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Em seu laboratório da Universidade de Roma “La Sapienza”, na Itália, o professor Pietro Matricardi e seu grupo desenvolvem novos materiais baseados em polissacarídeos.
Esses polímeros naturais que pertencem à família dos carboidratos são longas cadeias de açúcares simples, os monossacarídeos, e estão presentes em abundância em plantas e animais. Com eles, o professor Matricardi elabora diversos tipos de hidrogéis (géis com alto teor de água) que podem ser introduzidos no corpo humano sem afetar suas funções normais. Entre as principais aplicações desses materiais estão os sistemas de liberação de fármacos, nos quais um determinado medicamento é armazenado no hidrogel e liberado de maneira controlada dentro do corpo do paciente.
No XVII B-MRS Meeting, o Professor Matricardi ministrará uma palestra plenária sobre essa diversidade de hidrogéis polissacarídicos, sua preparação e suas aplicações farmacêuticas.
Formado em nível de mestrado (1989) e doutorado (1993) pela Universidade de Roma, Pietro Matricardi retornou a “La Sapienza” em 2004, como professor assistente no Departamento de Química e Tecnologias Farmacêuticas, após uma experiência profissional em empresas, inclusive no segmento farmacêutico. Atualmente ele é professor associado em “La Sapienza”.
Matricardi é autor de mais de 80 artigos em periódicos internacionais revisados por pares, editor de um livro sobre hidrogéis polissacarídicos e autor de alguns capítulos de livros. Sua produção científica conta com mais de 2.700 citações. Ele também é presidente da seção italiana da Sociedade de Liberação Controlada.
Veja nossa mini entrevista com este cientista italiano.
Boletim da SBPMat: – Gostaríamos de saber um pouco mais sobre sistemas de liberação de fármacos de hidrogel polissacarídico. Características, vantagens com relação a outros materiais, tipo de controle que esses hidrogéis possibilitam na liberação de fármacos.
Pietro Matricardi: – As principais características dos hidrogéis polissacarídicos são sua biocompatibilidade geral, devido à origem natural das matrizes poliméricas, e seu alto teor de água. As propriedades mecânicas decorrentes da combinação da arquitetura do polímero e da água do ambiente levam a matrizes altamente toleradas pelo corpo humano. Além disso, a ampla gama de polímeros disponíveis e o grande número de parâmetros ajustáveis para ajustar as propriedades das matrizes são aspectos muito importantes na adaptação das funções dos hidrogéis. Por fim, a incorporação de medicamentos nesses hidrogéis leva a sistemas de liberação de fármacos que podem ser explorados em muitas aplicações farmacêuticas e biomédicas, já presentes no mercado há muito tempo, desde as tópicas até as internas. Apenas para mencionar alguns exemplos: hidrogéis para cicatrização de feridas, tratamento de dermatite ou visco-suplementação com ácido hialurônico em articulações, cirurgia estética, regeneração de tecidos. Mais recentemente, nanohidrogéis de polissacarídeos, isto é, hidrogéis em nanoescala, estão ganhando uma grande atenção por suas propriedades como “transportadores inteligente” e alguns produtos estão quase prontos para o mercado; mas esses sistemas de entrega de fármacos estão apenas no começo de sua vida.
Boletim da SBPMat: – Queremos saber mais sobre o seu trabalho. Por favor, escolha dois artigos / patentes / produtos de sua preferência (seus favoritos) e descreva-os rapidamente.
Pietro Matricardi: – Nosso grupo concentrou-se na pesquisa em nanohidrogéis polissacarídicos há apenas alguns anos. Um dos principais resultados é condensado em duas patentes em que descrevemos como é possível obter nanohidrogéis polissacarídicos, prontos para uma formulação farmacêutica, usando um ciclo padrão de autoclavagem. Desta forma, a partir do fármaco e do polímero ambos suspensos em água, é possível obter, de uma só vez, nanohidrogéis estéreis com a droga embebida no interior.
Outro importante trabalho foi desenvolvido em colaboração com o Prof. Torchlin, da Northeastern University, Boston, MA, EUA. Nesse trabalho, exploramos a possibilidade de usar os nanohidrogéis para uma entrega dupla de fármacos. Especificamente, incorporamos um medicamento antineoplásico (paclitaxel) em um nanohidrogel de gelano anti-inflamatório (prednisolona), obtendo um efeito sinérgico dos dois fármacos na morte de células cancerígenas. Este trabalho recebeu o prêmio “Melhor artigo em EJPB 2014”.
Para mais informações sobre este palestrante e a palestra plenária que ele proferirá no XVII Encontro da SBPMat/B-MRS Meeting, clique na foto do palestrante e no título da palestra: https://www.sbpmat.org.br/17encontro/home/
O artigo científico de autoria de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é: Celso R. N. Jesus, Eduardo F. Molina, Sandra H. Pulcinelli, and Celso V. Santilli. Highly Controlled Diffusion Drug Release from Ureasil–Poly(ethylene oxide)–Na+–Montmorillonite Hybrid Hydrogel Nanocomposites. ACS Appl. Mater. Interfaces, 2018, 10 (22), pp 19059–19068. DOI: 10.1021/acsami.8b04559
Labirinto de argila em matriz de hidrogel para liberação controlada de fármacos
Ao combinar na escala nanométrica uma argila e um gel polimérico, uma equipe científica com membros da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” (UNESP) e da Universidade de Franca (UNIFRAN) desenvolveu um novo material que consegue carregar fármacos e liberá-los de forma gradual e controlada.
