Artigo em destaque: Nanorreservatórios para revestimentos inteligentes anticorrosivos.

O artigo científico de autoria de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é:  Zinc-Layered Hydroxide Salt Intercalated with Molybdate Anions as a New Smart Nanocontainer for Active Corrosion Protection of Carbon Steel. Débora Abrantes Leal, Fernando Wypych, and Cláudia Eliana Bruno Marino. ACS Appl. Mater. Interfaces 2020, 12, 17, 19823–19833. https://doi.org/10.1021/acsami.0c02378.

Nanorreservatórios para revestimentos inteligentes anticorrosivos

Imagem MEV de um aglomerado de cristais de hidroximolibdato de zinco. Cada cristal é um nanorreservatório.
Imagem MEV de um aglomerado de cristais de hidroximolibdato de zinco. Cada cristal é um nanorreservatório.

Revestimentos tradicionais costumam ser eficientes para proteger estruturas de aço da corrosão ao oferecerem uma barreira física que impede o contato do substrato com os elementos corrosivos. Entretanto, quando o desgaste gera fissuras ou poros nesses revestimentos, os substratos ficam expostos e acabam corroendo.

Uma equipe científica da Universidade Federal do Paraná (UFPR) desenvolveu um revestimento, baseado em nanotecnologia, que oferece uma proteção ativa contra a corrosão.  Quando o revestimento apresenta alguma falha, expondo o substrato aos elementos corrosivos, dois mecanismos anticorrosivos se ativam sem intervenção humana. Para realizar essa ação inteligente, o revestimento conta com aditivos muitos especiais: nanorreservatórios capazes de armazenar um composto que inibe a corrosão (o molibdato) e liberá-lo, sob demanda, na presença dos elementos corrosivos.

Os nanorreservatórios da UFPR são estruturas de dimensões nanométricas que se apresentam na forma de folhas bidimensionais (lamelas) sobrepostas, separadas entre si por um espaço de alguns angstrons. É nesse espaço interlamelar que o molibdato é armazenado. Quando um nanorreservatório entra em contato com ambientes corrosivos, como a solução de cloreto de sódio (NaCl ) usada nos experimentos na UFPR, ocorre uma reação de troca de íons negativos: ânions  molibdato saem do espaço interlamelar e ânions  cloreto passam a ocupar esses espaços. Nessa troca, o molibdato fica livre para formar um filme protetor sobre a superfície do substrato que ficou exposto, enquanto os ânions corrosivos ficam “presos” no nanorreservatório.

Representação esquemática do mecanismo de proteção ativa contra a corrosão fornecido pelo revestimento aditivado com os nanoreservatórios lamelares inteligentes. (Fonte: Adaptado de ACS Applied Materials & Interfaces 2020 12 (17), 19823-19833, DOI: 10.1021/acsami.0c02378).
Representação esquemática do mecanismo de proteção ativa contra a corrosão fornecido pelo revestimento aditivado com os nanorreservatórios lamelares inteligentes. (Fonte: Adaptado de ACS Applied Materials & Interfaces 2020 12 (17), 19823-19833, DOI: 10.1021/acsami.0c02378).

“A principal contribuição do trabalho está relacionada à proteção ativa contra a corrosão do aço. Enquanto os revestimentos tradicionais promovem apenas uma proteção por barreira, isto é, proteção passiva, o revestimento inteligente desenvolvido no trabalho promove uma proteção ativa, liberando o inibidor de corrosão molibdato do nanorreservatório lamelar sob demanda, através de um mecanismo de troca aniônica”, resume Débora Abrantes Nunes Leal, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Ciência dos Materiais da UFPR e autora correspondente do artigo que reporta a pesquisa, recentemente publicado na ACS Applied Materials & Interfaces. “Além de liberar o inibidor de forma controlada, o nanorreservatório lamelar ainda “captura” os ânions cloreto, funcionando como uma armadilha para essas espécies e, assim, também contribui para reduzir a corrosividade do meio”, conclui a doutoranda.

Aplicação em escala industrial

Produzidos por meio de um processo rápido e simples e usando matérias-primas de baixo custo, abundantes e de menor impacto ambiental, como o zinco, os nanorreservatórios da UFPR têm potencial para serem fabricados em escala industrial. Ao serem usados como aditivos de revestimentos, como na pesquisa da UFPR, os nanorreservatórios poderiam aumentar a vida útil de estruturas de aço que se encontram em atmosferas com altas concentrações de compostos corrosivos, como, por exemplo, atmosferas marinhas ou próximas de plantas químicas.

De acordo com Débora, já existe, principalmente na Europa, um mercado, ainda incipiente, de revestimentos inteligentes para combate à corrosão, voltados às indústrias aeronáutica e petroquímica. Entretanto, esses revestimentos utilizam, como reservatórios dos compostos anticorrosivos, principalmente microcápsulas poliméricas ou hidróxidos duplos lamelares, que são materiais de fabricação mais complexa, de alto custo e de maior impacto ambiental do que os hidroxissais lamelares utilizados nos nanorreservatórios da UFPR. Conforme os autores do artigo, estes materiais nunca tinham sido usados para armazenar e liberar inibidores de corrosão antes deste trabalho, nem na indústria nem na literatura científica.

Todo o trabalho reportado no artigo da ACS Applied Materials and Interfaces foi realizado dentro do doutorado, em curso, de Débora Abrantes Nunes Leal, iniciado em 2017. A pesquisa é orientada pela professora Cláudia Marino (orientadora), que possui expertise em corrosão e proteção de materiais, e pelo professor Fernando Wypych (coorientador), cuja especialidade é a síntese e caracterização de materiais lamelares. O trabalho recebeu financiamento das agências brasileiras Capes, CNPq e Finep.

Atualmente, a pesquisa com os nanorreservatórios continua, e os autores indicam que, em breve, apresentarão novos resultados, inclusive relacionados ao uso de outros inibidores de corrosão.

Autores do artigo. A partir da esquerda: Débora Abrantes Leal, Fernando Wypych, Cláudia Eliana Bruno Marino.
Autores do artigo. A partir da esquerda: Débora Abrantes Leal, Fernando Wypych, Cláudia Eliana Bruno Marino.