Você está lendo esta matéria em algum dispositivo conectado à Internet, não é mesmo? Não importa se você está usando um smartphone que recebe a informação de uma antena, ou se os dados chegam no seu computador, e inclusive nos postes do seu bairro, por meio de fios de cobre ou cabos coaxiais. Em algum momento, o seu acesso à web dependerá de fibras ópticas, esses fiozinhos transparentes, de vidro ou plástico, cujo diâmetro é similar ao dos fios de cabelo humano (de poucas dezenas até poucas centenas de micrometros).
Os cabos de fibra óptica são grandes rodovias de dados que conectam continentes, países, cidades e data centers entre si. Apenas nos trechos mais próximos ao usuário, a informação transita por outros tipos de vias, de trânsito mais lento. Segundo dados da empresa Corning há mais de 2 bilhões de quilômetros de fibra óptica instalados no mundo, o suficiente para dar a volta à Terra pelo Equador 50 mil vezes!
Se as fibras ópticas são rodovias, a luz é o meio de transporte que transita nelas, e os passageiros são os dados, que viajam codificados em forma de sinais ópticos. Nessas rodovias, os passageiros conseguem percorrer cerca de 200 mil km (cinco voltas ao Equador) em 1 segundo.
A primeira fibra óptica “usável” em comunicações foi produzida em 1970 nos Estados Unidos, mais precisamente na Corning Glass Works (atual Corning Inc.), empresa especializada em materiais vítreos e cerâmicos. Mas a história do desenvolvimento da fibra óptica começa muito antes. Vamos contar os momentos que acreditamos sejam os mais importantes nessa história, protagonizada por muitos cientistas de diversas nacionalidades. Vale aqui fofocar que houve muitos litígios por patentes e que vários dos pesquisadores envolvidos não reconheceram o trabalho dos anteriores.
Século XIX: guiando a luz por caminhos sinuosos
No século XIX, alguns renomados cientistas demonstraram experimentalmente que a luz podia ser conduzida por algum meio (no caso, um jato de água) para obriga-la a seguir um determinado caminho, inclusive acompanhando curvas. Há registros de demonstrações e publicações realizadas em sociedades científicas da Europa nas décadas de 1840 e 1850 pelo suíço Jean-Daniel Colladon (1841), pelo francês Jacques Babinet (1842) e pelo irlandês John Tyndall (1854). O experimento, que está ilustrado na imagem abaixo à direita, mostrava que a luz, guiada pela água, era desviada da sua trajetória retilínea para fazer um trajeto curvo.
Mas será que a luz, seguindo a “estrada” de água, estava realmente descrevendo uma trajetória curva? Claro que não. O que esses cientistas estavam mostrando era a luz se refletindo uma e outra vez dentro do fluxo de água, descrevendo uma espécie de ziguezague devido ao fenômeno conhecido como reflexão interna total. Trata-se mais ou menos do seguinte. A luz entra no fluxo de água seguindo seu caminho reto. Quando o fluxo de água começa a fazer uma curva, a luz, que viaja em linha reta, acaba atingindo a interface entre água e ar. Então, ela é refletida pela “parede” interna do fluxo de água e bate na “parede” oposta, onde volta a ser refletida. E assim continua seu caminho ziguezagueante dentro da água. O fenômeno acontece devido a diferenças entre o modo como a água e o ar interagem com a luz (índices de refração). Para que o fenômeno aconteça, é fundamental que a luz descreva um ângulo maior ao chamado “ângulo crítico” ao bater na interface entre água e ar. Obviamente, o fenômeno pode acontecer em diversos meios, e não apenas no sistema água – ar.
O experimento do século XIX se assemelha aquele que aparece no início deste vídeo (tirando, é claro, algumas atualizações implementadas no vídeo brasileiro, como o uso de laser e canudinho plástico). Veja que bonito:
Fibras de vidro flexíveis para explorar o tubo digestivo
Aparentemente, Jaques Babinet foi um pouco mais longe na exploração da reflexão interna total e demonstrou que uma vara de vidro curvado também podia guiar a luz.
A ideia foi retomada provavelmente na década de 1920, quando houve tentativas de utilizar feixes de varas flexíveis de vidro para conduzir luz e poder enxergar locais de outro modo inacessíveis, como, por exemplo, o interior do tubo digestivo (medicina). Não que não existissem instrumentos para isso, os endoscópios, mas eram rígidos e, portanto, muito temidos pelos pacientes (com toda razão!).
Mas o vidro é flexível? Sim, quando é fininho, ele é muito flexível.
