Cientista em destaque: Entrevista com Ana Elisa Ferreira de Oliveira, vencedora do Prêmio Capes de Tese da área de Materiais.


“A ciência é viva, dinâmica, empolgante e enriquecedora, e fazer parte do seu avanço é um grande privilégio”, diz Ana Elisa Ferreira de Oliveira, vencedora do Prêmio Capes de Tese 2023 na área de Materiais. 

O prêmio distinguiu as 49 melhores teses de doutorado, uma por área do conhecimento, defendidas em programas de pós-graduação de todo o país em 2022. Além disso, 98 menções honrosas foram outorgadas. Mais de 1.400 trabalhos se candidataram a esta edição do Prêmio Capes, cuja cerimônia de premiação foi realizada em Brasília no dia 14 de dezembro. 

Na sua tese, Ana Elisa desenvolveu dois sensores eletroquímicos, um de grafite e outro de nanotubos de carbono, capazes de detectar em tempo real um biomarcador de câncer de mama (a proteína CA 15-3) em amostras biológicas (soro sanguíneo e saliva). Essa proteína aparece em níveis superiores aos normais na maioria das mulheres com câncer de mama depois da fase inicial da doença – motivo pelo qual pode ser usada para monitorar a resposta dessas pacientes aos tratamentos, bem como para fazer triagem de metástase e para detectar a recorrência do câncer.

Os sensores desenvolvidos no doutorado de Ana Elisa foram produzidos sobre uma base de papel na qual eletrodos foram impressos usando tintas condutoras por meio de métodos simples, como a serigrafia e a escrita à mão. Para detectar o biomarcador CA 15-3, os sensores foram modificados com anticorpos dessa proteína.

A pesquisa foi realizada com orientação do professor Arnaldo César Pereira dentro do Programa de Pós-Graduação em Física e Química de Materiais da Universidade Federal São João del-Rei (FQMat – UFSJ), em Minas Gerais. Contudo, o trabalho é resultado de dez anos de formação científica na área de sensores, desde a iniciação científica até o doutorado, sempre na UFSJ e com o mesmo orientador.

Nesta entrevista ao Boletim da SBPMat, esta jovem cientista, natural de Barbacena (MG) fala sobre os sensores e sobre as dificuldades e alegrias da trajetória que percorreu até concluir a melhor tese brasileira de Materiais defendida em 2022. 

Boletim da SBPMat: Conte-nos um pouco sobre a sua formação científica.

Ana Elisa Ferreira de Oliveira: Minha carreira acadêmica começou quando entrei na Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) em 2011. Fiz duas iniciações científicas orientadas pelo Prof. Dr. Arnaldo, ambas na área de desenvolvimento de sensoresA iniciação científica na UFSJ foi a introdução na minha carreira como pesquisadora. A partir dela, entendi a importância da pesquisa científica e tive certeza da minha vontade de continuar meus estudos na pós-graduação. Em 2015, fiz mestrado no Programa de Física e Química de Materiais da UFSJ, e ingressei no doutorado em 2017, nesse mesmo programa.

Quando estava escrevendo meu projeto de doutorado, queria muito algo na área de saúde, por isso escolhi o desenvolvimento de sensores para determinação de biomarcadores. Então, faltava decidir o que o sensor iria determinar, qual doença. Hoje o câncer de mama é o tipo de tumor mais comum em mulheres na maior parte do mundo. As mulheres com mais de 50 anos são mais afetadas por este tipo de câncer. Estatisticamente, cerca de uma em oito mulheres é diagnosticada com câncer de mama durante a vida. Logo, decidi que no meu doutorado focaria na aplicação de sensores para determinação de biomarcadores de câncer de mama.

Durante meus anos de pesquisa, publiquei 19 artigos em diferentes periódicos. Entre graduação, mestrado e doutorado, foram dez anos na UFSJ. Uma década de muito estudo, aprendizado, desafios e evolução pessoal. Sou eternamente grata pelo papel da minha universidade em minha trajetória profissional.

Boletim da SBPMat: Quais foram os maiores desafios que você enfrentou para realizar a tese premiada?

