Cientista em destaque: Entrevista com o professor Cid Bartolomeu de Araújo (UFPE).


Prof. Cid de Araújo
Prof. Cid de Araújo

Cid Bartolomeu de Araújo nasceu no Recife em 1945. Quando cursava o ensino secundário desenvolveu uma forte predileção pela Física. Contudo, ele não teve a possibilidade de escolher esse curso na graduação porque ainda não era oferecido em Pernambuco nos anos de 1960.

Graduou-se em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) em 1968. Na sequência, fez mestrado em Física na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Depois de obter o diploma de mestre, tornou-se professor adjunto da UFPE, onde participou ativamente da criação e desenvolvimento do Departamento de Física. Simultaneamente iniciou seu doutorado, mais uma vez na PUC-Rio. Obteve o diploma de doutor em Física em 1975.

Ao longo de 1976 e 1977, ele fez pós-doutorado na Harvard University (EUA), no grupo de pesquisa de Nicolaas Bloembergen, que, naquele momento, tinha um dos melhores laboratórios do mundo na Óptica Não Linear (área do conhecimento dedicada ao estudo de fenômenos que ocorrem quando luz de alta intensidade interage com a matéria). Bloembergen seria laureado com o Prêmio Nobel de Física em 1981.

De volta ao Brasil em 1978, o professor Cid criou o Laboratório de Óptica Não Linear, que colocou a UFPE no mapa mundial dessa área de pesquisa. Desde então, Cid de Araújo vem contribuindo ao avanço da fronteira científica e à formação de recursos humanos. Produziu cerca de 350 artigos publicados em revistas científicas internacionais e orientou quase 100 mestres, doutores e pós-docs. A sua produção científica conta com mais de 9.300 citações, segundo o Google Scholar. Em 2020, o professor Cid, cujo índice h é de 48, foi elencado entre os 100 mil cientistas mais influentes do mundo em ranking publicado na revista Plos Biology.

Hoje Professor Emérito da UFPE, Cid de Araújo foi Professor Titular da universidade de 1989 até 2013. Foi Professor Visitante na Université d’Angers (França) e Pesquisador Visitante na Universidade Estadual de Campinas, École Polytechnique (França), Université Paris-Nord (França) e IBM Thomas J. Watson Research Center (EUA).

O cientista é Membro Titular da Academia Brasileira de Ciências e Academia Pernambucana de Ciências, e Fellow da Optical Society of America (OSA) e da TWAS (The World Academy of Sciences). É Membro da Ordem Nacional do Mérito Científico nas classes Grã Cruz e Comendador.

Em 2003, recebeu o prêmio Galileu Galilei, concedido anualmente pela International Commission for Optics (ICO) em reconhecimento a contribuições notáveis no campo da Óptica, alcançadas em circunstâncias comparativamente desfavoráveis. O professor Cid é o único brasileiro entre os 27 cientistas que receberam a medalha até o momento.

Em 2020, a SBPMat concedeu a Cid de Araújo a Palestra Memorial Joaquim da Costa Ribeiro -honraria outorgada anualmente desde 2011 a um cientista com destacada trajetória no Brasil. Dessa forma, o professor Cid proferirá uma palestra na abertura do XIX B-MRS Meeting + IUMRS ICEM, que será realizado em formato virtual de 30 de agosto a 3 de setembro deste ano. Na ocasião, ele falará sobre nanocompósitos plasmônicos (fundamentos, síntese, propriedades ópticas lineares e não lineares e aplicações), tema de pesquisa que tem ocupado o cientista e seu grupo nos últimos tempos.

Leia nossa entrevista com Cid de Araújo.

Boletim da SBPMat:- Conte-nos o que o levou a se tornar um cientista e, em particular, a atuar na área de propriedades ópticas de materiais. 

Cid de Araújo: – Não tenho uma resposta objetiva para esta pergunta… Com certeza não foi influência familiar. Minha mãe era “dona de casa” e meu pai era comerciante. Ele queria que me tornasse comerciante assim como ele. Quase me convenceu, mas a influência da escola foi maior. Eu gostava de Física e Matemática quando estava no curso secundário. Também gostava da disciplina de História e costumava ler biografias de grandes cientistas (físicos, astrônomos, matemáticos…). Quando fiz o vestibular escolhi o curso de Engenharia Elétrica (EE) porque dentre as opções possíveis no Recife, em 1964, a EE era a que parecia ter uma componente científica maior do que as outras engenharias. Durante os dois primeiros anos do curso senti que gostava mesmo da Física. A partir do quinto semestre conclui que deveria estar num curso de Física; as disciplinas do curso profissional de EE não me agradavam. Mas, no Recife não existia curso de Física. Felizmente outros colegas também se sentiam atraídos pela Física e juntamente com alguns professores de Física da Escola de Engenharia, passamos a estudar informalmente as disciplinas que formam o núcleo do Bacharelado em Física. Simultaneamente continuei o curso de EE que conclui em dezembro de 1968.