A equipe testou in vitro – ou seja, no laboratório, em recipientes que simulam as condições biológicas – o desempenho do material na liberação de diclofenaco sódico. Esse fármaco é um anti-inflamatório, administrável por via oral ou por injeção, bastante utilizado para aliviar o inchaço e a dor gerados, por exemplo, por artrite, reumatismo, lesões musculares, cirurgias ou gota.
O material desenvolvido é um nanocompósito, no qual é possível distinguir um hidrogel polimérico, uma argila e o fármaco. O hidrogel (gel que absorve quantidades de água superiores às normais sem se dissolver) é composto por um material híbrido orgânico-inorgânico chamado siloxano-poliéter ou ureasil. A argila é conhecida como montmorilonita, e se apresenta no nanocompósito em forma de lamelas nanométricas homogeneamente dispersas no hidrogel. Quanto ao diclofenaco sódico, que aparece encapsulado dentro do nanocompósito, é incorporado ao material durante a preparação do mesmo, como se fosse mais um “ingrediente”.
O nanocompósito foi obtido pela equipe paulista por meio do processo sol-gel. Esse método de preparo de materiais é baseado em uma série de reações químicas, nas quais ocorre uma transformação de um “sol” (líquido com partículas nanométricas em suspensão) em um gel (rede rígida tridimensional com interstícios nos quais o líquido permanece imobilizado).
Neste nanocompósito, o hidrogel, que é hidrofílico, tem como função principal absorver água do meio externo e armazená-la em seus interstícios. Nesse ambiente aquoso, moléculas do fármaco se dispersam devido ao processo físico de difusão até atravessarem os poros do hidrogel e saírem para o meio externo, o qual seria o corpo humano se o material estivesse sendo usado para liberar fármacos em pacientes reais.
A principal novidade do material é o uso da argila, que é impermeável, para controlar o modo como o fármaco é liberado. De fato, no material desenvolvido pela equipe paulista, as lamelas nanométricas de argila atuaram como barreira física à passagem das moléculas de água e do fármaco.
Conforme ilustra a imagem ao lado, o conjunto de lamelas formou um verdadeiro labirinto que retardou o movimento dessas moléculas, imprimindo um determinado ritmo à absorção de água e à liberação do diclofenaco sódico.
“A principal contribuição do trabalho foi desenvolver um sistema de barreira baseado em um material híbrido orgânico-inorgânico contendo polímero-argila para o controle fino de liberação do fármaco diclofenaco de sódio”, afirma Eduardo Ferreira Molina, autor correspondente de artigo sobre o assunto, recentemente publicado no periódico ACS Applied Materials & Interfaces. Molina atualmente é professor da Universidade de Franca (SP).
No trabalho reportado nessa revista, os autores prepararam uma série de amostras do nanocompósito usando diferentes proporções de argila montmorilonita, e também amostras do hidrogel sem argila. Os cientistas usaram várias técnicas de caracterização para analisar a estrutura dos nanocompósitos obtidos e das fases que os compõem (o hidrogel e a argila), bem como para estudar a absorção de água e a liberação do fármaco no material. Dessa maneira, a equipe conseguiu verificar que a presença da argila era essencial para controlar a forma como o fármaco era liberado. Ajustando a porcentagem de argila usada na preparação dos nanocompósitos, os pesquisadores conseguiram evitar que uma grande dose de diclofenaco sódico fosse liberada no início (um problema comum em sistemas de liberação de fármacos). Eles também conseguiram que a liberação posterior ocorresse de forma pausada e a uma taxa constante e previsível.
Os resultados deste trabalho podem constituir um primeiro passo rumo ao uso deste nanocompósito como sistema de liberação de fármacos para tratamentos prolongados de artrite, enxaqueca, dor pós-cirúrgica etc. Com um sistema como este, a medicação poderia ser liberada paulatinamente nas doses e taxas mais adequadas, mantendo a concentração ideal do fármaco na corrente sanguínea.
O trabalho, que recebeu financiamento das agências federais brasileiras CAPES e CNPq e da agência paulista FAPESP, foi realizado no Instituto de Química da UNESP, na cidade de Araraquara, com exceção das medidas de espalhamento de raios-X a baixo ângulo (SAXS), realizadas no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), na cidade de Campinas.
A pesquisa foi desenvolvida entre 2010 e 2014 no doutorado em Química de Celso Ricardo Nogueira Jesus, com orientação do professor Celso Valentim Santilli (UNESP) e da professora Sandra Helena Pulcinelli (UNESP). A ideia, até então inédita, de desenvolver esses nanocompósitos para funcionarem como barreiras para liberação controlada de fármacos surgiu no início do doutorado de Nogueira Jesus. O tema reuniu temas desenvolvidos em outros dois trabalhos de pós-graduação. Por um lado, a pesquisa de doutorado de Eduardo Molina, orientada pelo professor Santilli, sobre siloxano-poliéter para liberação controlada de fármacos. Em 2010, esse trabalho estava em fase de conclusão. Por outro lado, o trabalho de mestrado de Márcia Hikosaka, orientado pela professora Pulcinelli e concluído alguns anos atrás, sobre o preparo de nanocompósitos com polímeros e argila montmorilonita.