Gente da comunidade: entrevista com o pesquisador Aloísio Nelmo Klein.

Aloísio Nelmo Klein
Aloísio Nelmo Klein

Aloísio Nelmo Klein nasceu em 5 de dezembro de 1950 em Passo do Faxinal, uma pequena vila povoada por descendentes de alemães localizada no noroeste do Rio Grande do Sul. Nesse ambiente rural, ele desenvolveu, na infância, um gosto especial por resolver problemas técnicos da vida cotidiana, à semelhança do pai. Ainda criança, começou a trabalhar o aço e a construir mecanismos para brinquedos. Aos 14 anos, mudou-se sem a família para a vizinha localidade de Cerro Largo com o objetivo de realizar seus estudos secundários em regime de internato. Em 1969, trasladou-se para Viamão, nos arredores de Porto Alegre, a uns 500 quilômetros da sua querência, depois de passar num concurso para cursar o ensino técnico na concorrida Escola Técnica de Agronomia (ETA). Ali, a Física, Química e Matemática suscitaram-lhe um forte interesse. Formou-se pela ETA no final de 1971.

No ensino superior, Klein formou-se em Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em 1976. Pela mesma universidade, tornou-se mestre em Engenharia de Minas, Metalúrgica e de Materiais em 1979. Em 1983, com a defesa de um trabalho da área de metalurgia do pó e materiais sinterizados, ele obteve o título de doutor em Engenharia pela Universidade Técnica de Karlsruhe (Alemanha), hoje Instituto de Tecnologia de Karlsruhe (KIT).

Desde 1979, Klein é professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), localizada em Florianópolis. Nessa instituição, ele foi um dos líderes da introdução da Ciência e Engenharia de Materiais. Desde 1984, ele coordena o Laboratório de Materiais (LabMat), um espaço multidisciplinar destacado, principalmente, por seus trabalhos de pesquisa e desenvolvimento realizados junto a empresas. Contando com a equipe e infraestrutura consolidadas em torno do LabMat, Klein liderou a criação e foi o primeiro coordenador do programa de pós-graduação em Ciência e Engenharia de Materiais (PGMAT) da UFSC, que forma mestres e doutores desde 1994, e do curso de graduação em Engenharia de Materiais da UFSC, que iniciou suas atividades em 1999.

Ao longo de sua carreira, Klein fez relevantes contribuições ao desenvolvimento de equipamentos e processos para fabricação de materiais a partir de pós e para aplicações de tecnologias a plasma, sendo que alguns desses desenvolvimentos foram introduzidos com sucesso no mercado por meio de parcerias com empresas.

Klein tem participado ativamente da SBPMat desde seus inícios. Ele fez parte da comissão encarregada de criar a sociedade em 2001, foi diretor científico em duas oportunidades (2004-2005 e 2010-2011) e membro do Conselho Deliberativo e foi coordenador dos encontros anuais da sociedade de 2006 e 2012, ambos realizados em Florianópolis.

O pesquisador também participou da criação, ocorrida em 1993, e da governança, do Centro Cerâmico do Brasil (CCB), dedicado à certificação da qualidade de produtos cerâmicos.

Bolsista de produtividade do CNPq em nível 1 A, o professor Aloísio Klein é autor de mais de 60 pedidos de patente depositados em escritórios do Brasil, Europa, Estados Unidos, China, Coreia do Sul, Japão, Taiwan, Singapura e Austrália, sendo que pelo menos 8 dessas patentes já foram concedidas (as outras estão sendo examinadas). De acordo com os dados da base SCOPUS, Klein também é autor de mais de 130 artigos publicados, os quais contam com mais de 700 citações.

Quanto à formação de recursos humanos, o professor já orientou 41 estudantes de mestrado e 27 de doutorado, além de dezenas de trabalhos de graduação e pós-doutorado, e intermediou a ida de mais de 100 estudantes da UFSC ao exterior para a realização de estágios, intercâmbios e cursos de pós-graduação.