A preferência pela Física do Estado Sólido (atualmente chamada Física da Matéria Condensada) cresceu durante a graduação em EE devido à leitura de artigos de divulgação científica sobre propriedades elétricas e magnéticas de materiais.

Ao concluir a graduação, graças a contatos prévios com dois professores da PUC-Rio (Alceu Pinho e Erasmo Ferreira), viajei para o Rio de Janeiro, em janeiro de 1969, para cursar a PG em Física. No mestrado fiz experiências que combinavam micro-ondas e luz para estudar propriedades de cristais ferromagnéticos. Um artigo resultante foi publicado na Solid State Communications (em 1972) e os coautores foram Sergio Costa Ribeiro e Sergio Machado Rezende. Como o artigo foi redigido quando eu já estava contratado no Recife, constou do artigo o meu endereço na UFPE e este foi o primeiro artigo em Física do Estado Sólido com endereço da UFPE na literatura. Posteriormente, no projeto de doutorado, desenvolvi trabalhos onde explorei analogias entre processos não lineares de magnons ferromagnéticos e teoria de lasers e amplificadores paramétricos ópticos. No pós-doutorado comecei a trabalhar em Óptica Não linear e fiz aplicações à Física de Materiais (alguns líquidos e semicondutores). A escolha pelo pós-doutorado na Harvard University, com Nicolaas Bloembergen, foi motivada pelo fato de que ele foi um dos pioneiros da ressonância magnética não linear e em continuação se tornou um dos pioneiros da Óptica Não Linear.

Boletim da SBPMat: – Do ponto de vista das descobertas científicas, plasmadas na publicação de artigos ou pedidos de patentes, quais são, na sua avaliação, as suas principais contribuições e por que as considera mais relevantes? Ou então, quais são as suas favoritas e por que você gosta muito delas?

Cid de Araújo: – Eu sou físico experimental, mas minha tese de doutorado resultou na publicação de cinco artigos teóricos. Os problemas de infraestrutura no Recife contribuíram para que realizasse trabalhos teóricos. Estávamos construindo laboratórios a partir de salas vazias. Fiquei muito feliz com estes artigos pois foram publicados em boas revistas científicas e assim consegui concluir a tese de doutorado que foi apresentada na PUC-Rio em 1975. Estas não são as publicações mais importantes do meu curriculum, mas representam uma contribuição relevante na história do Departamento de Física-UFPE.

Ao voltar do pós-doutorado em janeiro de 1978, e até o presente, tenho trabalhado sempre com vários colaboradores (estudantes e colegas professores). Assim, em 1978, enquanto iniciava a montagem do Laboratório de Óptica Não Linear, comecei a interagir fortemente num outro laboratório, com um dos professores do DF-UFPE que estava fazendo o doutorado (Erivaldo Montarroyos) usando a técnica de Espalhamento Raman para estudar materiais antiferromagnéticos. A série de trabalhos que resultou deste projeto foi importante para o desenvolvimento da área na UFPE. Também interagi com outros estudantes que entraram posteriormente nesta linha de pesquisa; os trabalhos experimentais foram realizados integralmente no Recife no período de 1978 a 1985. Naquela época fazer Física Experimental no Recife ainda era uma aventura. Neste mesmo período, juntamente com meu colega José Rios Leite, publicamos na Chemical Physics Letters, em 1980, um artigo teórico com a previsão de um novo efeito de Óptica Não Linear: a absorção simultânea de dois fótons por um par de átomos interagentes. A realização experimental deste trabalho não era possível nos laboratórios existentes na época. O efeito foi observado pela primeira vez no ano 2002 por um grupo suíço-alemão que, tirando proveito das técnicas modernas de preparação de nanomateriais e técnicas de nano-óptica, observou o fenômeno utilizando um sólido orgânico (para-terfenil) dopado com moléculas de terrileno (um corante orgânico). O artigo saiu na capa da revista Science [vol. 298; issue 5592 (2002)]. Foi estimulante saber que o efeito que havíamos previsto foi observado 22 anos após a nossa proposta e que nosso artigo teórico recebeu os créditos devidos. Posteriormente, em 2012, este mesmo efeito foi observado num vapor de sódio e publicado na Physical Review Letters [108, 253004 (2012)] pelo grupo do Vanderlei Bagnato, em São Carlos. Ou seja: é um fenômeno básico que pode ser observado não apenas na matéria condensada como também num vapor atômico e outros sistemas ainda não estudados. Existem na literatura algumas propostas para estudo do efeito em diferentes situações.

