Gente da nossa comunidade: entrevista com o pesquisador Fernando Zawislak.


O professor Fernando Zawislak. Crédito: arquivo pessoal.

Fernando Claudio Zawislak nasceu em 1935 no município gaúcho de Santa Rosa, numa família de origem polonesa que morava no meio rural. Na década de 1940, os pais de Fernando o enviaram a Porto Alegre junto com um de seus irmãos para estudar como alunos internos. Em 1952, a família toda se mudou para a capital gaúcha, dando continuidade à decisão de priorizar a educação dos filhos.

Em 1958, Fernando Zawislak se formou em Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). De 1960 a 1961 fez estágio no Laboratório Van de Graff da Universidade de São Paulo (USP) com os professores Oscar Sala e Ernst Hamburger. Ali teve os primeiros contatos com a pesquisa. Em seguida, retornou ao Instituto de Física da UFRGS e iniciou e coordenou um grupo de pesquisa experimental na área de Física Nuclear. Nesse campo, orientado pelo professor John D. Rogers, obteve o título de doutor, aprovado “com louvor” em 1967, transformando-se no primeiro doutor em Física formado pela UFRGS. De 1968 a 1970, fez pós-doutorado no California Institute of Technology (Caltech), nos Estados Unidos.

Em 1979 passou a trabalhar no campo da implantação iônica e uso de técnicas de feixes de íons para modificação e análise de materiais. Com este objetivo foi pesquisador visitante por um ano no Laboratório de Implantação Iônica de Orsay, da Universidade de Paris (França). Em 1981, fundou o Laboratório de Implantação Iônica na UFRGS mediante a aquisição de um acelerador de 400 kV. Em 1996 realizou a compra de um acelerador de 3 MV, o qual permitiu ampliar as atividades do laboratório para novos campos, como semicondutores, polímeros, metais e ligas metálicas, entre outros. Coordenou o Laboratório de Implantação Iônica desde a sua fundação até 2009. Hoje, o laboratório é o maior de seu tipo na América Latina, conta entre seus resultados com mais de 60 doutores formados e cerca de 1.000 artigos científicos publicados, além de trabalhos desenvolvidos em colaboração com grupos do Brasil, Alemanha, Argentina, Austrália, Coreia do Sul, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, França e Nova Zelândia. Durante a década de 1990, Zawislak participou no planejamento e na obtenção de recursos do Centro de Microscopia Eletrônica da UFRGS e da criação do  de Programa de pós-graduação em Ciência dos Materiais (PGCIMAT) da UFRGS.

Aposentou-se da UFRGS em 2005. É Professor Emérito da federal gaúcha, pesquisador nível 1 A do CNPq, membro titular da Academia Brasileira de Ciências e Comendador e Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico. Durante sua carreira formou 14 doutores e 16 mestres, publicou mais de 160 artigos científicos em revistas internacionais indexadas e foi chairman de, entre outras, duas das mais importantes conferências internacionais da área de implantação iônica, a Ion Beam Modification of Materials (Canela, RS, 2000) e a Radiation Effects in Insulators (Gramado, RS, 2003), ambas realizadas pela primeira vez em país latino-americano.

Segue uma breve entrevista com o pesquisador.

Boletim da SBPMat: – Quais são, na sua própria avaliação, as suas principais contribuições à Ciência e Engenharia de Materiais? Conte-nos também o que o levou a realizá-las.

Fernando Zawislak: – Eu iniciei minha carreira científica trabalhando na área de Física Nuclear Experimental. Inclusive, fiz doutorado nessa área. Em 1968 fui para Califórnia para fazer o pós-doutorado no California Institute of Technology. Lá, nesse instituto, estava se iniciando a área de Ciência de Materiais, e, mais precisamente, a área de implantação iônica e análise por feixe de íons. Os Estados Unidos tinham decidido investir fortemente na área de interdisciplinaridade, especialmente em Ciência dos Materiais. Lá no Caltech eu não trabalhei em Materiais, mas acompanhei os trabalhos. E eu disse: “Se eu tiver oportunidade, vou iniciar no Brasil essa área de implantação iônica e estudos de materiais por feixes de íons”.

A Califórnia era um dos três ou quatro lugares do mundo onde estava iniciando a área de implantação iônica e análise de materiais. E eu ia nos seminários, apesar de estar trabalhando em outra área. Então voltei ao Brasil em 1970, mas foi só em 1982 que consegui instalar o Laboratório de Implantação Iônica. Foi uma mudança radical na minha vida, mas acho que isto é importante: todo pesquisador deveria, se possível, mudar uma ou duas vezes de área durante sua carreira para ir sempre para uma área mais moderna. Eu estava trabalhando numa área mais antiga, onde estava difícil publicar, e a implantação iônica estava começando, e até agora é muito importante.

Nessa área de Ciência de Materiais, que iniciei em 1982 quando mudei de área, adquiri o primeiro implantador, e formei, nesses vinte e poucos anos, até a minha aposentadoria, muitos doutores e mestres, publiquei mais de cem trabalhos e desenvolvi estudos, basicamente na área de nanoestruturas de materiais e modificação de materiais por feixes de íons.

Na verdade, eu estava interessado na interdisciplinaridade, e a área de Ciência de Materiais é evidentemente interdisciplinar. Essa interdisciplinaridade é absolutamente necessária, como os Estados Unidos descobriram, fundando nessa época vinte centros interdisciplinares. Assim, no Brasil, quando eu voltei, comecei a lutar por essa interdisciplinaridade. Na verdade todo mundo era a favor, mas nem a universidade nem as agências de fomento apoiavam as áreas interdisciplinares. Existia um domínio das disciplinas clássicas. Cada departamento focava na sua área e, com o surgimento de novas áreas, as pessoas não queriam compartilhar, não queriam perder alunos, bolsas… Bom, mas lutamos bastante, e eu fui um dos que lutaram pela criação da pós-graduação em Ciência dos Materiais na UFRGS, junto com colegas da Física, da Química, da Engenharia. E conseguimos realizar.

