Pesquisadores sem remuneração: Olívia Carr.


Olívia: de volta à casa dos pais depois de ter desenvolvido um sensor para detecção precoce de doenças.

Olívia Carr no laboratório de pesquisa durante seu doutorado, no final de 2018.
Olívia Carr no laboratório de pesquisa durante seu doutorado, no final de 2018.

O câncer de cabeça e pescoço atinge milhares de brasileiros todos os anos. Cerca de 60% dessas pessoas são diagnosticadas tardiamente, o que diminui sua qualidade de vida e dificulta o tratamento. Em seu doutorado em Ciências e Engenharia de Materiais, realizado na USP, Olívia Carr gerou um sensor de baixo custo capaz de detectar a propensão de um ser humano a desenvolver esse câncer.

O trabalho de Olívia foi destacado na capa de um renomado periódico científico internacional (o Talanta), além de gerar um pedido de patente e outros artigos publicados. E mais. A tecnologia desenvolvida nesse trabalho poderia ser adaptada para detectar outras doenças, inclusive a Covid-19.

Olívia, que tem 30 anos, deseja continuar fazendo contribuições à sociedade por meio da pesquisa, que é a atividade profissional que mais gosta de fazer e para a qual se capacitou durante uma década. Porém, desde o final do doutorado, em novembro do ano passado, ela só tem visto portas se fechando.

Inicialmente, a recém-doutora recebeu, com muito entusiasmo, três propostas para realizar pós-doutorado em projetos de empresas, mas duas delas caíram por conta da pandemia (as empresas preferiram não fazer esse investimento no novo cenário) e a terceira não vingou por outros motivos. A jovem doutora participou, então, de uma chamada do CNPq (principal agência federal de financiamento à pesquisa) para projetos relacionados ao combate da Covid-19, na qual ganharia uma bolsa. Contudo, o projeto não foi aprovado para receber financiamento. Depois dessas primeiras frustrações, Olívia continuou participando de processos seletivos em instituições de pesquisa e enviou seu currículo para empresas do Brasil que têm área de pesquisa e desenvolvimento. Infelizmente, não teve sucesso.

Em paralelo, para se manter ativa e dar sequência à carreira, ela tem trabalhado junto a antigos e novos colaboradores, escrevendo artigos científicos e um capítulo de livro acadêmico para publicação. Tudo sem receber remuneração, motivo pelo qual a jovem teve que voltar à casa dos pais na cidade de Rio Claro (SP), da qual tinha saído para fazer o doutorado em São Carlos.

Mas não é a primeira vez que Olívia passa por apertos financeiros para poder atuar em pesquisa. Nos quatro anos de doutorado, passou mais da metade do tempo sem bolsa. E aqui vale a pena fazer um esclarecimento, pois se engana quem pensa que o doutorando ganha bolsa para ter mais tempo para o estudo ou o ócio. O doutorado é, na maior parte dos casos, uma atividade de tempo integral, que inclui tanto a formação teórica do estudante (as disciplinas cursadas) quanto seu treinamento prático (a pesquisa de doutorado). Além disso, a pesquisa de doutorado é, muito além de um treinamento, um trabalho científico completo, cujos resultados contribuem ao avanço da ciência mundial e à inovação industrial.

Até o momento, Olívia não desistiu de ser pesquisadora, profissão que a encantou já no final da graduação em Física, quando conheceu o dia-a-dia de um laboratório de pesquisa. Todavia, depois de 10 meses sem remuneração, esta profissional da ciência, capacitada para desenvolver dispositivos que podem ter grande impacto na saúde das pessoas, começa a avaliar outras opções, como dar aulas de Física.


Comments
    • Paula Campos

      Eu desisti da carreira acadêmica após o doutorado e fui para a iniciativa privada. Mesmo com dúvidas, acredito que tenha sido a melhor opção para o momento. Infelizmente a situação do Brasil não tem sido fácil.

    • Rafael Furlan

      Esta é uma triste (de muitas) consequências de um país que abidica de sua soberania ao deixar de investir na ciência, importante motor para o desenvolvimento de uma nação forte. Nosso investimento em ciência vem diminuindo vertinosamente, ano após ano, atingindo números atuais que se equiparam àqueles de 2005 (Fonte: Tesouro Nacional, 2020). Sem falar na indústria – que poderia absorver a Dra. Olívia Carr e seu conhecimento aplicado – que vem sofrendo encolhimento recorde em uma velocidade impressionante. Esse é o reflexo de um país sem projeto de nação (há muito tempo), que (mais do que nunca) flerta com seu passado de colônia, e onde a inteligência brasileira é subaproveitada. Pagamos eu, você, a Olívia, mas sobretudo as próximas gerações.

    • Ivan H Bechtold

      Mais um exemplo de profissional altamente qualificado desenvolvendo ciência aplicada ao bem-estar da sociedade, especialmente para um problema de saúde pública, que não tem seu valor reconhecido pelos governantes. Quem mais perde com isso é o próprio país, pois pesquisa gera inovação, inovação gera riqueza e riqueza gera desenvolvimento social (quando bem administrada). Juntos pela valorização dos pesquisadores e da ciência brasileira!!

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