Um conjunto de trabalhos que gosto muito está relacionado com a observação, o entendimento e aplicações de fenômenos ópticos em compósitos plasmônicos (vidros e coloides com nanopartículas metálicas). Estes são trabalhos mais recentes nos quais exploramos a contribuição de plasmons superficiais em nanopartículas de prata (ou ouro) e sua aplicação em estudos relacionados com luminescência, com lasers aleatórios (random lasers), com a propagação de sólitons espaciais e alguns outros fenômenos de instabilidades ópticas influenciados por plasmons. Publicamos vários artigos nesta área e uma revisão de alguns trabalhos publicados pode ser vista em Advances in Optics and Photonics 9 (2017) 720-774. Esta pesquisa tem continuidade no presente e prosseguimos colocando um grande esforço nesta área com publicações recentes.

Boletim da SBPMat: – Do ponto de vista da formação de pesquisadores, criação de laboratórios e demais aspectos da carreira de pesquisador, quais são as suas realizações que tiveram mais impacto e/ ou que lhe deram maior satisfação? 

Cid de Araújo: – Do ponto de vista institucional considero que fiz um trabalho muito importante juntamente com os colegas que constituímos o primeiro grupo de pesquisa em Física no Recife, em 1971. Também em 1971 iniciamos a implantação do curso de Bacharelado em Física. Este grupo incluiu Ivon Fittipaldi, Mauricio Coutinho, Marco Moura e Sergio Rezende. O colega José Rios Leite que participou do projeto inicial, incorporou-se ao DF somente após completar o doutorado no MIT em 1977. Fazíamos pesquisa, ensino e administração, visando estabelecer um novo centro de pesquisas em Física. Felizmente fomos bem-sucedidos e progressivamente fomos incorporando novos professores que ajudaram a consolidar o projeto. Entre 1973 e 2013 eu assumi várias posições administrativas: Chefia do DF-UFPE, Coordenação da Graduação em Física, Coordenação da Pós-Graduação em Física, Coordenação da Pós-Graduação em Ciência de Materiais, e Direção do Centro de Ciências Exatas e da Natureza que além do DF reunia os Departamentos de Química Fundamental, Matemática, Estatística e Informática.

Do ponto de vista da pesquisa tive a oportunidade de implantar um dos primeiros laboratórios de Óptica Não Linear no País. Este laboratório está em operação desde 1978 e desde o início se manteve em atividade contribuindo para formação de estudantes de iniciação científica e de pós-graduação. Até o presente foram cerca de 40 estudantes de Iniciação Científica, 44 estudantes de mestrado, 27 estudantes de doutorado, e 20 pós-doutorandos. Estes ex-estudantes trabalham atualmente em vários Estados brasileiros, alguns no DF-UFPE, e alguns no exterior (Canada, EUA, Colômbia, Peru, Uruguai, China e Índia) como líderes de pesquisa.

Nos 43 anos de existência do Laboratório conseguimos introduzir no País várias técnicas de pesquisa experimental em Óptica Não Linear e Fotônica, novos temas científicos e conseguimos contribuir para o avanço significativo de algumas fronteiras desta área.

Atualmente o Departamento de Física da UFPE está completando 50 anos de atividades de pesquisa e ensino de PG. A atuação do DF foi irradiadora para vários Estados, especialmente das regiões Nordeste e Norte do País. Sou feliz pela oportunidade de participar desta história.

Até o presente venho contribuindo para a comunidade de Física participando de comissões das agências de financiamento à pesquisa (do Brasil e exterior), coordenando projetos de pesquisa e eventos científicos com abrangência nacional e internacional. Espero continuar realizando pesquisas por mais vários anos.

Boletim da SBPMat: – Agora convidamos você a deixar uma mensagem para os leitores que estão iniciando suas carreiras científicas.

Cid de Araújo: – Considero que a escolha de uma profissão deve ser baseada na atração que a atividade profissional exerce na pessoa e isto vale principalmente com relação à atividade científica. Entretanto, não basta isso. Além da atração pela profissão, é necessária uma formação sólida no conteúdo específico da área de atuação e nos fundamentos. A capacidade de trabalhar em equipe, capacidade de transmitir conhecimentos, cultura geral e habilidade no relacionamento com pessoas são requisitos muito importantes. O trabalho científico exige esforço e muita dedicação, mas os desafios intelectuais servem como permanente estímulo.

 


CV Lattes do Prof Cid de Araújo: http://lattes.cnpq.br/7109489698613515 


 


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