Artigo em destaque: Engenharia precisa na fabricação de válvulas de spin.

O artigo científico com participação de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é:

T. E. P. Bueno, D. E. Parreiras, G. F. M. Gomes, S. Michea, R. L. Rodríguez-Suárez, M. S. Araújo Filho, W. A. A. Macedo, K. Krambrock and R. Paniago. Noncollinear ferromagnetic easy axes in Py/Ru/FeCo/IrMn spin valves induced by oblique deposition. Appl. Phys. Lett. 104, 242404 (2014). DOI: 10.1063/1.4883886.

Artigo de divulgação:

Engenharia precisa na fabricação de válvulas de spin.

A produção e caracterização de válvulas de spin é o tema de um trabalho de colaboração entre pesquisadores do Departamento de Física da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),  do Laboratório de Física Aplicada do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN) e da Pontifícia Universidade Católica do Chile, cujos resultados foram recentemente publicados no prestigiado periódico Applied Physics Letters (APL).

Válvulas de spin são dispositivos formados por três ou mais camadas de espessura nanométrica compondo um sanduíche de materiais magnéticos e não magnéticos. Sensores constituídos por tais estruturas cumprem papel fundamental na leitura das informações gravadas nos discos rígidos, entre outras aplicações.

O funcionamento das válvulas de spin se baseia num efeito chamado “magnetorresistência gigante”, que foi o motivo do Prêmio Nobel de Física de 2007. A magnetorresistência gigante nas válvulas de spin consiste numa grande alteração da resistência elétrica frente à ação de um campo magnético. Essa resistência depende da orientação relativa entre as magnetizações das camadas compostas por material magnético.

A magnetização de um material magnético é determinada pela orientação dos spins de seus elétrons. Os elétrons possuem duas características intrínsecas: carga elétrica e momento magnético, esta última conhecida como spin. Explorar o grau de liberdade do spin do elétron em adição à sua carga levou ao surgimento de um novo campo de pesquisa, denominado spintrônica.

Então, na magnetorresistência gigante das válvulas de spin, quando as camadas de material magnético têm a mesma direção e sentido de magnetização, o dispositivo diminui sua resistência elétrica e se torna um melhor condutor da eletricidade. Já quando as camadas magnéticas adquirem sentidos opostos de magnetização, acontece um significativo aumento da resistência elétrica.

Para compreender melhor esse efeito e, mais adiante, os resultados apresentados no artigo da APL, é importante lembrar que a magnetização é uma grandeza física vetorial e que, portanto, além de possuir uma intensidade (chamada módulo), ela tem uma direção (paralela, perpendicular) e um sentido (indicado pela ponta da seta que representa o vetor). Geralmente, multicamadas metálicas compostas por materiais magnéticos separados por uma camada não magnética, como as válvulas de spin, têm as magnetizações das camadas ferromagnéticas acopladas, explica Thiago Bueno, primeiro autor do artigo da APL e aluno do Doutorado em Física da UFMG, orientado pelo professor Roberto Magalhães Paniago. Esse acoplamento pode resultar em magnetizações paralelas (chamadas “colineares”) com mesmo sentido ou com sentidos opostos, e também em magnetizações não colineares, como mostra esta figura:

Camadas ferromagnéticas “sanduichando” uma camada não magnética de rutênio. As setas vermelhas e verdes representam a direção e o sentido da magnetização das camadas compostas por Py e FeCo, respectivamente. (a) Magnetizações paralelas e com mesmo sentido; (b) Magnetizações paralelas com sentidos opostos; (c) Magnetizações perpendiculares entre si.

Entretanto, magnetizar as camadas magnéticas da válvula de spin não ocorre de forma homogênea em todas as direções; elas apresentam a chamada anisotropia magnética. “A anisotropia magnética é uma importante propriedade magnética, pois estabelece a direção fácil de magnetização”, destaca Thiago Bueno. “Esta propriedade é determinada por uma série de fatores, dentre eles os tipos de materiais, a espessura das camadas, e os detalhes do método de fabricação de amostras”.

