Domingo. Tutorial, abertura, palestra memorial e coquetel.
“Conseguimos”. Com essa palavra (na verdade, com seu equivalente em inglês “we made it”), o presidente da SBPMat abriu o décimo sexto encontro anual da sociedade, por volta das 19 horas do domingo 10 de setembro de 2017. O professor Osvaldo Novais de Oliveira Junior (IFSC-USP) estava se referindo às dificuldades vividas não apenas pelos organizadores do evento como também pelo conjunto da comunidade científica brasileira, num ano que registrou o orçamento para ciência e tecnologia proporcionalmente mais baixo da história do país.
Contrastando com essa conjuntura, a sala onde ocorria a abertura do XVI B-MRS Meeting, no centro de eventos da FAURGS, na cidade de Gramado (RS), estava praticamente cheia. Umas 900 pessoas estavam prestigiando a cerimônia. No palco, a mesa de abertura reunia representantes de sociedades de pesquisa em Materiais da América Latina, Ásia e Europa, bem como da União Internacional de Sociedades de Pesquisa em Materiais (IUMRS). A composição da mesa antecipava um ponto que seria frisado pouco depois na palestra de abertura e, ao longo do evento, em várias plenárias: a importância da colaboração científica, não apenas entre diferentes áreas, mas também entre países, como fonte de ideias, recursos e competências.
Composição da mesa de abertura, a partir da esquerda: Robert Chang (secretário geral da IUMRS), Hyeongtag Jeon (presidente da Sociedade de Pesquisa em Materiais da Coreia), Claudia Gutiérrez (presidente da Sociedade Mexicana de Materiais, SMM), Daniel Eduardo Weibel (chairman do evento), Osvaldo Novais de Oliveira Jr (presidente da SBPMat), Soo Wohn Lee (presidente da União Internacional de Sociedades de Pesquisa em Materiais, IUMRS), Roberto Arce (presidente da Sociedade Argentina de Materiais, SAM), Luis da Cunha Lamb (pró-reitor de pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS) e Rodrigo Martins (representante da Sociedade Europeia de Pesquisa em Materiais, E-MRS).
Depois das boas-vindas, votos de bom evento e agradecimentos proferidos pelo chair do encontro, o professor Daniel Weibel (IQ-UFRGS), chegou a hora da tradicional Memorial Lecture “Joaquim da Costa Ribeiro”. Essa palestra, que, por meio do nome, homenageia e mantém viva a memória de um dos pioneiros da pesquisa em Materiais brasileira, é uma distinção outorgada anualmente pela SBPMat a pesquisadores de trajetória destacada na área.
Foi então chamado ao palco o palestrante da noite, João Alziro Herz da Jornada, que, entre muitos outros cargos que desempenhou, foi professor da UFRGS e presidente do Inmetro. O renomado cientista gaúcho tocou num assunto de especial relevância em tempos de cortes às verbas de ciência e tecnologia, a relação entre a ciência, por um lado, e a inovação e a melhor qualidade de vida das pessoas, pelo outro. Por meio de cópias de reportagens recentemente publicadas em alguns dos mais renomados jornais e revistas do mundo, Jornada mostrou que essa discussão já é objeto de intenso e aprofundado debate. O professor aposentado apresentou alguns modelos que esquematizam essa relação, seja de modo algo simplista, quer de uma forma menos linear e mais complexa e realista. O cientista homenageado destacou alguns fatores extra científicos importantes para a inovação tecnológica acontecer: a capacidade de absorção de conhecimento por parte da sociedade, o conhecimento prático tipo “learn by doing” na figura do empreendedor, a possibilidade de o empreendedor acessar facilmente o conhecimento tecnológico, a comunicação e interação entre diversos agentes. Para finalizar, Jornada convidou todos os pesquisadores a fazerem um esforço por compreenderem de modo sistemático e objetivo a relação entre ciência e bem-estar da sociedade, e, dessa maneira, se prepararem para o debate sobre impacto social e econômico da ciência que já está ocorrendo entre o grande público.
