Artigo em destaque: Novo isolante natural para dispositivos ultrafinos.


Uma equipe de pesquisadores de instituições brasileiras deu os primeiros passos rumo ao uso da flogopita, mineral abundante no Brasil, como fonte natural de camadas isolantes ultrafinas que poderão ser usadas em dispositivos optoeletrônicos do futuro. “O nosso trabalho apresenta a inserção desse mineral natural na pesquisa de materiais e seu possível uso em diferentes áreas da nanotecnologia”, diz o cientista Alisson R. Cadore, autor correspondente do artigo recentemente publicado no periódico 2D Materials.

O trabalho se insere na busca por materiais bidimensionais (de um ou poucos átomos de espessura) de baixo custo. Nessa procura, a comunidade científica tem investigado os chamados “materiais lamelares”, os quais são formados por camadas ultrafinas empilhadas, unidas entre si pelas chamadas “forças de van der Waals”. Por serem relativamente fracas, essas forças físicas permitem que a separação das lamelas seja feita por meio de diversos métodos. Um dos exemplos mais conhecidos desse grupo é o grafite, que é a fonte do grafeno. Outro exemplo é o das micas, família de minerais que inclui a flogopita, a qual nunca tinha sido estudada na sua forma bidimensional antes do trabalho da equipe brasileira.

Neste trabalho, os pesquisadores usaram cristais macroscópicos de flogopita minerados em Itabira (MG) para gerar camadas bidimensionais mediante esfoliação mecânica. Essa técnica extremamente simples ganhou fama por ter protagonizado a primeira obtenção bem-sucedida de grafeno, que valeu o prêmio Nobel de Física a Andre Geim e Konstantin Novoselov em 2010. Nesse método, utiliza-se uma fita adesiva comum para separar flocos do material, os quais ficam grudados à fita. O procedimento é repetido até chegar à camada mais fina possível, a monocamada.

Usando esse método, os autores do artigo obtiveram monocamadas e flocos de algumas camadas de flogopita. Com eles, realizaram uma robusta caracterização que envolveu diversas técnicas experimentais em laboratórios da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Alguns resultados foram confirmados com simulações computacionais realizadas pelos autores da Universidade Federal de Lavras (UFLA).

 

Cristal macroscópico natural de flogopita; imagem de microscopia óptica de flocos de flogopita esfoliados com diferentes espessuras; representação da estrutura cristalina de uma monocamada de flogopita calculada por simulações computacionais.
Cristal macroscópico natural de flogopita; imagem de microscopia óptica de flocos de flogopita esfoliados com diferentes espessuras; representação da estrutura cristalina de uma monocamada de flogopita calculada por simulações computacionais.

 

“Neste trabalho, identificamos teórica e experimentalmente a composição química e estrutural da flogopita e demonstramos que esse isolante natural e abundante pode ser esfoliado até o limite de uma única camada, mantendo suas características físicas”, resume Cadore, que atualmente é pesquisador do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano), mas realizou o trabalho na UPM, onde era professor. Uma das principais descobertas do estudo foi o fato de que a flogopita ultrafina é estável quando é submetida a processamento térmico, bem como quando é exposta ao ambiente (as amostras ficaram durante 13 meses em condições ambiente sem apresentar degradação).

Além disso, o trabalho comparou as características da flogopita com as do isolante sintético mais utilizado internacionalmente como substrato em nanodispositivos, o nitreto de boro hexagonal. Para isso, a equipe brasileira desenvolveu uma colaboração com o Instituto Nacional de Ciência dos Materiais do Japão (NIMS), onde é produzido o material com as melhores propriedades físicas. O grupo japonês forneceu os cristais sintéticos.

