Artigo em destaque: Visualizando a sinterização na escala atômica.


Foi na iniciação científica que Edson Roberto Leite, hoje diretor científico do LNNano, começou a trabalhar com pesquisa em sinterização. Na época ele era aluno de Engenharia de Materiais da UFSCar e o seu orientador era o professor José Arana Varela, destacado cientista de materiais falecido em 2016, que foi sócio fundador e presidente da SBPMat.

Utilizada desde a Antiguidade, a sinterização é um processo de aglutinação de partículas sólidas que resulta em um material compacto. Nesse processo, os espaços entre as partículas ou grãos (os poros) vão sendo preenchidos por átomos que se desprendem da superfície do material. 

“Sempre fui muito ligado nesse tema e curioso para saber como é o transporte a nível atômico durante o processo de sinterização”, relembra Edson Leite.

Mais de trinta anos depois desse primeiro trabalho científico, Leite acalmou essa curiosidade. Junto a outros pesquisadores do LNNano, ele conseguiu visualizar, em tempo real e com resolução atômica, o processo de eliminação de poros em uma cerâmica de óxido de zircônio nanométrica. O trabalho foi recentemente publicado no prestigiado periódico científico Nano Letters.

“Com certeza o Prof. Varela iria se orgulhar e gostar deste trabalho”, diz Leite, que, aliás, recebeu o Prêmio José Arana Varela da SBPMat no ano passado em reconhecimento à sua trajetória científica.

Para chegar à publicação do artigo, o primeiro passo foi dado quatro anos atrás, quando Leite e a sua equipe desenvolveram uma metodologia que permitiu preparar monocamadas de nanopartículas auto suportadas (sem substrato). Quando levaram esses finíssimos filmes a um microscópio eletrônico de transmissão (TEM), os pesquisadores notaram que o feixe de elétrons induzia o transporte de átomos, mesmo a temperatura ambiente. A equipe enxergou então a possibilidade de estudar o processo de sinterização in situ. Isto é, poder acompanhar no microscópio as mudanças no preenchimento dos poros, passo a passo e sem precisar retirar a amostra no meio do processo.

A possibilidade tomou forma no TEM de alta resolução do LNNano, um HRTEM, que permite visualizar átomos. “Montamos um time formado pelo Jefferson Bettini  (pesquisador do LNNano), minha pós-doc Tanna Rodrigues Fiuza e o Marlon Muniz da Silva (estagiário do LNNano e hoje aluno de doutorado no LNLS) e começamos a trabalhar duramente para visualizar a sinterização em escala atômica”, conta Leite.

Autores do artigo. A partir da esquerda: Marlon Muniz da Silva, Tanna Elyn Rodrigues Fiuza, Jefferson Bettini e Edson Roberto Leite.
Autores do artigo. A partir da esquerda: Marlon Muniz da Silva, Tanna Elyn Rodrigues Fiuza, Jefferson Bettini e Edson Roberto Leite.

Inicialmente, a equipe preparou filmes cerâmicos formados por grãos nanométricos de óxido de zircônio e focou os esforços em estudar o processo que ocorre no final da sinterização: a eliminação dos poros isolados que ficam nos contornos dos grãos. 

O trabalho foi tão instigante quanto desafiador, não apenas pelas horas passadas ao microscópio na coleta, tratamento e análise de imagens, mas principalmente pelo esforço dos pesquisadores para compreender o que estavam vendo. “No final fomos bastante felizes e demonstramos quais as transformações que ocorrem durante o fechamento dos poros em escala atômica”, conta Leite.

Neste vídeo, filmado pelos autores do artigo usando o HRTM, é possível visualizar átomos migrando dos grãos adjacentes e preenchendo o poro:

O trabalho deve ter um importante impacto acadêmico, já que seus resultados mostram que a realidade das cerâmicas nanométricas não se encaixa, em alguns aspectos, nos modelos teóricos que são utilizados para explicar processos de sinterização. “A maioria dos modelos existentes envolvendo a cinética de sinterização considera a energia superficial e a energia dos contornos de grão isotrópicos. Nós mostramos que isso não ocorre em cerâmicas nanométricas”, explica o professor Leite. “Além disso, mostramos que ocorre uma transição em que uma superfície rugosa é eliminada e que ocorre o aparecimento de superfícies facetadas, indicando que possa existir uma barreira termodinâmica, além de uma barreira cinética para o transporte atômico”, completa. “Em resumo, podemos dizer que é necessário modificar os modelos existentes para explicar o processo de sinterização em nanoescala”, conclui o cientista.

De acordo com os autores, o trabalho também deve ter um impacto na indústria cerâmica, já que a melhor compreensão do processo de sinterização pode levar ao desenvolvimento de cerâmicas nanoestruturadas com porosidade e tamanho de partícula controlados e, portanto, com propriedades mecânicas e eletrônicas diferenciadas.


Referência do artigo científico: Visualization of the Final Stage of Sintering in Nanoceramics with Atomic Resolution. Tanna Elyn Rodrigues Fiuza, Marlon Muniz da Silva, Jefferson Bettini, and Edson Roberto Leite. Nano Lett.2022, 22, 1978 – 1985. https://doi.org/10.1021/acs.nanolett.1c04708

Contato do autor: edson.leite@lnnano.cnpem.br

 


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