Artigo em destaque: Otimizando nanotubos para a produção de hidrogênio verde.


Geração de hidrogênio em célula fotoeletroquímica com o fotoanodo desenvolvido pela equipe pernambucana.
Geração de hidrogênio em célula fotoeletroquímica com o fotoanodo desenvolvido pela equipe pernambucana.

Um trabalho realizado em instituições pernambucanas traz uma contribuição ao desenvolvimento de nanomateriais com potencial para superar um importante desafio energético: a geração de hidrogênio por meio de processos sustentáveis. De fato, a molécula de hidrogênio é considerada um combustível limpo porque o seu uso, ou “queima”, não emite gases do efeito estufa. Porém, a produção dessa molécula é responsável por emitir centenas de toneladas de dióxido de carbono por ano.

Felizmente, caminhos mais sustentáveis para se produzir hidrogênio molecular estão sendo explorados por cientistas ao redor do mundo.  Os mais “verdes” de todos são os processos fotoeletroquímicos, que consistem em quebrar a molécula de água (H2O) usando eletricidade proveniente de conversão fotovoltaica; ou seja, da transformação de fótons em elétrons. Esses processos são realizados em células fotoeletroquímicas – sistemas simples e baixo custo compostos, basicamente, por um fotoanodo, onde ocorre a absorção da luz solar e a consequente geração de uma corrente de elétrons, e um cátodo, em cuja superfície o hidrogênio se desprende da molécula de água pela ação da eletricidade gerada no fotoanodo. Nesse contexto, é essencial desenvolver materiais para o fotoanodo que sejam eficientes e duráveis, e que possam ser produzidos por meio de processos de baixo custo e amigos do meio ambiente.

Em artigo recentemente publicado no Journal of Power Sources (fator de impacto 9,1270), cientistas do Centro de Tecnologias Estratégicas do Nordeste (CETENE) e da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) reportam um método simples e limpo para produzir nanocompósitos capazes de gerar uma corrente elétrica a partir da luz do sol. O trabalho também apresenta bons resultados da aplicação do material obtido como fotoanodo na produção de hidrogênio.

Desafio: aumentar a sensibilidade do fotoanodo

O dióxido de titânio (TiO2) é o material mais utilizado em fotoanodos. À diferença de outros semicondutores, ele não é tóxico e não se degrada facilmente em contato com a luz e a água. Contudo, esse material tem uma limitação que afeta a sua eficiência: ele consegue absorver apenas luz ultravioleta, deixando de aproveitar as outras radiações presentes na luz solar. Por esse motivo, esforços científicos têm sido realizados no sentido de expandir a sensibilidade do TiO2. Esse foi exatamente o objetivo da equipe do CETENE e UFPE no início do trabalho conjunto. A estratégia adotada foi integrar nanocristais semicondutores (pontos quânticos) a nanotubos de TiO2 e, dessa forma, obter um material que seja mais sensível à luz solar graças à ação sinérgica de ambos os semicondutores.

Os pesquisadores começaram por sensibilizar os nanotubos com nanocristais de sulfeto de bismuto (Bi2S3), conta Denilson V. Freitas, que hoje atua como pesquisador no CETENE com bolsa  PCI do CNPq e participa desta linha de pesquisa desde o início, quando fazia o doutorado em Química na UFPE.  Nos experimentos, os cientistas notaram que o método de preparação do nanocompósito impactava significativamente seu desempenho fotoeletroquímico, e reportaram esses resultados em artigo publicado em 2018 na ACS Applied Energy Materials (fator de impacto 6,024). “Verificamos que os melhores resultados fotoeletroquímicos foram para o método assistido por ligante quando comparado com o método hidrotermal”, diz Denilson. Dessa forma, o primeiro método foi escolhido. Na sensibilização por ligante, os nanotubos de TiO2, suportados em folhas de titânio, são submersos em uma solução contendo os nanocristais escolhidos. Ambos os materiais interagem e, no final do processo, os pontos quânticos ficam adsorvidos na superfície dos nanotubos.

A segunda fase da pesquisa foi realizada dentro do mestrado em Ciência de Materiais de Danilo A. P. Velásquez, realizado na UFPE. Desta vez, a equipe científica utilizou nanocristais de prata, índio e selênio (AgIn5Se8) com o objetivo principal de determinar qual seria o tempo ótimo de submersão dos nanotubos na solução, já que os pesquisadores tinham notado que concentrações elevadas de nanocristais na superfície dos nanotubos afetavam negativamente o desempenho do nanocompósito. Para isso, eles fizeram uma série de experimentos variando o tempo de submersão entre 1 hora e 48 horas.

Nanotubos de dióxido de titânio sem pontos quânticos (esquerda), sensibilizados com pontos quânticos por 2 horas (centro) e por 72 horas (direita).
Nanotubos de dióxido de titânio sem pontos quânticos (esquerda), sensibilizados com pontos quânticos por 2 horas (centro) e por 72 horas (direita).

Além de observar por técnicas de microscopia eletrônica a concentração de nanocristais obtida em cada caso, os pesquisadores conferiram o desempenho de cada amostra. Os resultados mostraram que a performance fotoletroquímica dos nanotubos melhorou de forma crescente com o tempo de sensibilização até as 24 horas de imersão, quando o nanocompósito obtido gerou uma fotocorrente 2,4 vezes maior do que os nanotubos puros. Além disso, os nanotubos otimizados também melhoraram a sua performance na produção de hidrogênio, a qual foi 3,1 vezes maior do que a do material sem pontos quânticos. Os experimentos também demonstraram que, após as 24 horas de imersão, a concentração de nanocristais se tornou excessiva e prejudicou a funcionalidade do nanocompósito. “O trabalho mostrou que a otimização temporal da sensibilização dos nanotubos é uma etapa importante na produção de sistemas mais eficientes”, resume Denilson.

A pesquisa foi realizada por pesquisadores e estudantes ligados aos programas de pós-graduação em Química e Ciência de Materiais da UFPE,  coordenados pelo professor Marcelo Navarro, e ao CETENE, liderados pela pesquisadora e diretora do centro Giovanna Machado. A aquisição de imagens dos nanotubos sensibilizados por microscopia eletrônica de transmissão de alta resolução foram realizadas no SENAI-MG. Os trabalhos contaram com financiamento das agências brasileiras de apoio à pesquisa CNPq, FACEPE, CAPES e Finep.

Os autores do paper. A partir da esquerda: Danilo A. P. Velásquez, Felipe L. N. Sousa, Thiago A. S. Soares, Anderson J. Caires, Denilson V. Freitas, Marcelo Navarro e Giovanna Machado.
Os autores do paper. A partir da esquerda: Danilo A. P. Velásquez, Felipe L. N. Sousa, Thiago A. S. Soares, Anderson J. Caires, Denilson V. Freitas, Marcelo Navarro e Giovanna Machado.

Referência do artigo científico: Boosting the performance of TiO2 nanotubes with ecofriendly AgIn5Se8 quantum dots for photoelectrochemical hydrogen generation. Danilo A.P.Velásquez, Felipe L.N.Sousa, Thiago A.S.Soares, Anderson J.Caires, Denilson V.Freitas, MarceloNavarro, GiovannaMachado. Journal of Power Sources. Volume 506, 15 September 2021, 230165. https://doi.org/10.1016/j.jpowsour.2021.230165.

Contato da autora correspondente: Giovanna Machado – giovanna.machado@cetene.gov.br.


 


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