De acordo com os autores, dado que a flogopita bidimensional é um ótimo isolante elétrico e térmico, além de ser naturalmente abundante e de fácil extração, ela poderá ser usada como material de baixo custo em dispositivos que ainda são pouco explorados na escala nano, como transistores, capacitores e fotodetectores. Essas aplicações se tornam ainda mais promissoras perante a possibilidade de utilizar a flogopita bidimensional em estruturas de propriedades únicas chamadas “heteroestruturas de van der Waals”, as quais são formadas pelo empilhamento de camadas ultrafinas de materiais diferentes, unidas por forças de van der Waals. Por isso, os autores do artigo montaram heteroestruturas de flogopita e dissulfeto de tungstênio e estudaram algumas das suas propriedades. “Destacamos que a flogopita bidimensional é um isolante estável às condições ambiente e pode ser ainda facilmente combinado com outros materiais 2D, criando heteroestruturas híbridas ultrafinas, o que amplia a aplicação desse nanomaterial em novos dispositivos optoeletrônicos futuros”, diz Cadore.

 

Imagem de microscopia óptica de uma heteroestrutura de van der Waals contendo uma monocamada de dissulfeto de tungstênio sobre poucas camadas de flogopita. Análise de propriedades ópticas de heteroestruturas 2D.
Imagem de microscopia óptica de uma heteroestrutura de van der Waals contendo uma monocamada de dissulfeto de tungstênio sobre poucas camadas de flogopita. Análise de propriedades ópticas de heteroestruturas 2D.

 

Realizado dentro do doutorado de Raphaela de Oliveira, o trabalho da flogopita bidimensional se insere em uma linha de trabalho iniciada no Departamento de Física da UFMG. “Nossos estudos sempre envolveram diferentes pesquisadores nacionais e internacionais na obtenção e caracterização de diferentes materiais 2D naturais e a sua aplicação em nanodispositivos e nanofotônica ”, conta Cadore, cujo doutorado em Física pela UFMG foi sobre heteroestruturas bidimensionais de grafeno. O objetivo dessas pesquisas é achar materiais com as características ideais para essas aplicações, de modo a substituir os sintéticos, que têm alto custo.

O trabalho desenvolvido com a flogopita foi inspirado por estudos realizados com pedra-sabão, iniciados na UFMG em 2015. Os estudos com esse mineral continuaram no LNLS – CNPEM conduzidos pela pesquisadora Ingrid Barcelos, que também fez doutorado em Física na UFMG com uma pesquisa sobre heteroestruturas de van der Waals. Em 2021, Ingrid ganhou, pelo trabalho com pedra-sabão, um dos prêmios Para Mulheres na Ciência, outorgados pela L’Oréal Brasil em parceria com a UNESCO e Academia Brasileira de Ciências (ABC).

 

Alguns dos autores principais do artigo. A partir da esquerda: Alisson R. Cadore, Raphaela de Oliveira, Raphael Longuinhos, Ingrid D. Barcelos e Christiano J. S. de Matos.
Alguns dos autores principais do artigo. A partir da esquerda: Alisson R. Cadore, Raphaela de Oliveira, Raphael Longuinhos, Ingrid D. Barcelos e Christiano J. S. de Matos.

 

A pesquisa sobre flogopita bidimensional teve financiamento da CAPES, CNPq, Fundo Mackenzie de Pesquisa e Inovação, FAPESP, FAPEMIG e Prêmio L´OREAL-UNESCO-ABC Para Mulheres na Ciência.


Referência do artigo científico: Exploring the structural and optoelectronic properties of natural insulating phlogopite in van der Waals heterostructures. Alisson R Cadore, Raphaela de Oliveira, Raphael Longuinhos, Verônica de C Teixeira, Danilo A Nagaoka, Vinicius T Alvarenga, Jenaina Ribeiro-Soares, Kenji Watanabe, Takashi Taniguchi, Roberto M Paniago, Angelo Malachias, Klaus Krambrock, Ingrid D Barcelos and Christiano J S de Matos. 2022 2D Mater. 9 035007. https://doi.org/10.1088/2053-1583/ac6cf4.

Contato do autor correspondente: alissoncadore@gmail.com


Comments

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *