Artigo em destaque: Abordagem microfluídica para produzir fibras de grafeno.


Capa da Nanoscale destacando o trabalho. A arte foi realizada pelo aluno iniciação científica Matheus Dias.
Capa da Nanoscale destacando o trabalho. A arte foi realizada pelo aluno de iniciação científica Matheus Dias Santos.

Fazer microfibras com materiais da família do grafeno é um desafio que alguns grupos de pesquisa do mundo têm decidido enfrentar nos últimos anos. Por ser flexíveis e conduzir muito bem a eletricidade, essas estruturas alongadas de algumas dezenas de micrômetros de diâmetro têm diversas aplicações, principalmente como componentes de dispositivos eletrônicos flexíveis. Os métodos de produção das microfibras, no entanto, têm falhado no controle de suas dimensões e formato, impactando nas propriedades do material.

Agora, uma equipe científica do Brasil, liderada pela professora Cecília de Carvalho Castro Silva (Mackenzie), conseguiu vencer esse desafio mediante uma inovadora estratégia de processamento de óxido de grafeno (GO). A pesquisa foi reportada em artigo publicado na Nanoscale, revista da Royal Society of Chemistry, com  destaque em uma das capas de fundo do jornal. Além disso, o paper faz parte de uma edição especial do periódico, que reúne trabalhos de jovens pesquisadores com potencial de influenciar os rumos da nanociência e da nanotecnologia, da qual a professora Cecília foi convidada a participar.  

“Neste trabalho podemos apresentar à comunidade de Ciência e Engenharia de Materiais uma estratégia simples de se obter microfibras de óxido de grafeno (GO) com elevado controle de sua estrutura e dimensões, com formato homogêneo e diâmetro ajustável, através do uso de dispositivos microfluídicos”, diz Cecília, que é pesquisadora no MackGraphe, centro da Universidade Presbiteriana Mackenzie dedicado à pesquisa em grafeno e outros nanomateriais. A abordagem desenvolvida poderia se estender à produção de microfibras baseadas em outros materiais bidimensionais ou unidimensionais.

O trabalho agregou a expertise do MackGraphe em materiais bidimensionais para dispositivos eletro-ópticos e a experiência do Núcleo de Biomanufatura do IPT em Microfluídica (área multidisciplinar que se dedica a entender e controlar o comportamento de fluídos líquidos ou gasosos na escala micrométrica, usando para isso tubos ou câmeras que confinam os fluidos).

Interação entre fluídos

Em linhas gerais, o desafio da equipe do MackGraphe e IPT foi conseguir que as folhas de óxido de grafeno, de espessura nanométrica, se agrupem de forma homogênea e dentro da dimensão desejada, formando fibras. Para isso, os cientistas desenvolveram um dispositivo composto por agulhas e canais micrométricos, destinado a confinar dois líquidos diferentes e a fazer com que eles interajam de forma controlada.

No dispositivo microfluídico, uma dispersão de óxido de grafeno (líquido principal) e um composto com propriedades coagulantes e tensoativas (líquido de apoio) são injetados. Ambos fluem juntos em um canal, de tal modo que o líquido de apoio envolve uniformemente o líquido principal, impedindo que ele toque as paredes do dispositivo. Dessa forma, torna-se possível controlar com precisão o diâmetro das fibras que saem do dispositivo: quanto maior for a vazão do líquido de apoio, maior será a compressão que ele exerce sobre a dispersão de GO, e mais finas serão as fibras formadas. 

Para determinar de que maneira o diâmetro das microfibras poderia ser modulado em função da vazão entre os líquidos injetados, a equipe utilizou simulações computacionais. Esse trabalho teórico foi realizado pela pesquisadora Martha Lucía Mora Bejarano, do IPT, usando a técnica de fluidodinâmica computacional (CFD).

Fotografia do dispositivo microfluídico junto a uma moeda de 10 centavos de real, para referência de tamanho. A peça laranja, à esquerda, contém o injetor para ingresso do líquido que contém óxido de grafeno. No tubo preto é injetado o líquido de apoio (solução coagulante). Dentro da caixa azul, ambos os líquidos interagem. À direita está o bico de saída, que expele as microfibras de GO.
Fotografia do dispositivo microfluídico junto a uma moeda de 10 centavos de real, para referência de tamanho. A peça laranja, à esquerda, contém o injetor para ingresso do líquido que contém óxido de grafeno. No tubo preto é injetado o líquido de apoio (solução coagulante). Dentro da caixa azul, ambos os líquidos interagem. À direita está o bico de saída, que expele as microfibras de GO.