Seu trabalho já foi distinguido com prêmios da Finep, Associação Brasileira de Cerâmica, Associação Brasileira de Metalurgia e Materiais e UFSC, entre outras entidades.

Segue uma entrevista com o pesquisador.

Boletim da SBPMat: – Conte-nos o que o levou a se tornar um cientista e a trabalhar na área de Materiais.

Aloísio Klein: – A área técnica sempre me atraiu, uma vez que meu pai, embora sem formação superior, gostava muito de resolver problemas técnicos e arrumar coisas que não estavam funcionando, incluído relógios, instrumentos musicais, armas, carros, tratores, ferramentas agrícolas etc. Ainda criança comecei a me interessar e ajudar um pouco nisso. Ajudava a fazer brinquedos como carrinhos de lomba diferentes, possuindo, por exemplo, direção, freio, molas para amortecimento e um sistema de alavancas para tracionar, coisas que há 55 anos não existiam. Já antes de entrar no primário, ajudava a fazer molas helicoidais para brinquedos, enrolando o arame de aço, temperando e revenindo no fogo, envolto por carvão. A leitura da temperatura era feita pela cor do objeto aquecido. Aos 14 anos entrei no então chamado Seminário São Jose, em Cerro Largo (RS), em regime de internato, onde fiquei 5,5 anos. Era um excelente colégio, os professores eram bem preparados. Os princípios e valores que havia adquirido na minha família e na localidade onde nasci e me criei, foram ainda reforçados no Seminário e os conservo até hoje. Algumas coisas adicionais aprendi no internato, que foram muito importantes no futuro: conviver em grupo e saber dividir, mesmo tendo pouco; ajudar a quem precisa etc. Além disso, as aulas de grego e latim me deram a oportunidade de aprender a me expressar bem por escrito e oralmente. Na realidade, nunca me arrependi de ter estudado lá, pois aprendi a manter a humildade e saber lidar no ambiente de trabalho. Acho que a vida em internato ajuda a desenvolver a capacidade de conviver em grupo e entender cedo que isto é importante. Depois de sair do Seminário fui estudar na ETA (Escola Técnica de Agronomia) no município de Viamão (RS). Esta era uma escola estadual, onde se podia morar (internato) e estudar gratuitamente, motivo pelo qual me motivei a prestar concurso e ir estudar lá. A ETA era uma escola pública muito disputada (assim como a maioria das escolas públicas na época!). Havia aproximadamente 20 candidatos por vaga em 1969, quando ingressei.  Os anos que passei na ETA foram excelentes. No entanto, as disciplinas que mais me interessaram lá, não foram as relacionadas a Agronomia, mas foi Física, Química e Matemática. Me formei na ETA em dezembro de 1971 e, em março de 1972, comecei o curso de Física no Instituto de Física na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).  Me formei em dezembro de 1976 e iniciei mestrado no programa de pós-graduação em Engenharia de Minas, Metalurgia e Materiais da UFRGS em março de 1977, o qual conclui, com a defesa da dissertação, em janeiro de 1979. Já no dia 5 de fevereiro de 1979 fui contratado professor pelo Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Ainda em novembro de 1979 fui para Karlsruhe, Alemanha, fazer o doutoramento em Materiais, na subárea de Metalurgia do Pó e Materiais Sinterizados. Em agosto de 1983, após a conclusão do doutorado, reassumi minhas funções na UFSC. Já em março de 1984 assumi a coordenação do Laboratório de Materiais (hoje LabMat) e ainda mantenho esta função, a qual deverei passar para meu sucessor, já preparado para isto, assim que me aposentar.

Boletim da SBPMat: – Quais são, na sua própria avaliação, as suas principais contribuições à área de Materiais?