Ana Elisa Ferreira de Oliveira: O caminho durante meu doutorado não foi fácil. Mas, definitivamente, a principal dificuldade é que fomos surpreendidos por uma pandemia mundial que naquele momento havia tirado a vida de milhões no mundo. Adaptar-me a uma nova realidade e ter o trabalho no laboratório interrompido por meses foi desafiador. Quando finalmente voltei, recuperar o tempo perdido foi extremamente cansativo. Passei manhã, tarde e noite no laboratório, e muitas vezes sai sem resultados. Isso foi muito estressante. Porém, com muito esforço e dedicação consegui cumprir esse desafio. E o recebimento desse prêmio apenas constata que valeu a pena!

A premiação foi uma grande surpresa. Eu estou me sentindo extremamente honrada por ter meu trabalho de doutorado reconhecido com o recebimento de um prêmio tão importante. É uma sensação indescritível. Comemoro essa vitória junto a todos que, de forma indireta ou direta, me ajudaram a realizar meu sonho.

Boletim da SBPMat: Quais são as vantagens dos sensores desenvolvidos com relação a outras técnicas de detecção de doenças? 

Ana Elisa Ferreira de Oliveira: Os sensores eletroquímicos apresentam algumas vantagens sobre as técnicas convencionais: alta seletividade e sensibilidade, baixo custo de produção dos aparelhos, não requerem muita manutenção para seu uso e conservação, a análise pode ser feita em tempo real e técnicos especializados podem não ser necessários. 

Além de terem resposta rápida e muitas vezes sem a necessidade de pré-tratamento, os eletrodos impressos podem ser fabricados em larga escala, o que permite uma produção de baixo custo. São descartáveis, dispensando a etapa de limpeza. Consequentemente, os sensores impressos são conhecidos como dispositivos de baixo custo, miniaturizados, descartáveis ​​e de alta sensibilidade. Os eletrodos impressos podem substituir o sistema convencional de três eletrodos (trabalho, referência e contra) usando tintas condutoras e um substrato. 

Boletim da SBPMat:  Vocês montaram os protótipos dos sensores. Quais seriam as etapas necessárias para que esses dispositivos possam ser usados fora do laboratório?  

Ana Elisa Ferreira de Oliveira: Os resultados do trabalho sugerem a possibilidade de utilização de sensores eletroquímicos impressos como alternativa para determinação de CA 15-3 em amostras biológicas. No entanto, há muito mais estudos que podem e devem ser realizados nestes sensores propostos para que se tornem comerciais. 

Eles podem ser ainda mais otimizados tentando aumentar a sensibilidade e diminuir o limite de detecção e quantificação. Outra possibilidade é a modificação dos sensores impressos para determinação de outros biomarcadores, não só de câncer, mas de outras doenças como as cardiovasculares. 

Os sensores eletroquímicos também podem ser projetados para análise point-of-care (POC) devido à sua rápida resposta analítica, possibilidade de miniaturização e operação simples. O teste POC geralmente é realizado próximo ao paciente, permitindo a disponibilidade instantânea dos resultados para a tomada de decisões imediatas e informadas sobre o atendimento ao paciente. 

Portanto, algumas otimizações experimentais poderiam ser realizadas nos sensores propostos para diminuir o tempo de análise e permitir o uso de potenciostatos portáteis. Os sensores eletroquímicos impressos possuem grande potencial no monitoramento da saúde e, felizmente, muitos trabalhos estão sendo gerados na literatura envolvendo diferentes materiais para esses fins. Os resultados desta tese corroboram esta ideia e apresentam uma possibilidade de desenvolvimento de dispositivos sensíveis para CA 15-3.

Boletim da SBPMat: Deixe uma mensagem para nossos leitores que estão fazendo seus trabalhos de iniciação científica, mestrado ou doutorado.

Ana Elisa Ferreira de Oliveira: Existe uma frase atribuída a Marie Curie que diz “Durante toda a minha vida, as novas descobertas sobre a natureza me alegraram como uma criança. É assim que me senti durante toda minha carreira acadêmica. E é assim que ainda me sinto ao ler um bom artigo, ao desenvolver um projeto ou quando leio sobre uma pesquisa nova. A ciência é viva, dinâmica, empolgante e enriquecedora. Fazer parte, nem que seja num pedacinho muito pequeno, no avanço da ciência é um grande privilégio.

Boletim da SBPMat: Se quiser fazer algum outro comentário, fique à vontade.