No trabalho que originou o artigo da APL, a equipe de cientistas realizou alguns ajustes no método de fabricação das válvulas de spin, conseguindo interessantes resultados nas propriedades desses dispositivos.

Controlando a direção da magnetização

“Este trabalho só foi possível devido à ótima colaboração entre as partes, da preparação de amostras de ótima qualidade, medidas experimentais precisas, interpretação dos dados, até a publicação dos resultados”, destaca Thiago Bueno.

Inicialmente, no Laboratório de Física Aplicada do CDTN, localizado em Belo Horizonte (MG), a equipe fabricou filmes finos compostos por multicamadas com espessura de algumas dezenas de nanometros. Os filmes foram obtidos por meio da técnica conhecida como magnetron sputtering, na qual íons de argônio são acelerados contra os alvos que contêm os materiais a ser depositados, arrancando seus átomos. Com o auxílio dos magnetrons, esses átomos são depositados sobre um substrato, formando as camadas dos filmes. “Por meio dessa técnica é possível obter filmes com composição química, espessura e morfologia estrutural bem determinada”, explica Thiago Bueno.

Esquema de deposição oblíqua com 5 fontes de sputtering (magnetrons) fazendo um ângulo de 72o entre elas. O ângulo (β) entre a direção de deposição e a normal do filme é estimado em 38o para todas as fontes.

Neste estudo, os cientistas montaram um esquema de deposição oblíqua ao dispor os magnetrons do equipamento fazendo um ângulo de 72entre eles e inclinados com relação à amostra, conforme mostra a imagem à direita.Usando esse esquema de deposição oblíqua, os cientistas fabricaram válvulas de spin com camadas ferromagnéticas de até 10nm de espessura, compostas pelas ligas metálicas permalloy(Py) e FeCo, e separadas por uma camada não magnética de rutênio (Ru) de espessura entre 1 nm e 3,5 nm. Os dispositivos foram caracterizados no Departamento de Física da UFMG usando ressonância ferromagnética (FMR), uma técnica extremamente sensível que fornece relevantes informações sobre a magnetização dos materiais.

Após a interpretação dos resultados experimentais, da qual participaram pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica do Chile, os cientistas concluíram que a deposição oblíqua induziu direções de magnetização não paralelas (não colineares) nas camadas ferromagnéticas das válvulas de spin fabricadas.  “O ângulo entre os eixos fáceis, aproximadamente igual ao ângulo entre os magnetrons, fora determinado pela geometria de fabricação”, reforça o autor Bueno. “Uma das principais contribuições do nosso trabalho é a demonstração de que é possível se fabricar válvulas de spin onde os eixos de fácil magnetização das camadas ferromagnéticas (Py e FeCo) são não colineares”, resume.

De acordo com o doutorando, que foi o idealizador do projeto, ao iniciar o trabalho os autores já conheciam os efeitos da deposição oblíqua em bicamadas ferromagnética/antiferromagnética. Com este estudo, a equipe deu um passo além e investigou esses efeitos em uma estrutura mais complexa, a válvula de spin.

“Acreditamos que nosso trabalho impulsionará outros pesquisadores a fabricar esses dispositivos buscando novas configurações magnéticas entre as camadas da válvula de spin, além das tradicionalmente usadas”, completa Bueno.

Artigo em destaque: Folhas de grafeno gravadas com íons de hélio.

O artigo científico com participação de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é:

Archanjo, B.S.; Fragneaud, B.; Cancado, L.G.; Winston, D.; Miao, F.; Achete, C.A.; Medeiros-Ribeiro, G. Graphene nanoribbon superlattices fabricated via He ion lithography. Appl. Phys. Lett. 104, 193114 (2014); http://dx.doi.org/10.1063/1.4878407.

Artigo de divulgação

Folhas de grafeno gravadas com íons de hélio

Em um trabalho coordenado por pesquisadores do Brasil e recentemente publicado na Applied Physics Letters (APL), cientistas gravaram, em cima de folhas de grafeno, padrões periódicos de tamanho nano, utilizando um método novo para essa aplicação, a litografia por feixe de íons de hélio focalizados.