Então, os frutos da minha atividade em Materiais foram, de um lado, o Laboratório de Implantação Iônica e, por outro lado, a criação da pós-graduação em Ciência dos Materiais. Também tive uma ação muito intensa tentando convencer nas reuniões científicas de que era absolutamente essencial entrar na área interdisciplinar porque todos os grandes avanços da pesquisa e da inovação são interdisciplinares.

Até hoje, o Laboratório de Implantação Iônica é o maior da América Latina e é similar em eficiência e equipamentos a muitos dos bons laboratórios do mundo todo. O laboratório tem 25 doutores, sendo que sempre tem 21 ou 22 permanentes e 3 ou 4 pós-doutores. Tem 30 alunos de pós-graduação, uma meia dúzia de técnicos, mais os alunos de iniciação científica… Temos um total de mais de 50 pessoas no laboratório. Eu dirigi o laboratório até 2010, quando fui substituído por um colega, um jovem, que é o Pedro Grande.

O curso de Pós-Graduação em Ciência dos Materiais, eu acho que também está indo muito bem, mas ainda tem dificuldades. Eu cheguei a formar alunos do curso, mas agora estou aposentado.

Boletim da SBPMat: – Quais são, na sua opinião, os principais desafios atuais da área de implantação iônica com relação à Ciência e Engenharia de Materiais?

Fernando Zawislak: – Eu acho que o importante da implantação iônica é que ela engloba várias áreas de pesquisa, começando pela Física, Química, várias Engenharias, Biologia, Genética, Geologia, todos são campos onde a implantação iônica e, principalmente, a análise de materiais no acelerador, são importantes. Nós conseguimos medir quantidades muito pequenas de impurezas, por exemplo. De uns cinco anos para cá nós introduzimos microfeixes, que são feixes focalizados para o tamanho de um mícron. Esse feixe tem condições de analisar microestruturas, incrustações da Geologia ou da Microeletrônica. Agora nós temos dois aceleradores no laboratório, um menor, que é o primeiro, e outro de 3 MV que foi adquirido no final de década de 1990. As técnicas, como RBS, MEIS etc. medem, inclusive, as formas e tamanhos das nanopartículas. A gente, por um lado, implanta uma impureza numa matriz e, de acordo com a energia da implantação e a temperatura, você faz nanopartículas desde 2 ou 3 nm até 100 nm. Então eu acho que o futuro e os desafios são muito grandes, e a técnica tem muita potencialidade em muitas áreas. Por exemplo, nós estamos analisando o vinho do Rio Grande do Sul. Eu acho que o laboratório está indo muito bem. Eu me aposentei, mas, graças a Deus, fui bem substituído. O laboratório está indo até melhor do que quando eu era coordenador…

Boletim da SBPMat: – Conte-nos quais são suas principais ocupações atuais e seus projetos para o futuro.

Fernando Zawislak: – Bom, no futuro eu não estou pensando muito. Eu estou aposentado faz dez anos, sou Professor Emérito. Ainda tenho bolsa do CNPq, pois continuo publicando, mas agora a minha produtividade propriamente de pesquisa está diminuindo. Eu estou usando o meu tempo para ajudar os colegas mais jovens, participando de algumas sociedades, de alguns conselhos… Em fim, atividades para uma pessoa que já está na aposentadoria. Meu último aluno se formou no ano passado, doutor, e já não estou aceitando mais alunos, mas continuo ajudando se me pedem alguma coisa.

Boletim da SBPMat: – Gostaria de deixar uma mensagem para nossos leitores que estão iniciando suas carreiras de cientistas?

Eu acho que o importante para o pesquisador é escolher a carreira numa área que ele goste. Como professor, muitos colegas me perguntam: “Que carreira deve meu filho seguir?”. Eu costumo responder: “Qualquer uma, desde que ele goste. Todas são boas”.

Eu também acho que os jovens agora não devem fazer um curso de graduação muito afunilado numa área só. Acho que devem ficar com a mente aberta para a interdisciplinaridade, colaborar com outros colegas, eventualmente cursar disciplinas em outras áreas. Para mim, isso é muito importante, porque ficar muito focalizado numa área tem um espectro muito restrito: vai acabar sendo professor na universidade. E acho que a expectativa do Brasil é que os jovens saiam da universidade e criem indústrias, inovação etc.

Penúltimo conselho: escolha um orientador atualizado em campo moderno de trabalho.

E o último é: tem que ser empreendedor. Isso é o que falta. No Brasil discute-se muito essa questão da interação da indústria com a universidade, mas não adianta, não se pode transformar um industrial “velho” que ficou rico fazendo parafusos, e convencê-lo de que tem que contratar doutores e fazer um laboratório de pesquisa. São os jovens os que têm que iniciar isso. Nos resultados das nossas universidades, alguns sucessos de inovação tecnológica foram feitos por alunos que saem do doutorado e até da graduação. Então, como se faz um jovem empreendedor? Tem que procurar fazer estágios, na indústria, se possível, e, eventualmente, ir para um país onde exista essa cultura do empreendedor, como, por exemplo, os Estados Unidos, a Alemanha, a Coreia, o Japão. Aqui no Brasil, os químicos são mais empreendedores do que os físicos, algumas áreas da Engenharia também, mas ainda falta, e isso é extremamente importante. Seria importante conscientizar o jovem de que ele pode sair da universidade e ir para um novo campo para inovar tecnologicamente.


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