Artigo em destaque: Nanofitas isolantes com regiões condutoras.

O artigo científico com participação de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é: Topologically Protected Metallic States Induced by a One-Dimensional Extended Defect in the Bulk of a 2D Topological Insulator. Erika N. Lima, Tome M. Schmidt, and Ricardo W. Nunes. Nano Lett., 2016, 16 (7), pp 4025–4031. DOI: 10.1021/acs.nanolett.6b00521

Nanofitas isolantes com regiões condutoras

Uma pesquisa realizada no Brasil faz uma relevante contribuição ao estudo dos isolantes topológicos, classe de materiais cuja existência foi prevista teoricamente em 2005 e confirmada experimentalmente em 2007. O estudo foi reportado em um artigo recentemente publicado na Nano Letters (fator de impacto 2015: 13,779).

Os isolantes topológicos possuem a interessante propriedade de se comportarem como isolantes em seu interior e como condutores em sua superfície ou borda. Conforme detalha Ricardo Wagner Nunes, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e autor correspondente do artigo, “isolantes não-topológicos também podem ter superfícies condutoras, mas no caso dos isolantes topológicos é possível identificar que a condução de carga e spin na superfície é muito robusta, por ser “protegida” pela simetria de reversão temporal”.

No artigo da Nano Letters, o professor Nunes e seus colaboradores, Erika Lima, da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) – campus Rondonópolis, e Tome Schmidt, da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), reportaram seu trabalho sobre um isolante topológico bidimensional, uma nanofita de bismuto formada por apenas duas camadas de átomos de bismuto, sobrepostas e ligadas, de um átomo de espessura cada uma. Usando métodos computacionais, os cientistas mostraram que o interior da nanofita de bismuto, em vez de ser totalmente isolante, pode ter estados condutores (também chamados de estados metálicos) gerados a partir de um determinado tipo de irregularidade na rede de átomos do material, conhecido como defeito estendido 558.

Representação da nanofita de bismuto bicamada com o defeito 558, vista de cima (esquerda) e de lado (direta). As bolinhas verdes representam os átomos da camada superior do material e as azuis, os átomos da camada inferior. No centro da figura da esquerda, nota-se facilmente o defeito: pentágonos e um octógono interrompem a repetição de hexágonos.
Representação da nanofita de bismuto bicamada com o defeito 558, vista de cima (esquerda) e de lado (direta). As bolinhas verdes representam os átomos da camada superior do material e as azuis, os átomos da camada inferior. No centro da figura da esquerda, nota-se facilmente o defeito: pentágonos e um octógono interrompem a repetição de hexágonos.

“Em nosso trabalho, mostramos que um defeito linear no interior de um isolante topológico bidimensional pode gerar estados quânticos eletrônicos unidimensionais que conduzem carga e spin no interior do material”, precisam os autores.

Os autores chegaram aos resultados que sustentam essa conclusão por meio de cálculos feitos em supercomputadores, simulando o que aconteceria com os estados quânticos dos elétrons no material com a presença de defeitos. “Utilizamos cálculos de primeiros princípios dentro da Teoria do Funcional da Densidade”, detalham os autores. Para se ter uma ideia, a simulação computacional de defeitos em nanoestruturas de bismuto, relatam os autores, demandou um custo computacional de aproximadamente 400 horas em supercomputadores localizados no Departamento de Física da UFMG e no Centro Nacional de Processamento de Alto Desempenho em São Paulo (Cenapad), na UNICAMP.

A figura mostra a curva de dispersão dos estados topológicos metálicos, localizados no defeito 558, marcados em azul e vermelho.
A figura mostra a curva de dispersão dos estados topológicos metálicos, localizados no defeito 558, marcados em azul e vermelho.

No artigo, os autores também propõem a existência do pentaoctite, um novo isolante topológico bidimensional. Esse material, que ainda não foi sintetizado, seria uma bicamada de bismuto, com uma rede cristalina formada por átomos dispostos em pentágonos e octógonos. “Em nossos cálculos mostramos que essa nova “fase” do bismuto bidimensional tem baixa energia de formação, o que abre a possibilidade de ser sintetizada em laboratório”, afirmam os autores.

De acordo com os autores, o trabalho reportado na Nano Lettters suscita diversas questões do âmbito da pesquisa fundamental, como a influência de impurezas magnéticas e não-magnéticas sobre o transporte de carga e de spin nos estados topológicos propostos, e a conexão entre as simetrias da rede e a natureza dos estados topológicos de borda no pentaoctite. “Sob um ponto de vista aplicado, seria interessante se nosso trabalho viesse a motivar estudos experimentais sobre isolantes topológicos bidimensionais baseados em bismuto e outros materiais, que possibilitassem uma colaboração teórico-experimental nesse tema”, comentam os autores, deixando um convite aberto aos grupos de pesquisa experimental.

A história do trabalho de pesquisa

“O trabalho se originou de um casamento de meus interesses em defeitos topológicos estendidos em materiais bidimensionais e tridimensionais, com a experiência do professor Tome Mauro Schmidt (UFU) e da Erika Lima, que foi sua orientanda de doutorado no tema de isolantes topológicos”, relata Nunes.

