O artigo científico com participação de membros da comunidade brasileira de pesquisa em Materiais em destaque neste mês é: Multi-photon excited coherent random laser emission in ZnO powders. Dominguez, CT; Gomes, MA; Macedo, ZS; de Araujo, CB; Gomes, ASL. Nanoscale, 2015, 7, 317-323. DOI: 10.1039/C4NR05336B.
Percorrendo um caminho randômico para emitir luz laser ultravioleta
Uma equipe de cientistas do Brasil desenvolveu um laser de tipo randômico que abre novas possibilidades de aplicações para este tipo de dispositivos, principalmente em medicina. A novidade foi reportada em um artigo recentemente publicado na revista científica Nanoscale.
Em um laser, a luz é gerada pela emissão de fótons em efeito cascata: elétrons corretamente estimulados emitem fótons, os quais estimulam novos elétrons que emitem outros fótons, que estimulam outros elétrons e assim por diante. Para que um laser funcione, é necessário que haja mais elétrons excitados do que não excitados – situação chamada de inversão da população.
No laser convencional, a inversão da população só ocorre quando a luz é confinada num “meio de ganho”, o qual está preso dentro de um arranjo de espelhos paralelos, conhecido como cavidade óptica. Nesse meio de ganho, a luz vai e volta, estimulando elétrons e gerando o efeito cascata acima explicado. Já no laser randômico, o confinamento da luz ocorre pela ação fortemente espalhadora de partículas nanométricas embutidas no material desse meio, não havendo necessidade da cavidade óptica. Antes de sair do laser randômico, a luz percorre um longo caminho aleatório produzindo emissão estimulada. Se, no final do caminho, a luz volta a seu centro de espalhamento original, trata-se de um laser randômico de realimentação coerente.
No trabalho reportado na Nanoscale, os autores utilizaram como meio de ganho, pó de óxido de zinco (ZnO), cujas partículas funcionaram também como centros espalhadores. O material foi sintetizado por um método de sol-gel proteico, benéfico para o meio ambiente e de baixo custo, seguindo uma rota inovadora baseada no uso de água de côco na fase de polimerização do precursor metálico. O processo gerou um composto de qualidade equivalente ao produzido por vias tradicionais.
“Nossa equipe desenvolveu, pela primeira vez usando excitação óptica no infravermelho, um laser randômico com realimentação coerente emitindo luz ultravioleta, a partir de um pó composto de partículas sub-micrométricas de ZnO”, resume Christian Tolentino Dominguez, primeiro autor do artigo publicado na Nanoscale.
De acordo com ele, o trabalho abre possibilidades para diversas aplicações da luz de laser randômico; por exemplo, na ativação de fluoróforos ou drogas de uso terapêutico, como fonte de iluminação para a obtenção de imagens biomédicas de alta qualidade, e também como fonte de iluminação em aparelhos de tomografia de coerência óptica (OCT), pico-projetores e projetores de cinema.
A equipe também obteve evidências experimentais para afirmar que a emissão UV do laser randômico de pó de ZnO foi induzida pela absorção simultânea de 3 fótons na faixa do infravermelho próximo. “Devido a sua larga banda proibida (~3.37 eV), o ZnO é praticamente transparente à luz visível, porém sua banda de condução pode ser acessada por elétrons excitados por luz com comprimento de onda localizado na faixa do infravermelho próximo, por um processo óptico não linear que envolve a absorção de múltiplos fótons de maneira simultânea”, explica Tolentino.
(a) e (b) Imagens de microscopia eletrônica de varredura mostrando as partículas de ZnO em diferentes magnificações, (c) Difração de raios-X das partículas, (d) Esquema mostrando a configuração experimental, (e) Espectros de emissão a diferentes energias de excitação e curvas mostrando a caracterização do random laser: estreitamento de banda e comportamento não linear da emissão em função da energia de excitação.
O trabalho foi desenvolvido, principalmente, no Laboratório de Fotônica e Biofotônica da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), dirigido pelos professores Anderson Gomes e Cid B. de Araújo, durante o estágio de pós-doutorado de Christian Tolentino, que atualmente trabalha no Laboratório de Engenharia Biomédica, também na UFPE. A síntese das partículas foi realizada pelo grupo de Materiais Cerâmicos Avançados da Universidade Federal de Sergipe (UFS), chefiado pela professora Zélia Soares Macedo.
A pesquisa contou com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACEPE) e foi realizado no contexto do INCT de Fotônica, que vem realizando pesquisa ativa na área de lasers randômicos, tendo diversos trabalhos publicados.