Na saída da palestra, o coquetel de boas-vindas aguardava os participantes. Amigos e colaboradores da comunidade internacional de pesquisa em Materiais se reencontraram e confraternizaram em torno de uma verdadeira janta, com carne, risoto e massa, além de cerveja e bebidas sem álcool.
Algumas horas antes, nas ruas de Gramado, sob uma temperatura de cerca de 30 °C (acima da média para um fim de inverno a mais de 800 m de altitude), o sol brilhava e as flores da charmosa cidade pareciam ainda mais vistosas. Enquanto isso, das 13:30 às 17:30 horas, no centro de eventos da FAURGS, mais de 200 pessoas aproveitavam um tutorial sobre artigos científicos de alto impacto, oferecido gratuitamente aos participantes do XVI B-MRS Meeting. No tutorial, o professor Valtencir Zucolotto (IFSC-USP), pesquisador da área de Materiais e criador de cursos online sobre escrita científica e temas afins, abordou de modo interativo, descontraído e bem-humorado o processo de produção de um paper de alto impacto, desde a escrita até a publicação num periódico. “Ficou clara a preocupação do público de conciliar pesquisa de alto nível com dificuldades no financiamento”, comentou Zucolotto. Antes de sortear entre os participantes dois vales para realizar sem custo um curso online gratuito da plataforma criada por ele, Zucolotto encerrou o tutorial encorajando os presentes a fazerem pesquisa de alto impacto. “É difícil, sim, mas com empenho fica menos difícil. Não podem desanimar; não há nada mais legal do que ver um artigo seu publicado, divulgado e citado”, disse o cientista.
Segunda a quinta-feira: plenárias, simpósios, reuniões e festa.
Na manhã seguinte, cerca das 8:30 horas, a sala principal do evento recebeu cerca de 600 participantes para assistir à primeira das sete plenárias do encontro, todas marcadas por maciça assistência dos participantes do evento e várias perguntas no final das palestras.
Na primeira das plenárias, o professor Hans-Joachim Freund deu um exemplo de como escalas diminutas podem apresentar uma complexidade gigante, e como lidar com isso. Esse cientista de índice h=97 dividiu seu vasto e profundo conhecimento sobre catálise heterogênea (aquela em que a fase do material catalisador é diferente da fase dos reagentes; por exemplo, nanopartículas catalisadoras em reações envolvendo gases). O plenarista captou e manteve a atenção do público ao compartilhar alguns dos estudos sobre o tema que vem sendo realizados num instituto de pesquisa de Berlim dedicado ao estudo de superfícies e interfaces, o Fritz-Haber-Institut der Max-Planck-Gesellschaft, do qual Freund é diretor. Como os catalisadores são materiais muito complexos, disse Freund, para compreendê-los na escala atômica, seu grupo de pesquisa cria séries de sistemas-modelo de crescente complexidade e crescente semelhança com os catalisadores reais. Utilizando instrumentação, métodos computacionais e conhecimento avançado da ciência de superfícies em cima desses sistemas, o grupo consegue resolver passo-a-passo os diversos problemas científicos envolvidos na compreensão dos catalisadores e, em consequência, desenvolver catalisadores mais reativos. Apesar de ter a equipe inteira do departamento de Físico-Química (que já contou com 80 pessoas e hoje tem umas 35) alocada no estudo da catálise heterogênea, o professor Freund brincou que ainda tem muito trabalho pela frente e que, para dar conta de tamanha complexidade, precisaria de uns 200 pesquisadores!
Depois da palestra de “Hajo” Freund, os participantes se distribuíram entre as 15 salas com programação simultânea, destinadas às apresentações orais dos 22 simpósios – uma rotina que se repetiu ao longo do encontro durante as manhãs e no início das tardes. Quase 2.000 trabalhos foram submetidos aos simpósios do XVI B-MRS Meeting, dos quais 1.919 foram aprovados para apresentação nas sessões orais e de pôsteres. Os simpósios abrangeram um amplo leque de temas de pesquisa em Materiais, desde o estudo, fabricação e modificação de diversos materiais (polímeros, metais, compósitos, hidrogéis, nanomateriais, biomateriais) até seu uso nos segmentos de energia, aeronáutica, saúde, eletrônica, bioeletrônica, fotônica, plasmônica, fotocatálise e outros. O impacto ambiental da fabricação e a segurança do uso de alguns materiais também foram abordados nos simpósios.