Em 2012, Nunes e outros colaboradores tinham publicado um artigo na Nano Letters sobre estados magnéticos (não topológicos) gerados por defeitos estendidos lineares em uma monocamada de grafeno. Posteriormente, em conversas com Schmidt, foi definida uma colaboração visando investigar se um defeito estendido com a mesma morfologia levaria à formação dos estados topológicos em um isolante topológico bidimensional de bismuto.

Em seu pós-doutorado no grupo do professor Nunes, realizado em 2015, Erika Lima fez todos os cálculos computacionais. A interpretação dos resultados e a redação do artigo foram realizados pelos três pesquisadores, que são os autores do artigo.

A pesquisa que gerou o artigo contou com financiamento da CAPES, CNPq, FAPEMIG e do INCT de Nanomateriais de Carbono.

autores
Montagem de fotos dos autores do artigo. Começando pela esquerda do leitor, Erika Lima, atualmente professora da UFMT, Tome Schmidt, professor da UFU, e Ricardo Nunes, professor da UFMG.

Artigo em destaque: cristais ultrapequenos com cascas de espessura controlada.

O artigo científico com participação de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é:

Anielle Christine A. Silva, Sebastião W. da Silva,  Paulo C. Morais, and Noelio O. Dantas. Shell thickness modulation in ultrasmall CdSe/CdS(x)Se(1-x)/CdS core/shell quantum dots via 1-thioglycerol. ACS Nano, 2014 Feb 25; 8(2):1913-22. DOI: 10.1021/nn406478f.

Texto de divulgação:

Cristais ultrapequenos com cascas de espessura controlada.

Quando o professor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) Noelio Oliveira Dantas ideou uma nova metodologia para sintetizar pontos quânticos (cristais semicondutores de apenas alguns nanometros de tamanho), ele estava investigando rotas de fabricação dos minúsculos cristais visando aplicações biotecnológicas. Dessa maneira, o Laboratório de Novos Materiais Isolantes e Semicondutores que o professor Dantas coordena na UFU buscava atender demandas da Rede Nanobiotec- Brasil, programa da Capes destinado a promover a pesquisa em nanobiomateriais.

Representação de um ponto quântico obtido pelo método reportado no artigo.

Entretanto, os resultados superaram as expectativas iniciais. Além de gerar pontos quânticos ultrapequenos, compostos, basicamente, por um núcleo de seleneto de cádmio (CdSe) e uma casca de sulfeto de cádmio (CdS), o novo método, barato e altamente reproduzível, surpreendeu pela sua capacidade de controlar a espessura da casca dos pontos quânticos, uma novidade com relação a outras rotas conhecidas.

O trabalho foi desenvolvido durante a pesquisa de doutorado direto (sem mestrado prévio) que Anielle Christine Almeida Silva desenvolve no Instituto de Física da UFU, com orientação do professor Dantas e bolsa da Capes – Rede Nanobiotec. Alguns resultados da pesquisa foram publicados neste ano pelo periódico ACS Nano, num artigo assinado pela doutoranda e o orientador, junto a dois colaboradores da Universidade de Brasília, os quais contribuíram com a caracterização dos pontos quânticos por espectroscopia Raman e participaram da discussão dos resultados.

O trabalho

“A principal contribuição científica deste artigo é a proposta de uma nova metodologia de síntese, via solução aquosa, que permitiu o controle da espessura da casca de CdS em pontos quânticos ultrapequenos de CdSe em função da concentração de 1-tioglicerol”, resume Anielle, que, neste dias, defende sua tese de doutorado. Mais detalhadamente, os pesquisadores descobriram que, enquanto menores concentrações de 1-tioglicerol limitam o crescimento do núcleo dos pontos quânticos, maiores quantidades do composto promovem o crescimento controlado da sua casca.

Os cristais ultrapequenos obtidos apresentaram medidas de menos de 2 nm no núcleo e de 0,50 a 1,25 nm na casca. Para calcular estas medidas a partir de espectros obtidos pela técnica Raman, os autores do artigo utilizaram um modelo de confinamento de fônons com modificações propostas por eles mesmos e mais um autor em outro artigo publicado em 2013 (Anielle Christine Almeida Silva; Ernesto Soares de Freitas Neto; Sebastião William da Silva; Paulo Cesar de Morais; Noelio Oliveira Dantas. Modified Phonon Confinement Model and its Application to CdSe/CdS Core-Shell Magic-Sized Quantum Dots Synthesized in Aqueous Solution by a New Route. Journal of Physical Chemistry. C, v. 117, p. 1904-1914, 2013.).

Quanto às aplicações biotecnológicas inicialmente visadas, os autores explicam que estes pontos quânticos obtidos pela nova rota são promissores devido a sua capacidade de se dispersar facilmente em meios aquosos. De acordo com os cientistas, a estrutura dos cristais ultrapequenos obtidos, semelhante à de um sanduíche com duas fatias de pão e um fino recheio, pode contribuir à maior eficiência quântica e estabilidade dos pontos quânticos em meios biológicos. Para mais informações sobre estas aplicações, os cientistas indicam outro artigo: Anielle Christine Almeida Silva; Samantha Luara Vieira de Deus; Marcelo José Barbosa Silva; Noelio Oliveira Dantas. Highly Stable Luminescence of CdSe Magic-Sized Quantum Dots in HeLa Cells. Sensors and Actuators. B, Chemical, v. 191, p. 108-114, 2014.