A equipe de cientistas envolvida no trabalho se valeu de um microscópio HIM, do inglês helium ion microscope, para bombardear o grafeno com esses íons e, dessa maneira, gravar linhas paralelas de 1mm de comprimento e apenas 5 nm de largura, definindo, entre elas, fitas de 20 nm de largura (nanofitas).

Além de ser rápido e simples, o método se revelou muito preciso: gerou defeitos pontuais menores do que outras técnicas similares e preservou significativamente a estrutura atómica das nanofitas definidas.

O novo método amplia as possibilidades de aplicação do grafeno, que, vale lembrar, é um material plano (de apenas um átomo de altura) formado por átomos de carbono densamente compactados, e que se destaca por poder ser utilizado em escala nano e por sua altíssima resistência, ótima condução da eletricidade e do calor, transparência e flexibilidade, entre outras propriedades.

“A escrita direta em grafeno, utilizando o feixe de íons focalizados, permite a fabricação rápida de diferentes dipositivos”, diz Braulio Archanjo, pesquisador do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) e primeiro autor do artigo da APL. Como exemplo, Archanjo cita a possibilidade de fabricar em grafeno puro, num futuro próximo, as chamadas “junções PN”, estruturas atualmente fabricadas basicamente em silício, as quais compõem dispositivos semicondutores, como díodos e transistores, amplamente usados na produção de eletrônicos.

Imagem topográfica (em 3 dimensões) da superfície do grafeno sobre SiO2, coletada em um microscópio de força atômica.

A história do trabalho

No contexto de trabalhos sobre metrologia do grafeno realizados nos últimos anos no Inmetro, relata Archanjo, surgiu a ideia de se fabricar, de maneira controlada, padrões periódicos de “defeitos”, como as linhas paralelas do trabalho da APL. Em 2012, uma equipe do Inmetro, em colaboração com pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), publicou um trabalho sobre padrões periódicos gravados em grafeno utilizando um feixe de íons de gálio por meio de um equipamento de FIB, do inglês focused ion beam.

Posteriormente, em uma reunião de Archanjo com os professores Carlos Achete, ligado à Universidade Federal do Rio de Janerio (UFRJ) e ao Inmetro, e Gilberto Medeiros, ligado à UFMG e ao laboratório de pesquisa e desenvolvimento da Hewlett-Packard (HP Labs), foi planejado um segundo trabalho em que se usaria, em vez do equipamento de FIB, um HIM, cuja resolução é até dez vezes superior, mas que não existe ainda em território brasileiro.

Então, Archanjo passou três semanas no Vale do Silício, nos Estados Unidos, utilizando o HIM do HP Labs para fazer litografia em amostras de grafeno produzidas no Inmetro. “Juntamos a expertise que temos aqui a respeito de defeitos em grafeno, com a expertise dos pesquisadores do HP Labs em utilizar um microscópio de feixe de íons de hélio focalizado”, resume o pesquisador do Inmetro.

Quando ele voltou ao Brasil com várias amostras de grafeno com padrões periódicos gravados, a equipe deu início ao estudo dessas amostras por microscopia de força atômica e espectroscopia Raman, desenvolvido no próprio Inmetro. “Esta etapa do trabalho foi realizada juntamente com os professores Benjamin Fragneaud, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e Luiz Gustavo Cançado, da UFMG”, conta Archanjo.

HIM: proximamente no Brasil

No primeiro semestre de 2015, anuncia Archanjo, o Brasil deve ter seu primeiro microscópio de íons de hélio. “A experiência que ganhamos realizando o estudo no HP Labs nos permitirá instalá-lo e utilizá-lo”, diz o pesquisador. O equipamento estará disponível para os pesquisadores brasileiros interessados em utilizá-lo dentro do Núcleo de Laboratórios Multiusuário de Microscopia do Inmetro.