No final das sessões orais dessa manhã, assim como nos demais dias do evento, as centenas de participantes, muitos deles, em pequenos grupos, saíram pelas pitorescas ruas de Gramado em busca de restaurantes onde almoçar. Uma busca nada difícil nessa pequena cidade principalmente voltada ao turismo, que concentra em poucas quadras dezenas de restaurantes de qualidade, de tipos e preços diversos, com especialidades da culinária internacional – desde massas italianas e joelho de porco alemão, até fondue, truta e sopas.
Graças à boa localização do centro de convenções, às 14 horas os participantes estavam de volta para o início das sessões orais da tarde, seguidas de um coffee break tão farto quanto o da manhã, que sustentava os participantes até o final da programação do dia, perto das 19:30 horas. O momento dos intervalos para o café foram também os de maior movimentação nos estandes dos 25 expositores que participaram do XVI B-MRS Meeting, distribuídos a ambos os lados das mesas do coffee break.
Também no início da tarde, no contexto do workshop sobre desenvolvimento sustentável de materiais para energia, eletrônica e transporte, foi realizada uma reunião sobre possibilidades de interação universidade-empresa. A reunião contou com a presença de um representante do Umicore, grupo empresarial multinacional de tecnologia de materiais e reciclagem; um empreendedor criador da startup Develop Now, localizada na cidade paulista de São Carlos, e pesquisadores de áreas afins ao desenvolvimento sustentável, além do chair do evento e autoridades da SBPMat e da IUMRS.
Às 16:45 horas iniciou a plenária da tarde, a qual, na segunda-feira, foi proferida pelo professor Alexander Yarin, da University of Illinois at Chicago. Depois de destacar que o Brasil é um país líder em materiais derivados de resíduos agropecuários, o cientista mostrou que resíduos provenientes da agricultura e da pesca podem ser aproveitados para produzir biopolímeros e, com eles, fabricar nanomateriais que podem ser utilizados numa variedade de aplicações de impacto social. Em seu laboratório, Yarin já conseguiu produzir nanofibras, algumas delas com propriedades mecânicas muito boas, a partir de proteína de soja, celulose, glúten, componentes da madeira e proteína de peixe, entre outros resíduos. Atualmente, o cientista e sua equipe desenvolvem um projeto para utilizar o bagaço da cana-de-açúcar. O método utilizado por Yarin é a fiação por sopro em solução, na qual um jato de biopolímero em solução é “soprado” por um jato de ar coaxial. Na interação entre ambos os jatos, o solvente se evapora e o biopolímero adquire um formato esticado e fino. Dessa maneira, formam-se nanofibras secas que caem sobre uma superfície compondo um emaranhado, o qual pode ser apresentado finalmente como algo similar a um rolo de fino papel. O processo pode ser levado facilmente à escala industrial, disse Yarin. O cientista também mostrou algumas aplicações já demonstradas de suas nanofibras, como as membranas que protegem videiras do fungo esca, responsável por milionárias perdas em safras de uva ao redor do mundo. Outra aplicação mencionada foi a adsorção de íons de metais pesados de águas contaminadas, problema que ocorre, por exemplo, na Índia. Yarin encerrou sua apresentação comparando seus poderosos nanomateriais verdes ao Pelé, de quem se declarou admirador.
