Da ideia à inovação: Uma invenção biomimética que virou metonímia.


Adivinha.

O que é, o que é?

É talvez o mais conhecido dentre os produtos biomiméticos (isto é, produtos desenvolvidos pelo ser humano imitando seres vivos que foram “desenvolvidos” pela natureza ao longo de muitos milhões de anos).

É um caso de invenção que virou inovação (entrou no mercado) e, depois de algum tempo, teve enorme aceitação entre os consumidores. Seu uso se espalhou pelo planeta Terra (em terra firme, água e ar) e chegou até a Lua.

É uma invenção que foi a semente de uma companhia multinacional que hoje comercializa milhares de produtos.

Você não adivinhou? Vai mais uma pista.

A palavra popularmente usada para designar este produto corresponde, na verdade, a uma marca registrada, e não ao objeto em si. É um caso de metonímia, parecido ao dos “cotonetes ®” (o nome correto neste caso seria “hastes flexíveis com pontas de algodão”).

Já sabe de qual invenção estamos falando? Ainda não? Então, leia atentamente a história desta invenção.

Frutos de uma planta do gênero Arctium, similares àqueles que inspiraram a invenção. Créditos: https://en.wikipedia.org/wiki/Bur#/media/File:Burdock_Hooks.jpg
Frutos de uma planta do gênero Arctium, similares àqueles que inspiraram a invenção. Créditos: https://en.wikipedia.org/wiki/Bur#/media/File:Burdock_Hooks.jpg

Tudo começou em 1941, nos Alpes suíços. George de Mestral, um engenheiro eletrônico suíço de trinta e poucos anos, estava de volta de um passeio pela montanha com seu cachorro, retirando os carrapichos que tinham grudado no pelo do cão e na roupa dele durante a caminhada. Essas bolinhas revestidas de espinhos são os frutos de algumas famílias de plantas, e sua capacidade de aderirem ao pelo de animais é uma vantagem dessas espécies, pois ajuda a dispersar as sementes que estão dentro do fruto.

Conta a história que, nesse momento, Mestral se perguntou por que os carrapichos grudavam e decidiu observá-los com um microscópio que havia na casa dele. O engenheiro percebeu então que a fixação ocorria entre dois elementos: por um lado, minúsculos laços formados na pelagem emaranhada do cachorro ou na superfície dos tecidos; por outro, as pontas dos pequenos espinhos dos carrapichos, as quais tinham forma de gancho. Esses “ganchinhos” flexíveis enredavam-se nos lacinhos e só se desprendiam ao afastar com certa força ambos os elementos (ganchos e laços). Com olhar biomimético e espírito inventor (Mestral apresentou sua primeira patente aos 12 anos), ele enxergou nesse sistema natural de fixação reversível, um modelo para desenvolver artificialmente um produto muito útil.

Já adivinhou qual é a invenção? Se sim ou se não, veja como continua a história.

Figura contida na patente US2717437A, representando o método para produzir o tecido com ganchos nas pontas dos fios.
Figura contida na patente US2717437A, representando o método para produzir o tecido com ganchos nas pontas dos fios.

Durante alguns anos, George de Mestral enfrentou o desafio de criar um protótipo desse sistema de minúsculos ganchos e laços. O problema principal era desenvolver um método que permitisse fabricar de modo simples uma faixa de tecido na qual se erguesse, perpendicularmente, uma boa concentração de ganchinhos flexíveis.

Parece que o processo não foi nada fácil, e que Mestral sofreu para encontrar gente que o ajudasse a produzir tal tecido. Contudo, em 1952, ele depositou um pedido de patente no escritório de patentes dos Estados Unidos sobre um tecido desse tipo e a forma de fabricá-lo. No documento, Mestral apresentou um “tecido tipo veludo”, pois era coberto, assim como o veludo, de um denso “bosque” de fios empinados. Entretanto, diferentemente do veludo, no novo tecido os fios eram de nylon (material que tinha sido recentemente criado), e uma boa parte dos fios tinha pontas em forma de gancho. O processo de fabricação proposto na patente era similar ao do veludo tradicional, usando um tear, só que com alguns truques adicionais para formatar os ganchos nas pontas dos fios de nylon.

Concedida em 1955, essa parece ser a primeira de uma série de patentes do engenheiro suíço em torno da invenção que é a resposta da nossa adivinha.

Em seguida, Mestral fundou uma empresa para fabricar e comercializar o produto. Contudo, o sistema de fabricação que tinha proposto na patente não era completamente mecanizado e não lhe permitia uma produção em escala industrial. O acabamento para gerar os ganchos era manual… e  muito trabalhoso. O engenheiro teve que esperar cerca de 20 anos desde seu “heureca!” para obter um tear capaz de produzir em massa o tecido com os ganchinhos.

Ao acasalar o tecido com os ganchinhos com outro tecido coberto por um emaranhado de lacinhos, Mestral obteve um produto para fixação reversível, com mil e uma utilidades, e com potencial para revolucionar o mercado dos zíperes e botões.

No início, o sistema inventado por Mestral não tinha uma aparência muito atraente. Porém, aos pouquinhos, ele foi ganhando visibilidade (de colunas em jornais até filmes futuristas) e sendo adotado por diversos segmentos. No final da década de 1960, por exemplo, a invenção começou a ser utilizada por fabricantes de calçado esportivo, substituindo os cadarços, e se destacou no programa espacial da NASA “Apollo” como sistema para fixar pequenos objetos às paredes das naves espaciais, impedindo que ficassem flutuando.

Atualmente, o produto está super disseminado. Ele ajuda a resolver pequenos problemas do dia-a-dia em escritórios, lojas, residências, hospitais, laboratórios, passarelas, escolas…

Precisa de mais uma pista para adivinhar qual é a invenção? Aqui vai. É a última:

Em 1956, George de Mestral obteve o registro de marca para sua empresa. O nome inventado pelo suíço é a união de duas palavras em francês (idioma predominante na região da Suíça onde ele nasceu e morreu): “velours” (veludo) e “crochet” (gancho).

Não precisamos dizer o nome desta invenção, não é mesmo? Até porque é proibido. “Velcro” designa hoje a empresa multinacional que comercializa esse e outros produtos similares, e é também a marca registrada usada para todos os produtos da empresa, e não apenas para o “fixador de gancho e laço”. Vá explicar isso para as crianças, que gostam tanto do V________, principalmente nos tênis…

Imagem de microscópio mostrando como os ganchos se enredam nos laços nesta invenção. Créditos: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Micrograph_of_hook_and_loop_fastener,(Velcro_like).jpg
Imagem de microscópio mostrando como os ganchos se enredam nos laços nesta invenção. Créditos: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Micrograph_of_hook_and_loop_fastener,(Velcro_like).jpg

 


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