Homenagem do sócio Daniel M. Ugarte a Aldo F. Craievich.


Sobre Aldo Craievich: homenagem, reflexões e lembranças.

Prof. Aldo Craievich visitando a Universidade de Cambridge no Reino Unido. (Foto do arquivo pessoal do Prof. Daniel Ugarte)
Prof. Aldo Craievich em 2015 visitando a Universidade de Cambridge no Reino Unido. (Foto do acervo pessoal do Prof. Daniel Ugarte)

No dia 24 de abril de 2023, na semana passada, faleceu em São Paulo o Prof. Aldo Felix Craievich, dois meses depois de completar 84 anos.

Aldo nasceu na província de Santa Fé na Argentina e formou-se em física no Instituto Balseiro em Bariloche em 1964. Posteriormente realizou seu trabalho de doutorado na França sob orientação de André Guinier, um mundialmente famoso pesquisador na área de difração de raios X. Em 1973, mudou-se para o Brasil e ocupou postos em diversas universidades e institutos de pesquisa como o Instituto de Física e Química de São Carlos (IFQSC-USP), o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e o Instituto de Física da USP na cidade de São Paulo.

Existem abundantes fontes onde é possível obter dados biográficos detalhados de Aldo – sem dúvida, um dos pesquisadores mais destacados da ciência dos materiais do Brasil. Mas provavelmente, o Aldo vai ser sempre recordado por sua contribuição à construção do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) em Campinas onde atuou na gestação inicial do projeto e posteriormente como Diretor Científico durante a construção do primeiro anel de armazenamento UVX. O Aldo assumiu a responsabilidade do desenho e construção de linhas de luz e, sobretudo, da formação de usuários para a futura fonte brasileira de luz síncrotron.

Conheci pessoalmente o Aldo quando mudei da Suíça para o Brasil em 1993 para integrar a equipe do incipiente LNLS. A liderança do laboratório era constituída por três diretores: Cylon Gonçalves da Silva, Ricardo Rodrigues e Aldo. Uma curta conversa com eles sobre o projeto de construir um síncrotron com tecnologia nacional partindo de zero foi inspiradora. Que visão progressista e corajosa! Tive o privilégio de observar como eles associavam competência e originalidade, sempre buscando soluções criativas e adaptadas aos baixos recursos e possibilidades reais no contexto brasileiro. Além dos aspectos materiais, o projeto requeria a construção de uma equipe de recursos humanos técnico-científica especializada. É importante que as novas gerações de profissionais visualizem e compreendam a hercúlea tarefa que foi desenvolver e construir tudo, tudo mesmo. Uma analogia seria levantar um arranha-céu quando você tem que aprender a fazer cada tijolo, cada barra de aço, cada pecinha.  Que desafio eles encararam, e que completo esse triunvirato! Ricardo, a criatividade, a engenharia e a física dos aceleradores. Aldo, a aplicação de radiação síncrotron, a ciência e a formação de recursos humanos. E Cylon, costurando aspectos diferentes como a ciência e tecnologia  do acelerador com a política científica e a organização de um sistema de gestão para um laboratório de big science. Nossa, que trio! Posso contar a meus orientados, estudantes, filhos e netos, que trabalhei perto deles durante a construção do LNLS.!! Além disso, não atrapalhei muito…

Apesar de seu cargo de Diretor, Aldo possuía a humildade para tentar convencer cada pesquisador ou estudante das grandes oportunidades que o LNLS oferecia. Ele organizou numerosas escolas no Brasil, na América Latina e no ICTP-Trieste, onde recebia estudantes de todas as áreas, física, química, engenharia, biologia, medicina etc.  Esse esforço de dimensão internacional fica claramente refletido nos vários prêmios que ele recebeu em outros países e no Mercosul. Talvez o maior dos reconhecimentos recebidos por Aldo foi sua entrada em 2015 na Academia Brasileira de Ciências, já quase perto dos 80 anos. A nível bem pessoal, eu todo dia me pergunto: por que Aldo teve que esperar tanto? Quase 20 anos desde o início de operação do UVX, primeiro síncrotron do hemisfério sul. Bem… no fim justiça foi feita, melhor tarde do que nunca. Minha maior tristeza é que o sócio de Aldo na empreitada, o Ricardo Rodrigues, responsável pelo desenho (a física de aceleradores) e construção (a engenharia, a eletrônica, os materiais etc.) do UVX e do novo síncrotron, o Sirius, nos deixou em 2020 sem receber essa honraria.  A história da América Latina mostra um desenvolvimento social e econômico com muitos paradoxos, como, por exemplo, a forte urbanização sem industrialização. A formação da comunidade científica e tecnológica no país não ficou isenta dessas peculiaridades. Portanto é importante evoluir para dar mais valor a trabalhos aplicados, à construção de equipamentos reais e operacionais de pequeno, mediano ou enorme porte, à criação de instrumentação, às vezes avançada e às vezes somente soluções práticas e baratas. A inovação e industrialização, tão procuradas e mencionadas na atualidade, agradecerão. Como Aldo descrevia bem em suas palavras: “não existe a divisão pesquisa básica ou aplicada, a dicotomia real é pesquisa de qualidade boa ou qualidade ruim”.

Para nós, da comunidade argentina, Aldo foi “el cracho”, o apelido pelo qual é conhecido desde seu início na física e nas ciências exatas. O “cracho” é um sinônimo de energia, energia positiva, energia interminável, energia que contagia e faz progredir, energia que transmite optimismo, energia que motiva, a energia que dá o exemplo, a energia que move montanhas, energia contra ventos e mares. O conhecimento profundo, a conversa longa, objetiva e sincera, a cultura, a vontade de ajudar, de estimular a encarar desafios, o exemplo de ciência, humanidade e ética. Essa é a imagem que tenho de Aldo. Fui agraciado por trabalhar perto dele no início de minha carreira como jovem cientista independente no LNLS. Quanto aprendi! Ele foi um mentor, um amigo, um exemplo, um role model.

Daniel M. Ugarte
Professor titular
Instituto de Física Gleb Wataghin
Unicamp

À esquerda, na casa da família Ugarte, Aldo Craievich com um filho dos anfitriões no colo, junto a Ricardo Rodrigues, Varlei Rodrigues, o próprio Daniel Ugarte e Gilberto Medeiros. À direita, Ugarte e Craievich no pub The Eagle, em Cambridge, onde James Watson e Francis Crick amadureceram a estrutura do DNA (a famosa dupla hélice) e a anunciaram pela primeira vez. A descoberta da dupla hélice se baseou em imagens de difração de raios X, técnica muito apreciada por Craievich, que ajudou a disseminá-la na América Latina.
À ESQUERDA, na casa da família Ugarte, Aldo Craievich junto a Ricardo Rodrigues, Varlei Rodrigues, o próprio Daniel Ugarte e Gilberto Medeiros (e o filho deste último no colo de Craievich). À DIREITA, Ugarte e Craievich no pub The Eagle, em Cambridge, onde James Watson e Francis Crick amadureceram a estrutura do DNA e a anunciaram pela primeira vez. A descoberta da dupla hélice se baseou no uso de difração de raios X – técnica muito apreciada por Craievich, que ajudou a disseminá-la na América Latina. (Fotos do acervo pessoal do Prof. Daniel Ugarte)

 


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