faria.
Os resultados reportados no artigo fazem parte das pesquisas de mestrado e doutorado de Douglas José Coutinho, realizadas com orientação do professor Faria e com financiamento das agências brasileiras de apoio à pesquisa FAPESP e CNPq (inclusive por meio do INCT de Eletrônica Orgânica, INEO).