Entretanto, esses antepassados das fibras ópticas não eram eficientes; o fenômeno de reflexão total não era nem um pouco total ali dentro, a luz fugia através das “paredes” e as fibras não cumpriam com seu papel de iluminar o corpo humano.
Felizmente, a partir da década de 1960, fibras flexíveis de vidro capazes de guiar a luz já estavam prontas para algumas aplicações, principalmente graças a duas contribuições científicas. Por um lado, o indiano Narinder Singh Kapany e seu orientador de doutorado Harold Hopkins, trabalhando no Imperial College London (Inglaterra), venceram o desafio tecnológico de fabricar um feixe de fibras de vidro que deu conta de transmitir uma imagem com qualidade. O feixe, que os autores chamaram de fibroscópio, tinha várias centenas de fibras de 75 cm de comprimento. Por outro lado, o neerlandês Abraham C.S. van Heel, da Technical University of Delft (Países Baixos), demonstrou com sucesso a ideia de revestir as fibras de vidro com materiais de menor índice de refração para conseguir a reflexão total (ou quase). Ambos os trabalhos foram publicados na mesma edição da revista científica Nature (volume 173, número 4392). Lançada em 2 de janeiro de 1954, a edição pode ser considerada um marco no campo das fibras ópticas. Os artigos tornaram públicas importantes desenvolvimentos e demonstrações, e incentivaram o desenvolvimento de produtos.
Um desses produtos foi o gastroscópio (endoscópio para explorar o estômago) flexível, que começou a se materializar quando Basil Hirschowitz, cirurgião nativo da África do Sul e formado em gastroenterologia em Londres, leu os papers da Nature que acabamos de citar. O cirurgião estava naquele momento fazendo um estágio de pesquisa na University of Michigan (EUA) e ali recrutou um estudante da graduação em Física chamado Lawrence Curtiss. O jovem Larry, que aparentemente era muito capaz, envolveu-se fortemente no projeto, o suficiente para não desistir perante as dificuldades que foi encontrando ao tentar reproduzir os processos reportados nos artigos e ao tentar diminuir as perdas de luz das fibras. Em 1956, Curtiss acabou fazendo uma importante contribuição ao desenvolvimento da fibra óptica: desenvolveu a primeira fibra com núcleo e revestimento de vidro. De fato, ele conseguiu tornar realidade a sua ideia de revestir uma fibra feita de determinado vidro, com outro vidro de índice de refração menor. Para isso, ele desenvolveu um método de fabricação simples: introduzir uma vara do vidro do núcleo dentro de um tubo do outro vidro, aquecer tudo junto e puxar uma fibra do meio. As fibras resultantes ficaram extremamente finas, de cerca de 5 micrometros. Em 1957, o pedido de patente dessa fibra óptica e do processo de obtenção foi depositado, e em 1971 foi outorgado.
No mesmo ano do depósito da patente da fibra, Hirschowitz começava a testar e divulgar o endoscópio de fibra óptica com núcleo e revestimento de vidro. O endoscópio flexível possibilitou, posteriormente, uma série de significativos avanços na medicina, como a realização de cirurgias minimamente invasivas como a videolaparoscopia.
Contudo, na década de 1950, ainda não encontramos aplicações ou tentativas de aplicação da fibra óptica nas comunicações da época (telefonia, rádio, televisão). Entretanto, a transmissão de dados através de fios de cobre começava a não dar conta do recado. Em 1956, foi instalado o primeiro cabo telefônico transatlântico que de fato funcionou, mas ele permitia realizar apenas 36 chamadas simultâneas…
Por outro lado, o laser acabava de ser inventado, abrindo possibilidades de transportar informação (inclusive voz) codificada na luz. Para isso era necessário contar com um meio que guiasse a luz pelos trajetos desejados.
Se para nós, em 2018, é óbvio que esse meio é a fibra óptica, cinquenta e poucos anos atrás, ela era descartada por muitos pesquisadores. Por quê? Por causa da forte atenuação (perda de luz ao longo do caminho) que as fibras apresentavam naquele momento. A quantidade podia ser desprezível para um endoscópio de menos de um metro, porém era extremamente significativa em um cabo de milhares de quilômetros.
Novos trabalhos de desenvolvimento eram necessários. Novos pesquisadores entrariam em cena. Quem, quando, onde e como? Em breve lhe contaremos.
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Dica de leitura sobre este assunto: Hecht, “City of light. The story of fiber optics”, Oxford University Press (1999).