A programação do dia finalizou com uma animada sessão de pôsteres. Nas três sessões que ocorreram sempre no final da tarde ao longo do evento, boa parte dos mais de 1.400 trabalhos aprovados para apresentação em forma de pôster foram exibidos e discutidos. Mais uma vez, o evento disponibilizou um código QR para cada pôster e um leitor do código no aplicativo do evento (o qual, diga-se de passagem, foi baixado em 378 dispositivos móveis de participantes). Ao posicionar o celular frente ao código impresso no pôster, o participante podia acessar e salvar os dados do trabalho que tinha chamado sua atenção.
Nessa noite, o ar foi ficando mais frio e úmido em Gramado. Na manhã seguinte, com temperaturas em torno dos 13°C, os participantes tiveram que vestir casaco de inverno ou de chuva para se deslocarem até o centro de convenções. A “cerração” (designação popular de “nevoeiro”) típica do inverno na Serra Gaúcha tinha tomado conta da paisagem e impedia totalmente a visibilidade a mais de 50 metros de distância.
Dentro do centro de convenções, o clima era outro. O professor Katsuhiko Ariga (WPI-MANA NIMS e Universidade de Tokyo) recebeu o público na sala das plenárias expressando sua grande alegria por estar ali. Ariga tinha sido convidado a proferir uma plenária dois dias atrás, para substituir a professora Susan Trolier-McKinstry que não pôde viajar por motivos alheios à sua vontade. A bem-humorada plenária de Ariga começou com um tema quente, as máquinas moleculares, objeto do Prêmio Nobel de Química do ano passado. O cientista japonês de índice h= 144 mostrou uma corrida de nanocarros criados por times científicos de diferentes países com apenas uma molécula, cada um com um formato particular. Ariga mostrou também outras máquinas moleculares desenvolvidas por ele junto a seus colaboradores, como os nanoalicates que se abrem e fecham em reação a movimentos realizados por mãos humanas. De que maneira? Por meio de um equipamento simples, esses movimentos humanos macroscópicos provocam a compressão e expansão de um meio de água e ar em cuja interface os nanoalicates estão inseridos, fazendo com que as moléculas se reconfigurem uma e outra vez em forma de alicates abertos ou fechados. A palestra encerrou com a ideia de um futuro no qual todos os seres humanos faremos nanotecnologia com as nossas mãos em nosso dia-a-dia.
Talvez imaginando como será esse mundo previsto pelo professor Ariga, os participantes saíram da sala das plenárias rumo às sessões orais dos simpósios e, novidade do dia, às palestras sobre técnicas de caracterização, fabricação e modificação de materiais que foram proferidas por especialistas de empresas de instrumentação ao longo das manhãs e tardes da terça e quarta-feira.
Numa Gramado cada vez mais úmida, alternando entre cerração e chuva, começou a segunda plenária da tarde. O professor Kenneth Gonsalves (Indian Institute of Technology Mandi, IIT Mandi) levou o público ao sempre atual tema da miniaturização dos chips. Essa tendência, explicou o pesquisador, tem trazido desempenho superior e custo menor à infinidade de produtos que utilizam chips, desde os cotidianos eletrônicos até dispositivos da área de saúde, transporte e defesa, entre outros. Para se ter uma noção dos tamanhos, em 2012 era lançada a tecnologia de nó de 22 nm (o que significa que a porta que controla a passagem da corrente elétrica no circuito integrado tem essa dimensão). Dois anos mais tarde, saía a tecnologia de nó de 14 nm, e em 2016, o nó de 10 nm. Para 2018, prevê-se o lançamento do nó de 7 nm e, dois anos depois, de 5 nm. Para tornar isso possível, pesquisadores de diversos países trabalham contra o relógio fazendo importantes ajustes nas técnicas de fabricação dos circuitos integrados. E o professor Kenn Gonsalves é um deles.
