Artigo em destaque: Gravando dados em materiais ultrafinos.


O artigo científico com significativa participação de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é: Gate-tunable non-volatile photomemory effect in MoS2 transistors. Andreij C Gadelha, Alisson R Cadore, Kenji Watanabe, Takashi Taniguchi, Ana M de Paula, Leandro M Malard, Rodrigo G Lacerda and Leonardo C Campos. 2D Materials, Volume 6, Number 2. DOI: 10.1088/2053-1583/ab0af1

Gravando dados em materiais ultrafinos

Alguns dos autores do trabalho. A partir da esquerda: prof. Leonardo Campos, Andreij Gadelha, prof. Ana Maria de Paula, prof. Leandro Malard.
Alguns dos autores do trabalho. A partir da esquerda: prof. Leonardo Campos, Andreij Gadelha, prof. Ana Maria de Paula, prof. Leandro Malard.

Uma equipe científica do Departamento de Física da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) desenvolveu um dispositivo baseado em nanomateriais ultrafinos capaz de gravar e ler dados, agindo como uma memória computacional. Essa memória, cujo mecanismo de armazenamento de dados se origina em fenômenos ópticos, motivo pelo qual é chamada de foto-memória, demonstrou possuir várias das características atualmente desejáveis para memórias: possibilidade de miniaturização, baixo consumo de energia, retenção de dados de longa duração e custo relativamente baixo.

O trabalho abre possibilidades de desenvolvimento de memórias eficientes baseadas em materiais bidimensionais (aqueles cuja espessura é de um ou poucos átomos) que poderiam ser usadas em plataformas leves e flexíveis, como os dispositivos eletrônicos vestíveis. A pesquisa foi reportada em artigo recentemente publicado no periódico científico 2D Materials (fator de impacto 7.042).

“Nosso trabalho consiste em uma investigação científica com prováveis implicações tecnológicas na área de foto-memórias”, contextualiza o professor Leonardo Cristiano Campos (UFMG), autor correspondente do paper. “Desenvolvemos um dispositivo optoeletrônico simples, onde a aplicação simultânea de luz e tensões elétricas modifica controladamente as propriedades eletrônicas do dissulfeto de molibdênio (MoS2), que é um material nanométrico ultrafino”, completa.

Mais autores do trabalho: prof. Rodrigo Gribel Lacerda e Alisson Cadore.
Mais autores do trabalho: prof. Rodrigo Gribel Lacerda e Alisson Cadore.

Inicialmente, os doutorandos Andreij de Carvalho Gadelha e Alisson Cadore integraram uma série de nanomateriais de poucas dezenas de nanômetros de espessura, seguindo a arquitetura do transístor de efeito de campo (FET, na sigla em inglês), o qual pode ser usado como componente eletrônico de memórias. O FET montado na UFMG consiste, basicamente, em uma camada de dissulfeto de molibdênio colocada sobre um cristal plano de nitreto de boro hexagonal, situado sobre um fino substrato de grafite. O nitreto de boro foi fornecido por um grupo de pesquisa do Japão, do Instituto Nacional de Ciência de Materiais (NIMS).

Depois, a equipe realizou uma série de medidas optoeletrônicas idealizadas pelo doutorando Andreij e seus orientadores (os professores Leonardo Campos e Rodrigo Gribel Lacerda), com ajuda de dois especialistas em óptica, os professores Leandro Malard Moreira e Ana Maria de Paula – todos do Departamento de Física da UFMG.

Em linhas gerais, a equipe aplicou no FET tensão elétrica e radiação laser, simultaneamente. Essa ação combinada muda sistematicamente a densidade das cargas livres que transitam pelo dissulfeto de molibdênio (material semicondutor), controlando a condutividade elétrica do material (processo chamado de “photogating” em inglês).  A mudança persistiu depois de retirado o laser e a tensão.

Dessa maneira, a equipe científica gerou no material aquilo que se necessita para gravar dados na eletrônica digital: dois estados bem diferenciados que podem ser rapidamente detectados e traduzidos ao código binário como zero (0) e um (1). Concretamente, trata-se de dois estados de condutividade do dissulfeto de molibdênio: o anterior à aplicação da luz laser, denominado “off” ou “0”, e o posterior a essa irradiação, denominado “on” ou “1” (este último, caracterizado pela presença da fotocorrente).