Aloísio Klein: – Ao longo da carreira na UFSC, coordenei muitos projetos de pesquisa, a maioria deles em parceria com empresas. A maior parte dos projetos tinha mais metas tecnológicas do que científicas. Isto não foi por acaso, mas foi por convicção. Sempre estive (e continuo) convencido de que a ciência é uma das principais forças motrizes para o desenvolvimento de uma nação, além da educação e escolas de qualidade. É a partir dos conhecimentos científicos que se desenvolvem novos processos, novas funções de engenharia, novos materiais e outros produtos, ou seja, do conhecimento cientifico resulta a inovação. Assim, estes projetos sempre foram propostos tendo como equipe um grupo maior de pessoas, contendo em torno de 8 a 12 professores (além de alunos e engenheiros) visando integrar as especialidades de conhecimento necessárias ao bom desenvolvimento do projeto. Além de colegas dos departamentos de Engenharia Mecânica, Engenharia Elétrica e Engenharia Química, foram envolvidos professores dos departamentos de Física e Química, resultando em equipe com composição multidisciplinar. No entanto, o projeto só vai bem se a equipe multidisciplinar interage interdisciplinarmente para que ocorra o efeito sinérgico. Não adianta apenas dividir o dinheiro e as tarefas. Este ponto nunca foi muito fácil de administrar. Conseguir isto sempre foi muito mais difícil do a parte técnico-científica, pois uma equipe é formada por pessoas, cada uma com suas particularidades, suas ambições, seus egos etc. Acredito pessoalmente, que aprender a lidar com isto foi muito útil para se chegar ao LabMat que temos hoje na UFSC.

Em função do desenvolvimento de projetos com metas tecnológicas definidas, muitas patentes de invenção foram obtidas ao longo dos últimos 30 anos, hoje constando no meu currículo, somando aproximadamente 65 cartas de patente, tanto de processos como de produtos (novos componentes, materiais e equipamentos). Além das patentes, sou também autor/coautor de 135 artigos internacionais em revistas e 203 artigos em Anais de Congressos. Orientei em torno de 64 alunos de IC, 41 alunos de mestrado, 27 alunos de doutorado e 20 bolsistas de pós-doc.

Além disso, liderei a criação do curso de pós-graduação em Ciência e Engenharia de Materiais (PGMAT) que iniciou suas atividades em 1994, hoje nota 6 na Capes, e o curso de graduação em Engenharia de Materiais, que iniciou suas atividades em 1999, hoje nota máxima na Capes. Na realidade, sucesso é trabalho e, em 2010, em sinal de reconhecimento, recebi o prêmio de pesquisador destaque do Centro Tecnológico da UFSC.

Acho que minhas contribuições principais (em geral com a participação de orientandos de doutorado ou mestrado) são relacionadas ao desenvolvimento de processos e novos materiais e equipamentos como:  a) Projeto conceitual do processo de extração de ligantes orgânicos e sinterização assistidas por plasma DC de componentes produzidos via moldagem de pós por injeção. Em inglês denominado “Plasma Assisted Debinding and Sintering – PADS”. b) Projeto conceitual do Reator de Plasma Hibrido. Este reator, além do sistema anodo-catodo para abrir a descarga elétrica, possui um conjunto de resistências elétricas para manter o comando do ciclo térmico independente da energia utilizada no plasma. Assim, a energia dos íons e elétrons no ambiente de plasma pode ser ajustada para assistir as reações de interesse, enquanto que o calor adicional necessário para cumprir o ciclo térmico programado é suprido pelo sistema de aquecimento resistivo. A convivência destes dois sistemas no mesmo ambiente, sem que ocorra abertura de descarga elétrica nas resistências elétricas, é de fundamental importância. Isto (ciclo térmico não dependente da energia do plasma) passou a permitir um grande avanço na utilização de plasma para assistir diversos processos, como tratamentos termoquímicos e metalúrgicos, incluindo o processamento de materiais a partir de pós (metalurgia do pó e processamento cerâmico). c) Projeto conceitual de equipamento de nitretação a plasma que permite a limpeza de resíduos orgânicos e a sua nitretação no mesmo ciclo térmico, por exemplo, utilizável para peças contendo resíduos de óleo, como peças sinterizadas após a sua calibração e peças usinadas. d) A geração “in situ” de fases de interesse na metalurgia do pó, como a geração de grafita turbostrática a partir da dissociação de carbonetos em aço sinterizado, levando ao desenvolvimento de novos tipos de aços sinterizados autolubrificantes a seco.  e) Desenvolvimento de novos tipos de metal duro sem cobalto, nos quais como fase ligante metálica utiliza-se ligas de níquel geradas “in situ” durante a sinterização. f) O esforço constante em integrar equipes multidisciplinares e de trabalhar em parceria com o setor produtivo em meus projetos. A parceria com a EMBRACO, por exemplo vem acontecendo ininterruptamente ao longo de 28 anos e certamente vai ter continuidade após minha aposentadoria, pois o sucessor está completamente engajado nesta parceria.