O pesquisador está liderando, a partir do IIT Mandi, um consórcio internacional que conta com grupos do Brasil, dedicado a desenvolver materiais fotossensíveis adequados a uma das técnicas mais promissoras para a fabricação dos próximos circuitos integrados de nós de menos de 10 nm, a litografia em radiação ultravioleta extrema (EUVL). Chamados de “resistes”, esses materiais em forma de filmes finos cumprem um papel fundamental no processo de fabricação dos circuitos que encaminharão a corrente pelo chip. Em grandes linhas, os resistes, depositados sobre os wafers de silício, recebem a radiação que passa por sulcos realizados nas chamadas “máscaras”, nas quais se reproduz o desenho do circuito desejado. Nos locais onde recebem a luz, os resistes reagem quimicamente, gerando sulcos ou elevações que seguem o desenho do circuito. De acordo com Gonsalves, que trabalha com pesquisa e desenvolvimento de resistes há 20 anos, o desenvolvimento de resistes para EUVL ainda apresenta desafios que exigem um esforço colaborativo envolvendo diversas competências, instituições e empresas, principalmente no que diz respeito à fotossensibilidade dos materiais. No final da palestra, Gonsalves comentou que também está trabalhando no desenvolvimento e produção de resistes feitos com tecnologias indianas para a fabricação de chips com nós muito maiores, porém adequados às necessidades da indústria daquele país.
Depois da plenária, enquanto os participantes circulavam entre os painéis dos pôsteres, membros da diretoria e conselho da SBPMat realizaram sua reunião anual e assistiram a uma apresentação do presidente da IUMRS que focou as possibilidades de se aumentar a cooperação entre a sociedade brasileira e a união internacional, principalmente visando à participação de estudantes em programas globais de pesquisa vigentes em países asiáticos. Nessa mesma noite, representantes das comunidades de pesquisa em Materiais da América Latina e representantes da IUMRS dividiram um jantar num simpático restaurante de Gramado a convite do presidente da IUMRS.
Quarta-feira, o dia mais longo do XVI B-MRS Meeting começou com uma palestra plenária sobre polieletrólitos conjugados, uma classe de polímeros solúveis em água, capazes de conduzir eletricidade e emitir luz. Esta foi mais uma plenária na qual se mostrou a relação entre a compreensão dos fenômenos naturais (pesquisa fundamental) e o desenvolvimento de aplicações com impacto social – tema da palestra memorial do evento. O professor Kirk Schanze (University of Texas at San Antonio) mostrou como uma detalhada compreensão dos mecanismos que estão por trás das propriedades de um material permite desenvolver ou aprimorar aplicações. Schanze e sua equipe, de fato, vem realizando pesquisa fundamental e aplicada em cima dos polieletrólitos conjugados, e também geraram uma startup para comercializar produtos surgidos do trabalho no laboratório. Na palestra, o cientista apresentou alguns trabalhos do seu grupo no uso desses materiais como sensores de diversos íons e moléculas que provocam ou anulam sua fluorescência. Processados em forma de filmes, os polieletrólitos também podem ser utilizados em células fotovoltaicas orgânicas para geração de eletricidade a partir da energia solar, mostrou Schanze. No final da palestra, o professor demonstrou que esses polímeros também podem ser extremamente úteis para eliminar bactérias. De fato, partículas cobertas com revestimentos de polieletrólitos têm a capacidade de atrair e adsorver bactérias em solução e, ainda, de emitirem luz verde avisando que a presa foi pega. Para encerrar, Schanze, que é editor chefe do renomado periódico ACS Applied Materials and Interfaces, apresentou o mais novo editor associado da revista, o professor Osvaldo Oliveira Jr (o presidente da SBPMat!) e mostrou os artigos de autores do Brasil mais citados do periódico (também sócios da SBPMat!).