Transistores flexíveis

O método desenvolvido pela equipe brasileira inclui uma fase para melhorar as propriedades elétricas das microfibras. De fato, o óxido de grafeno, comparado com o grafeno, é um material mais fácil e barato de se produzir, mas é um isolante elétrico, devido à presença de grupos funcionais oxigenados na sua estrutura.  Contudo, tratamentos simples conseguem remover uma parte desses elementos, gerando o chamado óxido de grafeno reduzido (rGO), cuja capacidade de conduzir eletricidade atinge níveis próximos aos do grafeno puro. 

No trabalho reportado na Nanoscale, tratamentos térmicos e de microondas foram realizados nas microfibras para melhorar suas propriedades elétricas. O resultado foi muito positivo, e os pesquisadores puderam utilizar as fibras de óxido de grafeno para montar transistores (componentes básicos da eletrônica que cumprem as funções fundamentais de ligar, desligar ou amplificar a corrente elétrica). Totalmente flexíveis, esses transistores poderiam ser usados nos mais diversos dispositivos vestíveis, desde sensores para monitorar problemas de saúde até dispositivos para gerar e armazenar energia em tecidos eletrônicos.

Três imagens das microfibras obtidas pelos pesquisadores de instituições brasileiras. Acima, a fotografia destaca as dimensões a olho nu e a flexibilidade de uma das microfibras de GO. Abaixo, imagens de microscopia eletrônica de varredura. À esquerda, nó feito em uma microfibra, mostrando a flexibilidade. À direita, o corte transversal de uma microfibra permite visualizar a união de folhas de GO que forma a fibra.
Três imagens das microfibras obtidas pelos pesquisadores de instituições brasileiras. Acima, a fotografia destaca as dimensões a olho nu e a flexibilidade de uma das microfibras de GO. Abaixo, imagens de microscopia eletrônica de varredura. À esquerda, nó feito em uma microfibra, mostrando a flexibilidade. À direita, o corte transversal de uma microfibra permite visualizar a união de folhas de GO que forma a fibra.

Agregando competências

A gênese do trabalho remonta a 2017, quando a professora Cecília iniciava o desenvolvimento de microfibras de óxido de grafeno em seu grupo de pesquisa recém-criado no MackGraphe, e se deparava com inúmeros problemas com relação à estabilidade das propriedades mecânicas das fibras e ao controle da sua espessura e comprimento. 

No mesmo ano, Cecília fez parte do comitê organizador do VII Workshop de Microfluídica, que foi realizado no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), em São Paulo. Nesse comitê, estava também o pesquisador sênior do IPT Mario Ricardo Gongora Rubio, coordenador de um grupo de pesquisa com ampla experiência no desenvolvimento de dispositivos microfluídicos. 

“Em conversas com Mario, tivemos esta ideia de explorar o uso de dispositivos microfluídicos com focalização hidrodinâmica 3D para obtenção das microfibras de GO com elevado controle estrutural e de diâmetro”, relembra a cientista. Como a estratégia já tinha se mostrado efetiva na obtenção de microfibras poliméricas, a dupla de pesquisadores pensou em adaptá-la à produção das microfibras de óxido de grafeno.  

A ideia se concretizou no mestrado de Jaqueline Falchi da Rocha, iniciado em 2018 sob orientação da professora Cecília no Programa de Pós-graduação em Engenharia de Materiais e Nanotecnologias do Mackenzie. “Tivemos a oportunidade de submeter um projeto ao Programa Novos Talentos, do IPT, que financia bolsas de estudos de alunos promissores para desenvolverem pesquisas em conjunto com o instituto”, relata Cecília. O projeto foi aprovado, e Mario ficou como coorientador do trabalho de Jaqueline, cuja tese de mestrado foi defendida em julho de 2020.

A pesquisa recebeu financiamento das agências brasileiras CNPq, Finep e Fapesp, do Fundo Mackenzie de Pesquisa e do IPT.

Os autores do artigo: Jaqueline F. Rocha, Leandro Hostert, Martha Lucia M. Bejarano, Roberta M. Cardoso, Matheus D. Santos, Camila M. Maroneze, Mario R. Gongora-Rubio e Cecilia de Carvalho Castro Silva.
Os autores do artigo: Jaqueline F. Rocha, Leandro Hostert, Martha Lucia M. Bejarano, Roberta M. Cardoso, Matheus D. Santos, Camila M. Maroneze, Mario R. Gongora-Rubio e Cecilia de Carvalho Castro Silva.

 


Referência do artigo científico: Graphene oxide fibers by microfluidics assembly: a strategy for structural and dimensional control. Jaqueline F. Rocha, Leandro Hostert, Martha Lucia M. Bejarano, Roberta M. Cardoso, Matheus D. Santos, Camila M. Maroneze, Mario R. Gongora-Rubio and Cecilia de Carvalho Castro Silva. Nanoscale, 2021,13, 6752-6758. https://doi.org/10.1039/D0NR08380A.

Contato do autor correspondente: Profa Cecilia de Carvalho Castro Silva – cecilia.silva@mackenzie.br.


 


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