Foi fazendo um projeto de iniciação científica como estudante de graduação, no início da década de 1970, que Bluma Guenther Soares se identificou com a profissão de cientista. E por isso, ao longo da sua trajetória de pesquisadora, ela sempre encontrou muita motivação e satisfação em atuar como orientadora, principalmente de alunos de iniciação científica.
Bluma Guenther Soares é carioca, mas passou a infância e adolescência em Barra do Piraí, interior do Rio de Janeiro. Aos 18 anos, mudou-se para a capital para realizar seu sonho de cursar Química na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Concluiu sua graduação no Instituto de Química dessa universidade em 1973. No ano seguinte ingressou no mestrado em Química Orgânica, também na UFRJ, concluindo-o em 1978.
Em 1979, Bluma começou a sua carreira docente como professora adjunta na UFRJ. Em paralelo, em 1981, ela iniciou o doutorado em Ciência e Tecnologia de Polímeros, também na UFRJ. Em 1987, defendeu a sua tese sobre polimerização catiônica.
Entre 1992 e 1993, durante seu pós-doutorado na Université de l’Etat a Liège, na Bélgica, a cientista trabalhou pela primeira vez com compósitos poliméricos condutores, tema no qual continua atuando até o presente.
Entre 1998 e 2004, Bluma foi coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Polímeros da UFRJ. Em 2005, tornou-se professora titular da UFRJ. Em 2010 e em 2016, foi pesquisadora convidada do Institut National des Sciences Appliquées (INSA) de Lyon, na França.
Em 2014, foi uma das dez mulheres cientistas do Brasil homenageadas com o Prêmio Capes-Elsevier pela sua produção científica destacada. Em 2020, o nome dela constou no ranking publicado no periódico PLOS Biology entre os 2% de pesquisadores do mundo da sua área com maior impacto nas publicações.
Ao longo de 50 anos de atividade científica, ela foi autora de mais de 370 artigos científicos. Com mais de 11 mil citações segundo o Google Scholar, Bluma tem, atualmente, um índice H=54 e é bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq no nível mais alto (1 A). Além disso, ela orientou, até o momento, 60 projetos de iniciação científica, 74 mestrados e 49 doutorados.
Aos 73 anos, a cientista tem nada menos que 25 alunos sob sua supervisão no seu laboratório no Instituto de Macromoléculas Professora Eloisa Mano (IMA) da UFRJ e ministra aulas em cursos de graduação e pós-graduação da universidade. Ademais, é membro do conselho editorial de alguns periódicos e faz parte do conselho diretor da Associação Brasileira de Polímeros (ABPol).
No XXII B-MRS Meeting, que será realizado em Santos de 29 de setembro a 3 de outubro deste ano, Bluma Guenther Soares receberá o Prêmio José Arana Varela, que é concedido anualmente pela SBPMat a um pesquisador ou pesquisadora de destaque na área de Materiais no Brasil. Na ocasião, a homenageada vai proferir uma palestra plenária sobre líquidos iônicos em materiais poliméricos e nanocompósitos.
Saiba mais sobre esta destacada cientista da nossa comunidade nesta entrevista que ela concedeu ao Boletim da SBPMat.
Boletim da SBPMat: Conte-nos o que a levou a se tornar uma cientista.
Bluma Guenther Soares: Eu ainda estava no antigo ginasial quando me encantei pelas aulas de ciências. Resolvi então que faria a Faculdade de Química na Escola Nacional de Química. A motivação para ser cientista veio mais tarde quando comecei o meu estágio de iniciação científica no Departamento de Química Orgânica do IQ/UFRJ.
Quando eu terminei o ciclo básico na Faculdade (Química e Engenharia Química na UFRJ tinham o mesmo ciclo básico) eu pedi transferência da minha matrícula de aluno para o Instituto de Química. O caminho profissional foi o de sempre: entrei no mestrado no Departamento de Química Orgânica do IQ/UFRJ. Durante o mestrado, eu vi que gostaria de seguir a trajetória acadêmica e procurei o chefe de departamento para ministrar aulas no departamento sem vínculo – e sem salário, claro.
Ele me incentivou e comecei a dar aulas de Química Orgânica desde então. Em 1979 eu fui admitida como professora pelo Departamento de Química Orgânica. Iniciei então o meu doutorado em Ciência e Tecnologia de Polímeros no Instituto de Macromoléculas.