Ana Elisa Ferreira de Oliveira: Gostaria fazer um agradecimento especial a algumas pessoas que estiveram ao meu lado durante essa caminhada. Aos meus pais, irmã e sobrinhos pelo constante apoio e incentivo. Ao meu marido Lucas por estar ao meu lado em todos os momentos. À Mayra, minha companheira fiel de laboratório pela ajuda e parceria. Ao Prof. Dr. Lucas Franco Ferreira pela parceria e colaboração. Aos colegas do grupo de pesquisa (Grupo de Pesquisa em Polímeros e Eletroanalítica – GPPE), agradeço pelo apoio, colaboração, companheirismo, conversas agradáveis e momentos de alegria. E em especial, gostaria de agradecer meu orientador Prof. Dr. Arnaldo César Pereira pela oportunidade concedida. Ele me acolheu como aluna há nove anos atrás, e desde então passamos por iniciação científica, mestrado e agora o sonhado doutorado. Agradeço pela orientação, conversas e parceria, por confiar no meu trabalho e pelo constante incentivo. É difícil descrever em palavras sua importância na minha caminhada profissional.


Veja as teses de temas relacionados a Materiais que foram distinguidas no Prêmio Capes de Tese 2023:

Tese vencedora

Área de avaliação: Materiais
Autor: Ana Elisa Ferreira de Oliveira
Título da Tese: Desenvolvimento de eletrodos impressos em papel para determinação do biomarcador de câncer CA 15-3 em amostras biológicas
Programa: Física e Química de Materiais
IES: UFSJ
Orientador: Arnaldo Cesar Pereira
Lattes da autora: http://lattes.cnpq.br/7041612631494354

 

Menções Honrosas

Área de avaliação: Materiais
Autor: Rafael Turra Alarcon
Título da Tese: Modificação estrutural de triacilgliceróis visando a obtenção de monômeros e polímeros seguindo os princípios da Química Verde: rotas sintéticas mais eficientes com menor gasto energético
Programa: Ciência e Tecnologia de Materiais
IES: UNESP – Bauru
Orientador: Gilbert Bannach
Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/9108187580652868

 

Área de avaliação: Materiais
Autora: Catia Liane Ucker
Título da Tese: Nb2O5 aplicado em processos fotocatalíticos de degradação da Rodamina B: influência da composição, estrutura e método de síntese
Programa: Ciências e engenharia de materiais
IES: UFPEL
Orientador: Sergio da Silva Cava
Co-orientadora: Cristiane Wienke Raubach Ratmann
Lattes da autora: http://lattes.cnpq.br/3494568110192672

 

Área de avaliação: Engenharias II
Autor: Robert Saraiva Matos
Título da Tese: Atividade fotocatalítica de nanocompósitos ZnO/Fe3-xMnxO4/Óxido de Grafeno (0,075≤x≤0,30) obtidos com nanopartículas sintetizadas em meio bioquelante amazônico
Programa: Ciência e Engenharia de Materiais
IES: FUFSE
Orientador: Rosane Maria Pessoa Betanio Oliveira
Co-orientador: Nilson Dos Santos Ferreira
Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/0342189537308858

 

Área de avaliação: Engenharias II
Autora: Fernanda Aparecida de Faria Almeida
Título da Tese: Síntese automática do novo grupo prostético ceto[18f]fdg para radiofluorinação de peptídeos e sua utilização no desenvolvimento do radiofármaco ceto[18f]fdg-vap-p1
Programa: Ciência e Tecnologia das Radiações, Minerais e Materiais
IES: CDTN
Orientador: Marcelo Henrique Mamede Lewer
Co-orientadora: Juliana Batista da Silva
Lattes da autora: http://lattes.cnpq.br/2004744607440769

 

Área de avaliação: Farmácia
Autor: Fernanda Isadora Boni
Título da Tese: Sistemas poliméricos multifuncionais baseados em micropartículas contendo nanocarreadores para liberação colônica da camptotecina
Programa: Ciências farmacêuticas
IES: UNESP – Araraquara
Orientadora: Maria Palmira Dalfon Gremiao
Co-orientadora: Beatriz Stringhetti Ferreira Cury
Lattes da autora: http://lattes.cnpq.br/6465892934301545

 

 

 

 


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