Pela tarde, a cerração já tinha se dissipado em Gramado, mas não no telão da sala das plenárias do centro de convenções. O professor Frédéric Guittard (Université Nice Sophia Antipolis, França) abriu sua palestra com uma foto de uma estreita ponte suspensa parcialmente imersa numa espessa neblina – um resumo fotográfico do afazer científico, no qual só se pode dar um passo por vez, o futuro é sempre incerto, mas é necessário ir para frente. O tema da palestra, casualmente, também tinha a ver com umidade. Guittard coordena um dos grupos líderes no mundo em pesquisa sobre molhabilidade, mais precisamente, sobre materiais hidro e oleofóbicos e suas versões “super”. Algum tempo atrás, contou o cientista francês, para se obter materiais desse tipo, trabalhava-se apenas com a modificação química das superfícies, obtendo ângulos de contato (ângulo entre uma gota do líquido e a superfície com a qual entrou em contato) de 100 a 120 graus para a água e de 40 graus para o óleo. Atualmente, utilizando uma combinação de métodos físicos e químicos, é possível produzir superfícies “superliquidofóbicas”, que são aquelas cujo ângulo de contato é maior que 150 graus. Essas abordagens físico-químicas contemplam a rugosidade da superfície, a porosidade, a topologia e a composição, entre outros fatores, e consideram tanto o nível micro quanto o nano. A inspiração para a comunidade científica seguir uma abordagem mais complexa, disse Guittard, veio da biomimética (a busca humana por compreender as estratégias utilizadas pela natureza para conseguir as propriedades de plantas e animais, e sua aplicação científico-tecnológica). “Na natureza, as escalas macro, micro, nano e subnano se comunicam permanentemente”, exemplificou o plenarista. Em seu caso particular, a fonte de inspiração para desenvolver superfícies superfóbicas foi uma alcachofra plantada para satisfazer um desejo dos filhos, a qual não se molhava enquanto era regada. “Redescobri o efeito Lótus”, disse Guittard. Desde aquele início a 40 graus de ângulo de contato até o presente a mais de 150 graus, a área de molhabilidade tem gerado uma enorme quantidade de papers, patentes, processos de produção, livros e artigos de revisão, destacou o cientista. Não apenas sobre a fabricação e caracterização de superfícies com baixa molhabilidade, mas também, mais recentemente, sobre os usos que se pode fazer delas: antigelo, antinévoa, autolimpeza, antiadesão de bactérias, colheita de água e muitos outros.
No fim da tarde, representantes das sociedades/comunidades de pesquisa em Materiais de diversos países se reuniram numa sala do centro de convenções para discutir formas de colaboração, desde promover intercâmbios de estudantes até incentivar uma maior participação de suas comunidades nos eventos das sociedades dos demais países.
Participantes da reunião de sociedades de pesquisa em Materiais, a partir da esquerda: Jorge Guerra (Peru), Francisco Rumiche (Peru), Daniel Weibel (chair do evento), Claudia Gutiérrez Wing (México), Roberto Arce (Argentina), Soo Wohn Lee (IUMRS), Juliano Casagrande Denardin (Chile), Osvaldo N. de Oliveira Jr (presidente da SBPMat), Guillermo Solórzano (fundador da SBPMat), Robert Chang (IUMRS) e Roberto M. Faria (SBPMat e IUMRS).
E o dia mais longo do evento durou, na verdade, até o dia seguinte. De fato, na noite da quarta-feira, cerca de 350 participantes lotaram o Harley Motor Show, bar e museu temático que homenageia a lendária marca de motocicletas, para a sempre esperada “Conference party”. A partir das 21 horas, as turmas se acomodaram nas mesas para beber, comer e curtir o variado repertório musical do DJ, tiraram fotografias nas motos de coleção que enfeitavam o ambiente (iluminado e mobiliado no estilo dos cassinos de Las Vegas) e dançaram até a madrugada. A festa teve patrocínio dos periódicos ACS Applied Materials and Interfaces, ACS Nano, NanoLetters, Chemistry of Materials, JACS, Langmuir, ACS Central Science, ACS Energy Letters e ACS Omega.
