Entrevistas com palestrantes de plenárias do XIV Encontro: Ichiro Takeuchi.

A busca pelos materiais mais apropriados para desempenharem funções determinadas da melhor maneira possível talvez aconteça desde os primórdios da humanidade. Nessa busca, no extremo oposto do método de tentativa e erro, existe atualmente a abordagem combinatória, que tem como objetivo aumentar a eficiência do processo de descoberta ou criação de materiais. A base dessa abordagem é a triagem de grandes quantidades de materiais de composições levemente diferentes entre si, usando bancos de dados, técnicas de síntese e caracterização rápida, simulações, robôs e outros recursos. Aplicada na indústria farmacêutica desde os anos 1990 para identificar novos compostos úteis, a abordagem combinatória também tem seu lugar na Ciência e Engenharia de Materiais.

Prof. Ichiro Takeuchi

No XIV Encontro da SBPMat, o professor Ichiro Takeuchi oferecerá uma palestra plenária sobre a abordagem combinatória na descoberta de materiais – um tema que faz parte de seu dia-a-dia. Takeuchi é professor do departamento de Ciência e Engenharia de Materiais da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, desde 1999. Nessa instituição, ele lidera o Centro de Síntese Combinatória e Caracterização Rápida e o Laboratório de Nanosíntese Combinatória e Caracterização em Multiescala. É professor visitante da Universidade de Ciência de Tokyo desde 2010, além de membro do comitê executivo do Fórum de Física Industrial e Aplicada da Sociedade Estadunidense de Física (APS).

Takeuchi graduou-se em Física em 1987 pelo Instituto de Tecnologia de California (Caltech). Durante quatro anos, trabalhou no Japão em laboratórios de pesquisa em microeletrônica da empresa NEC e depois voltou aos Estados Unidos. Em 1996, obteve seu diploma de Ph.D. pela Universidade de Maryland. Na sequência, foi ao Laboratório Nacional Lawrence Berkeley, onde permaneceu até 1999 como pós-doc. Em 2004 foi chairman da “Gordon Conference on Combinatorial and High-throughput Materials Science”. Em 2009, fundou uma empresa voltada ao desenvolvimento de materiais e sistemas para aplicações no campo da energia, a Maryland Energy and Sensor Technologies, LLC.

Ichiro Takeuchi foi professor visitante de universidades do Japão e da Alemanha. Recebeu prêmios e distinções da National Science Foundation (Career Award), do Escritório de Investigação Naval dos Estados Unidos (Young Investigator Program Award) e da Universidade de Maryland, entre outras instituições. O cientista, cujo índice H é de 40 segundo o Google Scholar, é autor de mais de 180 artigos com mais de 5.900 citações e de um livro sobre síntese combinatória de materiais.

Segue uma entrevista com o cientista.

Boletim da SBPMat: – Ajude-nos a visualizar como é realizada a pesquisa combinatória. Por exemplo, escolha um exemplo de material surgido em seus laboratórios a partir dessa abordagem e relate, em grandes linhas, o passo-a-passo do método.

Síntese de uma biblioteca combinatória de filmes finos: neste exemplo, usamos a técnica de co-sputtering (a) para produzir uma ampla variação composicional em um wafer de 3’’ (b);  essa amostra é chamada de wafer de composição estendida; a variação composicional é mapeada num diagrama ternário de fases composicionais, usando uma sonda de elétrons (c).

