Artigo em destaque: Filmes compartimentados para embalagens repelentes reutilizáveis.


Imagine a seguinte situação. Você compra um alimento embalado com um filme polimérico que tem a propriedade de manter os insetos afastados. Depois de consumir o alimento, você coloca o filme em água e ele começa a se dissolver. Dezesseis minutos mais tarde, você tem um novo produto: um líquido repelente, pronto para ser borrifado nas suas plantas.

E agora, o processo inverso. Você joga o líquido em moldes e espera alguns dias. Como se fosse mágica, os filmes voltam a se formar espontaneamente. Você pode, então, utilizá-los de novo como embalagens repelentes.

Um material como esse foi recentemente desenvolvido por uma equipe científica da Unicamp, com colaboração da Embrapa, no mestrado em Engenharia Química de Izabella Wyne Inacio Alves Caetano, realizado com a orientação da professora Liliane Maria Ferrareso Lona (Unicamp).


Este vídeo mostra o filme polimérico desenvolvido pela equipe da Unicamp se desmanchando em água e formando uma dispersão coloidal.

Um dos segredos do novo filme é a sua estrutura compartimentada. De fato, à luz de um microscópio eletrônico, é possível observar que o filme contém divisórias. Trata-se de partículas poliméricas esféricas de cerca de 500 nanômetros, as quais carregam uma substância – neste caso, óleo de neem, conhecido pelas suas propriedades inseticidas e repelentes.

As partículas ajudam a preservar o óleo da degradação que a luz geraria. Ao mesmo tempo, permitem a sua liberação em doses controladas, evitando o desperdício. Quando o filme se dissolve, as diminutas partículas passam a ficar dispersas na água, mas elas mantêm a sua funcionalidade.

O avanço da equipe brasileira mostra uma possibilidade de desenvolver produtos que o consumidor pode desmanchar usando apenas água, utilizar em outro contexto e reconstruir sem perder as suas propriedades principais. Ademais, a possibilidade de transformar um líquido em um filme (de menor tamanho e peso) pode ser aproveitada para facilitar o transporte e armazenamento do produto e diminuir os custos envolvidos.

À esquerda, a fotografia e a imagem de microscopia mostram o filme compartimentado (condição seca). À direita, pode ser visto o filme desconstruído em água, formando uma dispersão coloidal contendo nanopartículas (condição aquosa).

À esquerda, a fotografia e a imagem de microscopia mostram o filme compartimentado (condição seca). À direita, pode ser visto o filme desconstruído em água, formando uma dispersão coloidal contendo nanopartículas (condição aquosa).

O trabalho foi publicado no início deste ano no periódico Advanced Sustainable Systems. Além disso, com a ajuda da Agência de Inovação da Unicamp (Inova), os autores depositaram um pedido de patente sobre os filmes nanocompartimentados em dezembro do ano passado.

“A principal contribuição deste trabalho é a preparação de filmes nanocompartimentados com a possibilidade upcycling (ou seja, reutilização). Assim, a tradicional “economia linear” (descartar após o uso) é direcionada para a “economia circular”, priorizando a sustentabilidade do processo”, diz o pós-doc Filipe Vargas Ferreira, que participou do trabalho e assina o artigo científico como autor correspondente junto à professora Liliane Lona.

Documentos da ONU e da União Europeia sugerem que, até 2030, os filmes poliméricos usados em embalagens sejam fabricados de forma que possam ser reciclados ou reutilizados. Nesse contexto, dizem os autores do paper, a proposta de upcycling apresentada no trabalho constitui uma oportunidade de agregar valor ao produto, uma vez que aumenta a funcionalidade do material e está de acordo com as novas exigências mundiais.

A proposta inicial da pesquisa era preparar um líquido contendo nanopartículas (uma dispersão coloidal) que carregassem compostos naturais com potencial uso no controle de pragas na agricultura. Para sintetizar as nanopartículas, a equipe escolheu uma blenda polimérica comercial chamada ecovio®, a qual se destaca por ser compostável, ou seja, por se transformar em adubo quando, finalmente, é descartada. “Na literatura científica, nunca tinha sido usada uma blenda num processo de encapsulação deste tipo, porque é muito difícil trabalhar com mais de um polímero nessas situações”, relata a professora Liliane. O desafio foi superado pela mestranda Izabella após um ano de trabalho junto à orientadora.

Posteriormente, novas possibilidades de reutilização da dispersão se abriram quando a mestranda verificou que o líquido formava filmes flexíveis ao ficar na bancada do laboratório por alguns dias. “Quando analisamos estes filmes no microscópio de varredura (SEM) percebemos que, durante a secagem, as nanopartículas tinham se auto-organizado formando compartimentos neles”, conta Izabella, que defendeu a dissertação de mestrado sobre este trabalho no ano passado. “A satisfação foi maior ainda quando verificamos que o diâmetro das partículas se mantinha quando o filme retornava para a forma de dispersão coloidal ao acrescentarmos água”, relata a professora Liliane.

O estudo foi financiado, principalmente, pela FAPESP e o CNPq.

 

Autores do artigo científico. A partir da esquerda: Izabella W. I. A. Caetano, Filipe V. Ferreira, Danilo M. dos Santos, Ivanei F. Pinheiro e Liliane M. F. Lona.

Autores do artigo científico. A partir da esquerda: Izabella W. I. A. Caetano, Filipe V. Ferreira, Danilo M. dos Santos, Ivanei F. Pinheiro e Liliane M. F. Lona.

Referência do artigo científico: Water-Dependent Upcycling of Eco-Friendly Multifunctional Nanocompartmentalized Films. Izabella W. I. A. Caetano, Filipe V. Ferreira, Danilo M. dos Santos, Ivanei F. Pinheiro, and Liliane M. F. Lona. Adv. Sustainable Syst. 2023, 2200430. https://doi.org/10.1002/adsu.202200430

Contato dos autores correspondentes: lona@unicamp.br, f102309@dac.unicamp.br.


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