Apenas 8,5 % dos doutores formados no Brasil trabalham em empresas, segundo dados de estudo do CGEE lançado no ano passado. Vinícius Galhard Grassi, gaúcho de Santa Maria, pertence a esse grupo minoritário. Aos 38 anos de idade, Grassi acumula 16 anos de experiência em pesquisa e desenvolvimento (P&D) no meio empresarial, sempre na área de polímeros, tendo atuado em todas as fases do processo de inovação, desde a concepção do produto até a sua consolidação no mercado.
Vinícius Grassi formou-se em Química Industrial pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) em 1999. No ano 2000 iniciou o mestrado em Ciência dos Materiais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Em 2001, foi contratado pela empresa Innova para trabalhar como químico de polímeros na unidade localizada no polo petroquímico de Triunfo (RS). Em 2002, obteve o título de mestre pela UFRGS com a defesa de sua dissertação sobre a resistência química do poliestireno de alto impacto, trabalho que originou uma família de novos produtos para a Innova. Entre 2010 e 2013, ainda trabalhando na empresa, realizou o doutorado em Química, iniciado na UFRGS e finalizado no Instituto Max Planck de Pesquisa em Polímeros (Alemanha). No doutorado, desenvolveu um trabalho de pesquisa sobre a obtenção e caracterização de um material polimérico que mistura polímeros feitos com matérias-primas renováveis e fósseis.
No início de 2014, depois de ter trabalhado durante 13 anos na Innova, principalmente com polímeros estirênicos, Grassi ingressou à empresa Braskem como coordenador de projetos de P&D. Em novembro de 2015, passou a liderar o grupo de pesquisadores dedicados à caracterização avançada de materiais na empresa. Desde maio de 2016, é líder de pesquisa em polímeros da Braskem no Brasil, trabalhando com polipropileno (PP), polietileno (PE) e acetato-vinilo de etileno (EVA).
Além de ter desenvolvido, junto a seus colaboradores, uma série de produtos para a Innova e a Braskem (veja entrevista), Vinícius Grassi é autor de 8 artigos publicados em revistas indexadas e de 9 pedidos de patente (um deles, depositado nos Estados Unidos). Duas dessas patentes foram distinguidas com prêmios da Petrobrás e da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim).
Segue uma entrevista com o pesquisador.
Boletim da SBPMat: – Conte-nos o que o levou a estudar Química e Materiais e a trabalhar em P&D no meio empresarial.
Vinícius Galhard Grassi: – O interesse e prazer em estudar Química, certamente catalisado por bons professores no ensino médio. Desde a graduação eu me interessava por polímeros, mas me graduei em uma universidade (UFSM) que disponibilizava somente uma disciplina em polímeros, e ainda de forma eletiva. Decidi fazer um mestrado em Engenharia de Materiais na UFRGS para me aprofundar em polímeros, e desde o início quis direcionar para um tema de interesse da indústria. Fazer P&D em meio empresarial é um desafio de colocar em prática a ciência para gerar uma vida melhor às pessoas e a sociedade como um todo, e gerar lucro para as empresas. Também permite o desenvolvimento de algumas competências típicas do meio empresarial que refletem em nossa própria vida pessoal.
Boletim da SBPMat: – Você fez o doutorado enquanto trabalhava na Innova. Desenvolveu um trabalho do interesse da empresa? Se sim, o desenvolvimento chegou a virar inovação?
Vinícius Galhard Grassi: – Sim, iniciei e conclui enquanto trabalhava na Innova, em um tema de interesse da empresa, mas com alto conteúdo científico. O doutorado (iniciado na UFRGS e concluído no Max Planck for Polymer Research na Alemanha) gerou uma patente que ainda não foi explorada comercialmente, pois precisa de um trabalho continuado de aumento de escala.
Boletim da SBPMat: – Na sua opinião, quais são seus trabalhos de P&D em Materiais mais importantes? Gostaríamos que na resposta fosse além da enumeração de resultados e nos descrevesse brevemente esses trabalhos, relatando se viraram inovações e o impacto que tiveram no mercado.
Vinícius Galhard Grassi: – O trabalho de mestrado gerou uma nova família de produtos para a Innova que representa um faturamento muito significativo da empresa e está protegido por patente já concedida. Estes produtos estão presentes especialmente nos refrigeradores produzidos no Brasil. Na Braskem estou liderando a área de Pesquisa em Polímeros no Brasil, e os principais resultados recentes da equipe foram o lançamento de uma tecnologia proprietária de grades de PP para produção de espumas, que foram lançados na Feira K em 2016 na Alemanha (a saber, a maior Feira mundial de plásticos), que já estão sendo comercializados no Brasil e nos EUA. Os produtos atendem aplicações das principais montadoras de automóveis, além de outras aplicações industriais. Esta equipe também desenvolveu a tecnologia do EVA Rubber, que hoje é usada em diversos calçados, dando leveza, durabilidade e conforto, trazendo competitividade à indústria brasileira, além de um processo de produção de solados com menor consumo de energia e geração de resíduos. Ou seja, ganhos de sustentabilidade para a cadeia.
Boletim da SBPMat: – Quais foram os principais desafios ou dificuldades que você enfrentou em seu trabalho de P&D em empresas?
Vinícius Galhard Grassi: – Eu percebo vários momentos críticos durante um projeto de P&D. 1) Selecionar as melhores ideias em termos de potencial de mercado e que sejam passíveis de geração de patente (no caso de projetos de pesquisa). Não adianta colocar recursos em ideias ruins. 2) Gerar resultados consistentes de uma forma ágil, com base científica sólida, alocando os recursos e competências certas. Se é para falhar, que seja rápido, mas obviamente ter persistência quando você realmente acredita no projeto. 3) Aumento de escala: acho esta a etapa crítica, muitos projetos falham no scale up, pois pequenos detalhes tornam-se significantes quando a escala é maior. É também uma etapa que só se justifica quando algum cliente está realmente interessado no projeto, pois a alocação de recursos e investimentos em geral são significativos.
Boletim da SBPMat: – Você é coautor/ autor de artigos e de patentes. Comente o que significam os artigos e as patentes para você no contexto do trabalho em empresas.
Vinícius Galhard Grassi: – Os artigos fortalecem a veia científica e representam a contribuição individual ao progresso da ciência através do compartilhamento de conhecimento. E as patentes são um ativo valioso que o pesquisador cria para a empresa. Dá poderes à empresa de ser a dona de uma tecnologia e fortalece sua estratégia tecnológica.
Boletim da SBPMat: – Deixe uma mensagem aos jovens da comunidade de Materiais que desejam trabalhar com P&D no meio empresarial.
Vinícius Galhard Grassi: – Como em tudo na vida, há vantagens e desvantagens em trabalhar com P&D no meio empresarial. A pressão por prazos e resultados é constante, faz parte do dia-a-dia. Mas isto cria senso de urgência e foco no que é prioritário e de fato cria valor. O prazer de ver uma tecnologia ser escalada e chegar ao mercado é incrível e justifica todo o esforço. E conhecer e interagir com muitas pessoas competentes, que te ensinam e te fazem crescer como profissional, com reflexos na vida pessoal. Especialmente na Braskem, é uma oportunidade ímpar de crescimento. A terra lá é muito fértil, se a semente for boa e bem tratada, ela cresce mesmo!