Na manhã posterior à festa, a última plenária do evento contou, surpreendentemente, com tanto público quanto as anteriores. Por quê? Talvez por começar um pouquinho mais tarde, às 10:45 horas, e provavelmente, pelo interesse causado pelo palestrante (um dos pioneiros da nanotecnologia, índice h=144) e pelo assunto (desafios e oportunidades da nanoengenharia). As primeiras palavras do professor Pulickel Ajayan (Rice University), que tem grupos de pesquisa do Brasil entre seus colaboradores, foram de solidariedade com a comunidade científica brasileira com relação a suas dificuldades financeiras. Em seguida, a palestra iniciou com uma referência à biomimética. A partir de uma foto de conchas marinhas, Ajayan lembrou que a natureza sempre soube fazer nanoengenharia e que ela usa os métodos conhecidos como bottom-up – aqueles que consistem em unir ou manipular um a um os menores tijolos possíveis (átomos, moléculas e até mesmo elétrons) para construir estruturas funcionais. Ao longo da plenária, o cientista compartilhou diversas estratégias e alguns segredos, baseados em sólidos resultados de pesquisa fundamental, sobre a fabricação de nanomateriais com características adequadas às necessidades humanas. Ajayan, que 14 anos atrás foi pioneiro em rechear um nanotubo de carbono abrindo a possibilidade de usá-lo como molde, mostrou, em slides com belas imagens do mundo nano, uma série de nanomateriais (filmes, espumas, nanopartículas, nanocompósitos) desenvolvidos com precisão em seu grupo de pesquisa por meio de diversos métodos bottom-up. O cientista, que disse gostar muito de ciência básica mas confessou ficar mais empolgado quando existe uma aplicação, também apresentou alguns dos dispositivos que tem criado junto à sua equipe e colaboradores, principalmente na área de armazenamento de energia (baterias e supercapacitores), e as empresas que estão comercializando algumas dessas inovações. Apesar de tantos resultados obtidos a partir de suas estratégias de nanoengenharia, o professor Ajayan acredita que, algum dia, a humanidade poderá desenvolver melhores maneiras de produzir nanomateriais – algo que a natureza já conseguiu.
Quinta-feira. Entrega de prêmios para estudantes e encerramento.
Finalizada a palestra, a sala das plenárias se transformou em sala de cerimônia para sediar a entrega dos prêmios para estudantes, outra tradição dos encontros anuais da SBPMat, que neste ano contou com prêmios outorgados por quatro entidades diferentes. Entre palmas e fotografias, 20 estudantes receberam prêmios por seus trabalhos.
A SBPMat, representada por seu presidente, entregou os certificados do “Bernhard Gross Award”, que homenageia com seu nome um cientista pioneiro da pesquisa em Materiais no Brasil. Dentre esses finalistas, cinco estudantes foram vencedores do “ACS Publications Award”, cujos certificados foram entregues pelo professor Kirk Schanze. Os cinco vencedores também ganharam prêmios em dinheiro, patrocinados por alguns periódicos da editora da American Chemical Society (ACS), ACS Applied Materials and Interfaces, ACS Nano, NanoLetters, Chemistry of Materials, JACS e ACS Omega.
Na sequência, foram anunciados os quatro vencedores do prêmio da E-MRS aos melhores orais e pôsteres do simpósio K e os três vencedores do prêmio da IUMRS para pôsteres. Os ganhadores presentes receberam os certificados nas mãos dos representantes das duas entidades, respectivamente, Jeffrey Kettle e Soo Wohn Lee.
Para encerrar, o presidente da SBPMat e o chair do evento tomaram a palavra. Ambos expressaram sua gratidão a todos os participantes, equipe organizadora, comitês local, organizador e de programa, estudantes que trabalharam na organização, coordenadores de simpósio, plenaristas, agências financiadoras (principalmente a Fapesp, que financiou a viagem e diárias de quase 200 pesquisadores paulistas), expositores, patrocinadores dos prêmios e da festa, instituição-sede (UFRGS). Além disso, o professor Weibel apresentou os números e mostrou alguns destaques do evento. Finalmente, o professor Novais de Oliveira agradeceu o professor Weibel por ser “um chair fantástico” e transformou o “adeus” em “até daqui um ano” ao lembrar que o próximo encontro da sociedade, o XVII B-MRS Meeting, será realizado em Natal, capital do Rio Grande do Norte, de 16 a 20 de setembro de 2018.