O artigo científico com participação de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é: GeO2/Ge structure submitted to annealing in deuterium: Incorporation pathways and associated oxide modifications. Bom, N.M.; Soares, G.V.; Hartmann, S.; Bordin, A.; Radtke, C. Applied Physics Letters 105, 141605 (2014); DOI: 10.1063/1.4898062.
Matéria de divulgação: Elucidando o processamento do germânio para aplicações em micro e nanoeletrônica
O germânio (Ge) é um dos materiais semicondutores elencados como possíveis alternativas ao silício para aplicações na indústria micro e nanoeletrônica. Contudo, o processamento de materiais baseados em germânio visando a otimizar suas propriedades elétricas para essas aplicações ainda se apresenta como desafio à ciência.
Nesse contexto, uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) investigou o tratamento térmico (annealing) de estruturas de germânio em atmosfera de deutério (isótopo do hidrogênio que permite o uso de técnicas analíticas específicas para sua quantificação). Os resultados do estudo foram recentemente publicados no prestigiado periódico Applied Physics Letters (APL).
O estudo que deu origem ao artigo faz parte da pesquisa de doutorado, em andamento, de Nicolau Molina Bom, orientada pelo professor Claudio Radtke no marco do programa de pós-graduação em Microeletrônica da UFRGS. “Este trabalho surgiu como sequência dos estudos desenvolvidos durante meu mestrado, envolvendo sistemas de óxido de alumínio sobre germânio (Al2O3/Ge)”, relata Nicolau.
Na pesquisa de mestrado, também orientada por Radtke, Bom observou que a deposição de materiais dielétricos sobre substratos de germânio, bem como seu processamento por meio de tratamentos térmicos, induzem a oxidação do semicondutor e a formação de dióxido de germânio (GeO2). Devido às reações que ocorrem entre o óxido formado e o substrato de germânio, a estrutura sofre modificações físico-químicas que ocasionam a degradação de suas propriedades elétricas. “Assim, ficou claro que a compreensão destes mecanismos era fundamental para o uso do germânio em aplicações industriais”, conta Bom.
Incorporação de hidrogênio
No artigo publicado na APL, os autores reportam que o tratamento térmico foi realizado em amostras de dióxido de germânio sobre germânio (GeO2/Ge), de dióxido de germânio sobre silício (GeO2/Si) e de dióxido de silício sobre silício (SiO2/Si). Um dos efeitos do tratamento evidenciados por meio das análises foi a incorporação de hidrogênio, em maiores proporções no GeO2/Ge do que no SiO2/Si.
Os autores atribuem esse efeito à ocupação, por parte dos átomos de hidrogênio, de vacâncias de oxigênio (pontos da rede cristalina nos quais, no lugar dos átomos esperados, existem “vagas”), geradas durante o tratamento térmico, tanto no interior do dióxido de germânio quanto na interface GeO2/Ge.
Outro efeito observado pelos cientistas foi a volatilização da camada de óxido, principalmente a temperaturas superiores a 450 ºC, acarretando modificações na estrutura química da camada de óxido remanescente nas amostras.
Contribuição e aplicações do trabalho
“O maior mérito de nosso estudo consiste na elucidação dos processos físico-químicos envolvidos na incorporação de hidrogênio em estruturas de GeO2/Ge”, avalia Nicolau Bom, que é autor correspondente do artigo. “Além disso, a compreensão dessas interações terá papel decisivo na escolha dos parâmetros adequados de processamento em aplicações industriais envolvendo germânio”, completa.
De fato, os resultados do estudo podem ser aplicados, por exemplo, no desenvolvimento de transistores de efeito de campo metal-óxido-semicondutor (MOSFET) baseados em estruturas de germânio. “O MOSFET é o “carro-chefe” da indústria micro/nanoeletrônica e referência para a Lei de Moore”, comenta Bom. Entretanto, de acordo com o doutorando, os resultados apresentados no artigo também podem ser úteis na fabricação de dispositivos com arquiteturas inovadoras, como o transistor de efeito de campo de poço quântico (QWFET). “O alto desempenho apresentado por QWFETs – em virtude das altas mobilidades obtidas pelo confinamento quântico – coloca este dispositivo como uma alternativa promissora para superar as limitações físicas dos MOSFETs convencionais”, afirma Bom.
O estudo que originou o artigo da APL recebeu financiamento do INCT Namitec, INCT de Engenharia de Superfícies, CNPq, CAPES e FAPERGS.
Física, Química, Ciência de Superfícies e Micro/nanoeletrônica
O artigo da APL se insere em um contexto maior de pesquisa, dentro do grupo “Físico-química de superfícies e interfaces sólidas” (FQSIS) da UFRGS. A ideia central que norteia esse trabalho é compreender os mecanismos físico-químicos envolvidos em materiais alternativos à estrutura clássica SiO2/Si, de modo a superar as limitações da nanoeletrônica baseada no silício.”Neste contexto, a interdisciplinaridade entre Física, Química e Engenharia é uma consequência natural do trabalho, onde os conhecimentos oriundos dos diferentes campos de estudo se complementam na investigações destes sistemas”, comenta.
Além de estudos sobre germânio, o grupo conta com trabalhos desenvolvidos em torno de dielétricos de porta com alta constante dielétrica (os chamados high-κ), SiC (material voltado a aplicações em condições extremas de temperatura, tensão e frequência) e grafeno.