Na esquerda, o FET, elemento da foto-memória, cuja estrutura é composta por um empilhamento de materiais bidimensionais. Na direita, representação esquemática de como seria o processo de gravação de dados em um dispositivo composto de vários elementos de foto-memória. O processo de gravação é traduzido em formas binárias de "0"s e "1"s, que são a base da codificação em eletrônica digital. Os elementos que possuem uma luz avermelhada estão associados ao código "1", enquanto que os que não a possuem estão associados ao código "0".
Na esquerda, o FET, elemento da foto-memória, cuja estrutura é composta por um empilhamento de materiais bidimensionais. Na direita, representação esquemática de como seria o processo de gravação de dados em um dispositivo composto de vários elementos de foto-memória. O processo de gravação é traduzido em formas binárias de “0”s e “1”s, que são a base da codificação em eletrônica digital. Os elementos que possuem uma luz avermelhada estão associados ao código “1”, enquanto que os que não a possuem estão associados ao código “0”.

Além de revelar a capacidade do FET de dissulfeto de molibdênio de atuar como uma foto-memória, os experimentos e modelagens teóricas realizadas na UFMG desvendaram algumas características muito desejáveis numa memória: baixo consumo de energia (relacionado à razão entre “on” e “off”) e capacidade de reter, por longos períodos, os dados gravados (estima-se que até 50% de um dado gravado permaneceria salvo depois de uma década).

A foto-memória desenvolvida na UFMG demonstrou mais uma interessante característica. Controlando a tensão aplicada ao FET, é possível modular os estados de condutividade e gerar uma série de estados (e não apenas dois) bem diferenciados.

“Acreditamos que estas memórias possam ser aplicadas a longo prazo”, diz o professor Campos. Para isso, diz o cientista, seria preciso desenvolver a produção em larga escala dos nanomateriais, um desafio que, estima ele, poderia ser resolvido em uma década. Além disso, seria necessário adaptar a memória ao funcionamento em condições ambientais, já que as medidas realizadas pela equipe da UFMG foram feitas em vácuo. “Nós estamos desenvolvendo técnicas de encapsulamento que provavelmente devam resolver esta questão”, adianta Campos.

Os resultados reportados no artigo da 2D Materials fazem parte do doutorado de Andreij Gadelha, que defende sua tese no dia 3 de maio às 14 horas na sala de seminários do Departamento de Física da UFMG. Entretanto, longe de ter sido escolhido desde o início como assunto da pesquisa de doutorado, o efeito de foto-memória do dissulfeto de molibdênio se desvendou ao doutorando e seu orientador de forma imprevista e inesperada, como ocorre muitas vezes no processo de descoberta científica. “É como se você estivesse olhando para um ponto especifico, porém surge aquele insight que desvia seu olhar para o caminho certo e você grita “EUREKA””, ilustra o professor Campos. Concretamente, o doutorando estava tentando aniquilar determinados efeitos que eram indesejáveis no contexto da pesquisa inicial, quando ele percebeu que esses efeitos possibilitariam uma aplicação em memórias ópticas, e convenceu o orientador a mudar o foco do trabalho. “É interessante notar que o efeito indesejável tornou se a nossa “galinha dos ovos de ouro”, levando a uma reviravolta nos rumos de nossa pesquisa”, comenta Campos.

O trabalho foi financiado com recursos das agências federais Capes, CNPq, do INCT de Nanocarbono e da agência estadual Fapemig.


Comments
    • Oiti De Paula

      Aí está a prova de que as universidades públicas brasileiras, além de ensino de alta qualidade, produzem conhecimento através das pesquisas nelas realizadas.
      Análises e argumentos rasos, feitos por pessoas despreparadas, não podem destruir nossas universidades públicas!!!
      Muito orgulho desses pesquisadores, em especial Ana Maria de Paula, um ser humano fantástico e uma professora e pesquisadora exemplar!!!

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