
As perovskitas são materiais semicondutores muito promissores para uso em células solares e outros dispositivos optoeletrônicos, mas apresentam uma limitação que prejudica a vida útil das suas aplicações, a sua baixa estabilidade. Nesse contexto, a umidade pode ser considerada inimiga das perovskitas, pois é um dos principais fatores que aceleram a degradação desses materiais.
Agora, uma descoberta de pesquisadores da Universidade Federal do ABC (UFABC) traz uma perspectiva bem diferente sobre a interação da água com as perovskitas. Com um processo baseado na simples hidratação de estruturas tridimensionais de perovskita, os cientistas conseguiram gerar estruturas bidimensionais (folhas) e unidimensionais (fios), as quais, além de serem mais estáveis do que as 3D, apresentam propriedades diferenciadas.
“Em quantidades controladas, a presença de água pode ser extremamente benéfica para a síntese de novas estruturas em perovskitas”, diz André L. M. Freitas, bolsista de pós-doutorado e autor, junto ao professor José A. Souza, do artigo que reporta este trabalho no Journal of Materials Chemistry C.
Os autores produziram cubos micrométricos de MAPbBr3, material híbrido (orgânico – inorgânico) da família das perovskitas, que costuma ser utilizado no ambiente acadêmico em células solares e LEDs. Nesse material, a parte inorgânica forma um octaedro, onde o átomo central (Pb) é cercado por seis haletos (Br). “Os octaedros são extremamente importantes nesses materiais, pois são responsáveis diretamente pelas propriedades físicas do material”, explica o pós-doc.
Para gerar os fios, os microcubos foram colocados em água. Para produzir as folhas, uma molécula orgânica foi acrescentada à água. Em contato com o líquido, de forma quase instantânea, o material perdeu a sua estrutura cristalina, formando o que a dupla da UFABC denominou fase intermediária. “Enfrentamos um grande desafio ao analisar essa fase, pois o processo ocorre rapidamente e muitas vezes tivemos que repetir os experimentos para caracterizá-la adequadamente”, conta Freitas.
Posteriormente, ao submeter o material a secagem, as moléculas de água foram expulsas da estrutura e aconteceu a interessante conversão: o material voltou a ter uma estrutura de perovskita, porém com morfologia e dimensão diferentes das originais. “Essa foi uma das nossas principais contribuições; conseguimos controlar o processo de recristalização e obter diferentes estruturas e dimensionalidades”, afirma Freitas.

Na formação dos fios, o processo inibiu o crescimento da estrutura cristalina em duas direções. Já no caso das folhas, a molécula orgânica adicionada à água atuou como uma barreira ao crescimento do material em uma direção, fazendo de espaçador entre as camadas de octaedros dando origem a uma nova estrutura da família de perovskitas 2D. Em especial nas estruturas bidimensionais, esse confinamento, que ocorreu em uma escala muito pequena, restringiu o movimento dos elétrons, resultando em efeitos quânticos bastante pronunciados, que modificaram as propriedades elétricas e ópticas do material.
“A nossa observação revelou que o material dissolvido ou degradado pode se recristalizar em estruturas interessantes”, resume Freitas. De acordo com os autores, ao explorar o processo de hidratação das perovskitas, o trabalho traz novas perspectivas para avançar o entendimento da degradação e da recristalização desses materiais, bem como para compreender propriedades ópticas como as que envolvem a dinâmica do éxciton (o par elétron – buraco gerado a partir da excitação da luz no semicondutor).
O trabalho apresenta um processo simples, escalável e sustentável para produzir perovskitas de baixa dimensionalidade com propriedades controladas. Os resultados podem impactar tanto o desenvolvimento de aplicações quanto o estudo dos fundamentos desses materiais versáteis.
A pesquisa recebeu apoio financeiro da Fapesp e do CNPq.
Referência do artigo científico: Water-induced dimensionality conversion from 3D perovskites to microwires and 2D hybrid halide perovskites. Andre L. M. Freitas and Jose A. Souza. J. Mater. Chem. C, 2023, 11, 6651. https://doi.org/10.1039/D3TC00593C
Contato dos autores: joseantonio.souza@ufabc.edu.br