Boletim da SBPMat: Pense nas descobertas e avanços científicos dos quais você participou ao longo da sua carreira e descreva brevemente aqueles que você considera mais relevantes ou interessantes.
Bluma Guenther Soares: Como falado anteriormente, iniciei minha carreira de pesquisadora na área de Química Orgânica, e entrei para o Grupo de Polímeros do departamento, coordenado pela Profa. Eloisa Mano. Após o término do Doutorado, e a partir da demanda de alunos, comecei a atuar na parte de aplicações de polímeros.
Quando eu fui fazer meu estágio de pós-doutorado em Liège, em 1992, o projeto seria a síntese de copolímeros em bloco, ou seja, a Química Orgânica aplicada a polímeros. Quando cheguei lá, o supervisor, Prof. Jerome, mudou o meu projeto para desenvolvimento de compósitos poliméricos condutores de eletricidade. Foi realmente o maior desafio da minha vida, porque eu não tinha conhecimento algum sobre a física envolvida nesta área. Tive que estudar muito. Por isso, as descobertas envolvendo materiais absorvedores de ondas eletromagnéticas foram de grande relevância.
Outra descoberta de grande impacto foi verificar que alguns líquidos iônicos poderiam atuar como agentes não covalentes em nanotubos de carbono e melhorar a sua dispersão. Essa descoberta resultou ainda na preparação de revestimentos anticorrosivos envolvendo resina epoxídica e material híbrido contendo polianilina e nanotubos de carbono, cuja dispersão foi ajudada pelo liquido iônico.
Boletim da SBPMat: Do ponto de vista da formação de pesquisadores, criação de laboratórios, divulgação científica e demais aspectos da carreira de pesquisador, quais são as suas realizações que tiveram mais impacto e/ ou que lhe deram maior satisfação?
Bluma Guenther Soares: Na minha opinião, a formação de recursos humanos é sempre a que nos dá a maior satisfação. E cada publicação feita com alunos de mestrado, doutorado e iniciação científica tem uma grande importância para mim.
Destaco a minha atuação na orientação de alunos de iniciação científica. Como eu fiquei empolgada com a carreira de cientista após o meu estágio de iniciação científica, eu tenho a preocupação de orientar bem e empolgar esses alunos, contribuindo assim para criar uma massa crítica de pesquisadores no Brasil.
Boletim da SBPMat: Na sua profissão de docente e pesquisadora, você encontrou muitas dificuldades relacionadas ao fato de ser mulher e/ ou de ser mãe?
Bluma Guenther Soares: Apesar de ter iniciado a minha carreira profissional na década de 70, eu não encontrei dificuldade alguma, tanto durante o curso de graduação quando depois como docente e pesquisadora, pelo fato de ser mulher. Nestes lugares, não havia discriminação pelo fato de ser mulher.
Na verdade, tive alguma dificuldade porque tive que conciliar a minha vida profissional com um casamento e três filhos. Eu acabei, por exemplo tendo que adiar o meu projeto de pós-doutorado em Liège, porque tinha que conciliar o melhor momento. Amigos meus do sexo masculino iam para fora do país para fazer doutorado e pós-doutorado com maior facilidade do que nós, mulheres. Mas conseguimos conciliar bem a dupla jornada.
Boletim da SBPMat: Deixe uma mensagem para nossos leitores que estão iniciando uma carreira de cientistas no Brasil ou estão cogitando essa possibilidade.
Bluma Guenther Soares: Como mensagem, eu digo que estudar coisas novas é muito desafiador e cansativo às vezes. Portanto, o primeiro ponto é saber escolher a sua área de atuação para que a pesquisa seja realmente um prazer. Ao escolher a carreira que fascina, o jovem não pode desanimar com as primeiras dificuldades.
Só para contar uma pequena história, eu morava em Barra do Piraí quando fazia o ginasial e o ensino médio – antigamente, curso científico. O único curso cientifico era à noite, e o Prof. De Química não sabia Química. Ele era um médico. Tive que estudar sozinha para o vestibular. Foi muito difícil, mas eu não poderia deixar passar a oportunidade por falta de professor. Não temos bons professores, temos bons livros.
Boa sorte a todos e não esqueçam de ir atrás dos sonhos.
Anna Paula
Entrevista inspiradora. A Bluma foi minha orientadora e fez uma diferença enorme na minha jornada científica . Trabalhar com ela sempre foi muito motivador, a sua empolgação com a pesquisa é contagiante.