Artigo em destaque: Dióxido de titânio preto para células a combustível impulsionadas com energia solar.


Imagem de MET do novo material fotossensível: TiO2 preto autodopado.
Imagem de MET do novo material fotossensível: TiO2 preto autodopado.

Pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) desenvolveram um nanomaterial fotossensível muito eficiente para produzir eletricidade a partir de compostos orgânicos usados como combustíveis e a luz do sol como fonte de energia. O processo, que é relativamente limpo e barato, é realizado em um dispositivo chamado de “fotocélula a combustível”. No trabalho, a equipe utilizou como combustível o metanol (CH3OH), álcool líquido que armazena grande quantidade de energia e, quando utilizado, gera muito menos emissões de carbono do que os combustíveis fósseis. O composto tem ganhado atenção como combustível para a geração de energia limpa, principalmente porque pode ser produzido a partir de biomassa.

“A fotocélula a combustível desenvolvida em nosso trabalho contém uma tecnologia simples capaz de converter metanol em energia usando apenas a energia solar como força motriz externa, operando com materiais simples, estáveis, abundantes e livres de metais nobres, o que torna o custo do processo consideravelmente baixo comparado com células convencionais a combustível”, diz Heberton Wender, um dos autores correspondentes do artigo que reporta este avanço no periódico ACS Advanced Materials and Interfaces.

Células a combustível são dispositivos que convertem diretamente a energia química de um combustível em energia elétrica por meio de reações eletroquímicas, com baixas ou nulas emissões de carbono. Utilizadas há décadas para fornecer energia em satélites e espaçonaves, as células a combustível já estão presentes em residências, comércios, indústrias e carros elétricos, e se tornam cada vez mais relevantes perante a necessidade de gerar energia da forma mais limpa possível para mitigar as mudanças climáticas. Entretanto, os materiais necessários para catalisar com eficiência as reações eletroquímicas nos eletrodos das células a combustível se baseiam, geralmente, em elementos caros e escassos como os metais nobres. Por isso, várias alternativas estão sendo investigadas; entre elas, o desenvolvimento de fotocélulas a combustível.

Nesses dispositivos, materiais fotossensíveis de baixo custo, baseados em elementos abundantes, ajudam a impulsionar as reações por meio dos elétrons e buracos que eles geram ao serem excitados pela luz do Sol. Um desses materiais é o dióxido de titânio (TiO2). Esse composto, que geralmente se apresenta em forma de pó de cor branca, não se degrada facilmente com a luz e é simples de se preparar. Contudo, ele tem uma limitação importante: absorve apenas radiação ultravioleta, deixando de aproveitar os outros comprimentos de onda que também estão presentes na luz solar, como os da chamada luz visível.

Nesse contexto nasceu a ideia inicial do trabalho da equipe da UFMS, o qual foi desenvolvido dentro do doutorado de Luiz Felipe Plaça sob orientação do professor Heberton. “Pensamos em usar dióxido de titânio autodopado, ou seja, com defeitos estruturais autoinduzidos, utilizando um processo simples, barato e que possa ser facilmente escalável no futuro”, conta o professor. “Foi quando decidimos usar o tratamento térmico em atmosfera redutora com pequenas quantidades de borohidreto de sódio (NaBH4)”, detalha. A ideia gerou ótimos resultados. O tratamento permitiu controlar a densidade de defeitos nas nanopartículas de dióxido de titânio e, dessa forma, ampliar a sua capacidade de absorver radiação, incluindo parte do espectro visível da luz solar. Além disso, o material perdeu a sua cor branca característica e ficou preto.

O dióxido de titânio preto foi colocado sobre um substrato de vidro condutor transparente e utilizado como fotoânodo da célula a combustível. O fotoânodo é o componente responsável por absorver a luz solar e transformá-la nos elétrons e buracos que vão reduzir o oxigênio e oxidar o combustível, respectivamente, gerando a desejada corrente elétrica no final do processo. Com os fotoânodos de dióxido de titânio preto, a eficiência da célula a combustível apresentou um aumento muito considerável na sua capacidade de produzir corrente elétrica a partir de metanol e energia solar. “O dispositivo melhorado, sem o uso de metais nobres, mostrou 2.000% de aumento na potência máxima de saída”, diz o professor Heberton. “Isso representa uma eficiência impressionante e coloca o dióxido de titânio autodopado na lista dos materiais mais promissores para serem usados como fotoânodos em fotocélulas a combustível de metanol ou de combustíveis alternativos como etanol, glicerol, outros álcoois e até poluentes orgânicos de maior massa molar”, completa.

Funcionamento da fotocélula a combustível e o papel do novo fotoânodo.
Funcionamento da fotocélula a combustível e o papel do novo fotoânodo.

Como pode ser abastecida com poluentes orgânicos – possibilidade que foi explorada em outro trabalho da equipe, a fotocélula poderia ser usada para descontaminar águas sem custos energéticos adicionais e, até mesmo, gerar um pouco de eletricidade extra para uso externo em dispositivos de baixa potência.  “Em um cenário hipotético, seria possível purificar água de efluentes ou curvas de níveis em propriedades rurais ao passo que energia é produzida”, destaca o professor Cauê Alves Martins, que também é autor correspondente do artigo da ACS Applied Materials and Interfaces.

Além da fotocélula laboratorial, os autores prepararam, com o novo fotoânodo, um protótipo de dispositivo portátil de pequenas dimensões: uma fotocélula microfluídica. O dispositivo, que cabe na palma da mão, foi produzido em menos de uma hora com um custo de menos de US$ 2,00. Para desenvolver o protótipo, a equipe contou com a participação de um estudante da graduação em Engenharia Física da UFMS, Pedro Lucas S. Vital, que, orientado pelo professor Cauê, aceitou o desafio de preparar a célula usando uma impressora 3D.  O dispositivo também foi testado, com bons resultados. “Apesar de ser um bom protótipo, a engenharia do dispositivo pode ser melhorada para aumentar a densidade de potência via “scale out”, com mais dispositivos operando em conjunto”, comentam os professores Heberton e Cauê.

O trabalho é resultado de uma colaboração, já bem estabelecida, entre dois grupos de pesquisa do Instituto de Física da UFMS: o Nano&Photon, coordenado pelo professor Heberton Wender, e o Electrochemistry Research Group, liderado pelo professor Cauê Alves Martins. Pesquisadores do Instituto de Química de São Carlos (IQSC-USP) também participaram do trabalho.

Os autores do trabalho. A partir da esquerda: Luiz F. Plaça, Pedro L. S. Vital, Luiz E. Gomes, Antonio C. Roveda Jr., Daniel R. Cardoso, Cauê A. Martins, Heberton Wender.
Os autores do trabalho. A partir da esquerda: Luiz F. Plaça, Pedro L. S. Vital, Luiz E. Gomes, Antonio C. Roveda Jr., Daniel R. Cardoso, Cauê A. Martins, Heberton Wender.

Referência do artigo científico: Black TiO2 Photoanodes for Direct Methanol Photo Fuel Cells. Luiz Felipe Plaça, Pedro-Lucas S. Vital, Luiz Eduardo Gomes, Antonio Carlos Roveda Jr., Daniel Rodrigues Cardoso, Cauê Alves Martins, and Heberton Wender. ACS Applied Materials & Interfaces. DOI: 10.1021/acsami.2c04802.

Contato dos autores correspondentes: heberton.wender@ufms.br, caue.martins@ufms.br.


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