Considero ainda importante mencionar a intensa participação em comitês de análise e outras atividades que são importantes para o desenvolvimento da área de ciência e tecnologia, como: 1) Membro (1989 a 1995) do grupo técnico do subprograma de novos materiais do PADCTII (MCT/FINEP/CNPq); 2) Duas vezes membro do CA-MM – Comitê Assessor de Minas, Metalurgia e Materiais do CNPq (1997 a 1999) e (2007 a 2009); 3) Membro (1997 a 2001) do grupo técnico em Ciências e Engenharia de Materiais (CEMAT) do subprograma de novos materiais do PADCT III do Ministério de Ciência e Tecnologia;  4) Membro da comissão de avaliação e acompanhamento do programa PRONEX / MCT (1998 a 2003); 5) Membro (2007 a 2010) do grupo de estudos do CGEE (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos) – Estudo prospectivo em Materiais;  6) Membro do comitê de avaliação dos cursos de pós- graduação da área de Materiais. Trienal 2010 – CAPES; 7) Um total de 32 palestras convidadas ao longo da carreira de pesquisador (em empresas, congressos e instituições de pesquisa); 8) Consegui enviar mais de 100 estudantes para o exterior (graduação, mestrado e doutorado) para a realização de estágios, intercâmbios, mestrado e doutorado; 9) Consultor ad hoc, principalmente das agências de fomento CNPq, CAPES, FINEP, FAPESC e DAAD (Alemanha); 10) Participei da criação e fui membro titular do conselho deliberativo do CCB (Centro Cerâmico do Brasil) de 1993 a 2003; 11) Fui vice presidente do Centro Cerâmico do Brasil de 1996 a 2001; 12) Participei da criação do CTC (Centro de Cerâmica de Criciuma, hoje chamado CTCmat); 13) Liderei a criação (1994) e fui o primeiro coordenador do programa de pós-graduação em Ciência e Engenharia de Materiais da UFSC ( PGMAT); 14) Liderei a criação (1999) e fui o primeiro coordenador do curso de graduação em Engenharia de Materiais da UFSC.

Boletim da SBPMat: – Deixe uma mensagem para os leitores que estão iniciando suas carreiras científicas.

Aloísio Klein: – A profissão de pesquisador é possivelmente a melhor profissão do mundo. Quando temos ideias, a sociedade aprova recursos para que possamos desenvolver nossas ideias. Mesmo quando uma ideia não deu certo, avançamos bastante e podemos reformular a ideia com os conhecimentos adquiridos. O ambiente onde trabalhamos é um ambiente muito bom. Tem muita gente inteligente e muita gente jovem seleta e inteligente, cheia de entusiasmo. Quando temos uma ideia boa, logo temos uma porção de pessoas dispostas a participar do desenvolvimento da mesma. Nunca estamos sozinhos. Quando vamos a um congresso, encontramos também um grupo de pessoas bem seleto, onde é possível trocar ideias em alto nível, não só com as pessoas seniores na área, mas também com as pessoas jovens muito criativas e inteligentes. Nenhuma pessoa jovem pouco competente é financiada para ir a um congresso.