Entrevistas com palestrantes de plenárias do XIV Encontro: George Malliaras.

Avanços na compreensão do funcionamento do cérebro e no diagnóstico e tratamento de doenças neurológicas como a epilepsia e o Parkinson podem surgir com a ajuda da Ciência e Engenharia de Materiais. Mais precisamente, da Eletrônica Orgânica. De fato, materiais orgânicos com propriedades eletrônicas são ótimas interfaces entre os sinais que o cérebro emite e o exterior, seja para analisar a atividade cerebral ou para interferir nela.

O assunto será abordado em uma palestra plenária do XIV Encontro da SBPMat, a cargo do professor George Malliaras, diretor do departamento de Bioeletrônica da  Ecole Nationale Supérieure des Mines de Saint-Étienne (França), onde físicos, engenheiros de materiais, engenheiros eletrônicos, biólogos e neurocientistas trabalham em conjunto.

Malliaras gradou-se em Física em 1991 pela Universidade Aristóteles (Grécia). Realizou seu doutorado nos Países Baixos, na Universidade de Groningen, em Matemática e Ciências Físicas. Sua tese sobre fotorrefratividade de polímeros lhe valeu uma distinção da universidade (cum laude). Depois do doutorado, defendido em 1995, mudou-se para os Estados Unidos. Fez dois anos de pós-doutorado no Centro de Pesquisa Almaden da IBM e, em seguida, virou professor do departamento de Ciência e Engenharia de Materiais da Universidade Cornell, em Nova York. De 2006 a 2009 atuou como diretor de um laboratório nacional ligado à universidade, o Cornell NanoScale Science & Technology Facility. Em 2009, fundou a empresa Orthogonal´s, que atua no ramo da eletrônica orgânica. No mesmo ano, voltou à Europa como professor da Ecole Nationale Supérieure des Mines de Saint-Étienne, onde permanece até o presente.

Malliaras, cujo número H é de 64 segundo o Google Scholar, é autor de mais de 200 artigos científicos com mais de 13.000 citações. Seus trabalhos sobre Eletrônica Orgânica e Bioeletrônica têm sido premiados pela New York Academy of Sciences, U.S. National Science Foundation e pela empresa DuPont, entre outras entidades. Já proferiu mais de 230 palestras convidadas e organizou vários eventos, por exemplo, o 2015 MRS Fall Meeting, do qual foi coordenador.

É membro do conselho científico de centros de pesquisa na Alemanha, Irlanda e Suécia. É editor associado da Science Advances, uma revista científica open access com revisão por pares lançada neste ano pela editora da Science.

Na palestra plenária do XIV Encontro da SBPMat, o cientista falará sobre dispositivos baseados em materiais orgânicos com propriedades eletrônicas, mostrando exemplos já desenvolvidos e oportunidades de desenvolvimento.

Segue uma entrevista com o cientista.

Transistor de polímero condutor localizado no córtex de um rato.

Boletim da SBPMat: – Em sua opinião, quais são suas contribuições mais significativas na área de Eletrônica Orgânica / Bioeletrônica? Explique-as muito brevemente, por favor, e compartilhe referências dos artigos ou livros resultantes, ou comente se esses estudos produziram patentes, produtos, empresas derivadas etc.

George Malliaras: – Na área de eletrônica orgânica, seria o codesenvolvimento, juntamente com Chris Ober, na Universidade Cornell, da litografia ortogonal. Trata-se de um conjunto de processos que permite realizar padrões em microescala em filmes orgânicos usando fotolitografia, o padrão-ouro em microeletrônica. A litografia ortogonal se baseia no uso de materiais fotorresistentes fluorados que não danificam os filmes orgânicos. Ela permite a microfabricação de dispositivos, incluindo displays de alta resolução, usando equipamentos padrão, que já existem na indústria. Há uma empresa (Orthogonal, Inc., www.orthogonalinc.com) que vem comercializando os fotorresistentes, e está buscando comercializar essa tecnologia. Em bioeletrônica, o trabalho é recente demais, e eu teria que esperar para poder enxergar com retrospectiva. Uma tendência que emergia quando eu me juntei à área envolvia a transição do uso de revestimentos orgânicos para o uso de dispositivos orgânicos. Sem dúvida, esses últimos oferecem mais recursos para a interface com a biologia. Meu grupo tem contribuído com essa tendência ao demonstrar que transistores eletroquímicos orgânicos trazem uma série de benefícios como transdutores de fenômenos biológicos, como grande amplificação, o que permite produzir gravações da atividade cerebral de alta qualidade.

Referências:

  • J. Rivnay, R.M. Owens, and G.G. Malliaras, “The rise of organic bioelectronics”, Chem. Mater. 26, 679 (2014).
  • D. Khodagholy, T. Doublet, P. Quilichini, M. Gurfinkel, P. Leleux, A. Ghestem, E. Ismailova, T. Herve, S. Sanaur, C. Bernard, and G.G. Malliaras, “In vivo recordings of brain activity using organic transistors” Nature Comm. 4, 1575 (2013).
  • J. Rivnay, P. Leleux, M. Ferro, M. Sessolo, A. Williamson, D.A. Koutsouras, D. Khodagholy, M. Ramuz, X. Strakosas, R.M. Owens, C. Benar, J.-M. Badier, C. Bernard, and G.G. Malliaras, “High Performance Transistors for Bioelectronics Through Tuning of Channel Thickness”, Sci. Adv. 1, e1400251 (2015).
Microeletrodo ultraconformável para eletrocorticografia.

Boletim da SBPMat: – Quais são, em sua opinião, os principais desafios para cientistas e engenheiros na área de materiais, com relação a Eletrônica Orgânica interagindo com o cérebro?

George Malliaras: – Encontrar o colaborador certo, que os ajude a formular as perguntas certas. Acredito que embarcar em uma área interdisciplinar sozinho é uma receita para produzir trabalho de baixo impacto. A chave para um trabalho de grande impacto nessa área é formular perguntas que interessem tanto a neurocientistas quanto a nós, cientistas e engenheiros de materiais.  De nossa parte, precisamos ser capazes de elaborar quais são as vantagens oferecidas pelos orgânicos, para então descobrir como melhor empregá-los para resolver problemas específicos enfrentados pelos neurocientistas. Pela minha experiência, posso dizer que costuma ser uma combinação de vantagens (condutividade mista, biocompatibilidade, propriedades mecânicas “suaves”), em vez de uma única, o que favorece os orgânicos.

Boletim da SBPMat: – Se quiser, deixe uma mensagem ou convite para sua palestra plenária aos leitores que participarão do XIV Encontro da SBPMat.

George Malliaras: – Eu costumo citar uma frase de Tadahiro Sekimoto, ex-presidente da Nippon Electric Corporation: “Aqueles que dominam os materiais, dominam a tecnologia”. Isso ressalta a importância da pesquisa em materiais em nosso mundo, e demonstra os perigos de mudarmos para uma economia de “serviços”.

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