Ichiro Takeuchi: – Produzimos pesquisa combinatória de materiais baseada em filmes finos. O objetivo é realizar uma rápida triagem de combinações composicionais até então inexploradas a fim de descobrir novos materiais com propriedades físicas melhoradas. Criamos wafers ou chips com grandes variações na composição dos filmes finos depositados. Às vezes, os filmes finos são separados em diferentes camadas, enquanto em outras há um filme contínuo cuja composição muda ao longo do wafer. Queremos que as combinações sejam tão amplas e diversas quanto possível, para que possamos mapear grandes variações composicionais em um único experimento. Então, empregamos diferentes técnicas de caracterização para conseguir uma rápida triagem de várias propriedades físicas. Por exemplo, no momento, temos um projeto de pesquisa de novos materiais magnéticos permanentes. Para isso, usamos técnicas como medidas de varredura por SQUID ou pelo efeito Kerr magneto-óptico. Essas medições podem ser usadas para mapear as propriedades magnéticas de todas as composições encontradas em um único wafer. Esses wafers e chips são chamados de bibliotecas combinatórias. Também trabalhamos muito com caracterização estrutural. Para este fim, geralmente usamos linhas de luz síncrotron. Devido ao grande fluxo de feixes, nos mesmos locais podemos realizar a difração de raios X de um wafer inteiro, muito rapidamente. No momento, podemos fazer a varredura de 200 a 300 pontos em 2 horas.

Boletim da SBPMat: – Quais são, na sua opinião, suas contribuições mais significativas no campo da ciência de materiais combinatória? Explique-as muito brevemente e compartilhe as referências dos artigos ou livros gerados, ou comente se esses estudos geraram patentes, produtos, empresas spin-off etc.

Exemplos de bibliotecas combinatórias de materiais funcionais e visualização de seus dados: (a) biblioteca de materiais magnéticos permanentes para pesquisa sistemática do acoplamento de troca, exibindo os laços de histerese magnética encontrados em cada ponto da biblioteca (do Physical Review B75, 144429 (2007)); (b) biblioteca ferroelétrica exibindo os laços de histerese magnética encontrados em cada ponto (do Journal of Materials Research 27, 2691 (2012)); (c) biblioteca de um supercondutor com curvas de resistência – temperatura mapeadas nas posições onde foram medidas (do APL Materials 1, 042101 (2013)).

Ichiro Takeuchi: – Ao longo dos anos, temos conduzido pesquisas combinatórias em uma variedade de tópicos no campo geral dos materiais funcionais, o que inclui supercondutores, ligas com memória de forma, materiais magnetostritivos, materiais ferroelétricos e dielétricos, entre outros. Realizando esses experimentos, tivemos que desenvolver e estabelecer técnicas para aplicar nossas estratégias de forma eficaz. Nós descobrimos alguns compostos novos. Por exemplo, trabalhando juntamente com colegas teóricos, encontramos ligas com memória de forma com capacidade para longas vidas em fadiga. Tenho patentes de uma série de materiais dielétricos com baixa perda, além de novos materiais piezoelétricos.  Atualmente, muitos grupos têm realizado um trabalho de acompanhamento do material piezoelétrico na fronteira de fase morfotrópica, sem chumbo, que encontramos há alguns anos. Além dos materiais que descobrimos, estabelecemos estratégias combinatórias como uma técnica para delinear rapidamente a relação entre composições, estruturas e propriedades, em diferentes sistemas de materiais. Recentemente publicamos um artigo de revisão abrangente, chamado “Applications of high throughput (combinatorial) methodologies to electronic, magnetic, optical, and energy-related materials,” Journal of Applied Physics 113, 231101 (2013) por Martin L. Green, Ichiro Takeuchi, e Jason R. Hattrick-Simpers.

Boletim da SBPMat: – Se desejar, deixe uma mensagem ou convite para sua palestra para os leitores que participarão do XIV Encontro da SBPMat.

Ichiro Takeuchi: – A noção de busca e descoberta é fundamental na pesquisa em materiais. A metodologia combinatória é um contraponto natural aos esforços concentrados na concepção teórica de materiais, praticada em todo o mundo. Ao efetivamente combinar a teoria com a experimentação de alto desempenho, podemos realmente acelerar a frequência com que novos materiais são descobertos. Apresentarei um modelo de pesquisa que chamamos de “mecanismo integrado de materiais” (integrated materials engine), no qual teoria e experimentos se entrelaçam e desenvolvem a partir de um banco de dados e de uma plataforma de gestão flexíveis.

Mecanismo integrado para descoberta de materiais: propomos unir a exploração combinatória de alto desempenho de materiais com a investigação teórica. Múltiplos pontos de feedback entre as duas linhas nos permitem realizar uma pesquisa acelerada, de forma eficaz.

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